Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7233/18.1T8GMR.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
UNIÃO DE FACTO
DESPESAS DO AGREGADO FAMILIAR
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Não cumpre com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto do art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, o apelante que, em relação aos pontos da matéria de facto que impugna, umas vezes, afirma que o julgamento da matéria de facto assentou nos depoimentos de determinadas testemunhas e/ou partes (o que é verdadeiro), mas acusa a 1ª Instância de ter incorrido em infidelidades quanto ao sentido e/ou alcance desses depoimentos, sem indicar os concretos excertos desses depoimentos demonstrativos dessas pretensas infidelidades, limitando-se a transcrever, em bloco, excertos da prova gravada produzida em audiência final em relação à totalidade do julgamento da matéria de facto que impugna, e que, outras vezes, ignora totalmente os fundamentos probatórios aduzidos pela 1ª Instância, em sede de motivação do julgamento de facto que realizou, não os sindicando, isto é, não indicando o porquê dos mesmos não permitirem o julgamento de facto que foi realizado realizado pelo tribunal a quo, mas antes impor o julgamento de facto que o mesmo propugna.
2- A união de facto é um meio informal de constituição e organização familiar que assenta exclusivamente na vontade dos conviventes de estabelecerem uma comunhão de vida análoga à dos unidos pelo casamento, e que gera entre os conviventes um dever ético ou moral de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, cujo incumprimento não pode ser exigido judicialmente, restando ao unido de facto, em caso de incumprimento desses deveres por parte do outro convivente, nomeadamente, do dever de assistência, assumir sozinho os encargos normais e correntes do agregado ou pôr termo à união de facto.
3- O facto da Autora, durante a união de facto, ter pago, sem qualquer contributo do Réu, todas as despesas normais e correntes do agregado familiar, não confere àquela, uma vez finda a união, qualquer direito de restituição sobre o último em relação a essas despesas, uma vez que os pagamentos que efetuou consubstanciam o cumprimento do dever ético de prestar assistência ao seu agregado familiar, informalmente constituído, traduzindo o cumprimento de uma obrigação natural.
4- A competência material para decidir o pedido de cancelamento da proteção jurídica concedido às partes pertence à Segurança Social, incluindo no caso da al. d), do n.º 1, do art. 10º da Lei n.º 34/2004, devendo para o efeito, o tribunal, uma vez transitado em julgado o acórdão confirmatório da condenação como litigante de má fé da parte beneficiária da proteção jurídica, comunicar esse facto à Segurança Social.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
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I. RELATÓRIO.

M. L., residente na Rua …, n.º …, …, …, Braga, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra E. P., residente na Travessa … n.º … Vila Nova de ..., pedindo a condenação deste a restituir-lhe a quantia de 228.000,00 euros.
Para tanto alega, em síntese, ter vivido em união de facto com o Réu desde 20/07/1999 até 03/09/2017, tendo dessa relação nascido um filho;
Durante essa relação o Réu nunca contribuiu com qualquer quantia para as despesas do lar, tendo sido a Autora quem sempre as suportou com o seu salário, que ascendia a uma quantia mensal de 1.500,00 euros a 2.000,00 euros;
Em 30/09/1999, a Autora adquiriu para si, com dinheiro exclusivamente seu, o prédio urbano constituído por um terreno para construção, lote .., sito no Lugar de ..., ..., Vila Nova, Guimarães, destinado à futura construção da casa de morada de família do casal;
Em 2015 iniciaram-se as obras de construção da moradia, tendo o custo do projeto de construção sido suportado por Autora e Ré em partes iguais;
Iniciaram-se as obras de construção da moradia, que foram suportadas por ambos enquanto perdurou a união de facto;
Em 2015 o Réu começou a insistir com a Autora para que pusesse o prédio em nome daquele, o que a mesma acabou por aceitar dada a pressão e o ascendente que ele tinha sobre ela, pelo que, por escritura de compra e venda de 10/04/2015, a Autora declarou vender ao Réu esse prédio, sem que este lhe tivesse pago qualquer quantia a título de preço, não obstante na escritura a mesma tivesse declarado que já tinha recebido o preço;
Em 03/09/2017, o Réu abandonou a casa de morada de família;
Durante a união de facto foi a Autora que pagou todas as despesas do lar, incluindo o crédito bancário contraído para aquisição da casa onde viveu com o Réu, luz, água, gás, condomínio, seguros, colégio do filho de ambos, férias e ginásio do Réu, além das despesas de alimentação, o que fez por acreditar na continuação e subsistência da união de facto;
Por via da ausência de total contribuição para as despesas do lar e de ter ficado com a propriedade do prédio, quando o custo da aquisição do terreno, no montante de 12.000,00 euros, foi exclusivamente suportado pela Autora e do projeto de construção da moradia e da construção desta até à separação foi suportado por ambos, o Réu enriqueceu-se à sua custa.

O Réu contestou invocando a excecão da caducidade do benefício da proteção jurídica concedida à Autora.
Defendeu-se por impugnação aceitando que viveu em união de facto com a Autora durante o período temporal por esta alegado, mas impugnou que tivesse sido aquela que tivesse suportado as despesas do lar e pago o custo de aquisição do prédio e da construção nela erigida, alegando que sempre comparticipou em todas as despesas do lar e que o preço da aquisição do prédio e da construção nele edificada foi exclusivamente suportado por si.
Conclui pela improcedência da ação e pedindo a condenação da Autora como litigante da má fé em multa e em indemnização de 5.000,00 euros.

Dispensou-se a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a exceção da caducidade do benefício da proteção jurídica concedido à Autora, com fundamento que essa exceção não podia ser declarada nos autos, mas tinha de ser requerida e declarada pelo ISS.
Fixou-se o valor da presente causa em 228.000,00 euros, o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação.
Conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada audiência final proferiu-se sentença julgando a ação parcialmente procedente e que consta da seguinte parte dispositiva:

“Por tudo o exposto, decido julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) condenar o Réu E. P. a restituir à Autora a quantia correspondente às mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu e por aquela pagas, em montante a liquidar em incidente póstumo;
b) condenar o Réu E. P. a restituir à Autora a quantia que esta despendeu para pagamento do custo do projeto, dos trabalhos em “grosso” e da especialidade de eletricidade da moradia referida em I.16, em montante a liquidar em incidente póstumo;
c) absolver o Réu do pedido de restituição da quantia de € 12.000,00 (doze mil euros);
d) condenar a Autora como litigante de má fé no pagamento da multa de 5 (cinco) UC e, bem assim, no pagamento de uma indemnização de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a favor do Réu.
Custas a cargo da Autora, sendo, contudo, provisoriamente em igual medida, a ratear definitivamente de acordo com a sucumbência a apurar em sede de liquidação no que tange ao valor de € 216.000,00 (duzentos e dezasseis mil euros), tudo sem prejuízo do eventual benefício do apoio judiciário”.

Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

1. Vem o presente Recurso de Apelação da sentença que julgou parcialmente procedente a ação de condenação interposta pela A., ora recorrente, contra E. P., onde se pugnou pela condenação deste a restituir aquela a quantia de € 228.000,00 € a titulo de enriquecimento sem causa alegando para o efeito que com ele viveu em união de facto desde 20 de julho de 1999 até 3 de setembro de 2017, na casa própria da Autora sita na Praça ... nº. …, em ..., Braga, em comunhão de leito, mesa e habitação, como se de marido e mulher se tratassem e que, nesse período, custeou sozinha a vida em comum no pressuposto da continuação e subsistência dessa união de facto, canalizando todo o seu salário à liquidação das despesas com água, luz, crédito bancário, crédito automóvel, colégio do menor, alimentação, saúde e outros, como ginásio frequentado pelo Réu e férias, gastando cerca de € 216.000,00 pois que o Réu em nada contribuiu para as despesas da vida em comum. Mais alegou que em, em 1999, adquiriu para si e com dinheiros próprios um lote de terreno no lugar de ..., em ... (…), Guimarães, pelo valor de Esc. 2.245.000$00 (correspondentes a € 11.198,009), com vista a aí construir a casa e morada de família de ambos, tendo tais obras sido iniciadas em 2015 sendo que no início de 2015, o Réu começou a insistir com a Autora para que pusesse a moradia em seu nome, o que a Autora veio a fazer através de compra e venda datada de 10 de abril de 2015, mas sem que tenha sido pago qualquer preço, após o que o Réu se foi afastando da Autora até ter abandonado a casa de morada de família em 3 de setembro de 2017.
2. Decidiu-se o tribunal recorrido pela procedência parcial da ação, condenando o Réu E. P. a restituir à Autora a quantia correspondente às mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu e por aquela pagas, em montante a liquidar em incidente póstumo, absolver o Réu do pedido de restituição da quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), condenou a Autora como litigante de má fé no pagamento da multa de 5 (cinco) UC e, bem assim, no pagamento de uma indemnização de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a favor do Réu
3. Decisão que o recorrente considera errada por padecer do vício de erro de julgamento, de direito e de facto mormente dos factos dados como provados e do enquadramento jurídico, impunha-se conclusão.
4. Encontra-se a decisão recorrida ferida de erro de julgamento na medida em face aos factos provados impunha-se conclusão jurídica diversa.
5. Deu o tribunal como provado que no ponto 4 da matéria assente que “Durante essa união, o Réu não contribuiu para as despesas de casa, como seja, água, luz, gás, condomínio, seguros, alimentação, produtos higiene íntima, produtos de limpeza, colégio, férias e crédito bancário e outros correlacionados com a vida em comum, tendo as mesmas sido suportadas pela Autora”.
6. Em sede de motivação explicou o tribunal recorrido que “várias das testemunhas inquiridas confirmaram que a Autora lhes confidenciava que suportava todas as despesas da casa, do que tomaram conhecimento em razão de terem um relacionamento e convívio próximo com a Autora, em especial A. L., V. L., irmãos da Autora, e C. C. amiga e antiga colega de liceu da Autora, que almoçava com frequência com a Autora e chegou a passar férias com a Autora e o Réu.
7. Bem como declarou ainda que “Se é certo que, em face das declarações de parte do Réu e do volume das despesas mensais que ressaltam dos extratos juntos aos autos, se suscitam reservas sobre a capacidade de a Autora suportar, em exclusivo, tais despesas, certo é também que a documentação junta aos autos corrobora totalmente o depoimento das referidas testemunhas. Efetivamente, do teor dos extratos bancários juntos pela Autora a fls. 43 e seg. resulta inequívoco que era das respetivas contas bancárias que se procedia ao pagamento de despesas de condomínio, colégios, farmácias, supermercados, lojas de roupas e também pagamentos de consumos de água, luz e gás e, bem assim, liquidação de prestações de empréstimo à habitação e crédito pessoal (e também para pagamento de crédito ou leasing automóvel)”
8. Concluiu o tribunal pela manifesta improcedência do pedido de condenação do Réu no pagamento do montante de € 216.000,00, dado ter entendido que as quantias despendidas pela Autora o foram para satisfação dos normais encargos familiares do agregado dos unidos de facto não sendo, por isso e na medida em que tal se enquadra no cumprimento de uma obrigação natural, restituíveis – neste sentido, cfr. o Ac. RG 15.11.2018, proc. nº. 5873/17.5T8GMRC.G1 e o Ac. STJ 24.10.2017, proc. nº. 3712/15.0T8GDM.P1.S1.
9. Posição e enquadramento do qual a A. discorda pois tal conclusão não se compadecem com os factos provados nem com a restante fundamentação concretizada na referida sentença.
10. Foi dado como provado que Autora, ora Recorrente e Réu, ora Recorrido, terão mantido uma união de facto nos termos do artigo 1.º n.º 2 da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, desde 20 de julho de 1999 até 3 de setembro de 2017 da qual nasceu um filho, atualmente ainda menor – facto dado como provado com o nº 1.
11. Vivendo na casa própria da Autora – facto dado como provado nº 2.
12. Foi ainda dado como provado que, durante esse tempo, durante 18 ANOS, “ (...) o Réu não contribuiu para as despesas de casa, como seja água, luz, gás, condomínio, seguros, alimentação, produtos de higiene intima, produtos de limpeza, colégio, férias e crédito bancário e outros correlacionados com a vida em comum, tendo as mesmas sido suportadas pela Autora.”
13. E ainda, “ (...) a Autora pagou a mensalidade do ginásio frequentado pelo Réu (...) ” – facto dado como provado nº 4.
14. Durante DEZOITO ANOS, a Autora, ora Recorrente, com os frutos do seu trabalho sustentou as suas próprias despesas, as despesas do seu filho e as despesas do Recorrido com o qual tinha uma união de facto, como se de alguém a seu cargo se tratasse.
15. Por outro lado foi dado como não provado o facto de o Réu contribuir com quantias monetárias todos os meses para contribuição das despesas do agregado familiar. Coisa que realmente não aconteceu, tendo sido sempre a Recorrente a suportar todos os gastos e despesas da vida familiar.
16. Resultou da prova testemunhal que quando a relação da Recorrente com o Recorrido se iniciou, este encontrava-se com dificuldades financeiras, uma vez que tinha acabado de sair de uma situação de partilhas complicada de um casamento anterior dissolvido.
17. Foi no pressuposto de dificuldade financeira que a Recorrente queria iniciar um novo capítulo a dois com o Recorrido, foi sustentando as despesas até a situação estabilizar.
18. Sempre a Recorrente achou que esta situação seria provisória e que, quando o Recorrido recuperasse das suas dificuldades financeiras teria toda a intenção de contribuir nas despesas do agregado familiar.
19. Os anos foram passando e, da relação da Recorrente e Recorrido, nasceu um filho não podendo simplesmente a Recorrente eximir-se de contribuir com as despesas, uma vez que se não fosse ela a assegurar a estabilidade do seio familiar, mais ninguém o faria.
20. Caso a Recorrente não cumprisse com essas despesas/obrigações familiares, poderia sujeitar a sua família a situações de dívidas e responsabilidade por incumprimento de obrigações (nomeadamente decorrentes de contratos de fornecimento de gás, luz, água, seguros, créditos).
21. A Recorrente sempre teve, sozinha, sem a ajuda do Recorrido de sustentar o agregado familiar.
22. A Recorrente cumpria sozinha com as despesas como que por OBRIGAÇÃO,
23. Apesar de saber que cabia ao Recorrido comparticipar com metade das despesas do agregado familiar, a sua obrigação de MÃE e MULHER, impediram-na de alterar a realidade da sua vida, deixando-se acomodar numa situação que em nada correspondia com a sua vontade.
24. Situação essa que se prolongou por DEZOITO ANOS.
25. Durante 18 anos os rendimentos do Recorrido puderam ser por si poupados e amealhados na sua globalidade, uma vez que quer este, quer o seu filho eram sustentados única e exclusivamente pela Recorrente.
26. Compreende o artigo 402.º do Código Civil o conceito de obrigação natural, considerando como tal aquela que “(...) se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.” “(...) para a existência de uma obrigação natural exige-se que o dever de uma pessoa para com outra não respeite somente à consciência moral, mas algo mais, que respeite também à consciência jurídica. Consistindo num simples dever de caridade, de dedicação, de amor, que ainda que fundados na moral, traduzir-se-á em liberalidade.” – Cfr. Almeida Costa in “Direito das Obrigações”
27. Subjacente a uma obrigação natural, não passível de restituição estará por base um princípio de liberdade na prática da ação/obrigação - “temos como certo que estes factos são bem demonstrativos que os autores não pagaram aqueles montantes para realizarem ou praticarem aqui um ato que simplesmente integrasse «um dever de ordem moral ou social» fixado no art. 402º do C. Civil, podendo o ser cumprimento até ser integrado e corresponder a um «dever de justiça», mas antes cumpriram uma obrigação no convencimento de que seria reembolsados de todo o dinheiro gasto no tratamento e cuidados de saúde. Os autores pagaram as despesas de tratamento e internamento não no convencimento de que eram devedores de qualquer montante ao Albertino mas na perspetiva de serem reembolsados quando este estivesse curado.” – Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, 04/03/2002, processo n.º 0151818, disponível em www.direitoemdia.pt
28. Nas palavras de ALMEIDA COSTA, “O ponto de partida da indagação reside na própria consciência da pessoa que realiza a prestação, no pensamento que a inspira”.
29. A Recorrente que, ainda que tenha cumprido as obrigações, sozinha, durante estes 18 anos, apenas o fez num pressuposto de que, assim que a situação financeira do Recorrido estabilizasse, também este iria cumprir com a sua parte,
30. A Recorrente apenas continuou a arcar sozinha com tais despesas num pressuposto de nunca vir a onerar a sua família com eventuais dívidas decorrentes do incumprimento de tais encargos.
31. Encargos esses que sempre deveriam ser suportados por ambos os unidos de facto, de acordo com a sua capacidade contributiva.
32. Não há na atuação da Recorrente, uma completa liberdade na sua atuação. “(...) entendemos que não há aqui, no ato ou atos dos autores, qualquer liberdade e antes se consubstancia o seu ato numa obrigação civil. A não considera que se está perante uma obrigação natural, então como enquadrar a situação dos autos. Somos de opinião que será por meio do enriquecimento sem causa que a questão deve ser resolvida.” – Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, 04/03/2002, processo n.º 0151818, disponível em www.direitoemdia.pt
33. Neste pressuposto, e sustentando a Recorrente a sua pretensão supra citada, considera também esta, in casu, ser aplicável o instituto do enriquecimento sem causa.
34. Quanto ao requisito do enriquecimento ser desprovido de causa justificativa, considerou o Tribunal a quo que a união de facto serve de causa justificativa ao enriquecimento.
35. Discorda a Recorrente pois que o cumprimento das despesas por parte desta não teve somente por base a relação de união de facto que tinha com o Recorrido mas um contexto socioeconómico do Réu e o ascendente e controle que o R detinha sobre a A. sendo certo que, assim que tais dificuldades cessassem e a situação financeira do Recorrido estabilizasse, este começaria por cumprir com a parte que lhe competia.
36. Tal nunca veio a suceder tendo, já a Recorrente e o Recorrido um menor a seu cargo. Foi nesta perspetiva que a Recorrente, durante os 18 anos cumpriu sempre com as obrigações.
37. Num cenário hipotético, se ela não o fizesse, também mais ninguém o faria colocando a sua família numa situação de aperto financeiro.
38. Nunca foi vontade da Recorrente pagar, com o fruto do seu trabalho, todas as despesas do encargo familiar, tanto que resulta da prova produzida que se queixava perante diversos amigos e familiares do facto de arcar com estas responsabilidades sem a ajuda do Réu. – cfr. depoimentos transcrito em sede de alegações.
39. Dos depoimentos das testemunhas A. L., V. L. e C. C. decorre que a A. se queixava de suportar as despesas comuns do casal sozinha chegando inclusive em sede de discussões, a usar tal facto como acusatória e censurado ao Réu, o que transfere a situação dos autos, não de liberdade de prestações em contexto familiar ou, no caso, de união de facto, mas antes de uma obrigação imposta e até imperativa em face de um habito que se iniciou em face de circunstancialismos específicos, provisórios e temporário e que adquiriu contornos de «regra», da qual a Autora não soube se esquivar, tal foi a teia de domínio que se foi criando em torno da A. pelo Réu.
40. Impunha-se assim conclusão jurídica diferente pelo tribunal recorrido, devendo excluir-se, (face ao contexto vivencial do casal, demonstrado testemunhalmente e dado aliás como provado em matéria assente) da categoria de obrigação natural, as quantias despendidas pela Autora para satisfação dos normais encargos familiares do agregado dos unidos de facto devendo ser consideradas restituíveis, em sede de enriquecimento sem causa;
41. Padece a sentença recorrida de erro da apreciação da prova impondo-se decisão diversa da alcançada pelo tribunal recorrido;
42. Encontram-se incorretamente dados como provados os pontos 21 e 22 da matéria de facto dada como provada.
43. Entendeu o Tribunal recorrido condenar a A. como litigante de má-fé dando como provado que “A Autora omitiu intencionalmente os negócios relativos à aquisição do terreno para construção, lote 12, sito no lugar de ..., ... (…), Guimarães” e que “A Autora omitiu intencionalmente que foi o Réu quem procedeu ao pagamento do preço da escritura de compra e venda datada do dia 30 de setembro de 1999”
44. Pretendia a Autora, para além da restituição de 50% do total das despesas incorridas para satisfação dos normais encargos familiares do agregado dos unidos, obter ainda a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 12.000,00 alegadamente despendida na aquisição de um terreno de construção sito no Lugar de ..., deste concelho de Guimarães, ora propriedade exclusiva do Réu.
45. A Autora não fez prova de ter despendido tal quantia nessa aquisição, tendo antes sido demonstrado que a compra desse terreno foi feita com fundos provenientes da conta titulada pelo Réu.
46. Provou-se que Autora e Réu suportaram, em montante não concretamente apurado, o custo do projeto de construção da moradia edificada nesse terreno de construção (da propriedade exclusiva do Réu) e, bem assim, também em montante não concretamente apurado, o custo da construção inicial dessa mesma moradia (trabalhos em grosso) e da especialidade de pichelaria (cfr. pontos I.17 e I.19 dos factos provados) até setembro de 2017.
47. Em sede de motivação disse o tribunal “É patente que as partes – nomeadamente a Autora – e não lograram fazer a prova de todos os factos em que sustentavam as suas pretensões e posições jurídicas. Evidentemente que a simples constatação dessa circunstância é, em abstrato, manifestamente insuficiente para se concluir pela verificação dos pressupostos da litigância de má-fé. Contudo, temos de assinalar que a Autora omitiu factualidade com inegável interesse para a descoberta da verdade, nomeadamente, a origem dos fundos com os quais foi adquirido do lote de construção sito no Lugar de ... e, bem assim, o contexto em que tal imóvel foi adquirido e registado em nome da Autora. Ademais, a Autora alegou, de forma perentória – cfr. artigo 16º da douta petição inicial – ter pago, com dinheiro de sua propriedade e proveniente do seu trabalho o preço de aquisição do lote de construção sito no Lugar de .... Contudo, o que se apurou foi precisamente o contrário, ou seja, que tal preço foi pago pelo Réu, através de cheque bancário por este sacado sobre uma conta de que era co-titular com duas menores. Mais se tendo apurado que a Autora era conhecedora da verdadeira titularidade de tal imóvel posto que se comprometeu a transmitir posteriormente tal titularidade para o Réu, o que veio a fazer, sem recebimento de qualquer contrapartida. Do que tem forçosamente de se concluir que a Autora deduziu intencionalmente pretensão cuja falta de fundamento não desconhecia, alterou a verdade dos factos de modo propositado com vista a obter ganho de causa contra o Réu, litigando, por isso, com manifesta má-fé, tentando levar o tribunal a proferir uma decisão contrária à verdade dos factos no segmento respeitante à propriedade daquele imóvel, bem sabendo que estava a deduzir contra o Réu pretensão cuja falta de fundamento, nesse particular, não podia ignorar e não ignorava dicas. Efetivamente, ademais que foi interveniente nos documentos notariais referentes a tal lote de terreno e correlacionados com o mesmo e acordou com o Réu tais atos. Justifica-se e impõe-se, assim, a condenação da Autora como litigante de má-fé. Ora, nas situações de condenação por litigância de má-fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC, conforme estipulado pelo artigo 27º/3 do R. C. Processuais. Nessa medida, visto o valor da causa, a natureza do negócio em causa, as circunstâncias específicas do caso em apreço e a envolvente emocional do mesmo para as partes (e que é susceptível, em abstrato, de tolher algum discernimento aquando da apresentação de pretensões em Tribunal), o tipo de factos cuja verdade se pretendeu alterar, o valor almejado com tal comportamento (12.000,00) e o grau de culpa da Autora, julga-se adequado, com recurso à equidade, sancionar, com parcimónia, tal comportamento processual da Autora com a multa de 5 (cinco) UC e, bem assim, com o pagamento de uma indemnização de 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a favor do Réu.
48. Não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão injusta e descontextualizada, uma vez que os factos que subjazem à mesma não correspondem à realidade.
49. A Recorrente alegou no artigo 16.º da P.I. ter adquirido com dinheiro próprio resultante do seu trabalho o terreno/ lote de construção sito no lugar de ....
50. Não desmente a Recorrente o que foi dado como provado em sede de audiência e julgamento que, à data do negócio, o referido lote terá sido pago através de cheque passado pelo Réu/ Recorrido, sacado sob uma conta da qual este era titular.
51. Decorreram cerca de 20 anos desde a data da referida transmissão e por conseguinte, da data do referido pagamento.
52. Nem a Autora, nem o Réu possuíam cópia do cheque, tanto que foi necessário requisitar a sua cópia à instituição bancária. Se o Réu não tinha cópia deste cheque, cuja junção a este aproveitava, e tendo eles vivido em união de facto há 20 anos, muito provável é que a A. nunca tivesse detido essa cópia.
53. Decorridos tantos anos verosímil é a sua convicção ao longo do tempo de e em termos formais, também o pagamento havia sido feito por si.
54. A Autora não omitiu intencionalmente essa informação nem extrai de onde concluiu o tribunal a referida intencionalidade.
55. Aquilo que a Recorrente pretendeu fazer ver ao tribunal ad quem é que tal dinheiro foi previamente dado pela Recorrente ao Recorrido para que este pudesse efetivar o negócio, e como tal foi ela, de facto, quem pagou o terreno.
56. Dinheiro esse que serviu para pagar o referido terreno da qual a Recorrente ficou titular – como consta provado no facto 7. da Sentença em primeira instância.
57. Não pode a Recorrente aceitar a condenação em litigância de má-fé quando apenas tentou fazer valer os seus direitos em juízo, apresentando os factos conforme a realidade,
58. Sem nunca tentar ludibriar o tribunal e devendo ser considerado a seu favor o tempo decorrido desde os factos – 20 anos – que naturalmente confunde a memória.
59. Em sede de depoimento da parte a A. assumiu a possibilidade de que o dinheiro tivesse saído de uma conta do Réu, não se recordando se assim foi atento ao tempo decorrido, e salientando que tal forma de pagamento foi exigida pelo R., reafirmando conforme na petição que foi adquirido com dinheiro próprio, não tendo no entanto conseguido provar, face à dificuldade aliás deste tipo de prova;
60. A impossibilidade pela A. de prova deste facto (do de ter adquirido com dinheiro próprio o terreno) não pode determinar de forma automática que a A. omitiu intencionalmente essa infirmação ao tribunal.
61. A recorrente é uma pessoa idónea, que sempre cumpriu com as suas responsabilidades e não é alguém que não olha a meios para atingir fins!
62. A pretensão da A. com a demanda era apenas recuperar o que era seu. E aquilo que conquistou fruto do seu trabalho e que, por amor e por confiar no Recorrido, fez sem pensar nas consequências burocráticas.
63. Não configura qualquer dolo ou negligência grave a falta de prova por parte da Autora/Recorrente relativamente ao facto de ter dado dinheiro ao Recorrido para pagamento do terreno. “A simples falta de prova de factos alegados, ainda que de natureza pessoal, com a consequente improcedência da ação, não permitem concluir pela litigância de má-fé por banda da parte que os alegara e sobre quem impendia o respetivo ónus probandi, sob pena de se estar a coarctar o legítimo direito de as partes discutirem e interpretarem livremente os factos e o regime jurídico que os enquadra, por mais minoritárias (em termos jurisprudenciais) ou pouco consistentes que se apresentem as teses defendidas.” – Cfr. Ac. TRP 13/03/2008, processo n.º 0831101, disponível em www.direitoemdia.pt Assim sendo, e uma vez que os factos não foram apreciados corretamente, não pode a Recorrente ser condenada como litigante de má-fé, dado que, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, a sua pretensão TEM FUNDAMENTO, tanto que parte do pedido foi parcialmente procedente, o que determina que a ação tinha fundamento e de igual forma a sua pretensão. A responsabilidade por litigância de má-fé, está sempre associada à verificação de um puro ilícito processual razão pela qual os danos referidos pelo artigo 543.º só podem ser os resultados desse ilícito processual, não os resultantes da ofensa de posições jurídicas substantivas a que o litigante possa igualmente dar lugar com o seu comportamento, daí que a finalidade visada pela indemnização existente em sede de litigância de má-fé não é, destarte, ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil mas sim meramente sancionatória e compensatória.

Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Excas., deve a presente decisão recorrida ser revogada, com as consequências que daí resultam.

Também o Réu interpôs recurso de apelação, em que apresenta as conclusões que se seguem:

1. O Recorrente não se conforma, dada a prova documental junta aos autos e a produzida em sede de julgamento, que tenham sido considerados como provados os factos sob os pontos nºs 4, 5, 16, 17, 19 e 20, e bem assim, com a mesma fundamentação, que tenham sido considerados como não provados os factos sob os pontos nºs 1, 2, 15 e 16;
2. Analisada a sentença em crise, designadamente, no que se refere à “Interpretação e Aplicação das Normas Jurídicas Atinentes” e ao dispositivo, constata-se a existência de um lapso manifesto;
3. A fls. da sentença, o Meritíssimo Juiz a quo considerou o seguinte: “Em face do exposto, é manifesta improcedência do pedido de condenação do Réu no pagamento do montante de € 216.000,00, dado que as quantias despendidas pela Autora o foram para satisfação dos normais encargos familiares do agregado dos unidos de facto não sendo, por isso e na medida em que tal se enquadra no cumprimento de uma obrigação natural, restituíveis – neste sentido, cfr. o Ac. RG 15.11.2018, proc. N.º 5873/17.5T8GMRC.G1 e o Ac. STJ 24.10.2017, proc. N.º 3712/15.0T8GDM.P1.S1”;
4. No dispositivo não encontramos a absolvição do Réu do pedido formulado pela Autora, no que a esta questão se refere;
5. Tal omissão ocorreu por manifesto lapso, pelo que se deverá, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artº 614º do CPC, proceder-se à retificação do referido erro material devendo passar a integrar o dispositivo, a absolvição do Réu do pedido de € 216.000,00 (duzentos e dezasseis mil euros) feito pela Autora a título de despesas suportadas durante o período de vida em comum;
6. A Autora instaurou contra o Réu ação declarativa, pedindo a sua condenação a restituir-lhe a quantia de € 228.000,00;
7. Alegou que viveu em união de facto com o Réu desde 20 de julho de 1999 até 3 de setembro de 2017, na casa própria da Autora, em comunhão de leito, mesa e habitação, como se de marido e mulher se tratassem;
8. Alegou que nesse período, custeou sozinha a vida em comum, canalizando todo o seu salário à liquidação das despesas com água, luz, crédito bancário, crédito automóvel, colégio do menor, alimentação, saúde e outros, como ginásio frequentado pelo Réu e férias, gastando cerca de € 216.000,00 pois que o Réu em nada contribuiu para as despesas da vida em comum;
9. Do dispositivo da decisão resulta entre outras, a condenação do Réu a restituir à Autora a quantia que esta despendeu para pagamento do custo do projeto, dos trabalhos em “grosso” e da especialidade de eletricidade, em montante a liquidar em incidente póstumo;
10. A Autora peticionou ainda o montante de € 12.000,00, referente à aquisição do terreno, no qual o Réu edificou a moradia dos autos, de cujo pedido foi o Réu absolvido e a Autora condenada como litigante de má fé;
11. O Réu foi condenado a restituir à Autora a quantia que esta despendeu para pagamento do custo do projeto, dos trabalhos em “grosso” e da especialidade de eletricidade, em montante a liquidar em incidente póstumo;
12. Tal condenação constitui condenação em objeto diverso do pedido;
13. O Recorrente alegou no artigo 45º da sua contestação, que foi o mesmo quem custeou a totalidade do projeto e a totalidade da construção do imóvel;
14. Para prova dessa factualidade, o Recorrente procedeu à junção de 3 documentos: uma declaração de quitação do montante de € 15.000,00, emitida em 19/01/2017 pela empresa responsável pela construção do grosso da moradia (docº nº 1); uma fatura SEC117/4, no valor de € 30.000,00, datada de 19/01/2017 e respetivo recibo, este datado de 02/02/2017 do mesmo montante (docº nº 3) e comprovativo de transferência, do montante de € 800,00, datado de 21/05/2016, acompanhado de email datado de 02/05/2016, dirigido pelo arquiteto F. D. ao aqui Recorrente, com indicação do IBAN destinado ao pagamento (docº nº 2);
15. A Recorrida não veio impugnar tais documentos;
16. A Recorrida não logrou demonstrar em julgamento que foi a mesma que suportou tais encargos;
17. Dessa feita, o ponto 16. da matéria de facto dada como não provada, teria de constar da matéria de facto dada como provado;
18. A Recorrida foi condenada como litigante de má-fé no pagamento da multa de 5 (cinco) UC e, bem assim, no pagamento de uma indemnização de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a favor do Réu;
19. Na contestação, o Recorrente peticionou a condenação da Recorrida no montante de € 5.000,00 a esse título;
20. A Recorrida omitiu diversa factualidade, designadamente, “a origem dos fundos com os quais foi adquirido o lote de construção sito no Lugar de ..., e bem assim, o contexto em que tal imóvel foi adquirido e registado em nome da Autora”;
21. O valor fixado ao Recorrente a título de indemnização por via da litigância de má fé da Recorrida deverá, de acordo com o princípio da equidade, pelo menos aproximar-se do montante peticionado pelo Recorrente;
22. Quanto à matéria de facto que o Tribunal a quo considerou como provada (pontos 16., 17., 19. e 20.), o mesmo fundamentou a sua convicção, unicamente no depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrida, mais precisamente, nas testemunhas F. D. (arquiteto), P. M. (empreiteiro) e V. C. (empresário da construção civil);
23. Essas testemunhas afirmaram desconhecer a propriedade do dinheiro com o qual foram liquidados tais serviços;
24. Os orçamentos eram pedidos pela Autora porque tal se enquadrava na sua área de trabalho habitual;
25. Quanto a esta matéria verifica-se uma total ausência de prova documental carreada aos autos pela Recorrida;
26. O Recorrente, no que se reporta a esta matéria procedeu à junção de 3 documentos (com a contestação): uma fatura e um recibo no valor de € 30.000,00; uma declaração de quitação no valor de € 15.000,00, ambos emitidos ao Recorrente e ainda um email do Arquiteto F. D. a indicar o IBAN ao Recorrente e respetivo comprovativo de transferência do montante de € 800,00;
27. O Tribunal a quo não se satisfez com os documentos juntos pelo Recorrente de molde a extrair a conclusão de que tais valores haviam sido pagos por aquele, mas antes bastou-se com depoimentos de testemunhas que afirmam desconhecer a propriedade do dinheiro;
28. A apontada credibilidade dessas testemunhas não se mostra de todo realista, uma vez que todas elas haviam já trabalhado ou mantido relações profissionais com a Recorrida;
29. Era sobre a Recorrida que impendia o respetivo ónus da prova, pelo que a decisão deveria ter sido no sentido de dar como não provada a matéria de facto constante dos pontos 17 e 19;
30. Relativamente ao ponto 16., a parte em que dispõe “(…) para instalação da casa de morada de família de ambos”, jamais deveria constar dos factos dados como provados, uma vez que existe uma total ausência de prova quanto a essa questão;
31. Quanto ao ponto 20., a discordância do Recorrente tem que ver com a posição de ter sido o mesmo que custeou a totalidade da moradia e custos associados e não apenas os inerentes à conclusão dos restantes trabalhos de construção;
32. Para corroborar tudo o que supra a este respeito se deixou dito, atente-se nos depoimentos gravados em audiência de discussão e julgamento, nalguns dos quais o Tribunal a quo se baseou (F. D., P. M. e V. C.) para dar como provada a factualidade agora em discussão;
33. Quanto aos pontos 4. e 5. da matéria de facto dada como provada, apraz-nos dizer que o Tribunal a quo sustenta a posição adotada, na prova testemunhal oferecida pela Autora, em especial, A. L., V. L. (irmãos da Autora) e C. C. (amiga da Autora);
34. O Tribunal manifestou algumas reservas ao proceder à análise crítica das provas, dado o volume das despesas mensais que ressaltam dos extratos juntos e da capacidade da Autora suportar, em exclusivo, tais despesas);
35. O Tribunal a quo considerou que as mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu e alegadamente pagas pela Autora, extravasam a satisfação das necessidades de vida em comum e que as mesmas se destinam apenas à satisfação dos interesses pessoais do Réu;
36. Tomando por referência que o Recorrente sempre entregou diversas quantias monetárias à Recorrida, para pagamento das despesas de vida comum do casal, não pode concluir-se outra coisa, que não a de que as mensalidades do ginásio, se encontram englobadas naquelas quantias; mesmo que assim não se entendesse, tais despesas não seriam restituíveis por via do enriquecimento sem causa;
37. No âmbito de uma união de facto, as despesas normais e correntes, sendo próprias de quem vive, ainda que “informalmente”, a plena comunhão de vida de que fala o art.º 1577.º do CC, não são restituíveis, à luz do instituto do enriquecimento sem causa (Ac. do STJ de 20-03-2014, processo judicial n.º 2152/09.5TBBRG.G1.S1 e o Ac. da Relação de Guimarães, processo judicial n.º 5873/17.5T8GMRC.G01;
38. As despesas relativas às mensalidades do ginásio encontram-se englobadas nestas despesas normais e correntes, sendo próprias de quem vive, ainda que “informalmente”, a plena comunhão de vida de que fala o art.º 1577.º do CC e não são restituíveis, à luz do instituto do enriquecimento sem causa;
39. Para que existisse enriquecimento sem causa, teria de verificar-se um enriquecimento do Recorrente à custa da Recorrida e teria de existir uma falta de causa justificativa para aquele ter ocorrido;
40. A Recorrida considera que o Recorrente enriqueceu à sua custa pelo facto das mensalidades do ginásio por si pagas serem em benefício do próprio;
41. Inexiste qualquer tipo de enriquecimento da sua parte, mas mesmo que existisse, teria de ter ocorrido à custa da Recorrida;
42. O Tribunal a quo considerou que a frequência do ginásio pelo Recorrente apenas se destinava à sua satisfação pessoal;
43. A melhoria da condição física, o aumento de massa muscular decorrente da frequência de ginásio pelo Réu, também beneficiara a Recorrida, na medida em que no âmbito do relacionamento que manteve com o Recorrente, tinha um cônjuge em boa forma física, o que a deixaria mais feliz e orgulhosa e, consequentemente, originava melhorias na sua auto-estima pessoal;
44. O ponto 4. da matéria de facto dada como provada, deveria constar da matéria de facto dada como não provada;
45. Quanto ao ponto 5. da matéria de facto dada como provada, não obstante a mesma constar de tal elenco, não deveria ter conduzido à condenação do Réu/Recorrente à restituição à Autora/Recorrida, da quantia correspondente às mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu e por aquela pagas;
46. Quanto à matéria de facto que o Tribunal a quo considerou como não provada (pontos 1., 2., 15. e 16.), cumpre dizer o seguinte:
47. Quanto aos pontos 1. e 2. da matéria de facto dada como não provada, o Tribunal recorrido sustenta a sua convicção no conteúdo dos extratos bancários juntos com a P.I., dos quais resultam diversos pagamentos efetuados das contas bancárias de que a Autora era titular, corroborados por algumas das testemunhas por si arroladas;
48. Mais resulta desses extratos, a entrada dos rendimentos provenientes do trabalho da Recorrida,
49. Assim como, INÚMEROS DEPÓSITOS EM NUMERÁRIO, alguns dos quais de montantes significativos (p.exe.: € 860,00 em 23/05/2007 no BANCO ...; € 18.580,00 e € 990,00 em 20/05/2008 e 30/05/2008 no BANCO ..., respetivamente; € 350,00 em 30/08/2010 no BANCO ...; € 420,00 em 09/06/2010 no BANCO ...; € 1.000,00 em 26/07/2010 no BANCO ...; € 520,00 em 09/05/2011 no BANCO ...; € 800,00 em 17/04/2012 no BANIIF; € 800,00 em 24/09/2013 no BANCO ...; € 1.930,00 em 02/05/2008 no BANCO ...; € 850,00 em 10/07/2014 no BANCO ...; € 730,00 em 08/01/2015 no BANCO ...; € 850,00 em 02/02/2015 no BANCO ...; € 900,00 em 04/04/2016 no BANCO ...; € 1.000,00 em 02/06/2017 no BANCO ...; € 800,00 em 08/05/2017 no BANCO ...) e cuja autoria não foi revelada - cf. docº nº 5 junto com a P.I.);
50. A fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo na douta sentença em crise a este propósito, não é suficiente para que tais pontos da matéria de facto, tenham sido dados como não provados;
51. O Recorrente reconhece que existiam despesas da vida em comum que eram liquidadas através da conta da Recorrida;
52. No entanto, isso em nada colide com o facto do mesmo, fazer mensalmente entregas em numerário à Recorrente de modo a comparticipar/compensar aqueles pagamentos;
53. Durante o depoimento da Recorrida a mesma não mencionou ser detentora de qualquer rendimento para além dos provenientes do seu trabalho;
54. Com base nestes elementos, é possível e pacífico estabelecer uma relação entre a proveniência dos depósitos bancários com as diversas entregas em numerário feitas pelo Recorrente à Recorrida, durante o período de tempo em que coabitaram;
55. Na junção de documentos que a Recorrida fez com a P.I., existe um extrato bancário do BANCO ..., de conta de que a Recorrida é/era titular e do qual resulta um depósito em numerário em 02/02/2015, no valor de € 850,00 e que, na respetiva parcela, possui um apontamento cuja letra é da Recorrida, com os dizeres “E. P.” - o ora Recorrente… (esse extrato é parte integrante do docº nº 5 junto com a P.I.);
56. A Recorrida juntou aos autos uns documentos que localizou após a saída de casa do Recorrente em setembro de 2017;
57. De entre esses documentos, numerados sob o nº 11, encontra-se um extracto bancário do Banco ..., referente a uma conta titulada pelo aqui Recorrente e que com data de 23/05/2016, possui retratada uma transferência bancária no montante de € 800,00, com o descritivo F. D. (o Sr. Arquiteto que elaborou o projeto!) e que, ouvido em julgamento, referiu ter presumido que o dinheiro que lhe era entregue era comum, mas este, pelo menos este não foi, pois que saiu de uma conta bancária titulada única e exclusivamente pelo Recorrente;
58. Em face de todo o exposto, não deverão resultar dúvidas acerca da proveniência dos depósitos em numerário constantes das contas bancárias da Recorrida;
59. Para além do mais, se atentarmos no já citado docº nº 11 junto com a P.I., conseguimos perceber, que também da conta do Recorrente eram efetuados pagamentos inerentes à vida em comum que tinha com a Recorrida, nomeadamente, com vestuário, alimentação (supermercado) e serviços;
60. A matéria de facto dada como não provada sob os pontos 1. e 2., deveriam integrar os factos provados, sendo que, no que se refere ao ponto 2., pelo menos relativamente às viagens;
61. No que se reporta aos pontos 15. e 16. da matéria de facto dada como não provada - e por razões de economia processual -, dá-se aqui por integralmente reproduzido tudo quanto supra se deixou referido relativamente aos pontos 1. e 2. da matéria de facto dada como não provada, com toda a argumentação expendida, sendo que, os citados pontos 15. e 16. da matéria de facto dada como não provada, deveriam, salvo melhor opinião, integrar o elenco da matéria de facto dada como provada;
62. A Autora com a P.I. juntou comprovativo de deferimento de proteção jurídica nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; juntou igualmente um extrato de remunerações emitido pela Segurança Social;
63. O Recorrente, por razões óbvias, denunciou essa situação e pediu o cancelamento da proteção jurídica concedida à Autora, bem como, invocou a sua caducidade;
64. A Segurança Social declarou a caducidade da respetiva decisão de proteção jurídica, a qual foi, alegadamente, impugnada judicialmente pela Autora/Recorrida;
65. É “VERGONHOSO” que alguém como a Autora/Recorrida, que se encontra a trabalhar há vários anos, sempre tendo auferido salários mensais avultados, que atualmente aufere pelo menos um salário correspondente a € 2.500,00 líquidos, que possui património mobiliário e imobiliário e saldos bancários, lhe seja concedido um benefício que foi criado e é destinado a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos;
66. Em todo o processo, a Autora/Recorrida arroga-se de ser uma pessoa de avultadas posses, possuidora de diverso património, e mesmo assim, continua a obter pelo menos a suspensão do pagamento de taxas de justiça, até prolação de decisão de cancelamento;
67. Consultado o simulador disponível no sítio da Segurança Social, constata-se que é impossível que à Autora/Recorrida lhe fosse deferido qualquer pedido de proteção jurídica, dados os avultados rendimentos que aufere e sempre auferiu;
68. Com o apoio jurídico concedido, a Autora/Recorrida peticionou quantias avultadas e desproporcionais, porquanto sabia que com a concessão daquele benefício, não teria de suportar o pagamento de taxas de justiça, bem como, demais custas processuais, onde se incluem as de decaimento da presente ação;
69. Ainda a “reboque” da concessão do benefício da proteção jurídica, a aqui Recorrida instaurou processo crime contra o Recorrente - entretanto arquivado em sede de inquérito -, porque igualmente daí não adviriam quaisquer despesas judiciais;
70. Atendendo à demora por parte da Segurança Social na apreciação do pedido de cancelamento do apoio judiciário, entendemos que independentemente da caducidade da proteção jurídica deferida à Autora vir a operar, deverá ser ordenado o seu imediato cancelamento.
71. O Tribunal a quo violou, desta feita, as disposições constantes dos seguintes normativos: n.º do artº 614º, al. e) n.º 1 do artº 615º, artº 195º e artº 640º, todos do CPC e ainda artº 473º e 1577º do C.C..

TERMOS EM QUE, deverá proceder-se à revogação parcial da douta sentença proferida, em conformidade com o que supra se expôs e, consequentemente, decretar-se a absolvição do Réu dos pedidos que contra si obtiveram procedência, nomeadamente, os constantes das alíneas a) e b) da douta decisão e decretar-se a condenação da Autora como litigante de má fé, no pagamento de uma indemnização ao Réu de € 5.000,00 (cinco mil euros).
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
No despacho de admissão dos recursos a 1ª Instância conheceu da requerida retificação do pretenso erro material que afetaria a parte dispositiva da sentença e pronunciou-se quanto à invocada nulidade da sentença por alegada condenação ultra petitum, indeferindo ambas nos seguintes termos:
“Indefere-se à retificação requerida pelo Réu porquanto não se vislumbra a existência de qualquer erro material ou lapso na sentença ora em crise que justifique ou permita a sua correção.
Notifique.
*
Invoca o Réu a nulidade da sentença por condenação em objecto distinto do pedido – cfr. artº. 615º/1 e). do C. P. Civil – alegando que a Autora nunca pediu que lhe fosse pago o custo do projeto, dos trabalhos em grosso e de especialidade de eletricidade.
Dispõe o artº. 615º/1 e). do C. P. Civil que a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
De acordo com o artigo 617º/1 do C. P. Civil é ao juiz a quo que compete apreciar as nulidades invocadas em sede de alegação de recurso.

No caso, a Autora alegou que o Réu não contribuiu para as despesas comuns do casal, num total de € 216.000,00 incluindo nestas as despesas de habitação, alimentação, água, luz, saúde e com a construção dos trabalhos iniciais da moradia e respetivo projeto, pelo que não ocorre a invocada nulidade, dado que na decisão o julgador se manteve nos limites do objeto concretamente peticionado.
Improcede, assim, a invocada nulidade requerida pelo apelante Réu e da por este arguida nulidade da sentença proferida”.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento do que se caba de dizer, as questões que se encontram submetida à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

a- se a sentença recorrida padece de erro material, que se impõe retificar, absolvendo o Réu do pedido de restituição à Autora da quantia de 216.000,00 euros, a título de despesas suportadas durante o período de vida em comum;
b- se essa sentença é nula por condenação ultra petitum, ao ter condenado o Réu em pretenso objeto diverso do pedido;
c- se ao julgar não provada a facticidade do ponto 16º, a 1ª Instância incorreu em violação de regras de direito probatório, uma vez que o Réu juntou em anexo à contestação, como doc. n.º 3, a declaração de quitação da quantia de 15.000,00 euros, emitido em 19/01/2017, pela empresa responsável pela construção do grosso da moradia, a fatura SEC 117/4, no valor de 30.000,00 euros, datada de 19/01/2017, e respetivo recibo datado de 02/02/2017, do mesmo montante, e o comprovativo da transferência de 800,00 euros, datado de 21/05/2016, acompanhado de email de 02/05/2016, dirigido pelo arquiteto F. D. ao Réu, com indicação destinado ao pagamento, e notificados tais documentos à Autora, esta não impugnou a letra, sequer a assinatura e/ou o conteúdo dos mesmos, pelo que essa facticidade do ponto 16º se tem por plenamente provada;
d- se a sentença sob sindicância padece de erro de direito quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado ao ter:
d.1- julgado provada a facticidade dos pontos 21º e 22º;
d.2- julgado provada a facticidade dos pontos 4º, 5º, 16º, 17º, 19º e 20º e ao ter
d.3- julgada não provada a facticidade dos pontos 1º, 2º, 15º e 16º
e se uma vez revisitada e reponderada a prova produzida se impõe concluir:
- pela não prova da facticidade dos pontos 4º, 5º, 16º, 17º e 19º dos factos nela julgados provados;
- quanto ao ponto 20º dos factos julgados provados na sentença, se se impõe concluir pela prova da seguinte facticidade:
“Foi o Réu que custeou a totalidade da moradia e custos associados”; e
- pela prova da facticidade dos pontos 1º, 2º, 15º e 16º nela julgada como não provada;
A propósito da impugnação do julgamento da matéria de facto suscita-se a questão prévia de saber se os apelantes cumpriram com os ónus impugnatórios previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC e das consequências jurídicas decorrentes do eventual incumprimento desses ónus;
e- se em decorrência do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto operado pela apelante Autora, ou independentemente dele, a sentença sob sindicância padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida ao absolver o Réu do pedido de restituição de metade das despesas do lar com fundamento de que a Autora teria suportado o pagamento exclusivo de tais despesas no cumprimento de uma obrigação natural e, bem assim ao condenar a apelante Autora como litigante de má fé, impondo-se concluir pela procedência da totalidade daquele pedido de restituição deduzido contra o Réu e pela improcedência do pedido de condenação da Autora como litigante de má fé;
f- se em decorrência do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante Réu, a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida, impondo-se absolvê-lo da totalidade do pedido restitutório formulado pela Autora e se, independentemente do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto, se se impõe absolvê-lo do pedido restitutório das mensalidades do ginásio pagas pela Autora e, em todo o caso, se essa sentença padece de erro de direito quanto ao montante da indemnização fixado ao mesmo por via da litigância de má fé da Autora, em virtude desse montante, de 1.500,00 euros, pecar por defeito, devendo ser aumentado para 5.000,00 euros;
g- se se impõe ordenar o cancelamento imediato da proteção jurídica concedida à Autora.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provados os seguintes factos:

1. A Autora viveu com o Réu desde - de julho de 1999 até 3 de setembro de 2017.
2. Na casa própria da Autora sito na Praça ..., em Braga, em comunhão de leito, mesa e habitação, como se de marido e mulher se tratassem.
3. Dessa relação nasceu um filho, ainda menor, chamado E. P..
4. Durante essa união, o Réu não contribuiu para as despesas de casa, como seja, água, luz, gás, condomínio, seguros, alimentação, produtos higiene íntima, produtos de limpeza, colégio, férias e crédito bancário e outros correlacionados com a vida em comum, tendo as mesmas sido suportadas pela Autora.
5. Durante todo o período de vida em comum, a Autora pagou a mensalidade do ginásio frequentado pelo Réu, em total não concretamente apurado.
6. Durante todo o período de vida em comum, o Réu procedia ao pagamento das despesas em restaurantes.
7. Por escritura pública de 31 de setembro de 1999, a Autora declarou adquirir, pelo preço de Esc. 2.245.000$00, o prédio urbano constituído por um terreno de construção, lote 12, sito no Lugar de ..., ... (…) concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … da freguesia de ..., inscrito na matriz … da referida freguesia com o VPT de 2.241.000$00, correspondente atualmente a € 11.177,78.
8. O pagamento do preço referido em 7. foi efetuado exclusivamente pelo Réu, mediante a emissão de um cheque bancário, com o n.º 4859613970 e sacado sob a conta n.º 236927642, domiciliada no Banco ..., e titulada pelo Réu e por duas menores.
9. A Autora ficou a constar formalmente da escritura pública como mera adquirente devido a um diferendo que o Réu tinha pendente com a Segurança Social, decorrente de dívidas de uma sociedade que integrava, contraídas por um seu antigo sócio e co-gerente daquela e pelas quais o Réu se encontrava a ser responsabilizado.
10. Autora e Réu acordaram que, logo que se encontrasse findo aquele diferendo, a Autora transmitiria o imóvel para o nome do Réu. 11. Nesse mesmo Cartório Notarial e na mesma data de 30 de setembro de 1999, a Autora outorgou testamento, no qual declarou deixar “tudo aquilo de que tenha livre disposição à data da sua morte a E. P., casado e consigo residente”.
12. Visando com isso proteger o património de que o Réu era detentor e que se encontrava em nome da Autora, perante os herdeiros desta.
13. Em consequência e por título de compra e venda datado de 10 de abril de 2015, a Autora declarou vender o prédio identificado em 7. ao Réu, que o declarou comprar, pelo preço de € 12.000,00.
14. O Réu não pagou à Autora o preço referido em 13. e a Autora não o recebeu.
15. Previamente à propositura da presente ação, em 31 de agosto de 2017, a Autora, outorgou escritura de revogação do referido testamento.
16. Em data não concretamente apurada de 2015, mas sempre depois de 10 de abril, iniciaram-se as obras com vista à construção de uma moradia no terreno do Lugar de ... para instalação da casa de morada de família de ambos.
17. Tendo cada um dos unidos de facto participado nos custos com o projeto, em montante não concretamente apurado.
18. Quando o Réu abandonou a casa onde o casal residia encontrava-se já executada toda a estrutura em grosso da moradia e iniciada a especialidade de eletricidade.
19. A Autora e Réu suportaram, em montante não concretamente apurado, o custo dos trabalhos iniciais de construção da moradia (fase do “grosso”) e da especialidade de eletricidade.
20. Desde setembro de 2017, o Réu suportou sozinho o custo da conclusão dos restantes trabalhos de construção.
21. A Autora omitiu intencionalmente os negócios relativos à aquisição do terreno para construção, lote 12, sito no lugar de ..., ... (…), Guimarães.
22. A Autora omitiu intencionalmente que foi o Réu quem procedeu ao pagamento do preço da escritura de compra e venda datada do dia 30 de setembro de 1999.
*
Por sua vez, a 1ª Instância julgou como não provada a facticidade que se segue:

1. Todos os meses, o Réu entregava à Autora diversas quantias monetárias para pagamento da generalidade das despesas correntes do agregado.
2. O Réu suportou pagamentos que foram efetuados em benefício da Autora, designadamente, idas ao cabeleireiro, à esteticista, à manicure, spa, solários e viagens.
3. O Réu sempre geriu os seus dinheiros sem nunca dar satisfações à Autora sobre quanto ganhava.
4. A Autora sempre aceitou este modo de vida pelo amor que nutria pelo Réu.
5. Em - de setembro de 1999, a Autora adquiriu para si, com o seu dinheiro próprio e acumulado ao longo da década anterior e resultante do seu trabalho, o prédio sito no Lugar de ....
6. No início do ano de 2015 o Réu começou a insistir com a Autora para que pusesse o prédio Lugar de ... em seu nome, alegando que queria aí construir uma casa e em simultâneo a sede/instalações das suas empresas.
7. O Réu foi insistindo e, face às recusas da Autora ia fazendo “birra”, passando dias sem dirigir a palavra à Autora, por forma a pressioná-la a aceitar a referida transmissão.
8. A Autora aceitou proceder à transmissão do aludido prédio após muita insistência por parte do Réu e atendendo ao ascendente que o Réu detinha sobre si.
9. Após a transmissão do prédio do terreno do Lugar de ..., o Réu foi-se afastando gradualmente da Autora, tendo o último ano da vida em comum sido caracterizado pelo distanciamento entre ambos.
10. Acentuando-se os maus tratos psicológicos que sempre existiram por parte do Réu, bem como a vexação e humilhação por parte do Réu à Autora.
11. O Réu foi vítima de maus tratos psicológicos e também físicos por banda da Autora.
12. Quando o Réu abandonou a casa onde o casal residia, encontrava-se já executado revestimento exterior da moradia no Lugar de ....
13. Quando o Réu abandonou a casa onde o casal residia, encontravam-se já iniciados os trabalhos da especialidade de pichelaria.
14. Estando cerca de metade da moradia já concluída.
15. A aprovação dos orçamentos do projeto e respetiva construção seria feita única e exclusivamente pelo Réu.
16. O Réu custeou a totalidade do projeto e a totalidade da construção da moradia.
17. O Réu suportou os custos da escritura de revogação do testamento.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

B.1- Retificação do erro material.

