Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2449/10.1TAGMR.G1
Relator: PAULO FERANANDES SILVA
Descritores: INSTRUÇÃO
REQUERIMENTO
OMISSÃO
FACTOS
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Do requerimento de abertura de instrução do Assistente deve constar a descrição da factualidade integradora do ilícito criminal imputado ao Arguido, sob pena de nulidade e, consequente, rejeição daquele requerimento, não havendo convite prévio ao seu aperfeiçoamento.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: ---
I.
RELATÓRIO. ---
Nestes autos de processo comum, após o despacho de arquivamento dos mesmos proferido pelo Ministério Público, vieram os Assistentes José R... e Maria G... Cf. fls. 143. --- requerer a abertura de instrução nos seguintes termos: (transcrição) ---
«1º Foi por despacho do Exmo. Senhor Procurador Adjunto, decidido arquivar o inquérito relativamente aos denunciados Joaquim R... e mulher, por no seu Douto entendimento não existirem provas.
2° A abertura de instrução, que se requer, traduz o inconformismo dos Assistentes com a decisão do arquivamento, em virtude da existência suficiente de indícios que permitissem deduzir a acusação contra os denunciados Joaquim R... e mulher que deveriam previamente ser constituídos arguidos.
3° De facto, consta do Douto despacho que alegadamente as testemunhas inquiridas, quase em uníssono, de saliente e em síntese, disseram que nada ou pouco sabem sobre o ocorrido, uma vez que não presenciaram directa ou indirectamente os factos.
4º Não foram feitas quaisquer referências aos documentos juntos pelos Assistentes, nomeadamente os seis documentos originais ou certificados por oficial público e que foram juntos aos autos aquando da participação efectuada.
5º A ser assim não se compreende que conste do Douto Despacho que não foram levantados outras suspeições válidas, consistente e credíveis, indicadas - mais - testemunhas ou carreado outro meio de prova relevante que viabilize a realização de diligências suplementares que se me afigurem virtualmente úteis ao apuramento indiciário dos factos.
6° Bem como consta do Douto despacho que sendo este o núcleo essencial da prova reunida nos autos e não se vislumbrando elementos processualmente atendíveis que viabilizem a realização de diligências suplementares que se me afigurem virtualmente úteis ao apuramento indiciário dos factos, cumpre apreciar, conhecer e decidir.
7º Mais se refere no Douto despacho que diga-se então desde já que não se reuniram elementos de prova suficientemente elucidativos e esclarecedores da prática pelos denunciados dos factos participados, que constituem o objecto do presente Inquérito.
8° Assim não corresponde à verdade que o denunciante encontra-se assim estruturalmente só e completamente isolado na versão dos factos que apresentou. As deduções e suspeições efectuadas pelo queixoso não passam disso mesmo e tem uma valência muito ténue e frágil, isto é, de juízos de valor soltos, desgarrados de qualquer elemento de prova processualmente verificado e indiciariamente comprovado, uma vez que nada se diz sobre os documentos apresentados.
9º De facto em 1987, os denunciados procederam a uma rectificação de área, na qual passou o seu logradouro de 600 m2, para 4100 m2, sendo que os Assistentes consideram que ao fazê-lo o arguido abrangeu terreno que é seu, sem o seu consentimento, tendo para o efeito, junto já documentos ao inquérito,
10º vindo a sofrer com tal alteração, grandes problemas e desgostos que o obrigaram a deixar a França onde se encontravam emigrados a trabalhar, para puder tomar conta da sua vida em Portugal.
11º Ora os denunciados passaram a dispor do terreno animo domini. Os denunciados apoderaram-se, no entendimento dos Assistentes, do seu terreno, passaram a utilizá-lo para fins próprios, à revelia e sem autorização de ninguém, tendo desde então criado um conjunto de problemas, dando origem a várias acções judiciais, quase todas já findas.
12° Os denunciados Joaquim R... e mulher agiram de vontade livre e consciente, com o propósito conseguido de, alterar a área do seu logradouro, aumentando-o e conseguir assim apoderar-se do terreno dos Assistentes e usá-lo e frui-lo contra a vontade e conhecimento do legitimo proprietário, bem sabendo que a sua conduta não era permitida.
