Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3263/17.9T8VCT-B.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS MELO NOGUEIRA
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
REQUISIÇÃO
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A requisição de documentos deve ser um meio subsidiário, no sentido de só dever ser utilizado, por iniciativa oficiosa ou a requerimento da parte, quando esta não tenha possibilidade, ou encontre dificuldade apreciável, na obtenção do documento em falta ou quando as circunstâncias do processo aconselhem a um uso precoce desse meio.

II - O dever de promoção que é conferido ao juiz deve ser exercido como complemento da actividade desenvolvida pelas partes. Como tal, só se alguma das partes alegar justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de uma faculdade ou cumprimento de um dever ou de um ónus processual, é que o juiz deve, sempre que isso lhe seja possível, providenciar pela remoção do obstáculo.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- Relatório

C. R., casado, contribuinte fiscal número ..., advogado com escritório na Rua …, concelho de Oeiras, instaurou contra JOSÉ, divorciado, contribuinte fiscal número ..., residente na Rua do …; e MARIA, solteira, maior, contribuinte fiscal número …, residente na Rua …, acção declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação do réu JOSÉ a pagar-lhe a importância de € 54.750,00 (cinquenta e quatro mil setecentos e cinquenta euros), a título de honorários, sujeita à taxa de IVA em vigor, acrescida de juros de mora, contados a partir da citação até efectivo e integral pagamento, e a condenação da ré MARIA a pagar-lhe a importância de € 32.850,00 (trinta e dois mil oitocentos e cinquenta euros), a título de honorários, sujeita à taxa de IVA em vigor, acrescida de juros de mora contados a partir da citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em suma, que faz da advocacia a sua profissão, tendo prestado, nesse âmbito os serviços que lhe foram solicitados por Manuel e L. E., e que especifica e contabiliza no montante de € 87.600,00.

Refere, ainda, que, no dia 16 de Março de 2014, faleceu L. E. e, no dia 4 de Outubro de 2016, Manuel, tendo, a 29 de Março de 2017, sido outorgada a partilha dos bens deixados através da escritura pública, na qual intervieram os aqui réus JOSÉ, este na qualidade de herdeiro legitimário de seus falecidos pais, e MARIA, esta na qualidade de herdeira da quota disponível de Manuel.
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Os Réus contestaram, arguindo, para além da prescrição, o pagamento que alegam ter sido feito pelo falecido Manuel e mulher L. E..

Especificamente, aduzem que, ao longo dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, o Autor apresentou regularmente ao Manuel notas de honorários e despesas por serviços prestados, os quais, por sua vez, procederam ao pagamento das notas de honorários e despesas apresentadas pelo Autor, pelo menos, uma vez por mês.

Pediram, assim, que fosse julgada provada e procedente a excepção peremptória de prescrição, com a consequente absolvição dos pedidos contra eles formulados, e, ainda, para o caso de assim se não entender, fosse a acção julgada improcedente, por não provada, igualmente com a consequente absolvição dos pedidos formulados.
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Posteriormente, após despacho saneador, veio a Ré requerer a notificação do Banco de Portugal para vir aos autos informar se o A. foi titular, entre 2006 e 2018, de quaisquer contas bancárias em estabelecimentos bancários ou de créditos em Portugal, para prova do alegado nos arts. 16.º, 17.º e 38.º a 41.º da contestação (al. c) e a notificação dessas instituições para virem juntar os extractos das contas bancárias do A. respeitantes a todo o período decorrido entre os anos de 2006 e 2018 (al.d), bem como igual pedido tendo sido formulado quanto à sociedade X – Consultoria e Comércio de Imóveis, Lda nas als. f) e g), justificado pelo facto de alegadamente muitos dos pagamentos ao A. terem sido feitos através da emissão de cheques ou depósitos a favor dessa sociedade.
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Nessa sequência foi proferido o seguinte despacho:

“Indefere-se a notificação ao Banco de Portugal, requerida a fls. 270, sob a alínea c).
É aos RR. que compete provar que pagaram os honorários reclamados pelo A.
Sabem os RR. quando e como pagaram.
Assim sendo, não se justifica a devassa pretendida, para prova da factualidade indicada.
Notifique.
***
Indefere-se também o requerido em f) a fls. 270 verso.