O Réu (apelante) sustenta que a sentença recorrida padece de erro material ao nível da sua parte dispositiva e requer que se retifique esse erro, acrescentando à parte dispositiva desta a absolvição do mesmo do pedido de condenação deduzido pela Autora a restituir-lhe a quantia de 216.000,00 euros, a título de despesas suportadas durante o período de vida em comum.

Para tanto argumenta o seguinte:

Analisada a sentença em crise, designadamente, no que se refere à “Interpretação e Aplicação das Normas Jurídicas Atinentes” e ao dispositivo, constata-se a existência de um lapso manifesto.
A fls. da sentença, o Meritíssimo Juiz a quo considerou o seguinte: “Em face do exposto, é manifesta improcedência do pedido de condenação do Réu no pagamento do montante de € 216.000,00, dado que as quantias despendidas pela Autora o foram para satisfação dos normais encargos familiares do agregado dos unidos de facto não sendo, por isso e na medida em que tal se enquadra no cumprimento de uma obrigação natural, restituíveis – neste sentido, cfr. o Ac. RG 15.11.2018, proc. n.º 5873/17.5T8GMRC.G1 e o Ac. STJ 24.10.2017, proc. n.º 3712/15.0T8GDM.P1.S1”.
No dispositivo não encontramos a absolvição do Réu do pedido formulado pela Autora, no que a esta questão se refere.
Tal omissão ocorreu por manifesto lapso, pelo que se deverá, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artº 614º do CPC, proceder-se à retificação do referido erro material devendo passar a integrar o dispositivo a absolvição do Réu do pedido de € 216.000,00 (duzentos e dezasseis mil euros) feito pela Autora a título de despesas suportadas durante o período de vida em comum”.

No despacho de admissão do recurso, a 1ª Instância conheceu do pedido de retificação e indeferiu-o, argumentando não se estar perante qualquer erro material.

Apreciando:

Como é sabido, uma vez proferida a sentença, o despacho – art. 613º, n.º 3, que manda ampliar o regime jurídico dos arts. 613º a 617º aos despachos, “com as necessárias adaptações” –, ou o acórdão – art. 666º, n.º 1, todos do CPC -, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa.

No entanto, essa regra geral comporta as exceções previstas nos arts. 613º, nº 2, onde se admite que apesar de se encontrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal que proferiu a decisão, este retifique erros materiais, nos termos do disposto no art. 614º, elimine determinado tipo de nulidades, nos termos do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 615º e, ainda, proceda à respetiva reforma, nos termos do art. 616º, todos do CPC.

A retificação de erros materiais tem de assentar num dos fundamentos enunciados no art. 614º, n.º 1 do CPC: a) omissão quanto ao nome das partes, custas e/ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do art. 607º, onde, para além de se impor ao juiz o ónus de condenar os responsáveis pelas custas, também se lhe impõe o ónus de indicar a proporção da respetiva responsabilidade, e/ou b) erros de escrita ou de cálculo ou em quaisquer inexatidões devidas a outras omissões ou lapso manifesto.

Precise-se que nos casos em que o processo admita recurso ordinário, e caso seja interposto recurso da decisão viciada por pretensos erros materiais, o juiz pode conhecer oficiosamente destes e determinar a respetiva retificação até à subida do recurso (n.ºs 1 e 2 do art. 614º CPC).

Quanto às partes, no caso do processo admitir recurso ordinário e caso seja interposto recurso da decisão alegadamente viciado pelos pretensos erros materiais, as partes têm de requerer a retificação desses erros materiais nas alegações de recurso (arts. 616º, n.º 2 e 617º, n.º 2 do CPC), cabendo ao juiz que proferiu a decisão conhecer do pedido de retificação no despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, sendo que caso indefira a retificação, não cabe recurso dessa decisão, cabendo ao tribunal de recurso conhecer desse pedido de retificação e decidir pela procedência ou não deste. Já se o juiz ordenar a retificação do pretenso erro material, considera-se que esse despacho faz parte ou é complemento da decisão recorrida, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão (n.ºs 1 e 2 do art. 617º do CPC).

Já não admitindo o processo recurso ordinário ou, admitindo-o, nos casos em que não seja interposto recurso da decisão que alegadamente padecerá de erro material, o tribunal que nele incorreu, poderá ordenar oficiosamente ou a requerimento das partes a retificação desse erro a todo o tempo (n.º 3 do art. 614º do CPC).

Um dos fundamentos de retificação é a circunstância de a decisão padecer de erro de escrita ou de cálculo ou de quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.

Note-se que os erros materiais distinguem-se dos erros de julgamento.
Os erros de julgamento são insuscetíveis de serem retificados pelo tribunal que neles incorreu, mas apenas podem ser atacados em sede de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, terão de ser “retificados” pelo tribunal ad quem em conformidade com o direito aplicável.
Destarte, impõe-se distinguir claramente entre, por um lado, erros materiais e, por outro, erros de julgamento.
Os erros materiais são aqueles em que “o juiz escreve coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da decisão não é coincidente com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real”. Já estar-se-á perante erro de julgamento nos casos em que “o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra a lei ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz logo se convença de que errou, não pode socorrer-se do art. 667º (art. 614º do atual vigente CPC) para emendar o erro” (1).

Precise-se que em consonância com o disposto nos arts. 614º, n.º 1 do CPC e art. 249º do CC, os erros materiais para que possam ser qualificados como efetivos erros materiais, suscetíveis de serem retificáveis, exigem que a divergência entre a sua vontade real e a vontade declarada seja “manifesta”.
Tal significa que essa divergência tem de ser relevada no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita.
Na esteira de Alberto dos Reis “é necessário que do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a precederam se depreenda claramente que se escreveu manifestamente coisa diferente do que se queria escrever; se assim não for, a aplicação do art. 667º (atual art. 614º) é ilegal, pois importa que à sombra da mencionada disposição o juiz se permita emendar erro de julgamento, espécie diversa do erro material” (2).

Assentes nestas premissas, lida e relida a sentença sob sindicância, dir-se-á que como bem salienta a 1ª Instância, não se descortina que na parte dispositiva desta se tenha incorrido em qualquer erro material quando nela não se absolveu o apelante do pedido deduzido pela apelada a restituir-lhe a quantia de 226.000,00 euros, a título de despesas suportadas durante o período da vida em comum.
Omitiu-se essa absolvição do apelante na parte dispositiva da sentença, conforme impreterivelmente se tinha de fazer em face do quadro jurídico processual civil aplicável ao caso.
Com efeito, nessa sentença condenou-se o apelante Réu a: a) restituir à Autora a quantia correspondente às mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu e por aquela pagas, …. e b) … a quantia que esta despendeu para pagamento do custo do projeto, dos trabalhos em “grosso” e da especialidade de eletricidade da moradia referida em I.16,…”, e relegou-se o apuramento do quantum a restituir para incidente de liquidação.
Esse montante a liquidar e a restituir pelo apelante à apelada terá precisamente como limite máximo os enunciados 216.000,00 euros, ponderando que o pedido global deduzido pela apelada, em sede de petição inicial, ascendia à quantia de 228.000,00 euros, e que a esse pedido global se terá de deduzir o montante de 12.000,00 euros, cuja restituição vinha pedida pela apelada, a título de preço pela aquisição do terreno, com fundamento de que esse preço teria sido pago exclusivamente por si, mas que viu esse concreto pedido a improceder e dele a ser absolvido o apelado.

Note-se que é certo que em sede de subsunção jurídica da facticidade apurada, escreve-se na sentença sob sindicância que “em face do exposto, é manifesta a improcedência do pedido de condenação do Réu no pagamento do montante de 216.000,00 euros, dado que as quantias despendidas pela Autora o foram para satisfação dos normais encargos familiares do agregado dos unidos de facto, por isso e na medida em que tal se enquadra no cumprimento de uma obrigação natural”.
No entanto, essa conclusão, conforme claramente resulta da mera leitura da sentença, reporta-se exclusivamente às quantias pagas pela Autora com despesas de casa, nomeadamente de água, luz, condomínio, seguros, alimentação, higiene, férias, créditos bancários e outros correlacionados com a vida em comum, pagamentos esses que, em função do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, foram exclusivamente suportadas pela Autora durante a união de facto, mas em relação às quais, em sede de subsunção jurídica, se entendeu que a apelada fez esses pagamentos no cumprimento de uma obrigação natural e que, por isso, as mesmas são insuscetíveis de serem restituídas àquela pelo Réu com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, mas já não em relação às mensalidades de ginásio frequentado pelo apelante Réu, sequer ao custo suportado pela apelada com o projeto de construção da moradia e ao custo da construção da própria moradia até à separação do casal.
Quanto às mensalidades com o ginásio, em função do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, estas foram suportadas pela apelada e, em função do julgamento de direito, as mesmas não fazem parte das despesas normais do agregado e terão sido suportadas pela Autora no exclusivo interesse do Réu e, consequentemente, terão de ser restituídas pelo último à apelada com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.
Quanto às despesas suportadas com o projeto de construção da moradia e com a construção da própria moradia até à separação do casal, em função do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, essas despesas foram suportadas por apelante e apelada, em parte não concretamente apurada, mas em função do julgamento de direito que realizou, essas despesas, na parte suportada pela apelada, terão de ser restituídas à última pelo Réu com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

Na sentença sob sindicância, a 1ª Instância condenou o apelante a restituir essas quantias suportadas pela Autora com o ginásio frequentado pelo apelante e com o projeto de construção e com a construção da moradia até à separação do casal e determinou que essas quantias a restituir seriam determinadas em incidente de liquidação póstumo, pelo que as mesmas terão como limite máximo, reafirma-se, a quantia de 216.000,00 euros, conforme, aliás, se escreve na sentença sob sindicância em sede de subsunção jurídica da factualidade nela apurada.

Deriva do que se vem dizendo que no caso, contrariamente ao pretendido pelo apelante, não só não existe qualquer “lapso” na sentença sob sindicância ao nível do seu dispositivo, não padecendo este de qualquer erro material que se imponha ser retificado, como muito menos, que essa sentença padeça de um “erro material manifesto”, como, inclusivamente, verifica-se existir um perfeito silogismo lógico e coerente entre a parte dispositiva da sentença e os fundamentos fácticos e jurídicos nela explanados em sede de “Interpretação das Normas Jurídicas Atinentes” e que estribam a decisão nela proferida em sede de parte dispositiva.

Termos em que sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede o enunciado fundamento de recurso, indeferindo-se o pedido de retificação da sentença que vem deduzido pelo apelante Réu.

B.2- Nulidade da sentença com fundamento em condenação ultra petitum.

Advoga o apelante Réu que a sentença sob sindicância é nula, por condenação ultra petitum, uma vez que a 1ª Instância terá condenado o último em objeto diverso do pedido, sustentando que a apelada tinha pedido a condenação daquele a restituir-lhe a quantia de 228.000,00 euros, quando na parte dispositiva da sentença se condenou o mesmo a: a)… a restituir à Autora a quantia correspondente às mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu e por aquela pagas, em montante a liquidar em incidente póstumo; b) … a restituir à Autora a quantia que esta despendeu para pagamento do custo do projeto, dos trabalhos em “grosso” e da especialidade de eletricidade da moradia referida em I.16, em montante a liquidar em incidente póstumo, c) e absolveu-se o Réu do pedido de restituição da quantia de 12.000,00 euros, configurando essas condenações de restituição, na sua perspetiva, condenação em objeto diverso daquele que vinha pedido pela Autora.

Apreciando:

A este propósito diremos que as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (3).
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no art. 615º do CPC e reportam-se a vícios formais da sentença em si mesma considerada, decorrente de na respetiva elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial em si mesma considerada ou seja, reafirma-se, de vícios formais que afetam essa decisão de per se, ou os limites à sombra dos quais esta é proferida.
Conforme pondera Abílio Neto, os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (4).
Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado ou à decisão de mérito nela proferida, decorrentes de o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual julgada provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do realizado pelo tribunal a quo (error facti) e/ou por este ter incorrido em erro na aplicação do direito aos factos provados e não provados (error juris).
Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais esta é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando, atacáveis em via de recurso (5).
Entre as causas de nulidade da decisão judicial conta-se a condenação em quantidade superior em objeto diverso do pedido - al. e), do n.º 1 do art. 615º do CPC.
Trata-se de uma causa invalidatória da decisão judicial que se relaciona com o disposto no art. 609º do CPC, onde se estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (n.º 1), mas se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida (n.º 2).
Na verdade se por força do princípio do dispositivo, o processo tem de se iniciar por iniciativa insubstituível do autor, pois só a ele cabe solicitar a tutela jurisdicional, que não pode ser oficiosamente concedida (art. 3º, n.º 1 do CPC), e se esse processo se inicia com a apresentação da petição inicial (art. 259º), em que o autor terá de alegar os factos essenciais constitutivos da situação que quer fazer valer ou negar, ou integrantes do facto ou cuja existência ou inexistência afirma, os quais constituem a causa de pedir, e onde terá de formular a pretensão de tutela judiciária que pretende que o tribunal lhe reconheça com fundamento nessa concreta causa de pedir (pedido), quer o pedido, quer a causa de pedir invocados pelo autor na petição inicial, conformam necessariamente o objeto do processo e condicionam o âmbito de cognição dentro do qual o tribunal se pode mover e, consequentemente, o âmbito da defesa a apresentar pelo Réu e a decisão de mérito a ser proferida pelo tribunal.
Deste modo, é que o juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, não podendo “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (art. 608º, n.º 2 do CPC) –, o que se prende com os fundamentos (causa de pedir e exceções invocadas pelas partes e de que caiba ao tribunal conhecer oficiosamente) - e “não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art. 609º, n.º 1) –, o que já se relaciona com a pretensão (pedido).
Sempre que o tribunal viole aqueles limites do seu poder cognitivo que lhe foram traçados pelas partes e de que não lhe era lícito conhecer oficiosamente, incorre em nulidade, por violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, quanto aos fundamentos invocados pelas partes (causa de pedir e exceções), incorrendo em nulidade por excesso de pronuncia - al. d), do n.º 1 do art. 615º - e/ou quanto ao pedido deduzido pelo autor ou pelo réu reconvinte, incorrendo em nulidade por condenação ultra petitum ou objeto diverso do pedido – al. e), do n.º 1 do art. 615º.
Quando o tribunal condena o réu ou o autor-reconvindo em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, posterga os limites do poder jurisdicional que lhe está conferido na vertente do pedido, infringindo o princípio do dispositivo e, noutra vertente, o princípio do contraditório (art. 3º, n.º 3), na medida em que condena a parte contrária (o réu ou o autor-reconvindo) em pedido em relação ao qual não teve oportunidade de se defender e de influir ativamente na decisão que acabou por ser proferida, pelo que a sentença é nula na parte em que ocorre o excesso cometido em relação ao pedido formulado (art. 615º, n.º 1, al. e)).
Esse excesso de condenação pode ser quantitativo ou qualitativo, sendo que, no primeiro caso, verifica-se o vício da condenação “em quantidade superior”, também designado de condenação “extra vel ultra petitum”, enquanto, no segundo, verifica-se o vício da condenação em objeto diverso do pedido.
Note-se que conforme resulta do que se vem dizendo, o vício da condenação ultra petitum e em objeto diverso do pedido não se confunde com o vício determinativo da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia a que alude o art. 615º, n.º1, d) do CPC.
Na verdade, o vício da nulidade por omissão ou excesso de pronúncia reporta-se aos fundamentos da ação, isto é, à causa de pedir em que o autor faz assentar o pedido ou o réu-reconvinte o pedido reconvencional, ou das exceções ou das contra exceções invocadas pelas partes para impedir, extinguir ou modificar esse pedido.
O vício da nulidade da decisão judicial por condenação ultra petitum reporta-se por sua vez ao pedido, isto é, o tribunal condena em pedido quantitativamente superior ao que tinha sido deduzido pelo autor na petição inicial e/ou pelo réu-reconvinte na reconvenção ou em pedido qualitativamente diverso desses pedidos.
Em síntese, se o tribunal condena no pedido formulado pelo autor ou pelo réu-reconvinte, mas utiliza um fundamento (causa de pedir ou exceções não invocados pelas partes e de que não lhe era lícito conhecer oficiosamente), excede os seus poderes de conhecimento quanto aos fundamentos (causa de pedir e exceções). Esta hipótese cabe na nulidade prevista no art. 615º, n,º 1, al. d) do CPC – excesso de pronúncia.
Se o tribunal condena no pedido formulado pelo autor ou pelo réu-reconvinte mas não aprecia esse pedido à luz de todas as causas de pedir invocados pelo autor ou pelo réu reconvinte na petição inicial ou na reconvenção ou à luz de todas as exceções ou contraexceções invocadas pelas partes e se a apreciação dessa causa de pedir, exceção ou contraexceção em relação à qual não se pronunciou não estiver prejudicada pelo conhecimento de outras questões de que o tribunal conheceu e decidiu, o tribunal incorre na nulidade por omissão de pronúncia.
Mas se o tribunal, utilizando os fundamentos admissíveis (causa de pedir e exceções invocados pelas partes ou de que lhe era lícito conhecer oficiosamente), condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, o caso inclui-se na previsão do art. 615º, n.º 1, al. e) do CPC – condenação ultra petitum (6).
Operadas as identificadas destrinças legais, revertendo ao caso em análise, nele a apelada Autora instaurou a presente ação pedindo a condenação do Réu (apelante) a restituir-lhe a quantia de 228.000,00 euros, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.
Para tanto alega, em síntese, em sede de petição inicial - nisso se consubstanciando a causa de pedir que elegeu para ancorar o pedido restitutório que formula -, ter vivido em união de facto com o apelante entre -/07/1993 e -/09/2017, tendo dessa relação nascido um filho (arts. 1º a 5º da p.i).
Mais alega que durante esse período de tempo em que viveram em união de facto, foi sempre a mesma que suportou, em exclusivo, todas as despesas de casa, como água, luz, alimentação, pagamento do crédito bancário da casa onde o casal residia, além de outras despesas correlacionado com a vida comum do casal, assim como pagou as mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu, no que despendeu a totalidade do seu salário, que ascendia à quantia mensal de 1.500,00 euros e 2.000,00 euros (arts. 6º a 12º, 45º a 47º, 67º a 73º e 90º da p.i.).
Também alega que em 30/09/1999, adquiriu exclusivamente com o dinheiro seu, um prédio, constituído por um lote de terreno, destinado à futura construção da casa de morada de família do agregado, cujo custo ascendeu a 12.000,00 euros, e onde, em 2015, se iniciaram obras de construção dessa moradia, tendo o custo do projeto de construção da moradia sido suportado por si e pelo Réu, a meias, que também suportaram, em comum, as despesas de construção da própria moradia até à data em que ocorreu a separação do casal, isto apesar de fruto das pressões e da ascendência que o Réu exerceu sobre si, a propriedade daquele prédio tenha acabado por ter sido colocada em nome do último, por escritura de compra e venda, apesar deste último nada lhe ter pago a título de preço (arts. 13º a 34º e 74º a 75º da p.i.).
Finalmente alega que em 03/09/2017, o Réu abandonou a casa de morada de família, não obstante, durante os 18 anos em que perdurou a união de facto, ter vivido a expensas daquela e de ter ficado com a propriedade do prédio, apesar do terreno ter sido adquirido com dinheiro exclusivamente seu, do projeto de construção dessa moradia ter sido, na proporção de metade, pago por si, que também, conjuntamente com o apelante Réu, suportou o custo da construção da própria moradia até à data da separação do casal e apesar da mesma ter aceite fazer todos esses pagamentos por acreditar na continuação e subsistência da união de facto (arts. 42º a 57º e 98º da p.i.).
Conclui a Autora que o Réu, durante os 18 anos em que perdurou a união de facto e em que alega ter suportado a totalidade das despesas comuns e correntes do casal, as mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu, parte do projeto de construção da moradia e parte do custo da própria construção da moradia e em que despendeu a totalidade do seu salário mensal, enriqueceu-se à sua custa com 216.000,00 euros (arts. 92º a 96º da p.i.), além de que se enriqueceu à sua custa com os 12.000,00 euros que despendeu com a aquisição do terreno para a construção da moradia (arts. 95º a 97º da p.i.).
Conforme resulta da leitura da sentença sob sindicância, em sede de julgamento da matéria de facto, a 1ª Instância julgou provado que o custo do preço de aquisição do terreno para a construção da moradia foi exclusivamente suportado pelo Réu.
Já quanto ao custo do projeto de construção da moradia e dos trabalhos de construção da própria moradia até à separação do casal, mais concretamente, a “fase do grosso” e da especialidade de eletricidade, conclui que esse custo foi suportado por Autora e Réu, em montante não concretamente apurado.
Quanto aos encargos normais e correntes do agregado familiar, considerou que durante a união de facto, o Réu não contribuiu para as despesas da casa, como seja, água, gás, condomínio, seguros, alimentação, produtos de higiene íntima, produtos de limpeza, colégio, férias e crédito bancário e outros correlacionados com a vida comum, tendo esses encargos sido suportados exclusivamente pela Autora, que também pagou a mensalidade do ginásio frequentado pelo Réu.
Evidentemente que qualquer erro de julgamento da matéria de facto assim realizado pela 1ª Instância consubstanciará erro de julgamento na vertente de error facti, atacável em via de recurso, mediante cumprimento pelo apelante dos ónus impugnatórios previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC.
Subsumindo essa facticidade ao direito aplicável, a 1ª Instância, na sentença sob sindicância, considerou que não existia qualquer enriquecimento por parte do apelante Réu à custa da apelada Autora quanto ao preço de aquisição do terreno, dado que esse preço, no montante de 12.000,00 euros, foi suportado exclusivamente pelo apelante Réu.
Quanto às quantias despendidas pela Autora para satisfação dos encargos normais e correntes do agregado familiar, considerou que não obstante esses encargos tenham sido suportados exclusivamente pela apelada Autora durante a união de facto, que esta pagou-os no cumprimento de uma obrigação natural, não havendo fundamento legal para a condenação do apelante à restituição com base em enriquecimento sem causa, à exceção das “mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu e pagas pela Autora, porquanto tais despesas extravasam a satisfação das necessidade da vida em comum, destinando-se apenas à satisfação de interesses pessoais do Réu” e conclui que “dado que a Autora logrou provar ter suportado em exclusivo essa despesa de interesse único do Réu, sem que contudo tenha provado o exato valor total despendido, e porque a impossibilidade de averiguar tal montante não advém da inexistência de elementos para tal destinados, os quais poderão vir a ser obtidos em incidente de liquidação póstumo, não se poderá aplicar o disposto no art. 566º/3 do CC, arbitrando indemnização segundo juízos de equidade, sendo antes de recorrer ao disposto nos arts. 565º do CC e 609º/2 do CPC, condenando-se no que se vier a liquidar em incidente póstumo próprio e até ao limite de 216.000,00 euros”.
Já quanto ao custo do projeto de construção da moradia e ao custo da edificação da própria moradia até à separação do casal, em sede de julgamento de facto, a 1ª Instância considerou que esses custos foram suportados, em montante não concretamente apurado, pela Autora e pelo Réu, mas em sede de julgamento de direito, considerou que o apelante Réu mostra-se “enriquecido à custa da Autora, porquanto fez sua e mantém na sua posse exclusiva a construção em grosso e os trabalhos da especialidade adquiridos com o contributo económico da Autora (tal como o respetivo custo), sendo certo que se mostra cessada a respetiva causa e que determinou tal contributo”, impondo-se condenar o apelante Réu a restituir à Autora o valor desse contributo.
No entanto, ponderou que “não tendo sido feito prova do concreto montante com que cada um dos unidos de facto contribuiu para a construção em grosso e os trabalhos da especialidade de eletricista da moradia …, também aqui haverá que se relegar para incidente póstumo de liquidação o apuramento do valor a pagar pelo Réu à Autora”.
Dir-se-á que caso a 1ª Instância tenha incorrido em qualquer erro na subsunção jurídica da factualidade apurada, tratar-se-á de error juris atacável em via de recurso e não qualquer causa de nulidade da sentença a que alude o art. 615º do CPC.