13° Aliás sobre tais factos, salvo erro não foram ouvidas quaisquer testemunhas, que ora se arrolam infra para melhor esclarecimento.
14° Estabelece o artigo 286º n.° 1, do Código de Processo Penal "a instrução visa a comprovação judicial da decisão de acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento."
15° Ora dispõe o n.° 2 do art.° 277° do Código de Processo Penal que "o inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao M°. P°. obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os seus autores."
16º No entanto, salvo o devido respeito, encontra-se verificado existir indícios suficientes da verificação do crime e do seu autor.
17° Dispõe o n.° 2 do art.º 283° do Código de Processo Penal que "consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança."
18º Sendo que in casu, existe a possibilidade razoável de aos denunciados ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança.
19° Em termos que, em todo o caso, se irá confirmar e precisar, com toda a clareza, através dos actos de instrução que infra se requerem para o efeito, e que justificarão, venha a ser proferido despacho de pronúncia relativamente aos mesmos.
20° Em conclusão, e salvo o devido respeito que é desde logo manifesto, verificam-se, todos os pressupostos para que seja proferido despacho de pronúncia - cfr. art.° 308º do Código de Processo Penal.
21° Os Assistentes juntam infra o requerimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, relativos à constituição de assistente e abertura de instrução.
Termos em que, se requer de Vª. Exa., se digne ordenar a abertura de instrução e no decurso desta se realizem os seguintes actos de instrução:
1) Sejam tomadas declarações das testemunhas supra indicadas relativamente aos factos aludidos neste requerimento;
2) Sejam tomadas declarações aos assistentes relativamente aos factos constantes deste requerimento;
3) Seja designado dia para debate instrutório.
Mais se requer que finda a instrução se digne V.ª Ex.ª, ordenar o respectivo despacho de pronúncia dos arguidos Joaquim R... e mulher.
Meios de prova:
I – Documental: Os documentos juntos aos autos.
I- TESTEMUNHAL:
a) Avelino S..., casado, residente na Rua de C..., n° 621, da freguesia de Ponte, Corvite, do concelho de Guimarães;
b) Joaquina N..., casada, residente na Travessa C..., 1° Esquerdo, da freguesia de S. João de Ponte, do concelho de Guimarães;
e) José O..., casado, residente na rua C..., n° 29, na cidade de Guimarães.
Todas a notificar» Cf. fls. 59 a 64 (fax) e 73 a 75 (original). ---. ---
Na sequência daquele requerimento, o 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, em 05.06.2012, proferiu o seguinte despacho: (transcrição) ---
«Tendo sido admitida a sua constituição como assistentes, apreciemos o requerimento de abertura de instrução formulado a fls. 73 e seguintes.
O Ministério Público, a fls. 47 e seguintes, concluiu não existirem indícios suficientes de que os denunciados tivessem cometido o crime denunciado de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, do Código Penal, nem qualquer facto tipificado penalmente, por isso, proferiu despacho de arquivamento.
Discordando de tal decisão, vieram agora os assistentes requerer a abertura de instrução, pugnando pela pronúncia dos arguidos, todavia, sem lhe imputar no seu Requerimento de Abertura de Instrução, em concreto, a prática de qualquer crime.
Com efeito, cotejando tal requerimento, desde logo se verifica que os assistentes se limitam a apontar as suas razões para discordar do despacho de arquivamento, tecendo considerações à forma como se formou a convicção do Ministério Público, designadamente à valoração que ali foi feita da prova existente nos autos, mormente a valoração que fez das declarações dos assistentes, das testemunhas ouvidas em inquérito e dos documentos juntos.
Porém, no seu Requerimento de Abertura de Instrução os assistentes não imputam, em concreto e em forma de acusação, quaisquer factos objectivos integradores do crime pelo quais pretendem que os participados sejam pronunciados, não lhes imputam factos passíveis de integrarem o elemento subjectivo de qualquer tipo legal nem indicam quaisquer disposições legais aplicáveis, ou seja, não imputam à conduta dos participados qualquer tipo criminal, em concreto.
