Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA TRADIÇÃO DA COISA INVERSÃO DE TÍTULO POSSE | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/09/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I - Não enferma de nulidade a decisão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias perante o decidido. II - Em determinadas circunstâncias, a traditio entre promitente-vendedor e promitente-comprador envolve a transmissão da posse, sendo exemplos disso os casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já. III - Nada impede que, em tais hipóteses, se dê a aquisição derivada da posse por parte do promitente-comprador, visto que o espírito que preside à traditio não é o do contrato-promessa mas o da própria compra e venda, embora nula por falta de forma, e já que, por outro lado, a nulidade formal do negócio causa não constitui obstáculo à aquisição derivada da posse. IV - No que concerne ao instituto da propriedade horizontal o legislador permite aos seus titulares moldar e configurar com margem de liberdade razoável o conteúdo de tal direito, quer através do título constitutivo, quer, a posteriori, por unanimidade obtida dos seus contitulares, abarcando-se no âmbito do primeiro, o negócio jurídico, a usucapião e a decisão judicial. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES - I - Relatório * Contestaram os réus arguindo a excepção de ilegitimidade activa dos autores por desacompanhados dos respectivos cônjuges e a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e por ininteligibilidade do pedido. No mais, impugnaram a factualidade alegada pelos autores alegando que o prédio urbano sempre foi formado na sua totalidade, por duas partes distintas constituídas por um rés-do-chão destinado a industria e um primeiro andar, destinado a habitação, as quais são unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para o domínio público e gozando essas duas partes das respectivas licenças de utilização e habitabilidade. Referiram que o réu MAR, desde o dia 13 de Agosto de 1983 que entrou na posse do rés-do chão, ali explorando uma oficina de reparação de automóveis e os réus D e MA desde o dia 3 de Fevereiro de 1986, que habitam o primeiro andar, o que fazem à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de serem os donos. Aduziram terem os réus celebrado um contrato promessa de compra e venda com o então proprietário M, pai dos autores, por força do qual entraram logo na posse dos imóveis, usando-os e fruindo-os como donos. Deduziram os réus reconvenção pedindo que o tribunal declare reconhecido e os AA. condenados a reconhecer o seu direito de constituição de propriedade horizontal desse prédio e sua divisão, nas aludidas fracções autónomas compostas com os valores e percentagens referidas e sua adjudicação, por usucapião, ou seja a fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão em propriedade plena a favor dos segundos réus e a fracção autónoma correspondente ao primeiro andar em propriedade plena a favor dos primeiros réus. Mais pediram o cancelamento de qualquer inscrição do direito de propriedade a favor dos autores e chamados, sobre o prédio reivindicado pelos réus, que exista ou possa vir a existir, na Conservatória do Registo Predial. * Os Réus deduziram o incidente de intervenção de terceiros, o qual foi admitido tendo sido chamados a intervir, MA e marido, V, residentes na Rua da Pedrinha, n.º …, 3.° esq; M, residente na Rua da Pedrinha, n.º …, rés-do-chão direito; J, residente na Rua do Bom Sucesso, n.º …; A e mulher, C, residentes no lugar da Calçada e J, residente na Rua … de Outubro, n. …, todos da freguesia de Real, do concelho de Braga. * Foi proferido despacho saneador, que julgou a excepção de ilegitimidade activa prejudicada, porque suprida com o incidente de intervenção de terceiros deduzido, onde foram chamados à acção os cônjuges das autoras, e improcedente as excepções de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e por ininteligibilidade do pedido, declarando-se a validade e regularidade da instância e fixando-se o objecto do litígio e os temas da prova. Após julgamento, foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente por não provada, a acção e, em consequência, absolveu os réus do pedido formulado pelos autores, e julgou totalmente procedente, por provada, a reconvenção, declarando, em consequência, reconhecido o direito de constituição de propriedade horizontal do prédio sito na Rua Cinco de Outubro, freguesia de Real, concelho de Braga, e a sua divisão, nas fracções autónomas: - Rés-do-chão destinado a industria, composto por uma divisão ampla com WC e com a área total de 69,83m2, com entrada pelo n.