Avançando.

Em perfeito silogismo logico-jurídico com esses fundamentos fácticos e jurídicos acabados da explanar, a 1ª Instância proferiu decisão, em que julgou a ação intentada pela apelada parcialmente procedente e que consta do seguinte dispositivo:

a) condenar o Réu E. P. a restituir à Autora a quantia correspondente às mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu e por aquela pagas, em montante a liquidar em incidente póstumo;
b) condenar o Réu E. P. a restituir à Autora a quantia que esta despendeu para pagamento do custo do projeto, dos trabalhos em “grosso” e da especialidade de eletricidade da moradia referida em I.16, em montante a liquidar em incidente póstumo;
c) absolver o Réu do pedido de restituição da quantia de € 12.000,00 (doze mil euros);

Dir-se-á que contrariamente ao pretendido pelo apelante, as condenações acabadas de enunciar nas alíneas a) e b) da parte dispositiva da sentença, não consubstanciam qualquer condenação em objeto diverso do pedido.

Com efeito, o pedido da apelada Autora era no sentido de que o apelante lhe restituísse o preço que despendeu com a aquisição do terreno para a construção da moradia, no montante de 12.000,00 euros, acrescido de metade do preço do projeto de construção da moradia, e do preço da construção da própria moradia até à separação do casal, alegadamente suportados por si, bem como metade de todas as despesas que despendeu e que alega terem sido exclusivamente suportadas exclusivamente por si (quando, na sua perspetiva, metade destas deviam ter sido suportadas pelo apelante Réu), aqui incluindo a metade das despesas correntes e normais do agregado familiar e as respeitantes às mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu, liquidando esse valor a restituir em 216.000,00 euros.

Acontece que quanto às despesas que a apelada suportou durante a união de facto, com exceção das mensalidades do ginásio frequentado pelo apelante Réu (suportadas, em função do julgamento de facto, exclusivamente pela apelada) e das despesas com o custo do projeto de construção da moradia e dos trabalhos, em grosso, da construção dessa moradia e da especialidade de eletricista, (suportados, em função do julgamento de facto realizado, em parte não concretamente apurada pela apelada e por apelante), a 1ª Instância considerou que o pedido de restituição tinha de improceder.
Por sua vez, quanto às mensalidades do ginásio, suportadas, durante a união de facto, exclusivamente pela apelada, a 1ª Instância condenou o apelante a restituir à apelada as despesas com essas mensalidades, cujo montante relegou para incidente de liquidação.
Já quanto às despesas com a elaboração do projeto de construção da moradia e com a própria construção dessa moradia até à separação do casal, isto é, fase “em grosso” e especialidade de eletricista, as quais foram suportadas por apelada Autora e apelante Réu em parte não concretamente apurada, a 1ª Instância condenou o apelante a restituir à apelada Autora tais despesas, cujo montante relegou igualmente para incidente de liquidação.

Em face do que se vem dizendo é apodítico que essas concretas condenações inserem-se no pedido deduzido pela apelada em sede de petição inicial, sendo, aliás, um “minus” em relação ao pedido liquido de restituição de 216.000,00 euros que nela a apelada formulara em relação ao apelante.

Por conseguinte, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não existe qualquer condenação do apelante Réu em pedido qualitativamente ou quantitativamente diverso daquele que tinha sido formulado pela apelada na petição inicial, o que houve sim foi uma condenação do mesmo numa quantia ilíquida a restituir à apelada e cuja liquidação a 1ª Instância relegou para incidente de liquidação perante a constatação de que não dispunha de elementos que lhe permitissem fixar o montante líquido da quantia a restituir na sentença.

Essa condenação ilíquida da quantia a restituir pelo apelante à apelada enquadra-se perfeitamente na previsão legal do n.º 2 do art. 609º do CPC, que determina que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado.
Destarte, da circunstância da apelada ter formulado um pedido restitutório líquido e do tribunal ter proferido, na sentença, uma condenação ilíquida quanto ao montante das despesas a restituir com as mensalidades do ginásio frequentado pelo apelante que a apelada pagou durante a união de facto e as correspondentes ao custo do projeto de construção da moradia e da construção da moradia suportado pela apelada até à separação do casal, não decorre qualquer condenação do apelante Réu em objeto diverso do pedido.

Resulta do que se vem dizendo, improceder a pretensa nulidade da sentença por alegada condenação do apelante em objeto diverso do pedido.

B.3- Violação de regras de direito probatório material.

Advoga o apelante que ao julgar não provada a facticidade do ponto 16º na sentença sob sindicância, a 1ª Instância incorreu em violação de regras de direito probatório, uma vez que o mesmo juntou em anexo à contestação, como doc. n.º 3, a declaração de quitação da quantia de 15.000,00 euros, emitido em 19/01/2017, pela empresa responsável pela construção do grosso da moradia, bem como a fatura SEC 117/4, no valor de 30.000,00 euros, datada de 19/01/2017, respetivo recibo datado de 02/02/2017, e ainda o comprovativo da transferência de 800,00 euros, datado de 21/05/2016, acompanhado de email de 02/05/2016, dirigido pelo arquiteto F. D. ao apelante, com indicação destinado ao pagamento, sustentando que notificados esses documentos à apelada Autora, esta não impugnou a letra, sequer a assinatura e/ou o conteúdo dos mesmos, pelo que, na sua perspetiva, a facticidade mencionada nesse ponto 16º se encontra plenamente provada.
Vejamos se assiste razão ao apelante, o que antecipe-se, desde já, não é o caso.

A facticidade que a 1ª Instância julgou não provada no referido ponto 16º é a seguinte:

“16. O Réu custeou a totalidade do projeto e a totalidade da construção da moradia”.

Precise-se que em anexo à contestação, o apelante juntou efetivamente aos autos:

- uma declaração datada de 04/01/2017, emitida por P. M., em que o último declara, na qualidade de gerente da sociedade “X – Construções Unipessoal, Lda.”, que recebeu do Réu (apelante) a quantia de 15.000,00 euros, referente ao trabalhos efetuados no mês de novembro;
- um documento emitido pelo Banco..., onde se vê que em 21/05/2016, o apelante Réu transferiu para a conta de F. D. a quantia de 800,00 euros;
- um mail enviado por F. D. ao apelante Réu em 02/05/2016, comunicando-lhe os dados para lhe ser transferido o “valor acordado”;
- um documento emitido por “X – Construções Unipessoal, Lda.” ao apelante Réu relativo à quantia de 24.390,24 euros, “por serviços de construções na vossa moradia, sita na Travessa …, Lote …, ... …, incluindo mão de obra e material” e
- um documento datado de 19/01/2017, emitido pela mesma “X, Lda.” ao apelante Réu, no montante de 30.000,00 euros e com a declaração que essa quantia foi paga através de cheque.
Tais documentos foram efetivamente notificados à apelada Autora, que não arguiu a respetiva falsidade, sequer impugnou a letra ou a assinatura que neles consta aposta.
Trata-se de documentos particulares (arts. 362º e 363º, n.ºs 1 e 3 do CC.).
Acontece que os emitentes desses documentos não são partes nos presentes autos, mas antes terceiros.
Deste modo, diversamente do pretendido pelo apelante, tais documentos nem sequer beneficiam da força probatória que lhes é reconhecida nos termos do n.º 1 do art. 376º do CC.
Com efeito, só gozam da força probatória que lhes é conferida pelo n.º 1 do art. 376º do CC., os documentos particulares não impugnados cuja letra ou cuja assinatura, ou ambas em conjunto, sejam atribuídas a uma das partes pela outra.
Tal significa que para que os documentos em análise gozassem da força probatória conferida pelo art. 376º, n.º 1 do CC, a qual, de resto, se limita à materialidade, isto é, à existência das declarações neles vertidas, não abrangendo a exatidão das mesmas, que apenas se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses dos emitentes de tais documentos – art. 376º, n.º 2 do CC -, era necessário que os emitentes dos identificados documentos fossem partes nos presentes autos e que o apelante pretendesse fazer valer a força probatório dos mesmos em relação a esses seus emitentes, partes nos autos.
Acontece que, no caso, a apelada Autora não foi a emitente de tais documentos, mas é terceira em relação aos mesmos.
Por conseguinte, as declarações constantes desses documentos não fazem prova plena em relação à Autora (apelada), que não figura como emitente dos mesmos, mas trata-se antes de documentos emitidos e assinados por terceiros.
Nesse contexto, os identificados documentos, no que tange à apelada Autora, terceira em relação aos mesmos, ficam sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art. 366º do CC (7).
Daqui deriva que contrariamente ao pretendido pelo apelante Réu, os identificados documentos não fazem prova plena contra a apelada em relação aos factos que neles constam consignados, pelo que ao concluir pela não prova em como terá sido o apelante a custear a totalidade dos custos do projeto e da construção da moradia, o tribunal a quo não incorreu indiscutivelmente em qualquer violação de regras de direito probatório material.
Decorre do que se acaba de dizer improceder o enunciado fundamento de recurso.

B.4 – Da impugnação do julgamento da matéria de facto.

A Autora (apelante) impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância em relação aos pontos 21º e 22º dos factos julgados provados na sentença.
Por sua vez, o apelante Réu impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto aos pontos 4º, 5º, 16º, 17º, 19º e 20º dos factos julgados provados na sentença e, bem assim quanto aos factos nela julgados como não provados nos pontos 1º, 2º, 15º e 16º, pretendendo que uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova da facticidade dos pontos 4º, 5º, 16º, 17º e 19º dos factos provados na sentença, pela prova da facticidade nela julgada não provada sob os pontos 1º, 2º, 15º e 16º e quanto à facticidade do ponto 20º julgada provada na sentença, sustenta que se impõe concluir pela prova da seguinte facticidade: “Foi o Réu que custeou a totalidade da moradia e custos associados”.
Antes de entrarmos na apreciação dos concretos pontos da matéria de facto julgada provada e não provada pelo tribunal a quo que os apelantes impugnam, impõe-se verificar se os mesmos deram cumprimento aos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, sem o que não é legalmente consentido a esta Relação entrar na reapreciação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e que vem impugnado pelos apelantes.

B.4.1- Ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto.

Conforme temos repetidamente escrito nos acórdãos que vimos relatando, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto importa precisar que da conjugação do regime jurídico estabelecido nos arts. 637º, n.º 2, 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641º, n.º 2, al. b) e 662º do CPC, decorre que o Tribunal da Relação tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelos recorrentes, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais, embora esteja naturalmente limitada pelos princípios da imediação e da oralidade (8).
Não foi propósito do julgador permitir recursos genéricos, sequer transformar o recurso da matéria de facto na repetição do julgamento realizado na 1ª Instância e daí que tenha imposto ao recorrente o cumprimento de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.
Em função desses critérios, para além do recurso da matéria de facto se restringir à matéria de facto impugnada (9), estando subtraída ao campo de cognição do Tribunal ad quem a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo dos princípios da auto responsabilidade, cooperação, lealdade e boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu a 1ª Instância ao decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a concreta matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida quanto à mesma, os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento de facto diverso que postula, com a respetiva análise crítica, isto é, com a demonstração do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada como provada ou não provada pelo tribunal a quo (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC).
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º do CPC).
Cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial de delimitação do objeto do recurso (art. 635º, n.º 4 do CPC), fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem (10), daqui deriva que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna e a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada a essa facticidade.
Já quanto aos demais ónus, porque os mesmos não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Deste modo e em síntese, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (11), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo o STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” (12).
No entanto, na apreciação desse critério de rigor impõe-se operar a distinção entre: a) ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de facto, onde os requisitos impostos ao recorrente se encontram ligados com o mérito ou demérito do recurso; e b) ónus secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, que são os enunciados no n.º 1 do art. 640º do CPC, sem prejuízo do que infra se dirá, tem-se entendido que esse critério de rigor se aplica de forma estrita, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus, se impõe a rejeição do recurso da matéria de facto na parte em que se verifica a omissão.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os enunciados no n.º 2, al. a) do art. 640º, considera-se que não convém exponenciar esse critério de rigor ao ponto de se violar o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” (13), uma vez que se está na presença de meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento” (14).
Esclareça-se que mesmo em relação aos ónus de impugnação primários tem-se assistido ultimamente, ao nível do STJ, a um aliviar do enunciado critério de rigor, admitindo-se a apreciação do recurso ainda que as conclusões sejam omissas quanto à referência expressa dos concretos pontos da matéria de facto que o apelante impugna, desde que os factos impugnados resultem claramente identificados nas antecedentes alegações (15).

B.4.2- Incumprimento dos ónus impugnatórios por parte da apelante Autora.

Assente nas mencionadas premissas, a apelante Autora impugna o julgamento da matéria de facto julgada provada nos pontos 21º e 22º da sentença sob sindicância, mas salvo o devido respeito por entendimento contrário, aquela não cumpriu com os ónus impugnatórios que sobre si impendiam, uma vez que, em sede de conclusões, limitou-se a sustentar “encontrarem-se incorretamente dados como provados os pontos 21º e 22º da matéria de facto dada como provada”, sem que nas conclusões de recurso tivesse indicado qual a concreta resposta que devia recair sobre essa facticidade, com o que incumpriu o ónus impugnatório da al. c), do n.º 1 do art. 640º do CPC.
O incumprimento desse ónus implica a imediata rejeição do recurso quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto em relação à facticidade julgada provada pela 1ª Instância na sentença recorrida sob os identificados pontos 21º e 22º.
Acresce dizer que em sede de motivação do recurso, a apelante Autora já se limitara a afirmar que os pontos 21º e 22º dos factos julgados provados na sentença encontram-se incorretamente dados como provados, “impondo-se decisão diversa daquela que foi determinada pelo tribunal recorrido”, mas sem cuidar, também aí, em concretizar, pelo menos, de forma expressa, qual devia ser essa concreta “decisão diversa” que se impunha tivesse ser adotada em relação a essa concreta facticidade.

De resto, nessa motivação de recurso, a apelante desloca toda a discussão a propósito da impugnação do julgamento da matéria de facto para a crítica que aduz quanto à decisão de mérito proferida pelo tribunal a quo que a condenou como litigante de má fé, transcrevendo essa decisão de mérito e sustentando:

“…não poder conformar-se com tal decisão injusta e descontextualizada, uma vez que os factos que subjazem à mesma não correspondem à realidade. (…). É certo que a Recorrente alegou no artigo 16.º da P.I. ter adquirido com dinheiro próprio resultante do seu trabalho o terreno/ lote de construção sito no lugar de ....
Também é certo, e não desmente a Recorrente que foi dado como provado em sede de audiência e julgamento que, à data do negócio, o referido lote terá sido pago através de cheque passado pelo Réu/ Recorrido, sacado sob uma conta da qual este era titular.
Acontece que decorreram cerca de 20 anos desde a data da referida transmissão e por conseguinte, da data do referido pagamento.
Nem a Autora, nem o Réu possuíam cópia do cheque, tanto que foi necessário requisitar a sua cópia à instituição bancária.
Se o Réu não tinha cópia deste cheque, cuja junção a este aproveitava, e tendo eles vivido em união de facto há 20 anos, muito provável é que a A. nunca tivesse detido essa cópia.
Certo é que decorridos tantos anos sempre esteve convicta de que em termos formais, também o pagamento havia sido feito por si.
A Autora não omitiu intencionalmente essa informação nem se concebe de onde concluiu o tribunal a referida intencionalidade.
Aquilo que a Recorrente pretende fazer ver ao tribunal ad quem é que, tal dinheiro foi previamente dado pela Recorrente ao Recorrido para que este pudesse efetivar o negócio, e como tal foi ela, de facto, quem pagou o terreno.
Dinheiro esse que serviu para pagar o referido terreno da qual a Recorrente ficou titular – como consta provado no facto 7. da sentença em primeira instância.
Assim sendo, não pode a Recorrente aceitar a condenação em litigância de má-fé quando apenas tentou fazer valer os seus direitos em juízo, apresentando os factos conforme a realidade, sem nunca tentar ludibriar o tribunal e devendo ser considerado a seu favor o tempo decorrido desde os factos – 20 anos – que naturalmente confunde a memória”.

De seguida, a apelante Autora transcreve parte do depoimento de parte que prestou em audiência final e conclui:

“Conforme resulta da petição e aliás do depoimento de parte, a A. refere ter sido possível que o dinheiro tivesse saído de uma conta do Réu, não se recordando se assim foi atento ao tempo decorrido, e salientando que tal forma de pagamento foi exigida pelo R., reafirmando conforme na petição que foi adquirido com dinheiro próprio. O que não logrou provar.
A impossibilidade pela A. de prova deste facto (do de ter adquirido com dinheiro próprio o terreno) não pode determinar, de forma automática, que a A. omitiu intencionalmente essa infirmação ao tribunal.
A recorrente é uma pessoa idónea, que sempre cumpriu com as suas responsabilidades e não é alguém que não olha a meios para atingir fins!
Nunca teve a intenção de ocultar provas e não o fez, tanto que não se opôs por exemplo ao levantamento do sigilo notarial para que a notária pudesse proceder à junção do testemunho e da sua revogação.
A pretensão da A. com a demanda era apenas recuperar o que era seu. E aquilo que conquistou fruto do seu trabalho e que, por amor e por confiar no Recorrido, fez sem pensar nas consequências burocráticas”. (…)
Não configura qualquer dolo ou negligência grave a falta de prova por parte da Autora/Recorrente relativamente ao facto de ter dado dinheiro ao Recorrido para pagamento do terreno.
“A simples falta de prova de factos alegados, ainda que de natureza pessoal, com a consequente improcedência da ação, não permitem concluir pela litigância de má fé por banda da parte que os alegara e sobre quem impendia o respetivo ónus probandi, sob pena de se estar a coarctar o legítimo direito de as partes de discutirem e interpretarem livremente os factos e o regime jurídico que os enquadra, por mais minoritárias (em termos jurisprudenciais) ou pouco consistentes que se apresentem as teses defendidas.” – Cfr. Ac. TRP 13/03/2008, processo n.º 0831101, disponível em www.direitoemdia.pt
Assim sendo, e uma vez que os factos não foram apreciados corretamente, não pode a Recorrente ser condenada como litigante de má-fé”.
Dir-se-á que mesmo que fosse possível suprir a falta do cumprimento do ónus previsto na al. c) do n.º 1 do art. 640º do CPC mediante recurso às motivações de recurso apresentadas pela apelante Autora – o que se nos prefigura problemático atenta a circunstância de serem as conclusões que, nos termos do disposto nos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, isto é, o objeto do recurso, podendo nelas a recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso (16) -, com o argumento de que da leitura dessas motivações de recurso resulta implícito, de forma clara, inequívoca e sem margem para dúvidas, ser ensejo da apelante que se conclua pela não prova dessa concreta facticidade, incumbe referir que não tendo a mesma, sequer o apelante Réu, impugnado o julgamento da matéria de facto vertida nos pontos 8º a 13º da sentença sob sindicância e, encontrando-se, por conseguinte, esse julgamento de facto, quanto a essa concreta facticidade, transitada em julgada, não se vislumbra como se possa concluir pela não prova dos factos provados nos pontos 21º e 22º.

Com efeito, nesses pontos 21º e 22º, a 1ª Instância julgou provados os seguintes factos:

“21. A Autora omitiu intencionalmente os negócios relativos à aquisição do terreno para construção, lote .., sito no lugar de ..., ... (…), Guimarães.
22. A Autora omitiu intencionalmente que foi o Réu quem procedeu ao pagamento do preço da escritura de compra e venda datada do dia 30 de setembro de 1999”.

No entanto, nos pontos 8º a 13º dos factos provados nessa sentença encontra-se, em definitivo, provada a seguinte facticidade:

8. O pagamento do preço referido em 7. foi efetuado exclusivamente pelo Réu, mediante a emissão de um cheque bancário, com o n.º 4859613970 e sacado sob a conta n.º 236927642, domiciliada no Banco ..., e titulada pelo Réu e por duas menores.
9. A Autora ficou a constar formalmente da escritura pública como mera adquirente devido a um diferendo que o Réu tinha pendente com a Segurança Social, decorrente de dívidas de uma sociedade que integrava, contraídas por um seu antigo sócio e co-gerente daquela e pelas quais o Réu se encontrava a ser responsabilizado.
10. Autora e Réu acordaram que, logo que se encontrasse findo aquele diferendo, a Autora transmitiria o imóvel para o nome do Réu.
11. Nesse mesmo Cartório Notarial e na mesma data de 30 de setembro de 1999, a Autora outorgou testamento, no qual declarou deixar “tudo aquilo de que tenha livre disposição à data da sua morte a E. P., casado e consigo residente”.
12. Visando com isso proteger o património de que o Réu era detentor e que se encontrava em nome da Autora, perante os herdeiros desta.
13. Em consequência e por título de compra e venda datado de 10 de abril de 2015, a Autora declarou vender o prédio identificado em 7. ao Réu, que o declarou comprar, pelo preço de € 12.000,00.
Deste modo, em função dessa concreta facticidade, a qual, reafirma-se, não foi impugnada, estando, por isso, definitivamente assente, quem pagou o preço de aquisição do terreno foi exclusivamente o Réu, tendo a Autora apenas ficado formalmente a constar da escritura de compra e venda como compradora do terreno em causa devido ao diferendo que o Réu tinha pendente com a Segurança Social, decorrente de dívidas de uma sociedade que integrava, contraídas por um seu antigo sócio e co-gerente dessa sociedade e pelas quais o Réu se encontrava a ser responsabilizado e, inclusivamente, ambos (Autora e Réu) acordaram que logo que se encontrasse findo esse diferendo, a primeira transmitira para o segundo a propriedade do terreno em causa (seu verdadeiro e efetivo proprietário) e, bem assim que com vista a proteger o património do último que se encontrava em nome daquela, isto é, o referido terreno, perante os herdeiros da própria Autora, esta outorgou testamento em que declarou deixar ao Réu “tudo aquilo que tenha livre disposição à data da sua morte”, tendo sido, nesse contexto de conluio entre Autora e Réu, que aquela veio a celebrar com o último a escritura pública de compra e venda (simulada) de 10 de abril de 2015.
Perante o identificado quadro fáctico em definitivo assente, dir-se-á que a situação da apelante Autora nos autos é bem distinta do quadro factual que a mesma pretende verificar-se e sobre o qual se debruçaram os arestos que cita nas suas alegações de recurso e que, inclusivamente, em parte, transcreve.
Na verdade, nos presentes autos não se está perante qualquer situação em que a apelante Autora tivesse alegado que o dinheiro do preço da aquisição do terreno era exclusivamente seu (conforme realmente alegou), mas em que não tivesse logrado fazer prova dessa sua alegação.
Nesse situação, porque a não prova de um determinado facto não equivale à não verificação do mesmo, mas tão só que face aos meios de prova produzidos no processo, a parte que alegou esse concreto facto não o conseguiu provar, o qual poderá ser naturalmente verdadeiro ou falso, dessa não prova não é possível efetivamente extrair que a parte que alegou esse concreto facto (mas que não o logrou provar) tenha litigado de má fé em qualquer uma das modalidades previstas no n.º 2 do art. 542º do CPC, nomeadamente, que a mesma, tivesse, com dolo ou negligência grave, alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.
Acontece que não é essa a situação que se verifica nos presentes autos em relação à Autora, nos quais, conforme se retira da facticidade julgada provada, em definitivo, nos enunciados pontos 8º a 13º, não só se provou que o pagamento do preço da aquisição do terreno foi exclusivamente efetuado pelo Réu, como se provou que esse dinheiro era exclusivamente propriedade deste, tanto assim que se encontra apurado, em definitivo, que a apelante Autora, conluiada com o Réu, aceitou ficar a constar formalmente na escritura de compra a venda do terreno em causa como sua compradora para auxiliar o Réu a furtar-se ao cumprimento das eventuais responsabilidades deste perante a Segurança Social, acordando, inclusivamente, com o último que, uma vez findo esse diferendo, a mesma lhe transmitiria a propriedade do terreno em causa para o nome daquele, seu efetivo proprietário e comprador e que, inclusivamente, com vista a salvaguardá-lo da eventualidade da mesma poder vir a falecer durante o período temporal em que o terreno figurasse formalmente em nome desta, outorgou-lhe testamento.
Ora, porque a apelante Autora participou pessoalmente nesse conluio com o Réu, tendo sido nele parte, onde estabeleceu os enunciados acordos com o último, é apodíctico que independentemente do tempo decorrido à data da propositura da presente ação sobre a compra do terreno e do enunciado acordo simulatório que estabeleceu com o Réu, a Autora não só não desconhecia (sequer podia desconhecer) que o preço de aquisição do terreno em causa tinha sido pago exclusivamente pelo Réu, com recurso a dinheiro exclusivamente deste, como sabia que o Réu foi sempre o verdadeiro e efetivo proprietário desse terreno.
Deste modo, ao instaurar a presente ação alegando ter sido ela, apelante Autora, quem comprou o terreno e pagou o respetivo preço com dinheiro exclusivamente seu e sustentando ter transferido a propriedade sobre esse terreno para o Réu unicamente por via da pressão e ascendente que este exerceu sobre si, que nada lhe pagou a título de preço, forçoso é concluir que a mesma omitiu intencionalmente os negócios relativos à aquisição desse terreno, assim como omitiu intencionalmente ter sido o Réu que procedeu ao pagamento do preço da compra do terreno em causa.

Termos em que, quer porque a apelante não cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos na al. c) do n.º 1 do art. 640º do CPC – o que implica a rejeição do recurso quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto operado pela 1ª Instância em relação aos enunciados pontos 21º e 22º dos factos julgados provados na sentença -, quer porque independentemente do incumprimento desses ónus, a prova produzida não impõe que se conclua pela não prova dessa concreta facticidade, mas antes, perante os factos já, em definitivo, julgados provados na sentença sob sindicância nos pontos 8º a 13º, impõem que se conclua pela prova dessa concreta facticidade, improcede este fundamento de recurso aduzido pela apelante Autora, mantendo-se inalterados os factos julgados provados nos pontos 21º e 22º da sentença sob sindicância.