Tão pouco fazem qualquer identificação das pessoas que pretendem venham a ser pronunciadas.
Todavia, como é sabido, o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, quando o Ministério Público profere despacho de arquivamento, tem de configurar, substancialmente, uma acusação, com a narração dos factos objectivos e subjectivos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis, tudo nos termos do artigo 287.º, n.° 2 do Código de Processo Penal, preceito este que remete expressamente para o artigo 283.°, n.° 3, alínea b) e c) do mesmo diploma (neste sentido, vejam-se Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, pág. 136 e seguintes e, ainda, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, l0.ª Edição, 1999, pág. 544).
Com efeito, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, quando o Ministério Público arquiva o inquérito, fixa o objecto do processo, traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a actividade investigatória e cognitória do juiz de instrução, cfr. artigos 303.°, n.° 3 e 309°, n.° 1, do Código de Processo Penal.
Daqui resulta, então que, quando o requerimento da assistente para abertura de instrução não narra factos objectivos e/ou subjectivos que integrem um crime, não pode haver legalmente pronúncia, porque o juiz não pode extrair os mesmos por simples intuição, ou, no caso dos factos objectivos estarem descritos, mas não os subjectivos, não pode retirar dos objectivos a intenção/dolo necessário para que se possa fazer a imputação subjectiva típica, e assim, imputar ao arguido a prática de qualquer tipo legal de crime.
Efectivamente, conforme dispõe o artigo 308.°, n.° 1, Código de Processo Penal, a decisão instrutória de pronúncia tem de descrever os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Não contendo o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente tais factos, a sua inclusão na decisão instrutória significaria a pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento, sendo tal decisão instrutória nula, por força do artigo 309.°, n.° 1, do referido diploma legal.
Assim sendo, o artigo 283°, n.° 3, do Código de Processo Penal, comina com a nulidade a falta de cumprimento de qualquer destas imposições.
Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.09.2011, publicado in www.dgsi.pt, onde se decidiu que: "O requerimento para a abertura da instrução, formulado pelo assistente, tem duas partes: uma, sem formalidades especiais, em que são expostas as razões de discordância relativamente à decisão de não acusar; a outra, em que, sob pena de nulidade, têm de ser observados os requisitos das alíneas b) e c) do n° 3 do artigo 283. ° do Código de Processo Penal. Sem esta segunda parte não é possível respeitar o princípio do acusatório."
Acrescentando, "Quando o requerimento do assistente para a abertura da instrução não contém uma acusação, nomeadamente por não narrar factos que integrem um crime, não pode haver legalmente pronúncia. Por outras palavras, é legalmente inadmissível."
Aditando "O juiz de instrução não tem a missão de tentar salvar os requerimentos imperfeitos e insuficientes, respigando uma palavra aqui, um segmento de frase mais à frente, eventualmente aproveitando também o conteúdo da queixa, para, contextualizando tudo, compor uma acusação que não lhe compete formular.
Estas exigências não são fruto de um capricho. Nem as nulidades cominadas são manifestações de um imoderado gosto do legislador pelo formalismo processual sem substância. Em ambos os casos, a narração ou enumeração de factos, para além de razões que se prendem com a boa disciplina processual, é exigida pela necessidade de serem observados valores essenciais no processo penal, como a delimitação inequívoca do objecto do processo penal ou a definição da extensão do caso julgado."
Por outro lado, cumpre dizer que a deficiência no cumprimento do ónus de adequada formulação do requerimento para abertura da instrução não dá lugar a convite para aperfeiçoamento.
Na verdade e conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.° 7/05, de 12 de Maio de 2005, publicado no Diário da República I-A, de 4 de Novembro de 2005, "mercê da estrutura acusatória, a substituição do juiz ao assistente no colmatar da falta de narração de factos enraizaria em si uma função deles indagatória (...) que poderia ser acoimado de não isento, imparcial e objectivo, mais próprio de um tipo processual de feição inquisitória".
Acrescentando "uma ilimitada investigação levada a cabo pelo Juiz de Instrução buliria com o princípio da acusação, pois seria ele a delimitar o objecto do processo contra os peremptórios termos do art. 311. °, n° 3, al. b), do CPP.".