Se os RR. afirmam que muitos dos pagamento ao Autor foram feitos através da emissão de cheques ou depósitos a favor da sociedade comercial que indicam, facilmente os mesmos, através das contas tituladas pelo falecido, logram fazer prova do alegado.
Notifique.”.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio a Ré/Recorrente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 18 de Maio de 2018, na parte em que indeferiu a notificação ao Banco de Portugal, requerida a fls. 270, sob a alínea c) e, ainda, o requerido na al. f) a fls. 270 verso.
2. Face ao teor do douto despacho saneador (salvo no caso de procedência do recurso desse despacho, na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição), a Recorrente ficou na contingência de provar o pagamento de dezenas ou centenas de serviços avulsos (cartas, contratos, escrituras, entre outros), prestados pelo Autor entre os anos de 2006 e 2016.
3. Considerando a onerosidade da prova a seu cargo, a Recorrente apresentou requerimento probatório, nos termos que constam do requerimento apresentado em 03/05/2018 – que se dá aqui por reproduzido.
4. O requerimento probatório da Recorrente foi indeferido, no que respeita às alíneas c), de fls. 270, e f), de fls. 270 verso, ao passo que, quanto à alínea e), não houve tomada de posição expressa por parte do Tribunal recorrido.
5. E é com esse despacho que a Recorrente não se pode conformar, pelas razões que muito sucintamente irá expor nas próximas linhas, a saber:
6. Em primeiro lugar, os serviços cujo pagamento é reclamado reportam-se a um lapso temporal de 10 (dez) anos – de 2006 a 2016 -, o que torna excessivamente oneroso para a Ré reunir documentos comprovativos de pagamentos feitos ao Autor, em tal período.
7. Em segundo lugar, os serviços em causa foram prestados a Manuel - que foi também que os pagou -, e não à Recorrente, o que constitui, por si só, um óbice à obtenção de elementos probatórios.
8. Em terceiro lugar, encontra-se documentalmente comprovado nos autos que parte dos pagamentos ao Autor foi feita através de depósitos em numerário em contas bancárias tituladas pelo Autor.
9. Em relação a tais pagamentos, a única coisa que os extractos de contas do falecido Manuel poderão evidenciar é a existência de levantamentos em numerário, por si só insuficientes para provar que tal numerário foi entregue ao Autor.
10. Assim, a única forma de demonstrar que o numerário levantado foi entregue ao Autor é precisamente através da junção aos autos de extractos de contas bancárias deste último, das quais terão de constar os depósitos em dinheiro feitos pelo falecido Manuel.
11. Em quarto lugar, os demais meios de prova requeridos pela Recorrente no seu requerimento de prova são, por si só, insuficientes para demonstrar o pagamento.
12. Basta dizer que, notificada a Administração Fiscal para informar quais os recibos emitidos pelo Autor em nome do falecido Manuel no período de 2006 a 2016, veio a mesma informar que apenas constam recibos respeitantes aos anos de 2016 e 2018, sendo certo que, relativamente a estes últimos, os mesmos foram passados após a instauração desta acção e depois de os próprios Réus terem junto aos autos comprovativos de pagamento relativamente aos quais não teria sido emitido o competente recibo. Ou seja. Tais recibos foram emitidos no ano de 2018, relativamente a pagamentos feitos muito antes desta data…
13. A própria postura processual do Autor não revela qualquer vontade de colaborar com o Tribunal.
14. Em quinto lugar e no que respeita aos extractos de contas bancárias da sociedade comercial X – Consultoria e Comércio de Imóveis, Lda., interessa recordar que parte dos honorários reclamados pelo Autor se reporta ao acompanhamento do falecido, na realização de escrituras públicas de venda de imóveis, bem como à elaboração de contratos de arrendamento. Ora, a este respeito, o falecido pagava ao Autor uma comissão por cada venda ou arrendamento angariados, que envolvia (como é dos usos) os serviços de elaboração de contratos e/ou escrituras. Assim, para poder demonstrar tais pagamentos, a Ré não poderá deixar de ter acesso às contas bancárias da dita sociedade do Autor, pois só desse modo logrará demonstrar tais pagamentos e, por inerência, a inexistência de qualquer dívida.
15. Resulta, assim, de tudo quanto se vem de expor que as diligências probatórias contidas c), d) e), f) e g) do requerimento probatório da Recorrente não só não se afastam daquele que constitui o objecto desta acção (em que se discute o pagamento, ou não, de serviços prestados), como se revelam essenciais para a Ré fazer a prova a que se propõe.
16. A tal conclusão não obsta, de todo, a fundamentação da douta decisão recorrida, já que, por um lado, o facto de ser “aos RR. que compete provar que pagaram os honorários reclamados pelo A.” não infirma, e até reforça, a necessidade dos meios de prova requeridos pela Ré e, por outro, o fundamento de que “Sabem os RR. quando e como pagaram” não é oponível aos Réus, já que, como acima se afirmou, os serviços e os pagamentos dizem respeito ao falecido Manuel, pelo que só este, e não os Réus, estaria em condições de saber e de provar “como e quando” pagou.
17. O falecido Manuel fez pagamentos através de depósitos de dinheiro na conta do Autor - tal como se referiu expressamente na al. f) do requerimento de prova e resulta, além do mais, dos documentos juntos aos autos em 15/03/2018.
18. Quanto a esses pagamentos, os extractos da conta do falecido só permitem demonstrar a existência de levantamentos em numerário.
19. Não permitem, contudo, provar o destino dado a tal numerário, ou seja, não permitem
provar que o numerário levantado dessa conta bancária foi entregue ao Autor, através de depósitos bancários.
20. Do exposto resulta que, para provar o pagamento, terá a ora Requerente de se socorrer dos extractos da conta bancária do Autor.”
21. Considerando o facto de estar em causa a necessidade de prova de pagamentos feitos por pessoa falecida, ao longo de um lapso temporal de mais de 10 (dez) anos, mostra-se, do ponto de vista da Recorrente, plenamente justificada a necessidade de recurso aos extractos de contas bancárias do Autor, pois doutro modo estar-se-á a impossibilitar a aquela de produzir a sua prova.
22. Resta dizer que a decisão recorrida violou, além de outras, a disposição do art. 411.º do Cód. Proc. Civil.
23. Deve, pois, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que defira as diligências probatórias contidas nas als. c), d), e), f) e g) do requerimento probatório da Recorrente.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição, a qual deverá ser substituída por Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça!
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O A. apresentou contra-alegações, pedindo a improcedência da prescrição invocada pelos RR.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III- O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.

Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir se o despacho proferido em 18 de Maio de 2018, na parte em que indeferiu a notificação ao Banco de Portugal, requerida a fls. 270, sob a alínea c) e, ainda, o requerido na al. f) a fls. 270 verso, violou, além de outras, a disposição do art. 411.º do Cód. Proc. Civil.

É que, pese embora, a Ré/Recorrente solicite, a final, que seja revogada a decisão na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição, o facto é que as conclusões do recurso incidem somente sobre o despacho que indeferiu a notificação do Banco de Portugal para vir aos autos informar sobre as contas bancárias existentes em nome do A. e da referida sociedade em qualquer entidade bancária ou de crédito.

Por outro lado, mesmo concluindo, no seu ponto 23, das conclusões, que seja revogada e substituída a decisão por outra que defira as diligências probatórias contidas nas als. c), d), e), f) e g) do requerimento probatório da Recorrente, o facto é que como igualmente reconhece a recorrente, relativamente ao pedido da al. e), o tribunal a quo não se pronunciou, pese embora, em relação às als. d) e g), decorra implicitamente o seu indeferimento, dado que dependentes do deferimento dos pedidos formulados nas als. c) e f).
*
- Fundamentação de facto

Os factos supra enunciados.
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- Fundamentação de direito

A instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova –cfr. art. 410.º, do Código Civil.