° de policia … e com o valor de 10.000€, a que corresponde a percentagem de 31,25% do valor total do prédio; - Primeiro andar, destinado a habitação, composto por três quartos, sala de jantar, sala de estar, dois quartos de banho e cozinha, com a área total de 105,36m2, com entrada pelo n.° de policia … e com o valor de 22.000€, a que corresponde a percentagem de 68,75% do valor total do prédio; adjudicando a fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão em propriedade plena a favor dos réus MAR e M e a fracção autónoma correspondente ao primeiro andar em propriedade plena a favor dos réus D e MA, e condenando os autores e intervenientes a reconhecer o direito de propriedade dos réus/reconvintes, mais se tendo ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor dos autores e intervenientes, sobre o prédio cuja propriedade foi reconhecida aos réus. * Não se conformando com a decisão proferida vieram os AA. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões: 1- O Tribunal a quo jamais deu cumprimento ao seu dever consignado no art. 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo CPC, de notificação das partes finda a fase dos articulados (que ainda não havia terminado à data da entrada em vigência da lei - 1 de Setembro de 2013) para apresentarem requerimentos probatórios, o que configura nulidade ao abrigo do disposto no art. 195.° CPC de todo o processado após o termo dos articulados, que aqui deve ser declarada. * Os RR., por sua vez, vieram apresentar as suas contra-alegações, pedindo que seja negado provimento ao recurso interposto, formulando as seguintes conclusões:1 - O presente recurso está limitado às conclusões das suas alegações, que podem ser elencadas nas seguintes questões: A) - Da nulidade de todo o processado após o termo dos articulados, por não ter o Tribunal a quo dado cumprimento ao disposto no art.º 5°, n. ° 4 da Lei 41/2013, de 26 de Junho; B) - Da não tutela do direito dos recorrentes ao contraditório, em consequência da sua representação por interveniente não habilitado para o patrocínio judiciário; C) - Da nulidade da sentença e/ou do despacho com a Ref. citius 146893648, por omissão de pronúncia face à nulidade suscitada em requerimento de 06/05/2016; D) - Da impossibilidade de usucapir quando a posse tem a sua origem em contrato promessa de compra e venda: - A inversão do título da posse - A falta de consentimento do cônjuge do promitente vendedor - A presunção derivada do registo e o cancelamento da inscrição do direito; E) - Da impossibilidade de constituir a propriedade horizontal em face dos documentos camarários anteriores à entrada em vigor do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE). Quanto à PRIMEIRA QUESTÃO * IV – Fundamentação de facto· Os factos provados 1. Por escritura pública de compra e venda celebrado no dia 27 de Dezembro de 2000 MA, por si e na qualidade de procuradora do seu ex-marido M, declarou vender em comum e partes iguais a M, MA, CA, MR, A, J, que declararam comprar o prédio urbano composto por casa de habitação e lavoura, varandão, coberto e eira e arrecadação, sito na Rua cinco de Outubro, freguesia de Real, concelho de Braga, descrito na conservatória do registo predial de Braga, sob o n° 23/Real e inscrito na matriz predial urbana sob o art. …. 2. A aquisição encontra-se registada a favor de M, MA, CA, MR, A, J, pela AP. 88 de 2001.01.26. 3. O rés-do-chão e o primeiro andar do prédio descrito em 1. constituem duas partes distintas a saber : A ) Rés-do-chão destinado a industria, composto por uma divisão ampla com WC e com a área total de 69,83m2, com entrada pelo número de policia… e com o valor de 10.000€; e B) Primeiro andar, destinado a habitação, composto por três quartos, sala de jantar, sala de estar, dois quartos de banho e cozinha, com a área total de 105,36m2, com entrada pelo número de policia … e com o valor de 22.000€. 4. As duas partes sempre foram unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para o domínio público, a Rua 5 de Outubro, através dos números de polícia … e …, respectivamente. 5. Ambas detêm as respectivas licenças de utilização e habitabilidade, pelos Alvarás emitidos pela Câmara Municipal de Braga, no dia 25 de Fevereiro de 1993. 