Acresce ainda o facto de, como acima deixamos exposto, o referido artigo 283.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, cominar com a nulidade a falta de cumprimento das imposições constantes das suas alíneas: designadamente, as relativas à narração dos factos objectivos e subjectivos imputados ao arguido e a indicação das disposições legais aplicáveis.
Tal nulidade torna inválido o requerimento para a abertura da instrução, atento o disposto no artigo 122.°, n.° 1, do Código de Processo Penal e, embora os actos inválidos por efeito da nulidade possam e devam ser repetidos quando possível, nos termos do n.° 2 da referida norma processual, no caso presente tal não é possível já que a elaboração e junção de novo requerimento para a abertura de instrução seria extemporâneo, já que findou o prazo - peremptório - para a sua apresentação (cfr. Artigo 287.°, n.° 1, do Código de Processo Penal).
Assim, a admitir-se a instrução requerida a mesma seria um acto inútil já que não pode legalmente conduzir à pronúncia dos denunciados, nomeadamente, por falta de narração dos factos objectivos e subjectivos a imputar aos denunciados, bem como, por falta de indicação das disposições legais aplicáveis, em sede de requerimento de abertura de instrução e que configurassem substancialmente uma acusação.
Ora, a lei não permite a prática no processo actos inúteis, conforme preceitua o artigo 137°. do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
Do exposto resulta que, sendo legalmente inadmissível a instrução requerida pelo assistente se este não descreve no seu requerimento os factos objectivos e/ou subjectivos integradores do crime (neste caso dos crimes, pelo qual pretende a pronúncia dos arguidos, nem indicando as disposições legais aplicáveis, deve a mesma ser rejeitada, já que, nos termos do disposto no artigo 287.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, a inadmissibilidade legal da instrução é uma das causas de rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente.
Cumpre, portanto, rejeitar o requerimento de abertura de instrução formulado pelos assistentes.
*
Pelo exposto, ao abrigo das normas citadas, não admito o requerimento de abertura de instrução formulado pelos assistentes José R... e Maria G....
Custas pelos assistentes, fixando a respectiva taxa de justiça em 1 UC, para cada um, levando-se em conta os montantes já pagos.
Notifique» Cf. fls. 143 a 148. ---. ---
Do recurso para a Relação. ---
Inconformados com a referida decisão, em 27.06.2012, os Assistentes dela interpuseram recurso para este Tribunal, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos: (transcrição) ---
«1.º) Salvo o devido respeito, que é manifesto, afigura-se aos Recorrentes, carecer de fundamento de facto e de direito que justifique, a decisão da Mmo. Juiz a quo de não pronunciar de Joaquim R... e mulher Maria Ribeiro, por no seu entendimento, não se encontrar devidamente formulada a acusação de que tal requerimento devia constar.
2°) De facto, cumpre referir que para além de o requerimento conter todos os elementos de uma acusação, sempre o Mmo. Juiz a quo, poderia ter produzido um convite de aperfeiçoamento, caso entendesse a necessidade de concretização factual dos elementos objectivos e subjectivos do crime.
3.º) Quanto à localização espácio temporal dos factos, o Mmo. Juiz a quo, não se encontrava limitado, salvo melhor opinião, apenas e só ao requerimento de instrução uma vez que nos termos do disposto no n° 1 do artigo 290.º do Código de Processo Penal ex vi do n° 1 do artigo 286° de mesmo Código "(..) o juiz pratica todos os actos necessários à realização das finalidades referidas no artigo 286° n° 1 do Código de Processo Penal (...) ". Mas poderia até nem necessitar pois o artigo 8º do requerimento de abertura de instrução já situava espácio temporalmente conforme se constata “(…) de facto em 1987, as denunciados (,.)" que aliás se encontram identificados no artigo 12º do requerimento "(...) os denunciados Joaquim R... e mulher (...)", isto para além da abundante documentação junta aos autos maioritariamente originais, ou, cópias certificadas notarialmente, bem como se encontra descrita no requerimento de abertura de instrução a conduta concreta dos arguidos, pelo que salvo o devido respeito e melhor opinião o Mmo. Juiz a quo possuía todos os elementos fácticos para proferir o competente despacho de pronúncia.