B.4.3- Incumprimento dos ónus impugnatórios por parte do apelante Réu.

O Réu (apelante) impugna o julgamento da matéria de facto julgada provada nos pontos 4º, 5º, 16º, 17º, 19º e 20º da sentença e, bem assim a nela julgada como não provada nos pontos 1º, 2º, 15º e 16º.
Acontece que essa impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante Réu é indiscutivelmente genérica, na medida em que se é certo que o apelante indica, nas conclusões de recurso, quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna – os atrás identificados – e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre esses pontos da matéria de facto que impugna, nas alegações de recurso, o mesmo em vez de em relação a cada um dos concretos pontos da matéria de facto que impugna indicar os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada que impunham o julgamento de facto diverso que propugna e de, quanto à prova gravada, quanto a cada um desses pontos que impugna, indicar com exatidão a passagem ou passagens da gravação em que funda o seu recurso, conforme lhe é imposto pelo art. 640º, n.ºs 1, al. c) e n.º 2, al. a) do CPC, não seguiu manifestamente esse método impugnatório, como lhe era legalmente imposto.
Na verdade, o apelante começou por fazer um intróito em relação a determinados pontos do julgamento da matéria de facto que impugna.
Nesse intróito, umas vezes o apelante começa por indicar os fundamentos de facto aduzidos pela 1ª Instância que a levaram a julgar como provada ou como não provada essa concreta facticidade, mas estando em causa prova gravada, umas vezes conclui que essas testemunhas ou partes afirmaram coisa diversa daquilo que é mencionada pela 1ª Instância na motivação do julgamento de facto que realizou, mas sem cuidar em indicar o início e o termo dos excertos desses depoimentos gravados de onde resultará terem essas concretas testemunhas ou partes afirmado coisa diversa daquilo que é referido pela 1ª Instância em sede de motivação do julgamento da matéria de facto que realizou.
Na verdade, o método de trabalho utilizado pelo apelante não foi o de em relação a cada um dos pontos da matéria de facto que impugna, indicar os concretos meios probatórios em que, em relação a cada um desses pontos, funda essa sua impugnação e que, a seu ver, impõem o julgamento diverso que propugna e proceder, quanto à prova gravada, à indicação do início e do termo dos excertos dos depoimentos testemunhais ou de partes em que funda esse julgamento diverso que propugna ou proceder à transcrição desses excertos, nomeadamente, que demonstrarão ter a 1ª Instância incorrido em infidelidade relativamente àquilo que terá sido afirmado pelas testemunhas e/ou partes em audiência final, conforme lhe é imposto pelo art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, mas antes optou por seguir um método de trabalho em que, no mencionado intróito, acusa a 1ª Instância de ter incorrido nas mencionadas infidelidades e por, na parte final das motivações de recurso, uma vez feito esse intróito em relação a todos os pontos do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância que impugna, proceder à transcrição, em bloco, dos excertos dos depoimentos de parte e das testemunhas produzidos em audiência final, procedendo, inclusivamente, em relação a algumas dessas testemunhas e partes, praticamente à transcrição da totalidade dos depoimentos que estas produziram em audiência final (17).
Outras vezes, nesse intróito, o apelante Réu não acusa a 1ª Instância de ter incorrido em qualquer infidelidade relativamente aos depoimentos de parte e/ou testemunhais que invoca em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto que realizou, mas diz que essas testemunhas afirmaram nada saberem sobre a matéria em causa – como é o caso do preço do projeto de construção da moradia e da própria construção desta até à separação do casal, em que, conforme se vê da fundamentação do julgamento da matéria de facto, é a própria 1ª Instância a reconhecer, na sentença sob sindicância, que as testemunhas que identifica nessa motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto, afirmaram desconhecer de quem era a propriedade do dinheiro que lhes foi pago pela elaboração do projeto de construção da moradia e pela própria construção da moradia até à separação do casal, mas logo aduz outros factos relatados por essas mesmas testemunhas, que isoladamente ou conjugados com outros elementos de prova (que a 1ª Instância também aí identifica) e com as regras da lógica e da experiência comum, a levam a concluir pela prova ou não prova dessa concreta matéria que está a apreciar, - fundamentos esses que, no entanto, o apelante optou por ignorar totalmente na impugnação do julgamento de matéria de facto que opera, abstraindo totalmente dos mesmos, como se pura e simplesmente o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância não tivesse assentado nesses outros fundamentos, não cuidando em imputar em relação aos mesmos quaisquer infidelidades em que tivesse incorrido a 1ª Instância ou outras razões, designadamente, desconsideração de outros meios de prova e de eventuais factos que deles emerjam e que não tivessem sido considerados pela 1ª Instância e que não permitiam que esta tivesse julgado essa concreta facticidade no sentido em que o fez, mas antes impunha que tivesse feito o julgamento de facto no sentido propugnado pelo apelante.

Concretizando:

Em relação à facticidade julgada provada nos pontos 17º e 19º da sentença sob sindicância, o apelante sustenta que a 1ª Instância fundamentou esse julgamento de facto nos depoimentos prestados pelas testemunhas F. D., P. M. e V. C., testemunhas essas que “afirmaram desconhecer a propriedade do dinheiro com o qual foram liquidados tais serviços, sendo que os orçamentos eram pedidos pela Autora porque tal se enquadrava na sua área de trabalho habitual, estando familiarizada com pedidos de orçamento e compra nessas empresas onde trabalhos”, e continua, sustentando que “quanto a esta matéria verifica-se uma total ausência de prova documental carreada aos autos pela Autora/Recorrida, o que, salvo o devido respeito, não deixa de causar alguma estranheza, pois que (…) algum documento deveria/teria de existir”, concluindo que “tendo o Réu/Recorrente, no que se reporta a esta matéria procedido à junção de três documentos (com a contestação)…não se tendo o tribunal satisfeito com esses documentos “de molde a extrair a conclusão de que tais valores haviam sido pagos por aquele, bastando-se, ao invés e do nosso ponto de vista erroneamente, com os depoimentos de testemunhas que afirmaram desconhecer a propriedade do dinheiro”, além que “a apontada credibilidade das mencionadas testemunhas (por não serem familiares de nenhum dos intervenientes), parece-nos não se mostrar de todo realista, uma vez que todas elas haviam já trabalhado ou mantido relações profissionais com a recorrida, bem notório, aliás, da análise da troca de correspondência entre as partes”, o que tudo, aliado à circunstância de que “era sobre a recorrida que impendia o respetivo ónus da prova, que a nossa ver não logrou alcançar”, impõe que se conclua pela não prova da matéria de facto constante dos pontos 17º e 19º.
Acontece que compulsada a motivação do julgamento da matéria de facto realizada pela 1ª Instância em relação a essa concreta facticidade, verifica-se que esta fundamentou o julgamento de provado em relação à mesma nos depoimentos prestados pelas testemunhas F. D., P. M. e V. C., deixando claro, nessa motivação, que essas testemunhas “afirmaram desconhecer a propriedade do dinheiro com o qual foram liquidados tais serviços”, mas acrescentou que as mesmas disseram que apelante e apelada se apresentaram “sempre (…) como um casal normal, participando ambos nos contactos e dando sugestões e indicações, sem que se detetasse nada de estranho na dinâmica do casal”, de modo que sempre percecionaram estes “como um casal e como sendo ambos a solicitar a prestação dos serviços, de modo que para eles o dinheiro com que lhe foram feitos os pagamentos dos serviços que prestaram eram dos “dois” – apelante e apelada -, tendo sido a Autora que pediu o orçamento para acabamento da moradia a V. C. e considerando a testemunha P. M., inclusivamente, “que ambos” – apelante e apelada – “são devedores da quantia de 8.000,00 euros que ainda não foi liquidada e relativa ao custo daqueles trabalhos”.

Conforme se lê nessa motivação, esses depoimentos, aliado à falta de credibilidade do depoimento da testemunha M. C., “irmão do Réu, que referiu que foi o Réu quem pagou o projeto da casa, do que tinha conhecimento apenas por intermédio deste”, referindo que “foi o Réu quem escolheu tudo para a casa (nada tendo a Autora escolhido), inclusivamente a cozinha o que, como decorre do já supra expandido, foi totalmente desmentido pelo depoimento da testemunha V. C. (…)”, e considerando que “o mero facto de terem sido emitidas faturas e recibos em nome do Réu não permite, por si só, concluir no sentido de que só o Réu tenha custeado, em exclusivo, tais trabalhos (tal como não o permite, a mera circunstância de ser a Autora a pedir e negociar os orçamentos, ademais quando tal matéria era coincidente com as funções da sua habitual ocupação profissional” (…) “vista a participação coordenada de Autora e Réu nos contactos com as testemunhas não familiares supra identificadas, o julgador ficou convencido que tal moradia se destinava à habitação do agregado familiar dos unidos de facto e que Autora e Réu contribuíram ambos para o custeio do projeto e do grosso da obra, sem que, contudo se tenha conseguido apurar os concretos montantes por cada um despendidos para o efeito (…)”.
Ora, analisada a fundamentação do julgamento da matéria de facto que se acaba de transcrever verifica-se que a 1ª Instância não esconde que as testemunhas F. D., P. M. e V. C. disseram desconhecer de quem era a propriedade do dinheiro que lhes foi pago pelos serviços e trabalhos prestados, sequer esconde que a Autora/apelada não juntou aos autos qualquer documento de cujo teor resulte que as quantias pagas a essas testemunhas fossem sua propriedade, antes, pelo contrário, di-lo expressamente em sede de fundamentação/motivação do julgamento de matéria de facto que realizou.
A 1ª Instância também não deixou, nessa fundamentação, de se referir aos documentos juntos aos autos pelo apelante em anexo à contestação, concluindo que “o mero facto de terem sido emitidas faturas e recibos em nome do Réu não permite, por si só, concluir no sentido de que só o Réu tenha custeado, em exclusivo, tais trabalhos”, ilação essa que, diga-se, se nos prefigura ser totalmente correta.
A 1ª Instância também não ignora que era sobre a Autora que impendia o ónus da prova de que o dinheiro entregue para pagamento do projeto de construção da moradia e da própria construção da moradia até à separação do casal era metade sua propriedade, conforme esta alegara acontecer em sede de petição inicial.
Mas nessa fundamentação, a 1ª Instância aduz outros factos relatados pelos identificados F. D., P. M. e V. C., quais sejam a circunstância de apelante e apelada terem agido sempre perante essas testemunhas como casal, participando ambos nos contactos que com elas foram estabelecidos e dando-lhes ambos sugestões e indicações, como se fossem ambos “donos da obra” e contratantes, factos esses que, conjugados com os restantes factos já apurados e com as regras da lógica e da experiência comum, o levaram a concluir pela prova da facticidade em análise.
Ora, a propósito desses factos que terão sido relatados pelas identificadas testemunhas F. D., P. M. e V. C., verifica-se que o apelante, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto dada como provada nos pontos 17º e 19º, abstraiu-se totalmente dos mesmos, não imputando qualquer infidelidade à motivação do julgamento da matéria de facto constante da sentença recorrida em relação a esses depoimentos, sequer transcrevendo os excertos dessas testemunhas demonstrativos dessas eventuais e possíveis infidelidades em que tivesse incorrido a 1ª Instância ou de onde decorressem outros factos, os quais aliados às regras da lógica, da ciência e/ou da experiência comum, levassem a afastar a perceção com que ficaram as mencionadas testemunhas (ainda que os factos que relataram e que o apelante totalmente ignorou – a circunstância de apelante e apelada terem sempre agido perante as mesmas como casal, participando ambos nos contactos que com aquelas e dando-lhes ambos sugestões e indicações sobre a obra, como se fossem ambos “donos da obra” – fossem verdadeiros), impondo antes que se concluísse que a moradia se destinava apenas à habitação do apelante e/ou que o contratante com essas testemunhas era exclusivamente o apelante e/ou que o dinheiro entregue a essas testemunhas para pagamento dos trabalhos que estas lhe prestaram era propriedade exclusiva do apelante, optando, reafirma-se, o apelante por ignorar totalmente esses outros fundamentos de facto relatados pelas identificadas testemunhas F. D., P. M. e V. C. na impugnação do julgamento de facto que operou, não obstante a 1ª Instância ter assentado a sua convicção no julgamento positivo que realizou quanto à facticidade dos mencionados pontos 17º e 19º precisamente nesses outros fundamentos.
Acresce que conforme se referiu, o apelante Réu transcreve, em bloco, em relação à totalidade do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância que impugna, os excertos da prova pessoal produzida em audiência final.
Acontece que ao impugnar o julgamento da matéria de facto quanto à facticidade dos enunciados pontos 17º e 19º dos factos julgados provados na sentença pela forma acabada de transcrever (transcrevendo, em bloco, a prova gravada e ignorando os concretos fundamentos relatados pelas testemunhas em que a 1ª Instância estribou o julgamento de provado que realizou quanto a essa concreta facticidade), o apelante incumpriu os ónus impugnatórios que sobre si impendiam e que se encontram elencados no art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC.
O incumprimento desses ónus impugnatórios leva a que se tenha de rejeitar a impugnação do julgamento da matéria de facto em relação aos pontos 17º e 19º dos factos julgados provados na sentença.
No entanto, sempre se dirá que ainda que assim não fosse, sempre se teria de concluir pela improcedência da impugnação do julgamento da matéria de facto em relação a essa concreta matéria fáctica julgada provada.
Na verdade, perante o quadro factual julgado provado pela 1ª Instância nos pontos 1º, 2º, 3º, 7º a 15º e 18º, cujo julgamento de facto não se encontra impugnado por nenhuma das partes, pelo que essa concreta facticidade se encontra, em definitivo, assente, em que se verifica que apelante e apelada viveram em união de facto entre 20/07/1999 até 03/09/2017, que dessa relação de união de facto nasceu, inclusivamente, um filho ao casal, que a aquisição do terreno para a construção da moradia ocorreu durante a união de facto, que a moradia foi construída, em grosso, na pendência dessa união de facto, encontrando-se, aliás, toda a estrutura em grosso daquela já construída quando o casal se separou e iniciada a especialidade de eletricista, ou existia prova concludente que levasse a concluir, sem margem para dúvidas, que a moradia se destinava a outra finalidade que não a residência do agregado familiar de apelante e apelado, designadamente, a ser arrendada ou à residência exclusiva do apelante Réu e, bem assim que o custo do projeto de construção dessa moradia e da própria construção da moradia até à separação do casal foi suportado com dinheiro exclusivamente propriedade da Autora (apelada) ou do Réu (apelante) – como aconteceu em relação ao preço do terreno, em relação ao qual se apurou ter sido pago com dinheiro exclusivamente do Réu - ou, na ausência dessa prova, teria forçosamente de se concluir não só que essa moradia se destinava a servir da casa de morada de família de apelante e apelada e do filho de ambos (do agregado familiar destes) e que os custos suportados com a elaboração do projeto de construção da moradia e com a própria construção da moradia até à separação do casal, foram necessariamente suportados por ambos os elementos da união de facto, isto é, por apelante e apelada, por ser isto que ditam as regras da experiência comum acontecer.
Na verdade, as regras da experiência comum ditam que quando se vive em união de facto, tal como acontece no casamento, em princípio, as despesas são partilhadas entre os elementos da união de facto e que quando, na pendência dessa união, se adquire um terreno para construir uma moradia e se constrói nesse terreno uma moradia, esta, em princípio, destina-se à residência do casal e do respetivo agregado familiar, pelo que, naturalmente, as despesas inerentes à aquisição do terreno para a construção da moradia e, bem assim as inerentes ao pagamento do projeto de construção da moradia e da própria construção da moradia durante a união de facto são, em princípio, suportadas por ambos os elementos que integram a união de facto.
Por outro lado, como bem diz a 1ª Instância, da circunstância de em anexo à contestação, terem sido juntas aos autos pelo apelante os documentos supra já identificados, em que a X, Lda., declara ter recebido do Réu as quantias mencionadas nesses documentos respeitantes aos trabalhos de construção da moradia, emitindo-lhe faturas desses pagamentos, o mesmo acontecendo em relação aos pagamentos efetuados ao arquiteto que elaborou o projeto de construção dessa moradia e quanto ao documento emitido pelo Banco ..., onde se vê que em 21/05/2016, o apelante transferiu para a conta desse arquiteto a quantia de 800,00 euros, ainda que ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, tais documentos levem a concluir que essas transferências e pagamentos foram efetivamente realizados pelo apelante, tal circunstância não é suficiente para, de per se, se concluir pela prova de que a propriedade desse dinheiro era exclusivamente do apelante, ainda que este se encontrasse depositado numa conta bancária aberta em nome exclusivo deste, sabendo-se que numa sociedade ainda marcadamente patriarcal, como é o caso da nacional, os pagamentos costumam ser efetuados pelo membro masculino, a quem costumam igualmente ser emitidos as faturas, recibos, etc., pelo empreiteiro e prestadores de serviços e que, inclusivamente, não é inusual, mesmo entre casados, o membro masculino do agregado ter as contas abertas exclusivamente em seu nome, não obstante o dinheiro depositado nessas contas ser fruto do trabalho de ambos os membros do casal e, consequentemente, ser propriedade de ambos.
Logo, dir-se-á que para além do apelante ter totalmente ignorado os fundamentos de facto aduzidos pela 1ª Instância em sede de fundamentação do julgamento positivo dado à facticidade dos pontos 17º e 19º na sentença sob sindicância e em que estribou esse julgamento, e de ter procedido à transcrição, em bloco, da prova gravada, com o que incumpriu os ónus impugnatórios previstos no art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, o que leva, de per se, à rejeição do recurso da matéria de facto impugnada quanto a essa concreta facticidade, ainda que o mesmo não tivesse ignorado esses outros fundamentos de facto aduzidos pela 1ª Instância para alicerçar o julgamento de provado que realizou em relação a essa concreta facticidade, isto é, os depoimentos das testemunhas F. D., P. M. e V. C., em função dos quais apelante (Réu) e apelada (Autora) agiram sempre perante as mesmas como casal, participando ambos nos contactos que com elas foram estabelecidos e dando-lhes ambos sugestões e indicações, como se ambos fossem “donos da obra”, e tivesse cumprido com os enunciados ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC (o que, reafirma-se, não fez), ou imputava infidelidades a essas versões de facto apresentadas por essas concretas testemunhas e essa infidelidades vinham a mostrar-se serem fundadas (por os depoimentos das mesmas não terem o sentido ou alcance apontado pela 1ª Instância naquela motivação do julgamento da matéria de facto, em virtude dessas testemunhas terem afirmado algo diverso daquilo que consta dessa motivação) ou então apontava razões que levassem a concluir que os depoimentos prestados pelas identificadas testemunhas não eram credíveis (indicando essas concretas razões, designadamente, transcrevendo os excertos dos depoimentos por elas prestados que de per se ou conjugados com outros elementos de prova ou factos fossem demonstrativos dessa falta de credibilidade), ou apontavam outros factos apurados em função da prova produzida (identificando esses outros factos e os fundamentos probatórios que os sustentam), que eventualmente tivessem sido desconsiderados pelo tribunal a quo nesse julgamento de facto que realizou, os quais sozinhos ou aliados às regras da lógica, da experiência ou da ciência, demonstravam que apesar das identificadas testemunhas terem efetivamente relatados os factos indicados pelo tribunal a quo na motivação do julgamento de facto que realizou, forçoso seria concluir que os factos relatados por essas concretas testemunhas ou não eram verdadeiros ou, a serem verdadeiros, não o eram as ilações por ela tiradas a partir desses factos e que foram as sufragadas pelo tribunal a quo no julgamento de facto positivo que realizou, não mereciam efetivamente adesão fáctica, na medida em a moradia se destinava exclusivamente a servir de residência do apelante (ou de terceiros, nomeadamente, inquilinos) e que o dinheiro despendido com o projeto de construção dessa moradia e com a construção da própria moradia durante a pendência da união de facto era propriedade exclusiva do apelante, ou as razões por ele invocadas na sua motivação do recurso para impugnar esse julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, eram de todo, insuficientes para impugnar o julgamento de facto com sucesso em relação aos factos julgados provados nos identificados pontos 17º e 19º.
Na verdade, como referido, em face da impugnação do julgamento de facto assim operada pelo apelante, os factos assim julgados provados pela 1ª Instância encontram-se em plena concordância com a facticidade julgada provada, em definitivo, nos pontos 1º, 2º, 3º, 7º a 15º e 18º, quando subsumidos às regras da lógica e da experiência comum.
De resto, a este propósito, cumpre lembrar ao apelante que nos termos do disposto no art. 662º, n.º 1 do CPC, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão de facto proferida pela 1ª Instância, não basta que a prova indicada pelo mesmo, conectada com a restante prova constante dos autos, a que o tribunal ad quem, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta esse julgamento diverso que postula, mas antes que o imponha.
Na verdade, no atual CPC mantém-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, pelo que nos casos em que os factos em julgamento vêm esse julgamento submetido ao princípio da livre apreciação da prova, perante esses princípios e considerando que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao juiz da 1ª Instância, sequer desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou na produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da sua convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Deste modo é que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só devem ser usados quando a prova produzida ou um documento superveniente “impuserem decisão diversa”, isto é, quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, ou seja, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, devendo a Relação, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida” fazer “prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (18).

Ora, no caso, em relação à facticidade julgada provada nos pontos 17º e 19º da sentença recorrida, reafirma-se, não só o apelante incumpriu com os ónus impugnatórios que sobre ele impendiam e que se encontram enunciados no art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, como as razões por ele invocadas, ainda que o mesmo tivesse cumprido com esses ónus, perante a facticidade, em definitivo, julgada provada nos pontos 1º, 2º, 3º, 7º a 15º e 18º da sentença sob sindicância, quando subsumidos às regras da lógica e da experiência comum, não impunha que se concluísse pela não prova dessa concreta facticidade, mas antes demandava que se concluísse pela prova da mesma.

Avançando.