6. Dispõem de partes comuns, representadas pelo telhado, instalações de água e electricidade, solo, estruturas e paredes mestras. 7. No dia 13 de Agosto de 1983 entre M e MAR, foi realizado contrato promessa de compra e venda por documento particular, mediante o qual aquele prometeu vender a este um armazém, situado na Rua 5 de Outubro, com entrada pelo número de polícia …, localizado na freguesia de Real, do concelho de Braga, livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades, pelo preço de 750.000$00. * · Factos não provados 1. Os autores são donos e legítimos possuidores da totalidade do prédio urbano composto por casa de habitação e lavoura, varandão, coberto e eira e arrecadação, sito na Rua Cinco de Outubro, freguesia de Real, concelho de Braga, descrito na conservatória do registo predial de Braga, sob o n.° …/Real e inscrito na matriz predial urbana sob o art. …, nele se incluindo o rés-do-chão com o n° de policia … e o primeiro andar com o n.° de policia …. * O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. * * Como resulta do disposto nos artºs 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Face às conclusões das alegações de recurso, são as seguintes as questões a decidir: A) - Da nulidade de todo o processado após o termo dos articulados, por não ter o Tribunal a quo dado cumprimento ao disposto no art.º 5°, n. ° 4 da Lei 41/2013, de 26 de Junho; B) - Da não tutela do direito dos recorrentes ao contraditório, em consequência da sua representação por interveniente não habilitado para o patrocínio judiciário; C) - Da nulidade da sentença e/ou do despacho com a Ref. citius 146893648, por omissão de pronúncia face à nulidade suscitada em requerimento de 06/05/2016; D) - Da impossibilidade de usucapir quando a posse tem a sua origem em contrato promessa de compra e venda: - A inversão do título da posse - A falta de consentimento do cônjuge do promitente vendedor - A presunção derivada do registo e o cancelamento da inscrição do direito; E) - Da impossibilidade de constituir a propriedade horizontal em face dos documentos camarários anteriores à entrada em vigor do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE). * · Quanto à 1.ª questão:Com a reforma do Cód. Proc. Civil decorrente da Lei n.º 41/2013, de 26/6, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, estipulava-se, nas respectivas normas de transição, no seu art. 5.º, n.º 4, que “Nas acções que, na data da entrada em vigor da presente lei, se encontrem na fase dos articulados, devem as partes, terminada essa fase, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo-se os demais termos previstos no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei”. Ora, a essa data, de 1 de Setembro de 2013, encontrava-se terminada a fase dos articulados, tendo sido designado dia para uma tentativa de conciliação para 9.9.2013, face ao pedido anteriormente formulado, a 8.7.2013, de suspensão dos autos nos termos do art. 279.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil. Constatando-se encontrar-se ainda pendente de decisão o pedido de intervenção principal provocada dos demais comproprietários dos imóveis reivindicados, foi, então, proferida decisão a admitir esse incidente deduzido pelos RR., com citação dos intervenientes, pelo que, só com data de 13.02.2015, é que veio a ser determinado o cumprimento da referida norma transitória, tal como resulta do despacho que consta de fls. 213, do p.p., cuja notificação foi remetida ao Il. Mandatário dos AA. a 18.2.2015, sem que, no facultado prazo, tivesse vindo usar da prorrogativa contemplada no citado artigo. Assim, como só, por requerimento que se encontra junto a fls. 323, do p.p., datado de 6.5.2016, é que os AA. vieram apresentar a sua prova, foi proferido despacho a julgar a extemporaneidade do requerimento, com excepção das declarações de parte, atento o limite temporal definido legalmente até ao inicio das alegações orais em 1ª instância, ao abrigo do disposto no art. 466º, do C.P.C. Daqui decorre que, por cumprido o disposto no art. 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26/6, não se verifica a nulidade arguida, por não verificada, prejudicada ficando, consequentemente, a 3.