4.º) Se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronúncia o arguido pelos factos respectivos - cfr. n.° 1 do artigo 308° do Código de Processo Penal e consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento uma pena ou uma medida de segurança - cfr. artigo 283° n.° 2 ex vi do n.° 2 do artigo 308° ambos do Código de Processo Penal.
5.º) Ora essa possibilidade razoável ocorrerá quando os elementos probatórios recolhidos permitam formar a convicção do juiz no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido - vide neste sentido Germano Marques da Silva, curso de Processo Penal, III, pág. 193.
6.º) Não podendo a lei definir a suficiência de indícios, confiou este assunto à consciência, critério e prudente árbitro do julgador - vide neste sentido José Cunha Navarro de Paiva, in Tratado teórico e prático das provas, 1895, pág. 196, citado in Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 183.
7º) Ora, caso entenda-se o Mmno Juiz a quo, que existiam quaisquer deficiências no requerimento de abertura da instrução, sempre poderia ter lançado mão da faculdade prevista no n.° 2 do artigo 123° do Código de Processo Penal, aliás de acordo com o plasmado no artigo 508° do Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
8.º) Aliás, nem se concebe que a Assistente não pudesse aperfeiçoar o seu requerimento em termos factuais, uma vez que tal acto para além de útil, para que o Mmo. Juiz a quo pudesse fundamentar o seu despacho de pronúncia, sendo que igualmente em nada diminuiria as garantias de defesa do arguido, que do mesmo sendo notificado, poderia efectuar a sua defesa no debate instrutório.
9.º) De novo, com o devido respeito, entendem os Recorrentes que a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 123° n° 2, 283° n° 1, 286° e 308º todos do Código de Processo Penal, não se fazendo uma correcta apreciação e análise do requerimento de instrução, bem como a toda a prova produzida e constante dos autos, devendo por isso ser revogada.
Termos em que e pelo que Vªs. Exªs,, doutamente suprirão deve dar-se provimento ao recurso, e em consequência julgar-se procedente o recurso, revogando-se o despacho de não pronúncia recorrido, substituindo-se por despacho de pronúncia dos arguidos, nos termos e pelos factos constantes do requerimento de abertura de instrução, ou, quando assim não se entenda pelo convite aos Assistentes para aperfeiçoamento do requerimento de instrução, seguindo-se os ulteriores termos, Assim se fará Justiça» Cf. fls. 160 a 166 (fax) e 168 a 171 (original). ---. ---
Notificados do referido recurso, a Arguida Maria dos Santos Ribeiro nada disse, ao passo que o Ministério Público e o Arguido Joaquim R... responderam ao mesmo, sustentando a manutenção da decisão recorrida Cf. fls. 180 a 208 e 209 a 210 verso, respectivamente. ---. ---
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público foi de parecer que o recurso não merece provimento Cf. fls. 220 a 222. ---. ---
Devidamente notificados daquele parecer, os Arguidos nada disseram, ao passo que os Assistentes vieram dizer que mantinham a posição expressa nas suas motivações de recurso Cf. fls. 121. ---. ---
Proferido despacho liminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre ora apreciar e decidir. ---
II.
OBJECTO DO RECURSO.
Atentas as indicadas conclusões apresentadas, sendo que é a tais conclusões que este Tribunal deve atender no presente recurso, definindo aquelas o objecto deste, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar e decidir no presente acórdão tão-só da justeza da rejeição do requerimento para a abertura de instrução deduzido pelos Assistentes nos presentes autos. ---
III.
FUNDAMENTAÇÃO. ---
Ao contrário do referido pelos Recorrentes não está em causa um «despacho de não pronúncia», mas antes de não admissão do requerimento de abertura de instrução, pelo que não se cuida aqui de saber se dos autos decorrem, ou não, indícios suficientes no sentido do cometimento pelos Arguidos de ilícito criminal mas antes saber se a instrução deve ser aberta a fim de se apurar de tais indícios.