Em relação ao ponto 16º dos factos julgados como provados, o apelante limita-se a sustentar que “a parte em que se dispõe “(…) para instalação da casa de morada de família” jamais deveria constar dos factos dados como provados, uma vez que existe uma total ausência de prova quanto a essa questão, conforme infra se verificará dos depoimentos a transcrever”, remetendo para a tal parte final das motivações de recurso, em que, conforme se referiu, transcreve em bloco, os excertos dos depoimentos pessoais produzidos em audiência final em relação à totalidade do julgamento da matéria de facto que impugna e ignorando totalmente os fundamentos probatórios aduzidos pela 1ª Instância, em sede de motivação do julgamento de facto que realizou e que supra se elencaram – depoimentos prestados pelas testemunhas F. D., P. M. e V. C. –, que a levaram a concluir pela prova da concreta facticidade vertida no identificado ponto 16º.
Ao assim proceder, o apelante incumpre os ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, o que implica a rejeição do recurso quanto a esta impugnação do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância.
Acresce dizer que mesmo que o apelante tivesse cumprido com esses ónus impugnatórios (o que não é o caso), sempre se impunha concluir que a moradia se destinava à instalação da casa de morada de família de apelante e apelada e do filho de ambos, quando se pondera na facticidade já, em definitivo, porque não impugnada, apurada nos pontos 1º, 2º, 3º, 7º a 15º e 18º da sentença sob sindicância.
Na verdade, conforme decorre dessa facticidade o terreno para construção da moradia foi adquirido pelo apelante na pendência da união de facto, o projeto de construção dessa moradia foi elaborado e pago na vigência dessa mesma união de facto, a construção da moradia também se iniciou na pendência da união de facto e, inclusivamente, quando apelante e apelada se separaram já se encontrava a parte em grosso da moradia edificada.
Tais factos quando subsumidos às regras da experiência comum, forçam a que se conclua que a moradia se destinava necessariamente a ser nela instalada a casa de morada de família de apelante e apelada e do respetivo filho de ambas, isto é, do agregado familiar do casal.
Na verdade, para que assim não fosse, era necessário que se concluísse que quando o apelante comprou o terreno para construir a moradia já tivesse intenção de se separar da Autora e, inclusivamente, quando posteriormente se iniciou a construção dessa moradia naquele terreno, o apelante persistisse nesse seu intento de se separar da Autora, o que naturalmente não se antolha como razoável aceitar-se à luz das regras da experiência comum, até porque, se assim fosse, teria de se concluir que o apelante é detentor de uma personalidade embotada, calculista, dissimulada e interesseira, em síntese, mal formada.
Passando ao ponto 20º da matéria de facto julgada provada na sentença.
O apelante impugna o julgamento da matéria de facto, sustentando que a discordância daquele “tem que ver com a posição de ter sido o mesmo que custeou a totalidade da moradia e custos associados e não apenas os inerentes à conclusão dos restantes trabalhos de construção”, argumentando que “para corroborar tudo o que supra a este respeito se deixou dito, atente-se nos depoimentos gravados em audiência de discussão e julgamento que infra se transcreverão, nalgum dos quais o tribunal a quo se baseou (F. D., P. M. e V. C.) para dar como provada a factualidade agora em discussão”.
Acontece que conforme supra já se referiu e demonstrou, ao proceder da forma acabada de enunciar, o apelante incumpre os ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC), o que implica a imediata rejeição do recurso quanto à impugnação do julgamento de provado desta concreta facticidade.
Acresce que independentemente do incumprimento desses ónus, contrariamente ao pretendido pelo apelante, a prova produzida não permite concluir pela não prova da facticidade vertida nos pontos 17º e 19º dos factos provados na sentença, mas antes impõe que se conclua pela prova dessa concreta facticidade (vide fundamentos supra explanados e analisados) e, consequentemente, da vertida no ponto 20º que está agora em apreciação.
Em relação aos factos julgados provados nos pontos 4º e 5º na sentença, o apelante alega que “o tribunal a quo sustenta a posição adotada, na prova testemunhal oferecida pela Autora, em especial, A. L., V. L. (irmãos da Autora) e C. C. (amiga da Autora), não deixando, todavia, de manifestar algumas reservas ao proceder à análise crítica das provas, dado o volume das despesas mensais que ressaltam dos extratos juntos aos autos e da capacidade da Autora suportar, em exclusivo, tais despesas (o que resultou inequívoco das declarações de parte do Réu/Recorrente”.
Acontece que compulsada a fundamentação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, verifica-se que esta ancorou a sua convicção em relação a essa concreta matéria que julgou como provada nos pontos 4º e 5º nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora que “confirmaram que a Autora lhes confidenciava que suportava todas as despesas da casa, do que tomaram conhecimento em razão de terem um relacionamento e convívio próximo com a Autora, em especial A. L., V. L., irmãos da Autora, e C. C., amiga e antiga colega de liceu da Autora, que almoçava com frequência com a Autora e chegou a passar férias com a Autora e o Réu”, acrescentando que “se é certo que, em face das declarações de parte do Réu e do volume das despesas mensais que ressaltam dos extratos juntos aos autos, se suscitam reservas sobre a capacidade de a Autora suportar, em exclusivo, tais despesas” logo, em sede de motivação, a 1ª Instância afasta essas suas dúvidas, ao ponderar que “a documentação junta aos autos corrobora totalmente o depoimento das referidas testemunhas. Efetivamente, do teor dos extratos bancários juntos pela Autora a fls. 43 e segs. resulta inequívoco que era das respetivas contas bancárias que se procedia ao pagamento de despesas de condomínio, colégios, farmácias, supermercados, lojas de roupas e também de pagamentos de consumos de água, luz e gás e, bem assim, liquidação de prestações de empréstimo à habitação e crédito pessoal (e também para pagamento de crédito ou leasing automóvel). Mais decorre dos referidos extratos que os saldos dessas contas eram alimentados por depósito de rendimentos do trabalho da Autora (cfr., por exemplo, fls. 61, onde consta o movimento de 1.700,87 euros, feito por Construções Y, S.A. (…). Por outro lado, verifica-se que o saldo a crédito das contas tituladas pela Autora era também alimentado através de inúmeros depósitos em numerário cuja autoria se desconhece e não foi revelada em audiência final (…), sem que se tenha detetado, igualmente, qualquer forma de movimento a crédito protagonizado pelo Réu nesses contas tituladas pela Autora”, e conclui “Ignorando-se a origem desses depósitos em numerário e na ausência de princípio de prova documental de que o Réu tenha pago quaisquer despesas normais do agregado familiar, resta a forte aparência probatória decorrente da conjugação daquela prova documental e testemunhal oferecida pela Autora pelo que não podiam ser outras as decisões plasmadas em I.4 a I.6 e II.1 e II.2, ademais que os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Réu não interferiram no quadro factual que se retira da análise da análise daqueles extratos em conjugação com os mencionados depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora. Efetivamente, a testemunha F. P., que trabalhou como agente para o Réu, limitou-se a referir que o Réu sempre lhe transmitiu que entregava 500,00 euros à Autora para a casa e outras despesas, sendo que nos idos de 2014, tal valor já seria de 1.000,00 euros (tentando assim confirmar o anteriormente referido pelo Réu em depoimento de parte, mas com notória discrepância temporal, posto que o Réu havia afirmado que esse aumento teria ocorrido em 2006/2007. (…). Já a testemunha M. C., irmão do Réu e marido daquela A. L., referiu que, quando passavam férias juntos, eram os homens que pagava sempre tudo, desconhecendo, porém, se o dinheiro era de ambos, dado que o Réu não lhe “contava a vida dele, pese embora, logo de seguido, tenha afirmado, contraditoriamente, que o irmão afinal lhe tinha dito que dava 500,00 euros à Autora, os quais esta recolhia na sapataria (o que é de todo inverosímil dado que Autora e Réu viviam juntos, não tendo qualquer cabimento, de acordo com a normalidade do acontecer, que a Autora se deslocasse de Braga às Taipas para recolher 500,00 euros, mesmo quando o Réu se encontrasse no estrangeiro). Esta linha dos 500,00 euros – que nem sequer é alegada, com essa precisão numérica, na contestação, (…) – foi também seguida pela testemunha C. V. que relatou que, quando trabalhou na empresa do pai, este separava todos os meses 500,00 euros para dar à Autora no final do mês. Contudo, para além da fragilidade e das contradições evidenciadas nos depoimentos das testemunhas A. L. e M. C., certo é que o relato mais objetivo que decorre da documentação junta aos autos (nomeadamente dos extratos supra analisados) não corrobora estes depoimentos dos familiares do Réu”.
Ora, conforme resulta da transcrição acabada de fazer, se é certo que a 1ª Instância suscitou inicialmente dúvidas quanto à capacidade económica da Autora para suportar sozinha as despesas da casa, atento o volume dessas despesas, logo afastou essas suas dúvidas iniciais, ao sustentar que esse suporte exclusivo dessas despesas por parte da Autora foram corroboradas pelas testemunhas por esta arroladas, em particular, pelas testemunhas A. L., V. L. e C. C., cujos depoimentos são, por sua vez, corroborados pelos extratos que aquela juntou aos autos a fls. 43 e segs. e que contrariam a versão dos factos apresentada pelo apelante em sede de declarações de parte e pelas testemunhas por este arroladas, cujos depoimentos se demonstraram contraditórios.
Logo, incumbia ao apelante, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto em relação à facticidade julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 4º e 5º dos factos provados, sindicar esse julgamento de facto, demonstrando eventuais infidelidades em que tivesse incorrido o tribunal a quo nessa sua fundamentação/motivação do julgamento de facto que realizou em relação ao que ele próprio declarou em sede de depoimento de parte que prestou em audiência final ou em relação àquilo que foi aí relatado pelas testemunhas que arrolou ou ao que foi relatado pelas testemunhas arroladas pela Autora (apelada), ou aduzindo outras razões que colocassem em crise a credibilidade atribuída pelo tribunal aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora e antes levasse a atribuir essa credibilidade às suas próprias declarações ou aos depoimentos prestados pelas testemunhas que arrolou, transcrevendo os excertos dessas declarações e/ou depoimentos demonstrativos dessas eventuais infidelidades ou contradições e demonstrando o porquê desses fundamentos probatórios aduzidos pela 1ª Instância não consentirem que tivesse julgado provada a concreta facticidade vertida nesses pontos 4º e 5º, mas antes impor que se concluísse pela não prova dessa facticidade.
Acontece que conforme se referiu e aqui se reafirma, o apelante limitou-se, na parte final da motivação do recurso, a transcrever, em bloco, em relação a toda a matéria cujo julgamento de facto impugna, os excertos dos depoimentos de parte que ele próprio e a apelada prestaram em audiência final e os excertos dos depoimentos das testemunhas que ele e a apelada arrolaram e ignorando os fundamentos aduzidos pela 1ª Instância em sede de motivação do julgamento da matéria de facto para concluir pela prova da concreta facticidade agora em análise, com o que incumpriu os ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a), do CPC.
O incumprimento dos identificados ónus impugnatórios por parte do apelante Réu implica que se tenha de rejeitar o recurso nesta parte.
Acresce que confundindo erros de julgamento da matéria de facto com erros de julgamento de direito (mérito), a propósito da facticidade dos identificados pontos 4º e 5º dos factos julgados provados na sentença, após ponderar que foi o próprio tribunal a quo a manifestar reservas quanto à bondade dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora, em especial, A. L., V. C. e C. C. (olvidando ou desvalorizando o facto de, logo, a 1ª Instância ter afastado essas suas dúvidas iniciais, as quais efetivamente manifestou), o apelante critica o enquadramento jurídico feito pela 1ª Instância, advogando a tese de que as mensalidades do ginásio pagas pela Autora (apelada) também devem ser consideradas despesas normais e correntes da vida em comum do casal, sendo, por isso, também elas irrestituíveis ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, por a apelada, na sua perspetiva, as ter pago no cumprimento de uma obrigação natural, além de que, a seu ver, nunca existiria qualquer tipo de enriquecimento da sua parte à custa da apelada quanto ao pagamento de tais mensalidade, concluindo que “mesmo que se considerasse que existe enriquecimento e que este tenha ocorrido à custa da recorrida, ou então, ainda que se considerasse que existe enriquecimento do recorrente à causa da recorrida, sempre existiria causa justificativa”, qual fosse “o aumento de massa muscular decorrente da frequência de ginásio pelo Réu”, de que também beneficiou a Autora/recorrida, “na medida em que no âmbito do relacionamento que manteve com o recorrente, tinha um cônjuge em boa forma física, o que, com toda a certeza a deixaria mais feliz e orgulhosa e, consequentemente, originava melhorias na sua auto-estima pessoal”.
Ora, dir-se-á que todo o mencionado esforço argumentativo aduzido pelo apelante Réu é inoperante para a impugnação do julgamento da matéria de facto, mas destina-se exclusivamente a impugnar a decisão de mérito vertida na sentença recorrida a propósito das enunciadas prestações mensais do ginásio por ele frequentado e que foram pagas pela apelada durante a união de facto e que a 1ª Instância o condenou a restituir àquela.
Destarte, quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto julgada provada nos enunciados pontos 4º e 5º da sentença, é apodíctico que o apelante, mais uma vez, incumpriu com os ónus impugnatórios previstos no art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, o que implica a rejeição do recurso quanto a essa impugnação.
Resulta do que se vem dizendo que quer porque o apelante não cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, quer porque independentemente do incumprimento desses ónus impugnatórios, a prova produzida, conjugada com os factos já julgados provado, em definitivo, na sentença sob sindicância (porque não impugnados), não permitia que se concluísse pela não prova dos factos julgados provados nos pontos 16º, 17º, 19º e 20º, mas antes impunha que se conclua pela prova dessa concreta facticidade, improcede a impugnação do julgamento da matéria de facto julgada provada nos pontos 4º, 5º, 16º, 17º, 19º e 20º da sentença sob sindicância, que assim se mantém inalterado.
Resta apreciar a impugnação do julgamento da matéria de facto julgada não provada na sentença sob os pontos 1º, 2º, 15º e 16º.
A facticidade julgada não provada no ponto 1º encontra-se em contradição com os factos julgados provados nos pontos 4º e 5º na sentença.
Por sua vez, a facticidade julgada não provada nos pontos 15º e 16º na sentença encontra-se em contradição direta com a facticidade julgada provada na mesma nos pontos 17º e 19º.
Acontece que mantendo-se inalterado o julgamento da matéria de facto julgada provada nos pontos 4º e 5º por incumprimento por parte do apelante dos ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, improcede necessariamente a impugnação do julgamento da matéria de facto realizada pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada não provada no ponto 1º.
Por outro lado, mantendo-se inalterado o julgamento da matéria de facto julgada provada nos pontos 17º e 19º da sentença, em virtude do apelante não ter cumprido, quanto a essa concreta facticidade, com os ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, e porque ainda que tivesse cumprido com esses ónus (o que, reafirma-se, não fez), os fundamentos que aduz para impugnar esse julgamento de facto positivo realizado pela 1ª Instância, não impõem esse julgamento diverso que propugna, mas antes que se conclua pela prova dessa facticidade dos pontos 17º e 19º (vide fundamentos supra), improcede a impugnação do julgamento de facto quanto à facticidade julgada não provada nos pontos 15º e 16º.
Resta apreciar a impugnação do julgamento da matéria de facto julgada não provada no ponto 2º.

A 1ª Instância considerou não provada a seguinte facticidade:

O Réu suportou pagamentos que foram efetuados em benefício da Autora, designadamente, idas ao cabeleiro, à esteticista, à manicure, spa, solário e viagens”.
Por sua vez, fundamentou essa não prova nos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora (apelada), em especial A. L., V. L. e C. C., cujos depoimentos são corroborados pelo teor dos extratos bancários juntos aos autos a fls. 43 e segs., e considerando as contradições e a falta de credibilidade dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Réu (apelante), cujos depoimentos e as próprias declarações de parte prestadas pelo apelante em audiência final não são corroborados pelo teor dos referidos extratos bancários, mas que antes corroboram os depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora (apelada).
Pelas razões já enunciadas, o apelante não impugna o julgamento da matéria de facto, quanto à prova gravada, de acordo com o comando legal explanado no art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a), do CPC, o que per se implica que se tenha de rejeitar de imediato a impugnação do julgamento da matéria de facto também em relação ao ponto 2º dos factos julgados não provados na sentença.
No entanto, sempre se dirá que ainda que o apelante tivesse cumprido com os mencionados ónus impugnatórios (o que não fez), as razões por ele aduzidas nunca imporiam o julgamento de provado em relação a esta concreta facticidade.

Vejamos:

Pretende o apelante que se impõe julgar como provada que: “O Réu suportou pagamentos que foram efetuados em benefício da Autora, designadamente, idas ao cabeleiro, à esteticista, à manicure, spa, solário e viagens”, argumentando que a própria apelada juntou aos autos, em anexo à petição inicial, um extrato bancário do Banco ..., de cujo teor se extrai que esta depositou na conta desta a quantia de 850,00 euros em numerário, em 02/02/2015 e, bem assim que, nesse extrato, consta inscrito um apontamento, cuja letra é da autoria da própria apelada, onde se lê “E. P.”.
Conclui que ao inscrever naquele extrato a menção “E. P.”, a própria Autora acabou por reconhecer a origem dos mencionados 850,00 euros que depositou na sua conta, mais concretamente que esta quantia lhe foi entregue pelo próprio apelante.
Mais aduz que se encontra junto aos autos, como doc. n.º 11, um extrato bancário do Banco..., referente a uma conta do próprio apelante e com data de 23/05/2016.
Este documento demonstra que o apelante transferiu 800,00 euros para o arquiteto F. D. e que foi ele quem suportou, com dinheiro exclusivamente seu, o pagamento do custo do projeto de construção da moradia.
Acontece que analisados os mencionados argumentos, os mesmos mostram-se totalmente improcedentes.
Com efeito, dir-se-á que ninguém coloca em crise que foi o apelante que entregou o dinheiro ao arquiteto respeitante ao preço do projeto de construção da moradia.
Coisa diversa é saber se esse projeto foi pago exclusivamente com dinheiro propriedade do apelante.
Ora, como acima já referido, da circunstância da entrega do preço do projeto de construção da moradia ter sido realizado pelo apelante Réu ao arquiteto, mesmo que esse dinheiro seja proveniente de uma conta bancária aberta em nome exclusivo deste, não decorre que esse dinheiro seja necessariamente propriedade exclusiva do apelante.
Apelante e apelada viviam em união de facto há longos anos, quando o projeto da moradia foi encomendado e o respetivo custo foi pago ao arquiteto que o elaborou, facto esse que quando conectado com os depoimentos prestados pelas testemunhas F. D., P. M. e V. C., em função dos quais apelante (Réu) e apelada (Autora) agiram sempre perante as mesmas como casal, participando ambos nos contactos que com elas foram estabelecidos e dando-lhes ambos sugestões e indicações, como se ambos fossem “donos da obra” – e que o apelante não sindicou pela forma que lhe era imposta pelo art. 640º do CPC, na medida em que incumpriu com os ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC -, força a que se conclua, tal como conclui a 1ª Instância, que o dinheiro com que foi pago esse projeto era de apelante e apelado.
De resto, o documento n.º 11 reporta-se exclusivamente ao pagamento do projeto de construção da moradia e não a pagamentos que tivessem sido efetuados pelo apelante Réu em beneficio da apelada Autora, designadamente, para idas ao cabeleiro, à esteticista, à manicure, spa, solário e viagens desta, a propósito do que o documento em referência nenhum contributo probatório útil dá, sequer pode dar.
Passando ao outro argumento, dir-se-á que da circunstância de no extrato bancário do Banco ... constar a menção “E. P.”, não pode este tribunal inferir/concluir que essa menção tivesse sido aí inscrita pelo próprio punho da apelada e, muito menos, que essa menção - “E. P.” - se refira à pessoa do apelante, sequer que, a referir-se à pessoa deste último, signifique que os 850,00 euros que a apelada depositou na conta bancária desta, em 02/02/2015, lhe tivessem sido entregues pelo apelante e a ter-lhe sido este que lhe fez essa entrega, que os referidos 850,00 euros fossem propriedade exclusiva deste e se tratasse de quantia monetária que este lhe entregou para contribuir para as despesas correntes do agregado familiar de ambos e/ou em benefício exclusivo da apelada, designadamente, para idas ao cabeleireiro, esteticista, manicure, spa, solário e/ou viagens desta.
Na verdade, as ilações que o apelante pretende extrair da menção que se encontra inscrita no mencionado extrato bancário não passam de ilações puramente especulativas do mesmo.
Note-se que o ónus da prova da matéria constante do ponto 2º dos factos julgados não provados na sentença recorrida impendia sobre o apelante, pelo que em caso de dúvida sobre a realidade desse facto, nos termos do disposto no art. 414º do CPC, essa dúvida ter-se-ia de resolver contra a parte a quem o facto aproveitaria, ou seja, no caso, contra o apelante Réu, impondo que se concluísse pela não prova dessa concreta facticidade.
Destarte, quer porque o apelante não cumpriu com os ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a), do CPC quanto à matéria de facto vertida no ponto 2º dos factos não provados na sentença, quer porque os fundamentos que aduz tendo em vista essa impugnação se mostram inaptos para que se conclua pela prova dessa concreta facticidade, improcede o mencionado fundamento de recurso, mantendo-se inalterado o julgamento de não provado realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade do ponto 2º dos factos não provados na sentença.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo que quer porque o apelante não deu cumprimento aos ónus impugnatórios enunciados no art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, em relação à facticidade julgada provada nos pontos 4º, 5º, 16º, 17º, 19º e 20º e aos nela julgada não provada nos pontos 1º, 2º, 15º e 16º, o que implica a rejeição do recurso quanto a essa impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância em relação a essa concreta facticidade, quer porque, independentemente do incumprimento desses ónus impugnatórios, os fundamentos que o apelante invoca para impugnar esse julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, não impõem que se conclua pelo julgamento de facto que propugna, mas antes os factos julgados, em definitivo – porque não impugnados -, nos pontos 1º, 2º, 3º, 7º a 15º e 18º da sentença sob sindicância, quando submetidos às regras da lógica e da experiência comum, impõem o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, mantém-se inalterados os pontos 4º, 5º, 16º, 17º, 19º e 20º da facticidade julgada provada na sentença recorrida e da nela julgada como não provada nos pontos 1º, 2º, 15º e 16º.
*
Mantendo-se inalterado o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, resta verificar se a sentença sob sindicância padece dos erros de direito quanto à decisão de mérito nela proferida que os apelantes lhe imputam.

B.5 – Do mérito.

A Autora instaurou a presente ação pretendendo que o Réu seja condenado a restituir-lhe a quantia de 228.000,00 euros, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, sendo 12.000,00 euros, correspondente ao preço do custo de um terreno que sustenta ter sido adquirido pela própria, na pendência da união de facto, para construção de uma moradia destinada à residência do agregado familiar do casal, com dinheiro exclusivamente seu, mas cuja propriedade se encontra em nome exclusivo do primeiro, que fruto das pressões e da ascendência que exerceu sobre a sua pessoa a terá levado a transferir a propriedade desse terreno para aquele, por escritura pública de compra e venda simulada, quando o último nada lhe pagou a título de preço pela aquisição desse terreno, e os restantes 216.000,00 euros, respeitante à metade do preço do projeto de construção dessa moradia e da construção da própria moradia que foi erigida nesse terreno na pendência da união de facto, e cujo custo alega ter sido suportado, em partes iguais, pela própria e pelo Réu, acrescido de metade das despesas normais e correntes do agregado familiar durante a união de facto, sustentando que essas despesas foram suportadas exclusivamente por si, o que fez por acreditar na continuação e subsistência dessa relação, não obstante metade das mesmas deverem, na sua perspetiva, ser suportada pelo Réu, que, assim, se enriqueceu, sem justo título, à sua custa.
Na sentença sob sindicância, em sede de julgamento de facto, a 1ª Instância julgou provado que o preço de aquisição do terreno foi exclusivamente pago pelo Réu (pontos 7º a 14º dos factos apurados) e, em consequência, absolveu o último do pedido de restituição dos identificados 12.000,00 euros, correspondente ao preço de aquisição do terreno.
Já quanto às despesas normais e correntes do agregado familiar, como despesas com água, condomínio, seguros, alimentação, produtos higiene íntima, produtos de limpeza, colégio, férias e crédito bancário e outros correlacionados com a vida em comum, a 1ª Instância, em sede de julgamento de facto, julgou provado que o Réu nunca contribuiu para o pagamento dessas despesas e que durante todo o período temporal em que perdurou a união de facto, estas foram exclusivamente pagas pela Autora (ponto 4º dos factos apurados).
Porém, em sede de subsunção jurídica, a 1ª Instância considerou que a Autora pagou essas despesas no cumprimento de uma obrigação natural e que, como tal, não existia fundamento legal para condenar o Réu a restituir à primeira a metade do valor das mesmas, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, e absolveu o Réu desse pedido restitutório.
Quanto às despesas do ginásio frequentado pelo Réu, em sede de julgamento de facto, a 1ª Instância julgou provado que durante todo o período em que perdurou a relação de união de facto, as mensalidade desse ginásio foram pagas pela Autora (cfr. pontos 1º e 5º dos factos apurados) e em sede de direito, considerou que essas mensalidades não integram despesas normais e correntes do agregado familiar dos conviventes, mas antes consubstanciam despesas que a Autora pagou no exclusivo interesse e benefício do Réu e no pressuposto da continuação e manutenção da união de facto, pelo que condenou-o a restituir àquela o valor dessas mensalidades, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, cujo quantum relegou para incidente de liquidação.
Por sua vez, quanto ao custo do projeto de construção da moradia e da própria construção da moradia, em sede de julgamento da matéria de facto, a 1ª Instância considerou provado que quer a Autora, quer o Réu participaram no custo desse projeto, em montante não concretamente apurado e que ambos também suportaram, em montante não concretamente apurado, o custo da fase de grosso da construção da moradia e da especialidade de eletricidade (pontos 17º, 18º e 19º dos factos apurados) e em sede de direito, perante a constatação de que essa moradia foi construída em terreno propriedade exclusiva do Réu e que a Autora pagou tais despesas no pressuposto da continuação e manutenção da união de facto, condenou o Réu a restituir a quantia paga pela Autora, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, cujo quantum relegou igualmente para incidente de liquidação.
Finalmente, a 1ª Instância conclui que a Autora litigou de má fé e condenou-a como litigante de má fé no pagamento de cinco UCs de multa e, bem assim no pagamento ao Réu da quantia de 1.500,00 euros, a título de indemnização por via dessa litigância.
A Autora imputa erro de direito à decisão de mérito proferida na sentença, na parte em que absolveu o Réu do pedido a restituir-lhe metade das despesas normais e correntes do agregado, designadamente, despesas de água, condomínio, seguros, alimentação, produtos higiene íntima, produtos de limpeza, colégio, férias e crédito bancário e outros correlacionados com a vida em comum, com fundamento de que tais despesas teriam suportadas exclusivamente pela mesma, durante a união de facto, no cumprimento de uma obrigação natural, sendo por isso, a metade dessas despesas por ela pagas irrestituível à luz do instituto do instituto do enriquecimento sem causa, por não se conformar com este enquadramento jurídico, sustentando que o pagamento daquelas “não teve somente por base a relação de união de facto que tinha com o recorrido, mas um contexto socioeconómico do Réu e o ascendente e controlo que este detinha sobre aquela, sendo certo que, assim que tais dificuldades cessassem e a situação financeira do recorrido estabilizasse, este começaria por cumprir a parte que lhe competia”, o que nunca aconteceu, vendo-se a mesma obrigada a suportar tais despesas sozinha, sob pena de não o fazer, “mais ninguém o faria, colocando a sua família numa situação de aperto financeiro”, quando desse agregado familiar fazia parte um menor.
Em síntese, a Autora discorda com a qualificação jurídica feita pela 1ª Instância, de acordo com a qual aquela teria pago as despesas em referência no cumprimento de uma obrigação natural.
Acresce que a Autora também não se conforma com a sua condenação como litigante de má fé, sustentando que a matéria de facto julgada provada nos pontos 21º e 22º padece de erro de julgamento da matéria de facto, mas aquela, conforme supra se demonstrou, não cumpriu com os ónus impugnatórios do art. 640º do CPC, pelo que essa facticidade se mantém inalterada, mas advoga que independentemente desse erro de julgamento quanto à matéria de facto, não é viável, à luz do ordenamento jurídico aplicável concluir que a mesma tivesse litigado de má fé, impondo-se a revogação da sentença na parte em que a condenou como litigante de má fé.
Por sua vez, o Réu imputa erro de direito à decisão de mérito proferida na sentença, na parte em que o condena a restituir à Autora a quantia correspondente às mensalidades do ginásio frequentado pelo mesmo e, bem assim a quantia que esta terá despendido para pagamento do custo do projeto de construção da moradia e dos trabalhos em “grosso” e da especialidade de eletricidade dessa moradia, sustentando que o custo do projeto de construção da moradia e da própria construção da moradia foram exclusivamente suportados por si.
Já quanto às mensalidades do ginásio pagas pela Autora, o apelante Réu sustenta que essas mensalidades encontram-se englobadas nas despesas normais e correntes do agregado familiar, pelo que a Autora pagou as mesmas no cumprimento de uma obrigação natural, sendo, por isso, as mesmas irrestituíveis à luz do instituto do enriquecimento sem causa.
Mais sustenta que essas mensalidades foram pagas pela Autora também em benefício da própria, “na medida em que no âmbito do relacionamento que manteve com aquele, tinha um cônjuge em boa forma física, o que a deixaria mais feliz e orgulhosa e, consequentemente, originava melhorias na sua auto-estima”, pelo que não ocorre qualquer enriquecimento patrimonial daquele à custa da Autora e, muito menos, um pretenso enriquecimento sem causa.
Finalmente, o Réu imputa erro de direito à sentença recorrida, na parte em que fixou a indemnização que lhe é devida pela Autora, por via da litigância de má fé com que esta litigou, em 1.500,00 euros, reputando essa indemnização de insuficiente, e pretendendo que a mesma seja elevada para a quantia de 5.000,00 euros que peticionou.
Do que se acaba de dizer decorre que a Autora não impugnou o julgamento de mérito realizado na sentença, na parte em que absolveu o Réu do pedido de condenação deste a restituir-lhe a quantia de 12.000,00 euros, a título de preço pela aquisição do terreno, pelo que, nesta parte, a sentença sob sindicância transitou em julgado.
Por sua vez, quanto ao Réu, verifica-se que o erro de direito que o mesmo assaca à sentença recorrida, na parte em que o condenou a restituir à Autora a quantia que despendeu com o pagamento do custo do projeto de construção da moradia e da construção, em grosso, da moradia e dos trabalhos da especialidade de eletricidade, cujo montante a restituir relegou para incidente de liquidação, está totalmente dependente da circunstância daquele lograr obter êxito na impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, em que pretendia que se concluísse que o custo desse projeto de construção da moradia e da própria construção da moradia foi suportado exclusivamente com dinheiro seu.
Na verdade, lidas e relidas as alegações de recurso, verifica-se que o Réu não imputa qualquer erro de direito à subsunção jurídica que foi realizada pela 1ª Instância quanto aos factos que julgou provados e não provados na sentença, mas apenas faz derivar o seu inconformismo em relação à decisão de mérito proferida na sentença quanto a essa condenação do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto que opera.
Deste modo, porque a alteração da decisão de mérito sufragada pelo Réu, no sentido de se revogar a parte condenatória deste a restituir à Autora o preço do custo do projeto de construção da moradia e dos trabalhos em “grosso” de construção da própria moradia e dos trabalhos da especialidade de eletricidade nela efetuados suportados pela última, em montante a liquidar em incidente póstumo, é mera decorrência da impugnação, com êxito, do julgamento de matéria de facto realizada pela 1ª Instância que o Réu impugna, verificando-se que este não logrou obter esse êxito, necessariamente ficou prejudicado o conhecimento desse pretenso erro de direito que o mesmo imputa a essa decisão de mérito, o que se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2 do CPC, ex vi, art. 663º, n.º 2 do CPC.
Resta apreciar os restantes erros de direito que os apelantes assacam à decisão de mérito proferida na sentença sob sindicância, os quais se reconduzem às seguintes questões: a) se ao absolver o Réu do pedido de condenação a restituir à Autora metade das despesas do lar, que foram exclusivamente suportadas pela última durante a união de facto, com fundamento que esta pagou essas despesas no cumprimento de uma obrigação natural, a sentença sob sindicância incorreu em erro de direito; b) se ao condenar o Réu a restituir à Autora o valor das mensalidades do ginásio frequentado pelo primeiro e pagas exclusivamente pela última durante a vigência da união de facto, com fundamento de que tais mensalidades não consubstanciam despesas normais e correntes do agregado familiar dos conviventes, mas antes custos suportados pela Autora no interesse exclusivo do Réu e cujo pagamento satisfez no pressuposto da continuação da relação da união de facto, a sentença incorreu em erro de direito; c) se ao condenar a Autora como litigante de má fé, essa sentença padece de erro de direito, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos legais da litigância de má fé e, caso assim não seja, se ao fixar a indemnização devida ao Réu em 1.500,00 euros em consequência dessa litigância de má fé, essa sentença incorreu em erro de direito, impondo-se elevar esse quantum indemnizatório para 5.000,00 euros; e d) se se impõe ordenar o cancelamento imediato do benefício do apoio judiciário concedido à Autora.