ª questão suscitada. De qualquer das formas, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, só é nula a decisão quando deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou que conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, nulidade esta que se prende com o disposto no art. 608º, nº 2, do mesmo diploma, de harmonia com o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação – principio do dispositivo - e não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Integra esta nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, da causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, não se confundindo, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições. Como refere o Prof. José Alberto dos Reis (in CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 143), “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para a sua pretensão”. Assim, de forma indirecta, tendo o tribunal julgado extemporâneo o requerimento de prova apresentado pelos AA., teve de ter em conta o facto de os demandantes não o terem feito no prazo de 15 dias concedido para o efeito em consequência do cumprimento do citado art. 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26/6, daí que se tenha de entender que o tribunal não deixou de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado, na medida em que não verificada a nulidade, desnecessário seria a sua apreciação. Em suma, não enferma de nulidade a decisão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias perante o decidido (cf. Pais do Amaral, ob. cit., pág. 400 e 401 e Juiz Conselheiro Francisco Manuel Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 371). * · Quanto à 2.ª questão:O princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam o processo civil, estando a sua consagração legal mais evidente plasmada no art.º 3.º n.º 3, do CPC, que refere que: «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem». Este princípio assume-se como corolário ou consequência do princípio do dispositivo, emergente, para além de outras disposições, do n.º 1 deste preceito, destinando-se a proteger o exercício do direito de acção e de defesa. Na verdade: «quer o direito de acção, quer de defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada quando procederam à respectiva articulação. Deste modo qualquer alteração do módulo jurídico perfilhado, designadamente quando assuma um grau particularmente relevante, é susceptível de comprometer a posição das partes…e daí a proibição imposta pelo n.º 3» - Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.10. No plano da prova, o princípio do contraditório apenas exige que “às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos da causa, que lhes seja consentido fazê-lo até ao momento em que melhor possam decidir da sua conveniência, tidas em conta, porém, as necessidades de andamento do processo, que a produção ou admissão da prova tenha lugar com audiência contraditória de ambas as partes e que estas possam pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas por si, pelo adversário ou pelo tribunal” - Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, págs. 98 e 99. Ora, no caso em apreço é certo que os AA., quando instauraram a acção, constituíram como seu procurador o Sr. Solicitador Pedro Pinto o que motivou o despacho de fls. 144, do p.p., tendo em conta o valor da causa, no sentido de determinar a constituição de advogado, ao abrigo do disposto nos arts. 32.º, n.º 1, al. a); 33º; 288.º, n.º 1, al. e); e 494.º, al. h), do C.P.C., após o que foi junto o substabelecimento constante de fls. 147, do p.p., com ratificação de todo o processado a fls.151, do p.p., pelo Il. Mandatário constituído, Dr. José Miguel Brito, a quem, inclusive, o despacho de fls. 213, do p.p., foi notificado, sem que tivesse vindo arguir qualquer nulidade, pelo que sempre seria extemporânea a sua invocação, à data da constituição do novo mandatário – o Dr. Filipe Cerqueira Alves -, em conformidade com o anteriormente exposto. Por outro lado, ao procurador inicialmente constituído, Sr. Solicitador Pedro Pinto, foi endereçada a notificação das contestações, com reconvenção, sem que tivesse vindo apresentar, em tempo, qualquer articulado, concretamente de réplica, ao abrigo do disposto no art. 584.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil. Não se pode, assim, concluir ter sido coarctada aos AA. a possibilidade do exercício do contraditório, plasmado no art. 3.º, n.