Ora, nos termos do artigo 287.º, n.º 2, in fini, do Código de Processo Penal, é «aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º». ---
Segundo as apontadas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do mesmo diploma legal, «a acusação contém, sob pena de nulidade: (…) ---
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis». ---
O artigo 287.º, n.º 3, ainda do referido Código de Processo Penal, estatui que o requerimento de abertura de instrução pode ser rejeitado «por inadmissibilidade legal da instrução». ---
O artigo 309.º, n.º 1, ainda do mesmo diploma legal, na parte que aqui releva, dispõe que «a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos (…) no requerimento para a abertura da instrução». ---
Ou seja, de acordo com tais disposições legais, do requerimento de abertura de instrução do Assistente deve constar a descrição da factualidade integradora do crime imputado ao Arguido, sob pena de nulidade e, consequente, rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal da instrução em razão da falta de requisitos legais daquele requerimento e do princípio da economia processual. ---
As garantias de defesa e a estrutura acusatória do processo justificam que do requerimento de abertura de instrução do Assistente constem a narração dos factos típicos. ---
Dito de outro modo, «a estrutura acusatória do processo determina que o thema da decisão seja apresentado ao juiz, e que a decisão deste se deva situar dentro da formulação que lhe é proposta no requerimento para abertura de instrução.
O requerimento para abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais – artigo 287.º, n.º 2, do CPP – mas há-de definir o thema a submeter à comprovação judicial sobre a decisão de acusação ou de não acusação.
(…) O requerimento para abertura da instrução constitui, pois, o elemento fundamental de definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz na instrução: investigação autónoma, mas delimitada pelo tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura da instrução.
No caso de instrução requerida pelo assistente, o limite tem de ser definido pelos termos em que, segundo o assistente, deveria ter sido deduzida acusação, e consequentemente, não deveria ter sido proferido despacho de arquivamento – no rigor, por um modelo de requerimento que deve ter o conteúdo de uma acusação alternativa, ou, materialmente, da acusação que o assistente entende que deveria ter sido deduzida com base nos elementos de prova recolhidos no inquérito (…)» Cf. acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 07.03.2007, Processo n.º 06P4688, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt/jstj. --- .
Por outro lado, a falta de indicação no requerimento de abertura de instrução deduzido pelo Assistente dos factos essenciais à imputação da prática de um crime a determinado agente torna inconsistente tal requerimento e, por isso, despiciente qualquer instrução, não se compaginando esta como tal admissível sob pena de se praticarem actos absolutamente inúteis e, como tal, ilícitos Nos termos do artigo 137.º do Código de Processo Civil, aplicável em processo penal por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, «não é lícito realizar no processo actos inúteis, incorrendo em responsabilidade disciplinar os funcionários que os pratiquem». --- . ---
«Nos casos em que exista um notório demérito do requerimento de abertura de instrução, a realização desta fase constitui um acto processual manifestamente inútil por redundar necessariamente num despacho de não pronúncia.
Haverá, assim, em consequência, que incluir no conceito de “inadmissibilidade legal da instrução”, além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução qua tale, os fundamentos genéricos de inadmissão de actos processuais em geral» Cf. acórdão do Venerando Supremo Tribunal de justiça de 12.03.2009, Processo n.º 08P3168, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, in www.dgsi.pt/jstj. ---
No sentido da rejeição do requerimento de abertura de instrução no caso deste não conter factos essenciais à imputação da prática de um crime a determinado agente, vejam-se, entre outros, os acórdãos daquele Venerando Tribunal de 07.12.2005, Processo n.º 1008/05-5.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Quinta Gomes, 22.03.2006, Processo n.º 357/05-3.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, ambos in www.stj.pt/jurisprudência/sumários de acórdãos, 24.10.2006, Processo n.º 06P3847, relatado pelo Senhor Conselheiro Carmona da Mota, 25.10.2006, Processo n.º 06P3526, relatado pelo Senhor Conselheiro Oliveira Mendes, e 07.05.2008, Processo n.º 07P4551, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, todos in www.dgsi.pt/jstj. ---.