B.5.1- Enriquecimento sem causa e união de facto.

Fundando a Autora as suas pretensões restitutória contra o Réu no instituto do enriquecimento sem causa, dir-se-á que o instituto em causa, a par do contrato, dos negócios jurídicos unilaterais, da gestão de negócios e da responsabilidade civil, constitui uma das fontes autónomas das obrigações.
Trata-se de instituto que se encontra regulado nos arts. 473º a 482º do CC, e que se destina a solucionar situações de enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia.
Deste modo é que o art. 473º, n.º 1 do CC estatui que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, concretizando o seu n.º 2, que a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
O enriquecimento sem causa pressupõe que o património de certa pessoa (o enriquecido) fique em melhor situação, por se ter valorizado ou deixar de desvalorizar à custa do património de outra pessoa, sem que para tal exista causa jurídica justificativa.
Esse enriquecimento pode provir de negócio jurídico, de ato jurídico não negocial, como o pagamento, ou de um simples ato material.
Essas diversas fontes de enriquecimento têm, porém, de se traduzir numa vantagem de caráter patrimonial para o demandado, suposto enriquecido, à custa de outrem e daí que os autores apontem a deslocação patrimonial como base ou pressuposto de todo o enriquecimento sem causa.
A deslocação patrimonial “é todo o ato por virtude do qual se aumenta o património de alguém à custa de outrem, seja qual for a forma por que o aumento se opere” (19).
No entanto, tal não significa que o enriquecimento se tenha de traduzir forçosamente numa deslocação de valores do património do lesado (demandante e pretenso empobrecido) para o património do enriquecido (demando e alegado enriquecido) e que o direito à restituição consista num simples direito de recuperação material, ou num mero retorno ao património do credor dos valores que de lá saíram indevidamente.
Com efeito, essa deslocação patrimonial para o património do enriquecido pode não existir, como acontece nos casos em que o enriquecimento nasce de ato praticado por terceiro (pagamento efetuado por terceiro, dívida validamente cumprida perante o credor aparente, etc.) ou consistir na poupança de despesas, como acontece com a instalação do enriquecido em casa alheia, em que a deslocação patrimonial consiste na subtração do enriquecido a um encargo que o lesado teve de indevidamente suportar.
Note-se que o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, pelo que o empobrecido apenas pode recorrer ao mesmo quando a lei não lhe faculte outro meio de reação para cobrir os seus prejuízos (art. 474º do CC).
Conforme é entendimento pacífico, são requisitos legais cumulativos do enriquecimento sem causa: a) que haja um enriquecimento patrimonial de alguém; b) que esse enriquecimento careça de causa justificativa; e c) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição (20).

Quanto ao primeiro requisito, o enriquecimento patrimonial traduz-se na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.
Essa vantagem, umas vezes, traduzir-se-á num aumento do ativo patrimonial do enriquecido, outras, numa diminuição do passivo deste, outras, no uso ou consumo pelo enriquecido de coisa alheia ou o exercício de direito alheio, quando estes atos sejam suscetíveis de avaliação pecuniária, e outras, ainda, na poupança de despesas (21).

Já no que respeita ao segundo requisito, exige-se que o enriquecimento criado “careça de causa justificativa”, isto é, que segundo a ordenação substantiva dos bens aprovado pelo direito, o enriquecimento verificado se mostre em desarmonia “com a ordenação dos bens aceites pelo sistema jurídico”, isto é, se o enriquecimento está de acordo com o sistema jurídico, então a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, “por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”.
Dito por outras palavras, haverá uma situação de enriquecimento sem causa quando à luz dos princípios aceites pelo sistema jurídico, não exista uma relação ou um facto que legitime esse enriquecimento, quer porque essa relação ou facto que legitima o enriquecimento (a causa) nunca existiu, ou porque, entretanto, desapareceu (22).
Conforme pondera Antunes Varela a apreciação deste requisito reconduz-se “a um puro problema de interpretação e integração da lei, tendente a fixar a correta ordenação dos bens à luz do Direito vigente. Quando o enriquecimento criado está em harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa” (23).

Quanto ao último requisito - “à custa de outrem” - exige-se que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição, isto é, que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa, isto é, a expensas da pessoa que exige a restituição, sem que exista de permeio, entre o ato gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro ato jurídico (24), ou seja, tem de se afirmar um nexo causal entre o enriquecimento do demandado e o empobrecimento da pessoa que exige a restituição (demandante).
Precise-se que sendo os pressupostos legais acabados de enunciar constitutivos do direito à restituição com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, naturalmente que o ónus da prova da factualidade integrativa da verificação desses pressupostos, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 342º do CC, incumbe àquele que se arroga o direito à restituição, ou seja, no caso, à apelante Autora, pondo-se em destaque que quanto ao segundo requisito, não bastar àquela alegar e provar que não existe causa justificativa para o enriquecimento patrimonial do demandado (Réu) à sua custa à luz do Direito vigente, mas terá de convencer o tribunal da efetiva falta da causa.
No caso, apurou-se que Autora e Réu viveram em união de facto desde 20/07/1993 até 03/09/2017, tendo dessa relação nascido um filho ao casal, ainda menor (pontos 1º a 13º e 18º dos factos apurados).
Mais se apurou que durante todo o período de tempo em que perdurou essa relação o Réu não contribuiu para as despesas da casa, como seja, água, luz, condomínio, seguros, alimentação, produtos de higiene íntima, produtos de limpeza, colégio, férias e crédito bancário e outros correlacionados com a vida em comum, tendo essas despesas sido suportadas exclusivamente pela Autora, que também pagou a mensalidade do ginásio frequentado pelo Réu (pontos 4º e 5º dos factos apurados).
A Autora instaurou a presente ação pretendendo que o Réu seja condenado a restituir-lhe as despesas com o ginásio e, bem assim, metade das despesas da casa, pagas exclusivamente por si durante todo o período de tempo em que perdurou a relação de união de facto, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, sustentando que efetuou esses pagamento no pressuposto da continuação e manutenção da relação de união de facto e que metade das despesas da casa deviam ter sido suportadas pelo Réu, o que não fez e assim se encontra enriquecido à sua custa, em detrimento do seu próprio empobrecimento.
Precise-se que a união de facto encontra-se atualmente reconhecida e regulada na Lei n.º 7/2001, de 11/05, e sucessivas alterações, a última das quais, a 5ª, foi introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31/12 (doravante LUF).
O art. 1º, n.º 2 da LUF define “união de facto como a situação jurídica que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges, há mais de dois anos”.
Dir-se-á que embora a união de facto não se encontre entre as fontes das relações familiares elencadas no art. 1576º do CC, que se está perante uma nova realidade sociológica, que configura um meio informal de constituição e de organização familiar, que como tal, goza da proteção constitucional conferida pelo art. 36º, n.º 1 da CRP, uma vez que este não reduz o conceito de família à união conjugal baseada no casamento, isto é, à família matrimonializada.
Porque assim é, compreende-se que o legislador tenha reconhecido e enquadrado juridicamente essa nova realidade sociológica, que é a união de facto, e que, inclusivamente, a Lei nº 7/2001, de 11/05, e vária legislação avulsa tenham adotado medidas de proteção dessa nova realidade familiar e dos membros que a integram.
Note-se, porém, que a união de facto não se reconduz, sequer se confunde com o casamento, sequer foi intuito do legislador fazer semelhante equiparação, até porque, caso o fizesse, incorreria em flagrante inconstitucionalidade material por violação da liberdade individual daqueles que recorrem a este meio informal de constituição e de organização familiar, ao estender-lhes efeitos jurídicos de uma relação contratual que os mesmos não quiseram, ou não puderam, celebrar e cujos efeitos não podem, por isso, ser-lhes estendidos.
Na verdade, ao contrário do que ocorre entre os casados, que assumem um compromisso de vida em comum, fundado num contrato – o contrato de casamento -, os unidos de factos, não quiseram ou não puderam assumir esse compromisso da vida em comum, mediante a sujeição a um vínculo jurídico contratual.
De resto, como o próprio nome indica, a “união de facto” é uma situação de facto, isto é, trata-se de uma realidade em que duas pessoas se unem livremente entre si para passarem a viver em situação análoga à dos casados e que passam facticamente a viver como se fossem casados.
Essa união assenta exclusivamente na vontade dos conviventes e perdurará enquanto for essa a sua vontade, pelo que cessará quando um deles ou ambos decidirem separar-se.
A união de facto apenas é reconhecida pela lei para determinados e limitados efeitos que expressamente prevê, quando essa situação de facto perdure no tempo por mais de dois anos consecutivos.
Casamento e união de facto são, assim, situações materiais, sociológicas e jurídicas distintas, não se justificando, por isso, sequer havendo fundamento legal para se estender a essa situação de facto as normas que disciplinam o casamento e os respetivos efeitos (25).
No entanto, é inegável que a união de facto passou a ser uma opção de vida de múltiplos casais na sociedade hodierna, em detrimento do casamento, permitindo, tal como este, a realização pessoal dos seus membros.
Acompanhando essa evolução sociológica o direito reconheceu essa nova realidade para determinados fins e vem alargando sucessivamente os seus efeitos.
Apesar disso, o regime legal da união de facto tem “carácter fragmentário e disperso” embora não “necessariamente lacunoso”, por ser de admitir ter sido intenção do legislador conferir efeitos limitados à união de facto (26).
Esses efeitos cingem-se essencialmente à relação dos unidos de facto com o Estado e com terceiros, designadamente, entidades empregadoras e senhorios, mas deixam intencionalmente intocada e sem regulamentação jurídica específica as relações pessoais e patrimoniais dos unidos de facto, no respeito da sua autonomia privada (27).
Deste modo, para além de pontuais normas de proteção da união de facto, próprias de diversas áreas (trabalho, fiscal, funcionalismo público e segurança social), o regime jurídico nacional nada prevê sobre as relações pessoais e patrimoniais dos unidos de facto, inexistindo na LUF e no ordenamento jurídico vigente, um regime de bens dos unidos de facto, sequer aos últimos podem ser aplicadas as regras que disciplinam os efeitos pessoais e patrimoniais do casamento, nomeadamente, as respeitantes à administração de bens, dívidas, liquidação e partilha do património acumulado durante a vivência em comum.
Na união de facto não se encontra prevista uma norma análoga à do art. 1672º do CC para os unidos pelo vínculo contratual do casamento, que obriga os cônjuges ao cumprimento recíproco dos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
No regime da união de facto também não se encontram previstas normas análogas às enunciadas nos arts. 1673º a 1675º do CC para o casamento, sequer um regime de dívidas próprias do casamento análogo ao dos arts. 1690º e ss. do CC, sequer ainda, normas que regulam a liquidação do património comum do casal uma vez findo o casamento.
De resto, ao contrário do que acontece no âmbito do casamento celebrado segundo o regime da comunhão geral ou da comunhão de adquiridos, na união de facto não existe património comum dos conviventes (28).
Não obstante o que se acaba de dizer, o certo é que quer para efeitos sociológicos, quer jurídicos, a união de facto pressupõe necessariamente a vivência entre os coniventes em condições análogas às dos cônjuges durante um período temporal, mais ou menos longo, e com estabilidade (que para efeitos do LUF e dos efeitos que prevê, tem de ascender a mais de dois anos consecutivos), com comunhão de leito, mesa e habitação entre os conviventes.
Na verdade, a união de facto, como meio informal de constituição e organização familiar não se confunde com amantismo, sequer com relações ocasionais e precárias de duas pessoas, mas pressupõe uma convivência plena de vida entre os conviventes, com estabilidade durante um período temporal mais ou menos longo e ininterrupto no tempo, por forma a sedimentar-se essa vivência comum e esta constituir um verdadeiro, válido e eficaz meio informal de constituição e de organização familiar.
A união de facto pressupõe, aliás, que se crie uma aparência externa de casamento entre os conviventes, sem que estes se encontrem efetivamente casados e sem que, consequentemente, lhes seja aplicável ou possa ser aplicado o regime jurídico aplicável às relações pessoais e patrimoniais do casamento, as quais se fundam no contrato de casamento, quando, reafirma-se, entre os unidos de facto não existe qualquer vínculo contratual que os obrigue a manter essa comunhão plena de vida, que por livre e espontânea vontade puseram em prática.
No entanto, fruto dessa relação livremente assumida e posta em prática pelos conviventes, é inegável que enquanto perdurar a relação de facto, os últimos constituem um casal em tudo semelhante aos casais unidos pelo contrato de casamento, gerando-se entre eles relações pessoais e patrimoniais que em muitos aspetos são semelhantes às que surgem nas relações entre casados e que criam novos problemas que incumbe à doutrina e à jurisprudência solucionar.

Na verdade, conforme demonstra a realidade, a comunhão de vida própria da união de facto, tal como o casamento, gera, na maioria das vezes, entre outros, a contribuição (quer com a perceção de rendimentos do trabalho, quer com a realização de tarefas domésticas) de de ambos os membros da união para a aquisição de bens e serviços, inerentes à vida do casal, como seja, a alimentação, o vestuário ou a casa onde habitam e, inclusivamente, a aquisição de outro património, designadamente, casas de férias, para arrendar ou que consubstanciam puro investimento do casal.

Às relações pessoais e patrimoniais dos conviventes, durante a pendência da união de facto e na sequência da extinção dessa relação não podem, porém, conforme referido, ser aplicadas diretamente ou por analogia as normas jurídicas que regulam as relações pessoais e patrimoniais entre casados.
Essas relações podem naturalmente ser reguladas pelos unidos de facto, no exercício da sua liberdade contratual (arts. 405º do CC), através dos denominados “contratos de coabitação”.

No entanto, afastada a possibilidade de aplicação analógica das normas reguladoras das relações pessoais e patrimoniais do casamento à união de facto e nada tendo sido acordado entre os membros da união de facto mediante recurso aos contratos de coabitação, conforme entendimento pacífico, às relações patrimoniais entre os conviventes é aplicável o regime geral das relações obrigacionais e reais (29), o que naturalmente cria novos problemas.

Precise-se que a doutrina e a jurisprudência têm sido convocadas a solucionar casos em que uma vez cessada a união de facto, quer por morte de um dos conviventes, quer por vontade de qualquer deles, ou de ambos, há necessidade de liquidar o património comum acumulado durante a vivência em união de facto e em que há que se determinar os efeitos patrimoniais favoráveis e desfavoráveis repercutidos, reciprocamente, em cada um dos patrimónios individuais dos ex conviventes.

No que respeita aos bens adquiridos conjuntamente por ambos os unidos de facto durante a relação de união de facto, uma vez que os conviventes podem adquirir, durante a relação, sem quaisquer restrições, bens em regime de compropriedade, naturalmente que, nessas situações, não se suscitam particulares problemas, uma vez que o património adquirido em compropriedade pelos conviventes durante a união de facto, finda esta, continua sujeito ao regime da compropriedade previsto nos arts. 1403º e ss. do CC.

Os problemas colocam-se, no entanto, quando finda a união de facto se verifica que, na pendência da relação, foi adquirido património por um dos conviventes e que, por isso, é propriedade exclusiva deste, com meios que são resultado do esforço comum de ambos os conviventes, quer esse esforço comum seja económico (ambos os conviventes contribuíram monetariamente para a aquisição desse património), quer em espécie da parte de um deles, nomeadamente, através da prestação de trabalho doméstico e da educação dos filhos em prol do agregado familiar, libertando o outro membro do agregado desses encargos, permitindo-lhe desenvolver atividade profissional remunerada, com cujos réditos sustenta o agregado familiar durante a união de facto e veio adquirir esse património próprio.

Nesses casos, sendo o património adquirido durante a união de facto exclusivamente propriedade de um dos conviventes, há contudo que se compensar o outro convivente que comparticipou monetariamente ou em espécie para a aquisição desse património próprio do outro convivente.
Essa compensação não pode ser realizada mediante recurso às normas do casamento, dado que, como demonstrado, à união de facto não são extensíveis as regras próprias do casamento.
Quando os unidos de facto nada regularam, por via contratual, a propósito das relações pessoais e patrimoniais dos mesmos na pendência da união de facto e sobre como proceder, a nível patrimonial, uma vez finda essa relação, a doutrina e a jurisprudência têm procurado solucionar a questão, até à revisão operada pela Lei n.º 41/3013, de 26/06, que reviu o CPC e que revogou as disposições do processo especial de liquidação judicial de sociedade de facto, designadamente, os arts. 1122º a 1130º do CPC até aí vigente, recorrendo aos princípios das sociedades de facto, desde que se verificassem os respetivos pressupostos, ou ao instituto do enriquecimento sem causa e agora, na sequência dessa revisão, exclusivamente mediante recurso a este último instituto do enriquecimento sem causa (30).

Precise-se, porém, que o caso sobre que versam os autos e que agora somos chamados a solucionar na presente apelação, nada tem a ver com a problemática acabada de traçar e sobre a qual se tem debruçado a doutrina e a jurisprudência.
Com efeito, nos autos, a Autora não pretende exercer o direito à restituição que formula contra o Réu, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, decorrente deste último, durante a relação de união de facto, ter adquirido património próprio, com recursos que eram de ambos, pretendendo ser compensada pelo seu contributo na aquisição desse património próprio do Réu.
Na verdade, o que a Autora pretende é que se condene o Réu a restituir-lhe o preço de aquisição do prédio, no montante de 12.000,00 euros, que ela própria alegadamente adquirira durante a relação de união de facto, mediante recurso a meios monetários exclusivamente seus, prédio esse cuja propriedade aquela terá transferido para o Réu por via da pretensa pressão e ascendente que o último exerceu sobre si, sem que nada lhe tivesse pago como contrapartida dessa transmissão (pedido esse que veio a ser julgado improcedente pela 1ª Instância, por decisão transitada em julgado, uma vez que a apelante não coloca em crise esse núcleo dispositivo da sentença recorrida); a metade do preço que alega ter pago (o que provou) pelo projeto de construção da moradia e da construção da própria moradia durante a união de facto em terreno propriedade exclusiva do Réu (questão essa que, em rigor, é a única suscitada nos autos que se reconduz aos problemas que têm sido colocados à doutrina e à jurisprudência, mas a propósito do que improcede a presente apelação intentada pelo Réu nos termos já supra enunciados); as mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu e que a Autora comprovadamente pagou durante a união de facto e, bem assim, a metade das denominadas despesas da casa, que durante essa relação de união de facto, foram exclusiva e comprovadamente pagas pela Autora.
Acontece que quanto à restituição das mensalidades do ginásio e da metade das denominadas despesas da casa, que mais não são que as despesas normais e correntes do agregado familiar durante a união de facto, verifica-se que a Autora não alega, como fundamento do enriquecimento do Réu, que o último, mediante o não pagamento de tais despesas, tivesse obtido poupanças que lhe permitiram granjear meios económicos, durante a união de facto, com os quais veio adquirir património mobiliário e/ou imobiliário próprio, na pendência da união de facto ou após a cessação desta, designadamente, o terreno de que o Réu é proprietário exclusivo (aliás, pelo contrário, a Autora, relembra-se, pretendeu que esse terreno foi comprado, não pelo Réu, mediante recurso a meios monetários exclusivamente deste, mas antes, que esse terreno foi comprado pela própria, mediante recurso a meios monetários exclusivamente seus) e/ou que lhe permitiram pagar a metade do projeto de construção da moradia que veio a ser edificada nesse terreno e a metade do custo da própria construção, em grosso, da moradia, ainda durante a união de facto, e/ou que lhe permitiram ultimar a construção dessa moradia já após o termo da união de facto, pretendendo a Autora ser restituída pelo contributo que deu para a aquisição desse património próprio do Réu.
Na verdade, o que a Autora pretende é ser reembolsada das mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu durante a união de facto, que foram pagas por ela e, bem assim, de metade das despesas normais e correntes do agregado familiar, que também foram pagas exclusivamente por si, durante essa relação, quando, na sua perspetiva, metade dessas despesas deviam ter sido suportadas pelo Réu, independentemente do património pessoal que o último detinha à data de cessação da união de facto, já que a mesma não estabelece qualquer nexo causal entre esse património pessoal do último e as poupanças que o mesmo obteve por via daquelas despesas terem sido pagas exclusivamente por si própria, Autora.
A este propósito diremos que sendo a união de facto um modo informal de constituição e de organização familiar, apesar de às relações pessoais e patrimoniais dos conviventes não serem aplicáveis as normas jurídicas próprias dos unidos pelo casamento, nomeadamente, as previstas no art. 1673º a 1676º do CC, implicando essa relação fáctica necessariamente comunhão de leito, mesa e habitação entre os conviventes, apesar de não existir entre eles um dever jurídico de se sujeitarem aos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, há necessariamente um dever ético ou moral dos conviventes de se submeterem a esses deveres.
Na verdade, se os conviventes não celebraram qualquer contrato matrimonial em que assumiram a vinculação jurídica de estabelecerem uma comunhão de vida, a que a lei faz corresponder a sujeição imperativa dos cônjuges aos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, o certo é que os mesmos, ao estabelecerem uma relação análoga à dos cônjuges, por sua livre e espontânea vontade, como meio informal de constituir e organizar família, assumiram impreterivelmente um dever ético ou moral de se respeitarem mutuamente, de serem fiéis um ao outro, de coabitarem, cooperarem e de se assistirem, contribuindo ambos para os encargos da vida familiar, de harmonia com as possibilidades de cada um (31).
Deste modo, se os casados se encontram, em sede de dever de assistência, obrigados a prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar, de harmonia com as possibilidades de cada um (arts. 1675º, n.º 1 e 1676º, n.º 1 do CC), sob pena de ficar conferido ao outro cônjuge o direito de recorrer a tribunal para que fixe o contributo a prestar pelo cônjuge inadimplente para a economia do lar e para que esse contributo lhe seja diretamente entregue (art. 1676º, n.º 4 do CC) e a quem, inclusivamente, assiste o direito potestativo de requerer divórcio com fundamento no incumprimento desse dever, aos unidos de facto não assiste essas possibilidades legais, uma vez que o dever de assistência (assim como os demais) são meramente deveres éticos ou morais, e como tal inexigíveis judicialmente.
Como tal, na pendência da união de facto, em caso de incumprimento do dever de assistência por parte de um dos conviventes, não assiste ao outro o direito a recorrer ao mecanismo do art. 1676º, n.º 4 do CC, restando-lhe a opção de pactuar com a situação de “inadimplência” do outro convivente, suportando todas as despesas correntes e normais do agregado familiar, ou optar por pôr termo à relação e, no caso de existência de filhos menores do casal, requerer a regulação das responsabilidade parentais, no âmbito da qual lhe será fixada prestação alimentar para os filhos, caso a guarda destes lhe venha a ser confiada.
Deste modo é que se compreende ser pacífico o entendimento segundo o qual encontrando-se os unidos de facto vinculados, numa perspetiva moral ou ética aos deveres prescritos nos arts. 1673º a 1676º do CC para os cônjuges, “tudo o que sejam despesas normais e correntes próprias de quem vive, embora informalmente, a plena comunhão de vida de que fala o art. 1577º do CC, não é repetível, finda a relação, mediante a aplicação do regime do art. 476º, e isto porque se considera que houve então uma causa justificativa para tais atribuições patrimoniais impeditivas da conclusão de que o prestado foi indevido. Essa causa justificativa reside, precisamente, na subsistência da união de facto, para a qual cada um dos membros contribuiu em termos materiais pela forma tacitamente acordada pelo casal enquanto a relação se manteve”, e daí que as despesas suportadas pelos conviventes durante a união de facto, ao abrigo do dever recíproco de assistência, como sejam, as despesas suportadas com o sustento, vestuário, transportes, saúde, educação, etc., dos elementos do agregado familiar dos conviventes não sejam restituíveis, designadamente, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa (32), por configurarem o cumprimento “de uma obrigação natural, de coercitividade e repetição impossíveis, atenta a natureza da relação instituída” e que, no que tange aos filhos, por esse contributo assentar nas responsabilidade parentais dos conviventes para com os últimos (33).
Diversamente, no que respeita a despesas estranhas aos encargos normais da vida familiar suportados pelos conviventes durante a união de facto, como é o caso de encargos suportados por ambos com a aquisição ou construção de uma moradia, a realização de benfeitorias nesta, designadamente, para servir de casa de morada de família, ou a aquisição de um veículo automóvel, bens esses que, no entanto, eram já, aquando das benfeitorias realizadas, propriedade exclusiva de um dos conviventes, ou apesar de adquiridos durante união de facto, ficaram a figurar como sendo propriedade exclusiva de um deles, uma vez dissolvida a relação da união de facto, entende-se que o conivente que ficou com a propriedade exclusiva desses bens, ficou claramente favorecido no seu património, com o inverso empobrecimento do património do outro que, apesar do seu contributo para a aquisição ou a valorização do bem, com nada ficou.
Nessas situações, a relação familiar informal estabelecida entre os conviventes a partir da união de facto não é alheia a esse contributo, uma vez que o mesmo foi, natural e presuntivamente, realizado a fim do bem em causa ser fruído pelo agregado familiar dos unidos de facto (34).
A união de facto “constitui a causa jurídica da contribuição monetária realizada” pelo convivente não proprietário, pelo que “com a dissolução da união extinguiu-se a causa jurídica justificativa da referida contribuição, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada. Trata-se, com efeito, do superveniente desaparecimento da causa da deslocação patrimonial, que representou tal contribuição monetária, correspondente à conditio ob causam finitam consagrada no n.º 2 do art. 473º do CC” (35).