º 3, do mesmo diploma, dado que se o procurador, que livremente os AA. decidiram constituir, não exerceu esse direito, quanto aos articulados dos RR./Reconvintes, foi porque não quis. Considerando, contudo, que a causa admitia recurso ordinário necessário seria a constituição de advogado obrigatoriamente pelo que os actos a praticar teriam de ser subscritos por um, o que não se verificava. Assim, importava sanar essa falta sob pena dos RR. serem absolvidos da instância, nos termos do art. 41.º, 1.ª parte, do Cód. Proc. Civil, o que os AA. fizeram por via do substabelecimento junto e respectiva ratificação do processado, validando todos os actos até então praticados e respectivo processado. Como tal, não podem, contrariamente à posição anteriormente assumida, virem agora, face ao desfecho do acção, arguir nulidades respeitantes a actos e/ou omissões que validaram, pelo que tem, também, o recurso de sucumbir quanto a esta questão. * · Quanto à 4.ª questão:A 1.ª instância baseou a sua decisão no entendimento de que os RR. adquiriram a posse das fracções, em nome próprio e de boa fé, no momento em que o promitente-vendedor lhes entregou as chaves das respectivas fracções reivindicadas. Na sentença proferida defende-se que a posse exercida pelos promitentes-compradores que detém a coisa é uma posse boa para usucapião e susceptível, portanto, de levar à aquisição do direito de propriedade, justamente por se mostrar em concreto revestida do mencionado elemento psicológico, isto é, da intenção de agir como dono da coisa, considerando ser precisamente essa a situação que se verifica no caso sub judice, na medida em que os réus praticam desde 1983, os segundos, e 1986, os primeiros, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, os actos demonstrativos, no seu conjunto, de que se consideram e são considerados donos das fracções correspondentes ao rés do chão e ao primeiro andar do prédio. Aí se refere que, todos os actos aliados à circunstância de o vendedor considerar os réus donos da coisa que lhes entregou e estes se assumirem como tal, e somente razões burocráticas - ausência da licença de habitação - terem impedido a realização do contrato definitivo, permitem concluir pelo reconhecimento do seu direito de proprietários sobre as respectivas fracções. Ora, como se sabe, é vulgar e frequente, as promessas de compra e de venda de imóveis urbanos serem acompanhadas da tradição material da coisa objecto mediato do negócio, numa antecipação dos efeitos práticos do contrato prometido. A essa tradição material não corresponde, em regra, a transmissão da posse correspondente ao direito de propriedade, porque a causa daquele acto translativo, que é o contrato-promessa e a convenção acessória de entrega antecipada da coisa, não se destina à constituição ou transferência de direitos reais, designadamente, o direito de propriedade, mas, tão só, à constituição de um direito de crédito a uma determinada declaração negocial. Mas, como refere Manuel Rodrigues, in ‘A Posse, 2.ª edição revista e actualizada, pag.258, "Na aquisição bilateral da posse o animus resulta da natureza do acto jurídico por que se transferiu o direito susceptível de posse (…). E assim, se a tradição se realizou em consequência de um acto de alienação da propriedade, a intenção que tem o adquirente é a de exercer o direito de propriedade. Se a tradição se realizou em consequência de um acto de locação, pelo qual se transferiu um determinado prédio, a intenção do locatário é a de exercer o direito pessoal de arrendatário". Esclarecendo, nesse sentido, que "Ao acto jurídico, quando existir, se há-de recorrer sempre para averiguar qual o animus daquele que, em virtude dele, detém uma coisa. E contra a vontade que da causa deriva não é permitido alegar uma vontade concreta do detentor, salvo se este houver invertido o título". Discorrendo sobre o problema dos efeitos da traditio que acompanha o contrato-promessa de compra e venda, Antunes Varela escreveu, na RLJ 124º, pag.343 e ss., inspirado na teoria da causa, que "A verdade, porém, é que a tradição da coisa, móvel ou imóvel, realizada a favor do promitente-comprador, no caso da promessa de compra e venda sinalizada, não investe o accipiens na qualidade de possuidor da coisa". E, mais adiante: "E os poderes que o promitente-comprador exerce de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao direito do proprietário adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do promitente-adquirente perante o promitente-alienante ou transmitente". Mas, ainda no mesmo escrito, reiterou o que, em colaboração com Pires de Lima, opinou no Código Civil Anotado, vol. III, pag. 6, 