In casu. ---
Na queixa que deu origem aos presentes autos os Assistentes imputam aos Arguidos «um crime de falsificação de documentos previsto e punido no artigo 256.º do Código Penal» Cf. fls. 2 a 3. ---. ---
O requerimento de abertura de instrução é omisso na imputação aos assistentes de um ilícito criminal. ---
Do ponto de vista factual, com eventual pertinência criminal, os Assistentes limitam-se a referir que: ---
«9º De facto em 1987, os denunciados procederam a uma rectificação de área, na qual passou o seu logradouro de 600 m2, para 4100 m2, sendo que os Assistentes consideram que ao fazê-lo o arguido abrangeu terreno que é seu, sem o seu consentimento, tendo para o efeito, junto já documentos ao inquérito,
(…)
11º Ora os denunciados passaram a dispor do terreno animo domini. Os denunciados apoderaram-se, no entendimento dos Assistentes, do seu terreno, passaram a utilizá-lo para fins próprios, à revelia e sem autorização de ninguém, tendo desde então criado um conjunto de problemas, dando origem a várias acções judiciais, quase todas já findas.
12° Os denunciados Joaquim R... e mulher agiram de vontade livre e consciente, com o propósito conseguido de, alterar a área do seu logradouro, aumentando-o e conseguir assim apoderar-se do terreno dos Assistentes e usá-lo e frui-lo contra a vontade e conhecimento do legitimo proprietário, bem sabendo que a sua conduta não era permitida». ---
Tal factualidade em si não consubstancia qualquer ilícito criminal. ---
Não integra seguramente o crime de usurpação de imóvel, previsto e punido pelo artigo 215.º, n.º 1, do Código Penal, pois, desde logo, inexiste factualidade integradora da «violência ou ameaça grave» típica de tal crime Segundo tal preceito legal comete o apontado ilícito criminal «quem, por meio de violência ou ameaça greve, invadir ou ocupar coisa imóvel alheia, com intenção de exercer direito de propriedade, posse, uso ou servidão não tutelados por lei, sentença ou acto administrativo». ---. ---
Por outro lado, quanto à imputada falsificação de documentos o requerimento de abertura de instrução é absolutamente omisso. ---
Finalmente, debalde se encontra no requerimento de abertura de instrução dos assistentes qualquer referência ao crime que tem por cometidos pelos Arguidos. ---
Em consequência, tem-se por manifestamente insuficiente o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos assistentes. ---
Dito de outro modo, tal requerimento não é bastante para abrir a instrução nos presentes autos. ---
Nestes termos, importa considerar como legalmente inadmissível a instrução nos termos supra expostos e, por isso, rejeitar o requerimento de abertura de instrução, conforme despacho recorrido, não havendo lugar a convite para aperfeiçoamento no caso, conforme Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2005, de 12.05.2005 Relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Monteiro, fixa-se aí jurisprudência no sentido de que «não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido», in Diário da República de 04.11.2005. ---. ---
Um tal convite afectaria a natureza pública do processo penal e os direitos de defesa, assim como defraudaria o carácter peremptório do prazo de requerer a instrução, protelando o desfecho desta e pondo em causa valores constitucionais que urge salvaguardar, sendo que com o entendimento aqui sufragado mostra-se também acautelado o direito de acesso ao Tribunal, igualmente constitucionalmente salvaguardado. ---
«Em processo criminal, e de acordo com o n.º 7 do artigo 32.º da CRP, “o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei”». ---
Ou seja, «face à CRP, a lei ordinária deve conformar as normas de processo de forma a não desconsiderar o “interesse” do ofendido na realização da justiça penal. (…)
A explicitação que, em 1997, se fez da tutela constitucional deste estatuto não pode no entanto obnubilar três aspectos essenciais que marcam a conformação, constitucionalmente devida, das normas de direito processual penal.
O primeiro desses aspectos é o relativo à natureza ineludivelmente pública do processo penal. (…)
Em segundo lugar, o reconhecimento textual expresso deste direito não obnubila o lugar central que a Constituição reserva à tutela processual do arguido.