B.5.1.1- Despesas correntes e normais do agregado familiar.

Assentes nestas premissas, revertendo ao caso dos autos, tendo a apelante Autora, durante a união de facto que manteve com o Réu, suportado todas as despesas da casa, como seja, água, luz, gás, condomínio, seguros, alimentação, produtos higiene íntima, produtos de limpeza, colégio, férias e crédito bancário e outros correlacionados com a vida em comum, sem qualquer contributo do último, que se limitou a pagar as despesas do agregado em restaurantes, é indiscutível que, conforme sustenta a própria Autora nas suas alegações de recurso, a mesma não agiu com o propósito de efetuar qualquer liberalidade ao Réu, sequer de lhe conceder qualquer empréstimo em relação aos pagamentos que efetuou.
No entanto, conforme ponderado na sentença recorrida, a apelante Autora realizou esses pagamentos no cumprimento de um dever moral ou ético de satisfazer o seu dever de assistência para com o seu agregado familiar, até porque, conforme a própria afirma nas suas alegações de recurso, caso não pagasse a totalidade dessas despesas, mais ninguém o faria, “colocando a sua família numa situação de aperto financeiro”, quando esta era, inclusivamente, integrada por um filho menor do casal.
Porém, perante o incumprimento por parte do Réu de contribuir para os encargos do agregado familiar de harmonia com as suas possibilidades, porque sobre o mesmo não impendia qualquer dever jurídico, mas apenas ético ou moral de dar esse contributo para o agregado familiar informal que constituiu com a Autora, com quem não assumiu qualquer relação contratual, designadamente, matrimonial, que o obrigasse juridicamente a cumprir esse dever, restava à Autora pactuar com essa situação, como fez, arcando com a totalidade dessas despesas, ou pôr termo à relação de união de facto.
Com efeito, não sendo casada com o Réu, sobre quem não impendia, por isso, qualquer um dos deveres jurídicos que se impõem, por imperativo legal, aos casados a que aludem os arts. 1672º a 1676º do CC, o que a Autora não ignorava, esta não podia exigir judicialmente esse contributo do Réu para as despesas do agregado familiar, sequer o último lhe podia fazer igual exigência.
Ora, tendo a Autora decidido manter a união de facto com o Réu e suportar, por inerência dessa sua decisão, a totalidade dos encargos normais e correntes do agregado familiar, essa sua atitude traduz cumprimento do seu dever ético ou moral de prestar assistência ao seu agregado familiar informalmente constituído, consubstanciando cumprimento de uma obrigação natural, que como decidido pela 1ª Instância, é por natureza irrestituível (36).
Precise-se que contra o que se acaba de concluir não vale o argumento invocado pela Autora de que o pagamento dessas despesas não teve somente por base a relação de união de facto que mantinha com o Réu, mas o contexto socioeconómico do último e o ascendente e controlo que este exerceu sobre a sua pessoa.
Na verdade, sendo a união de facto uma relação informal de constituição e de organização familiar que assenta exclusivamente na vontade dos conviventes, nada obrigava a Autora a sujeitar-se àquele que diz ser o contexto socioeconómico do Réu e/ou ao pretenso ascendente e controlo que o mesmo exerceu sobre a sua pessoa, continuando a suportar sozinha os encargos normais e corrente do agregado e a viver com o Réu.
É que da mesma forma que Autora e Réu decidiram, de livre vontade, viver em união de facto, a Autora podia, por ato unilateral seu, perante aquele comportamento do Réu, pôr termo a essa relação.
Finalmente, cumpre referir que o que se acaba de concluir em nada é contraditado pelo teor do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 04/03/2002, que a Autora invoca na defesa do seu ponto de vista, uma vez que a situação sobre que se debruça esse aresto nada tem a ver com o caso sobre que versam os autos.
Com efeito, nos presentes autos, os pagamentos que a Autora realizou respeitam às despesas normais e correntes do agregado familiar durante uma relação de união de facto que manteve com o Réu e que gera especiais deveres morais ou éticos entre os conviventes, traduzindo o cumprimento do seu dever moral ou ético de prestar assistência ao seu agregado familiar.
Por sua vez, a situação sobre a qual se debruça aquele acórdão respeita a pagamentos realizados pelos aí autores de despesas médicas e hospitalares, relativas a um irmão, que permaneceu em estado de coma, durante mais de três anos, e que os mesmos fizeram no convencimento de que este, se sobrevivesse, os reembolsaria dessas quantias e em que, consequentemente, entre esses autores e o aí réu não existe qualquer relação análoga à dos cônjuges, com as inerentes vinculações morais e éticas que dessa relação emergem.
O contexto em que foram efetuados os pagamentos pela Autora e aquele em que os autores daquela outra ação fizeram os pagamentos das despesas médicas e hospitalares do irmão, são, assim, radicalmente distintos.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo que a sentença sob sindicância, ao absolver o Réu do pedido de restituição de metade das despesas suportadas exclusivamente pela Autora com encargos da casa, como seja, água, luz, condomínio, seguros, alimentação, produtos de higiene íntima, produtos de limpeza, colégio, férias e crédito bancário e outros correlacionados com a vida em comum, não padece dos erros de direito que a apelante Autora lhe assaca, improcedendo este fundamento de recurso.

B.5.1.2- Mensalidades do ginásio.

Entendeu a 1ª Instância que as mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu durante a união de facto e que foram pagas exclusivamente pela Autora não consubstanciam encargos normais e correntes do agregado familiar, mas que antes encargos suportadas pela última em benefício exclusivo do Réu e condenou-o a restituir essas mensalidades à Autora.
O apelante Réu não se conforma com esse entendimento, advogando que tais mensalidades consubstanciam igualmente despesas correntes e normais do agregado familiar, além de que não é certo que das mesmas tivesse exclusivamente beneficiado o próprio, dado que a Autora, no âmbito do relacionamento que manteve com ele, beneficiou da frequência do ginásio, posto que teve um cônjuge em boa forma física, o que a deixou, com toda a certeza, mais feliz, orgulhosa e originou melhorias na sua autoestima pessoal, posição esta que não se subscreve.
Com efeito, é o próprio apelante que põe o acento tónico dos benefícios resultantes da frequência do ginásio no aspeto físico, confessando que as razões que o levaram a frequentar o ginásio não eram de saúde, mas que assentavam na melhoria do seu aspeto físico.
Logo, porque assim é, as mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu, tal como ponderou a 1ª Instância, não consubstanciam despesas normais e correntes do agregado familiar.
Essas despesas foram suportadas pela Autora em benefício exclusivo do Réu, consubstanciando a alegação em contrário do último uma visão singular, tradicional e ultrapassada sobre o papel da mulher na “relação conjugal” e sobre o que verdadeiramente une os conviventes e os cônjuges, que não se reconduz, sequer se pode reconduzir, preponderantemente ao aspeto físico.
Ao pagar as mensalidades do ginásio frequentado pelo Réu durante a vivência em união de facto, naturalmente que a Autora não o quis poupar a essa despesa, mediante a realização de uma doação ao último, mas fê-lo por via da relação de união de facto que os unia, no pressuposto natural que ambos eram um casal e que continuariam a sê-lo no futuro.
Ora, desparecida a relação de união de facto entre Autora e Réu, é indiscutível que a causa que presidiu ao pagamento pela primeira de tais mensalidades do ginásio frequentado pelo último e que o poupou a esse encargo, com a sobrecarga e, consequente empobrecimento do património da Autora, desapareceu, isto é, a causa do enriquecimento do património do Réu em detrimento do da última – a união de facto – deixou de existir, pelo que o Réu deixou de ter causa justificativa para continuar a beneficiar desse enriquecimento, com o consequente empobrecimento da Autora.
Aqui chegados, bem andou a 1ª Instância em condenar o Réu a restituir o montante das mensalidades do ginásio frequentado pelo último à Autora, cujo quantum relegou para incidente de liquidação, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.
Resulta do que se vem dizendo, improceder este fundamento de recurso aduzido pelo apelante Réu.

B.5.2- Litigância de má fé

A Autora imputa erro de direito à sentença recorrida que a condenou como litigante de má fé, sustentando que não se encontram preenchidos os pressupostos legais que permitam essa condenação.

Apreciando:

A litigância de má fé representa uma modalidade do dolo processual que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo. É o dolo processual unilateral (sem conluio entre as partes), distinguindo-se do dolo processual bilateral que corresponde à figura do processo simulado, a que se reporta o art. 612º do CPC (37).
A má fé traduz-se, em última instância, na violação do dever de boa fé processual imposto pelo art. 8º do CPC, que obriga as partes ao dever de cooperarem entre si e com o tribunal, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição da contenda e a agir com lisura.
O n.º 2 do art. 542º do CPC elenca os diversos comportamentos indiciadores de litigância de má fé, reconduzindo-se essas variantes comportamentais a duas modalidades de má fé: a) a má fé material ou substancial, a que se reportam as alíneas a), b) e c) do n.º 2, que diz respeito ao fundo da causa, isto é, à relação substancial deduzida em juízo, e b) a má fé processual, a que se reporta a al. d), que diz respeito a questões processuais (legitimidade das partes, competência do tribunal, valor da ação que influi nas custas e na possibilidade de recursos, etc.).
Enuncie-se que para que exista má fé, não basta que os litigantes adotem um dos comportamentos elencados na lei indiciadores desse tipo de litigância, mas exige-se que o façam dolosamente ou com negligência grave (culpa lata), isto é, que consciente e voluntariamente assumam um dos comportamentos previstos no n.º 2 do art. 542º, com a vontade pré-determinada e maliciosa de alcançar os resultados aí enunciados (dolo) ou que por leviandade ou imprudência grave, grosseira, em que apenas incorreram por falta de precaução exigidas pelas mais elementares regras de prudência ou previsão que devem ser observadas nos usos correntes da vida, acabaram por incorrer numa dessas situações (negligência grave) (38).
Porque assim é, compreende-se que seja pacífico o entendimento de que a sustentação de posições jurídicas desconformes com a correta interpretação da lei pelos litigantes não implica, por si só, e em regra, litigância de má fé, uma vez que em sede de interpretação da lei e da sua aplicação aos factos não existe um claro limite entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil (39) e, bem assim se advogue que a condenação como litigante de má fé exige a adoção de cautelas acrescidas por parte dos tribunais, para evitar condenações injustas, designadamente, quando assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico, sabendo-se que o art. 1º da CRP elege a dignidade da pessoa humana como pilar fundacional do ordenamento jurídico nacional e que uma condenação injusta como litigante de má fé, pelo seu caráter gravoso e estigmatizante para o condenado, é necessariamente altamente lesiva dessa dignidade (40), e que não consubstancia, nunca por nunca, litigância de má fé a circunstância das partes alegarem factos que não lograram provar.
Acontece que no caso, conforme anteriormente já enunciados, não se está perante qualquer situação em que a Autora tivesse alegado uma tese factual que acabou por não provar, mas antes perante um caso em que aquela alegou ter comprado, durante a união de facto que manteve com o Réu, um prédio, por 12.000,00 euros, com o intuito de nele ser construída a casa de morada de família, com dinheiro exclusivamente seu, e cuja propriedade se viu compelida a transferir para o último, sem que este nada lhe tivesse pago a título de preço, por via da pressão e do ascendente que exerceu sobre a sua pessoa, quando se veio a apurar que esse prédio foi comprado, material e efetivamente, pelo Réu, com dinheiro exclusivamente deste, apenas tendo a Autora figurado na escritura de compra e venda como compradora por via do acordo simulatório que celebrou com o Réu, com vista a auxiliá-lo a furtar-se às eventuais responsabilidades perante a Segurança Social.

Conforme se pondera na sentença recorrida, que aqui se subscreve, com essa sua conduta, é indiscutível que “…a Autora omitiu factualidade com inegável interesse para a descoberta da verdade, nomeadamente, a origem dos fundos com os quais foi adquirido o lote de construção sito no Lugar de ... e, bem assim, o contexto em que tal imóvel foi adquirido e registado em nome da Autora. (…) A Autora alegou, de forma perentória – cfr. artigo 16º da douta petição inicial – ter pago, com dinheiro de sua propriedade e proveniente do seu trabalho o preço de aquisição do lote de construção sito no Lugar de .... Contudo, o que se apurou foi precisamente o contrário, ou seja, que tal preço foi pago pelo Réu, através de cheque bancário por este sacado sobre uma conta de que era co-titular com duas menores. Mais se tendo apurado que a Autora era conhecedora da verdadeira titularidade de tal imóvel posto que se comprometeu a transmitir posteriormente tal titularidade para o Réu, o que veio a fazer, sem recebimento de qualquer contrapartida. Do que tem forçosamente de se concluir que a Autora deduziu intencionalmente pretensão cuja falta de fundamento não desconhecia, alterou a verdade dos factos de modo propositado com vista a obter ganho de causa contra o Réu, litigando, por isso, com manifesta má fé, tentando levar o tribunal a proferir uma decisão contrária à verdade dos factos no segmento respeitante à propriedade daquele imóvel, bem sabendo que estava a deduzir contra o Réu pretensão cuja falta de fundamento, nesse particular, não podia ignorar e não ignorava efetivamente, ademais que foi interveniente nos documentos notariais referentes a tal lote de terreno e correlacionados com o mesmo e acordou com o Réu tais atos”.
A descrita conduta da Autora consubstancia indiscutível litigância de má fé dolosa nas modalidades das als. a) e b), do n.º 2 do art. 542º do CPC, pelo que bem andou a 1ª Instância em condená-la como litigante de má fé.

Termos em que improcede este fundamento de recurso aduzido pela apelante Autora.

B.5.2.1- Montante da indemnização arbitrada ao Réu por via da litigância de má fé.

O Réu imputa erro de direito à sentença recorrida ao fixar-lhe a indemnização em 1.5000,00 euros por via da litigância de má fé com que litigou a Autora, reputando-a como insuficiente e pretendendo que a mesma seja elevada para os 5.000,00 euros que peticionou.

Apreciando:

A indemnização por litigância de má fé pode assumir uma das duas modalidades previstas no n.º 1 do art. 543º do CPC, a saber: a) indemnização simples, em que incumbirá ao condenado como litigante de má fé reembolsar a parte contrária das despesas acrescidas que teve de suportar em consequência da litigância de má fé, incluindo os honorários acrescidos de advogado e dos técnicos; ou b) a indemnização agravada, em que a indemnização abrangerá as despesas a que se reporta a indemnização simples, acrescida dos demais prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má fé.
A opção por uma ou outra das indemnizações recai sobre o juiz (n.º 2 do art. 543º), que deverá fazer essa opção em função da maior ou menor intensidade da culpa revelada pelo litigante de má fé, a condição económica deste e as consequências danosas que decorreram para a parte contrária da sua atuação de litigância de má fé (41).
Precise-se que em ambas as modalidades de indemnização apenas são indemnizáveis as despesas e os prejuízos em que tenha incorrido a parte contrária por via da litigância de má fé, o que significa que os honorários e despesas pagos pelas partes, mas que estas sempre teriam de suportar sem a litigância de má fé da sua contraparte, não são abrangidos pela indemnização por litigância de má fé.
No caso, a 1ª Instância optou por condenar a Autora a pagar ao apelante a indemnização simples e fixou essa indemnização em 1.500,00 euros.
Sucede que contrariamente à posição sufragada pelo apelante Réu, o referido montante indemnizatório mostra-se equitativo e suficiente à dimensão dos danos que sofreu por via da litigância de má fé da Autora quando se pondera que essa litigância de má fé apenas incidiu sobre a questão da aquisição do prédio para construção da moradia e da titularidade dos meios económicos utilizados nessa aquisição, e não, também, quanto à demais matéria fáctica controvertida entre as partes.
Tal significa, que não fora a litigância de má fé da Autora, ainda assim, tinha de ser realizada audiência final, com produção de prova quanto a essa outra facticidade sobre a qual não incidiu a litigância de má fé da Autora.
Destarte, os danos a indemnizar apenas se referem aos custos acrescidos, incluindo honorários acrescidos, que o Réu teve de suportar com o esforço probatório acrescido que teve de ser feito quanto à questão do terreno e da titularidade dos meios utilizados nessa aquisição, para o que a quantia de 1.500,00 euros se mostra equitativa e suficiente para o indemnizar desses custos acrescidos.

Termos em que improcede o enunciado fundamento de recurso aduzido pelo apelante Réu.

B.6- Cancelamento do benefício do apoio judiciário concedido à Autora.

Pretende o Réu que se ordene o imediato cancelamento do benefício da proteção jurídica concedido à Autora, sustentando que apesar de ter denunciado e solicitado à Segurança Social o cancelamento do mesmo, onde igualmente invocou a caducidade deste, e da Segurança Social ter declarado a caducidade desse benefício, a Autora impugnou judicialmente essa decisão, sendo vergonhoso que alguém, como é o caso da última, que se encontra a trabalhar há vários anos e que sempre auferiu salários mensais avultados, goze desse benefício e continue a dele beneficiar, obtendo, pelo menos, a suspensão do pagamento de taxas de justiça até à prolação da decisão de cancelamento.
Conclui que perante a demora da Segurança Social na apreciação do pedido de cancelamento do apoio judiciário, independentemente da caducidade deste, se impõe ordenar o imediato cancelamento do benefício.

Decidindo:

A questão suscitada pelo apelante, em que requer que se ordene o imediato cancelamento do benefício da proteção jurídica concedida à Autora, consubstancia questão nova, não suscitada pelo mesmo junto da 1ª Instância e sobre a qual esta não teve oportunidade de decidir e que não é do conhecimento oficioso do tribunal, pelo que esta Relação não pode dela conhecer.
Com efeito, sendo os recursos meios impugnatórios de uma decisão judicial desfavorável, por definição, os recursos destinam-se a reapreciar as questões antes colocadas e decididas pela 1ª Instância em sentido desfavorável ao recorrente, e não a decidir questões novas, salvo se estas forem do conhecimento oficioso do tribunal, o que não é o caso (42).
Acresce referir que sempre a pretensão do apelante tinha de ser indeferida, uma vez que a competência material para apreciar e decidir o cancelamento da proteção jurídica pertence, nos termos do n.º 3 do art. 10º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, aos serviços da Segurança Social (43).
Note-se que essa competência material para proferir a decisão de cancelamento da proteção jurídica continua a pertencer à Segurança Social mesmo que o fundamento do cancelamento seja o da al. d), do n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 34/2004, devendo para o efeito a 1ª Instância, uma vez transitado em julgado o acórdão confirmatório da condenação da Autora como litigante de má fé, comunicar esse facto à Segurança Social (44).
Termos em que sem mais, por desnecessárias, considerações, não se conhece do enunciado fundamento de recurso aduzido pelo apelante Réu.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo improcederem totalmente as apelações interpostas pela Autora e pelo Réu, impondo-se confirmar a sentença recorrida.
*
*
Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar totalmente improcedentes as apelações interposta pela Autora e pelo Réu e, em consequência:

- confirmam a sentença recorrida.
*
Custas da apelação interposta pela Autora, a cargo desta, e da interposta pelo Réu, pelo último (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 07 de maio de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)



1. Alberto dos Reis, “Código Processo Civil Anotado”, t. 5º, págs. 132 a 134¸ e RLJ n.º 87º, pág. 1444 e 84º, pág. 166 e ss..
2. Alberto dos Reis, ob. cit. e Acs. STJ. de 30/04/2002, Rev. n.º 689/02-6ª, Sumários, 4/2002; RE. de 06/07/2004, Proc. 1404/04.3; RP. de 21/10/2004, JTRP00037275; RC. de 21/06/2005, Proc. 357/05, in base de dados da DGSI.
3. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI.
4. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
5. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
6. Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 223.
7. Acs. STJ. de 31/05/2005, Proc. 05B1094; 27/03/2007, Proc. 07A471; 28/05/2009, Proc. 08B1843; 12/11/2009, Proc. 156/1999.S1, in base de dados da DGSI.
8. Acs. STJ de 17/12/2019, Proc. 603/17.4T8LSB,L1.S1; de14/01/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.S1; e RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BRGC.C1, in base de dados da DGSI.
9. António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153.
10. Acs. STJ. de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; de 27/10/2016, Proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1; RG. de 2/11/2017, Proc. 212/16.5T8MNC.G1, in base de dados da DGSI.
11. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
12. Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI.
13. Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI.
14. Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
15. Neste sentido, Acs. do STJ, de 08/02/2018, Processo nº 765/13.0TBESP.L1.S1; de 08/02/2018, Processo nº 8440/14.1T8PRT.P1.S1; de 06/06/2018, Processo nº 552/13.5TTVIS.C1.S1, e de 13/11/2018, Processo nº 3396/14, este último ainda inédito e os restantes in base de dados da DGSI.
16. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 105 e 106 e 147.
17. Ac. STJ. de 20/02/2019, Proc. 1338/15.8T8PNF.P1.S2, in base de dados da DGSI, cujo sumário consta do seguinte: “O art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC estabelece que se especifique os concretos meios probatórios constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especifique os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos. No mesmo sentido, na mesma base de dados, Acs. STJ de 06/11/2019, Proc. 1092/08.0TTBRG.G1.S1; de 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1.S2; 03/10/2019, Proc. 77/06.5TBVA.C2.S2; 19/12/2019, Proc. 271/14.5TTMYS.P1.S1 (no sentido de que não cumpre o ónus do art. 640º, n.º1, al. b) do CPC. o apelante que nas alegações e nas conclusões agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna), Acs. RG. de 05/04/2018, Proc. 1849/17.0T8GMR.G1; de 03/05/2018, Proc. 322/15.6R8VPA.G1 e de 28/06/2018, Proc. 123/11.0TBCBT.G1.
18. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
19. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª ed., Almedina, pág. 479.
20. Antunes Varela, ob. cit., págs. 480 e 481.
21. Antunes Varela, ob. cit., Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 454.
22. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 455 e 456; Acs. STJ. de 04/07/2007, Proc. 04/10/2007, Proc. 07B2772,in base de dados da DGSI; RC. 11/05/2004, CJ, 2004, t. 3º, pág. 8. No mesmo sentido Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, 2º, vol., 1990, AAFDL, pág. 56: “A ausência de causa emerge (…) da inexistência de normas jurídicas que, a título permissivo ou de obrigação, levem a considerar o enriquecimento como coisa estatuída, isto é, tolerada ou querida pelo Direito”.
23. Antunes Varela, ob. cit., págs. 487 e 488.
24. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 457 e 458.
25. Acs. STJ. de 24/10/2017, Proc. 3712/15 e de 11/04/2019, Proc. 219/14, in base de dados da DGSI.
26. Júlio Gomes, “O Enriquecimento Sem Causa e a União de Facto”, em CDP 58, pág. 5; Guilherme de Oliveira, in “Crónicas Legislativas, Notas Sobre a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto (Alteração à Lei das Uniões de Facto)”, pág. 140.
27. Ac. STJ. de 24/10/2017, Proc. 3712/15.0T8GDM.P1.S1, in base de dados da DGSI.
28. Ac. RL. de 26/10/2010, Proc. 1874/05.4TCSNT.L1-7, in base de dados da DGSI.
29. Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, “Curso de Direito da Família”, vol. I, 5ª ed., pág. 82; Ac. STJ. de 27/06/2019, Proc. 944/16.8T8VRL.G1.S2, in base de dados da DSI.
30. Sobre esta problemática, Ana Rita Ferraz Laranja Pontes, tese de mestrado intitulada “Os efeitos Patrimoniais Decorrentes da Cessação da União de Facto: A Divisão do Património no Final da Via em Comum”, Universidade Católica, Centro Regional do Porto, maio de 2014.
31. França Pitão, “A União de Facto e Economia Comum (Comentário Crítico às Leis n.ºs 6/2001 e 7/2001), Almedina, 2012; Ac. STJ. de 6/07/2011, Proc. 3084/07.7TBPTM.E1.S1, in base de dados da DGSI.
32. Ac. STJ. de 20/03/2014, Proc. 2152/09.5TBBRG.G1.S1; RC. de 22/05/2018, Proc. 619/16.8T8MGR.C1.
33. Ac. STJ de 24/10/2017, Proc. 3712/15.0T8GDM.P1.S1.
34. Acs. RG. de 09/06/2016, Proc. 2847/14.1TBBRG.G1; de 18/10/2018, Proc. 944/16.8T8VRL.G1; RP. de 04/02/2016, Proc. 390/09.0TBBAO.P1.
35. Ac. STJ. de 03/11/2006, Proc. 390/09.0TBBAO.S1; 08/05/1997, CJ/STJ, t. II, págs. 81 e 82; RL. 21/01/1999, CJ., t. I, págs. 83 e ss.; STJ, de 29/04/2014, Proc. 1071/7TBABT.E1.S1, embora a propósito da cessação de um casamento em regime de separação de bens, cujos fundamentos jurídicos se aplicam, na nossa perspetiva, à união de facto; RC. de 11/05/2014, Proc. 712/04, in base de dados da DGSI.
36. Antunes Varela, ob. cit., pág. 509, onde se lê que “a repetição do indevido” é excluída “pela existência de uma obrigação natural.
37. Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 356.
38. Acs. STJ. de 03/02/2011, Rev. 351/2000, Sumários, 2011, pág. 77.
39. Ac. STJ de 23/04/2008, Proc. 97S2894.
40. Ac. STJ de 28/05/2009, Proc. 09B681.
41. Ac. STJ. 04/04/2002, Proc. 440/02 – 2ª, Sumários, 4/2002.
42. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 109 e 110.
43. Ac. RG. de 14/03/2019, Proc. 268/11.7TBAVV.D.G1; Salvador da Costa, “O Apoio Judiciário”, 9ª ed., 2013, Almedina, pág. 76.
44. Joana Nogueira Gomes Campos, “O Apoio Judiciário: Garantia de Igualdade no Acesso ao Direito e aos Tribunais”, Dissertação de Mestrado, Escola de Direito da Universidade do Minho, pág. 72.