2ª edição revista e actualizada, sobre a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, a traditio entre promitente-vendedor e promitente-comprador envolver a transmissão da posse, exemplificando com os casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já. E, com efeito, nada impede que, em tais hipóteses, se dê a aquisição derivada da posse por parte do promitente-comprador, visto que o espírito que preside à traditio não é o do contrato-promessa mas o da própria compra e venda, embora nula por falta de forma, e já que, por outro lado, a nulidade formal do negócio causa não constitui obstáculo à aquisição derivada da posse, como também ensinava Manuel Rodrigues, na obra citada, a páginas 259 e ss. No caso dos autos, não foi efectuado o pagamento integral do preço, por parte dos RR., como promitentes-compradores, ao promitente-vendedor. Contudo, como resulta dos factos dados como provados e que se tem de ter em conta, por não terem sido alvo de impugnação, a partir da outorga de cada um dos referidos contratos-promessa e, nas suas respectivas datas, foi entregue aos réus MAR e mulher, a parte do rés-do-chão desse prédio e aos Réus D e mulher, a parte do primeiro andar, para estes as usufruírem como seus donos (sublinhado nosso) – cfr. ponto 15, dos factos apurados. Logo, de seguida, se tendo dado como provado que os réus MAR e mulher adaptaram o rés-do-chão à actividade que ali passaram a exercer (industria), procedendo às obras de manutenção e conservação do rés-do-chão, retirando e limpando as humidades, pintando as paredes, negociando e contratando em seu nome, o fornecimento da electricidade e água, suportando com dinheiros próprios o custo dos consumos efectuados, e que, os réus Domingos Lopes e mulher, logo que entraram no prédio, adaptaram todo o primeiro andar às necessidades do seu agregado familiar, mobilando e equipando a cozinha com todos os electrodomésticos e móveis necessários, contratando e pagando com dinheiros próprios todos os serviços de carpintaria ali executados (pontos 16 e 17, dos factos provados). Mais se tendo consignado, como factualidade apurada, que os réus D e mulher procederam à impermeabilização da parede exterior da habitação, com colocação de tela, revestiram a entrada interior do prédio e em toda a sua extensão, com azulejo, substituíram o soalho existente na sala por tijoleira, derrubaram uma parede interior entre as salas de jantar e estar, permitindo assim uma área mais adequada ao seu agregado familiar, reduziram a entrada para a habitação pelo exterior, com colocação de uma parede, passando o acesso a ser feito por uma única porta, e que, os RR., substituíram toda a tijoleira do corredor do rés-do-chão, primeiro andar e cozinha, como igualmente, substituíram toda a loiça das casas de banho e toda a canalização de água, negociaram e contrataram em seus nomes, o fornecimento de água, electricidade e gás, suportando o custo mensal dos consumos efectuados, bem como o custo de todas as obras realizadas na habitação, e, ainda, o seguro do edifício (10 andar), inicialmente na companhia de seguros Lusitânia e actualmente, na Império-Bonança (factos provados de 18 a 21). De forma acrescida, deu-se como provado que, os réus D e mulher a partir de Fevereiro de 1986, instalaram naquele primeiro andar a sua habitação, ali nascendo e criando as suas duas filhas, nela recebendo os seus amigos, vizinhos, familiares e toda a correspondência, tendo todos os actos sido realizados pelos réus MAR e mulher e D e mulher, à vista e com o conhecimento de todos, inclusivamente do M, da sua mulher e dos seus filhos aqui autores, sem oposição de ninguém, de modo ininterrupto e na convicção de não lesarem nenhum direito de outrem, comportando-se na convicção de únicos e exclusivos donos das fracções que cada um deles possuía e possui (sublinhado nosso) – pontos 22 a 26, dos factos provados. Diante destes factos deles resulta que a entrega de cada uma das fracções foi acompanhada da intenção de efectuarem uma transmissão em definitivo, na medida em que como resulta da referida factualidade, as fracções forem entregues aos RR. para que estes delas usufruíssem como seus donos, o que fizeram sem oposição de ninguém, de modo ininterrupto e na convicção de não lesarem nenhum direito de outrem, comportando-se na convicção de únicos e exclusivos donos das fracções que cada um deles possuía e possui. Daqui resulta que a traditio envolveu corpus e animus e que os beneficiários lograram inverter o título, provando a sua posse, por via da usucapião, tendo, assim, perante os factos atendíveis, dados como provados, também, esta questão, suscitada em sede de recurso de improceder. * · Quanto à ultima questão:Defendem os recorrentes que a data dos documentos administrativos certificadores pretensamente da conformidade da edificação das fracções é anterior à vigência do RJUE, razão pela qual não certifica a aptidão das fracções serem constituídas, hoje, à luz do mesmo, pelo que violam os seus arts. 62.0 a 66.