Em terceiro lugar, há que ter em conta que as normas ordinárias relativas a pressupostos processuais se incluem, por via de regra, no âmbito dessa margem de livre conformação. As regras legais que definem estes pressupostos, enquanto condições de admissibilidade, por parte do tribunal, dos actos praticados pelos sujeitos processuais, não podem à partida ser consideradas como agressões ao direito de acesso ao direito (artigo 20.º) e às garantias de processo (artigo 32.º). Pelo contrário: na exacta medida em que visam isso mesmo – a regulação, por parte do legislador ordinário, dos termos em que o tribunal admite os actos praticados pelos sujeitos intervenientes no processo – constituem as referidas regras mecanismos de funcionalização do sistema judiciário no seu conjunto, fazendo parte dele enquanto meios necessários para a realização do direito a uma tutela jurisdicional efectiva e a um processo (penal) côngruo. Ponto é que o conteúdo dessas regras se inscreva ainda nas exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, não transformando os pressupostos processuais em encargos excessivos ou desrazoáveis para aqueles a que se destinam.
(…)
Ao determinar que “o requerimento [de abertura de instrução] não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à (…) não acusação”, o nº 2 do artigo 287.º do CPP está a definir um pressuposto de admissibilidade, por parte do tribunal, do acto praticado pelo assistente no processo que, para além de ser – como qualquer outro pressuposto processual – um meio de funcionalização do sistema no seu conjunto, é, pelo seu teor, necessário, face às exigências decorrentes dos princípios fundamentais da Constituição em matéria de processo penal. Face à legitimidade (digamos assim) “reforçada” de que dispõe, portanto, o legislador ordinário para fixar esse pressuposto – exigindo o seu cumprimento por parte do assistente – não se afigura excessiva ou desproporcionada a norma sob juízo, aplicada pela decisão recorrida: a Constituição não impõe um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, que, fora dos casos previstos no nº 3 do artigo 287.º do CPP, não cumpra os requisitos exigidos pelo nº 2 do mesmo preceito.
Assim é, tanto mais se se considerarem os efeitos que, nos termos do nº 1 do artigo 57.º do CPP, decorrem da apresentação do requerimento de abertura de instrução. Por tal apresentação implicar, ipso facto, a constituição de arguido (com todas as consequências que daí resultam para a protecção das garantias de defesa), não é jurídico-constitucionalmente irrelevante o tempo em que ela é feita. Precisamente por esse motivo fixa a lei um prazo – que é de 20 dias a contar da notificação do arquivamento do inquérito (artigo 287.º, n.º 1 do CPP) – para o assistente apresentar o requerimento de abertura de instrução.
A dilação desse prazo, que seria potenciada pela necessidade de formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente, viria afectar os direitos de defesa do arguido, porquanto a peremptoriedade do prazo funciona em favor do arguido e dos seus direitos de defesa (…) Além disso, o convite à correcção dilataria o termo final do desfecho da instrução. A relevância jurídico-constitucional desses dois aspectos do regime legal relaciona-se não apenas com os direitos de defesa do arguido, tal como constitucionalmente tutelados, mas decorre também de valores constitucionalmente atendíveis tais como o princípio da celeridade processual. Mais outra razão, portanto, para que a opção legislativa pela inexigibilidade da formulação de tal convite seja tida como constitucionalmente legítima» Cf. Acórdão do Venerando Tribunal Constitucional n.º 636/2011, de 20.12.2011, relatado pela Senhora Conselheira Maria Lúcia Amaral, in www.tribunalconstitucional.pt, o qual decidiu «não julgar inconstitucional a norma contida conjugadamente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 287.º do CPP, na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente (não devendo antes o assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências constatadas). ----
No mesmo sentido, quanto à não prolação de convite ao aperfeiçoamento em situações similares à dos autos, vejam-se os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 358/2004, de 19.05.2004, e 389/2005, de 19.10.2005, também in www.tribunalconstitucional.pt. ---. ---
Improcede, pois, o presente recurso. ---
IV.
DECISÃO. ---
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso apresentado, termos em que se nega o seu provimento e se confirma integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos Assistentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC para cada um. ---
Notifique. ---
Guimarães, 18 de Dezembro de 2012