º, não podendo o Tribunal declarar constituída a propriedade horizontal por falta de reconhecimento de preenchimento de requisitos administrativos para o efeito. Como se refere no citado art. 62.º, n.º 1, do RJUE, a autorização de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projecto de arquitectura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respectivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, podendo contemplar utilizações mistas. Contudo, tem de se ter em conta que a 1.ª versão desse regime data de 16/12/99, muito depois das respectivas licenças de utilização e habitabilidade terem sido emitidas, por via dos Alvarás da Câmara Municipal de Braga, no dia 25 de Fevereiro de 1993. Ora, não se pode aplicar, como o pretendem os recorrentes, o referido regime que não se encontrava sequer em vigor à data da obtenção da licença de utilização e habitabilidade das fracções em causa na presente acção. Pois, como estatuído no art. 12.º, n.º 1, do Cód. Civil, ‘a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Acresce que, no que concerne ao instituto da propriedade horizontal o legislador permite aos seus titulares moldar e configurar com margem de liberdade razoável o conteúdo de tal direito, quer através do título constitutivo, quer, a posteriori, por unanimidade obtida dos seus contitulares, abarcando-se no âmbito do primeiro, o negócio jurídico, a usucapião e a decisão judicial (Cfr. art. 1417.º, do Código Civil). “O título constitutivo é o acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm eficácia real. Trata-se de um dos poucos casos em que a autonomia da vontade pode intervir na fixação do conteúdo dos direitos reais, o qual nesta medida deixa de ser um conteúdo típico” [Cfr. Prof. Henrique Mesquita in RDES XXIII págs. 94 e 95]. Assim, face ao exposto, tendo em conta que o prédio em causa é composto por duas fracções, independentes entre si, sendo o rés-do-chão destinado a industria, formado por uma divisão ampla com 69,83m2 e wc, com entrada pelo número de policia 6, da Rua 5 de Outubro, da freguesia de Real, do concelho de Braga, e com o valor de 10.000€ e a fracção no primeiro andar, destinada a habitação, composta por três quartos, duas salas, dois wc e cozinha, com a área de 105,36m2, com entrada pelo numero de policia 63, da Rua 5 de Outubro e com o valor de 22.000€, e bem assim que as partes acordaram em atribuir ao rés-do-chão a percentagem de 31,25%, e ao primeiro andar a percentagem de 68,75%, do valor total do prédio, tendo, como partes comuns das identificadas fracções, o telhado, a instalação de água e electricidade, estrutura, paredes mestras e solo, reunindo, como tal, os requisitos legais para a constituição de propriedade horizontal, conforme parecer dos serviços técnicos da Câmara Municipal de Braga, constante da certidão de 21/09/1987, à data da respectiva verificação e avaliação, padece de qualquer fundamento a razão invocada pelos recorrentes, sob pena de, uma outra solução, implicar a negação do direito reconhecido aos RR. Nesse sentido, importa ter em conta que a verdadeira fonte da constituição da propriedade horizontal é a usucapião, limitando-se apenas o tribunal a declarar o efeito daí decorrente. Nestes termos tem, pois, de improceder totalmente o recurso interposto pelos AA./recorrentes. * V – Decisão Pelo exposto, os Juízes da 2ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelos AA./Recorrentes, confirmando a sentença proferida. *
* * TRG, 09.02.2017 (O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)
___________________________________________________ Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
_____________________________________________________ Desembargador José Carlos Dias Cravo
______________________________________________________ Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida
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