Como tal, o pedido formulado pela Ré/Recorrente sempre teria de ter por base o tema de prova que, com as informações requeridas, pretende demonstrar e não os factos por si alegados na contestação.

Contudo, mesmo relevando esta incorrecção técnica, importa ter em conta que a realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, enquanto traves mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República (neste sentido Ac. do STJ de 19-01-2017, respeitante ao processo 873/10.9T2AVR.P1.S1).

Nesta medida, há, assim, que ter também presente que a lei faz imperar o ónus da afirmação, correspondente ao ónus de prova, por caber às partes oferecer as provas que hão-de convencer o juiz da veracidade das afirmações feitas, dado que são as partes as mais idóneas para a indagação dos factos e recolha das provas respectivas, por melhor conhecerem as ocorrências, que têm interesse em as produzir no processo e em condições mais favoráveis para descobrir os meios de prova necessários para a sua demonstração.

Isto, sem prejuízo do princípio da cooperação, tanto nas relações das partes e de terceiros com o tribunal, como nas do tribunal com as partes, que deve existir na fase de instrução, como decorre do disposto no art. 7.º, do Cód. Proc. Civil.

Assim, dentro das normas processuais relativas à prova, é possível distinguir duas categorias:

-regras de direito probatório material;
-regras de direito probatório formal.

Pertencem ao primeiro grupo as disposições que regulam o ónus da prova, a admissibilidade e o valor de cada um dos meios de prova e, ao segundo, as disposições que dizem respeito aos procedimentos probatórios (neste sentido M.Andrade, Noções Elementares, págs. 67 e 68).

As primeiras estão próximo do direito substantivo e, as segundas, constituem direito processual puro.

Por sua vez, nos termos do art. 6.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

Dentro desta dinâmica, importa sempre não esquecer que, no entanto, o objecto do processo se encontra, em geral, submetido à disponibilidade das partes (cfr. art. 5.º, do mesmo diploma), não obstante o juiz poder, em geral, ordenar oficiosamente diligências probatórias.

Pois, segundo o princípio do inquisitório consagrado no art. 411.º, do Cód. Proc. Civil, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Acontece, porém, que tal princípio não tem por finalidade colmatar as omissões das partes relativamente à prova que não arrolaram e não apresentaram, nos termos e prazos consignados no art. 423.º, do citado diploma.

Tal preceito impõe que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa sejam apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes ou que sejam apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, com condenação da parte em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Após esse limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

Como referido no Ac. do S.T.J., de 28/3/2000, in Sumários, n.º 39- 23, «O disposto no art.º 265, n.º 3, do C.P.C. (correspondente ao actual 411.º) não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil e que é o de que o impulso processual compete às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização das diligências probatórias».

A necessidade de que o tribunal decida de acordo com a verdade material não significa que esta deva ser obtida por qualquer meio e modo.
A obtenção da verdade material tem regras e leva-nos àquilo que é normalmente chamado de verdade formal, ou seja, aquela que é obtida por certa forma, ou por certas formas processuais.

Deste modo, seguir e aplicar correctamente os preceitos da verdade formal é a forma com mais segurança que tem o julgador, de acordo, aliás com o que a lei lhe impõe, de obter uma segura visão da realidade sobre a qual tem de actuar, tendo em conta que, a primeira regra do processo civil, neste campo é o do dispositivo (neste sentido o Ac. RL publicado no site da dgsi com o n.º 99846/08.1YIPRT.L1-7).
Tal como se defendeu no acórdão deste tribunal no proc. 710/15.8T8VRL-A.G1, de 27/04/2017, o art. 411.º, do CPC, não existe para possibilitar ao juiz que, objectivamente, auxilie uma das partes, prejudicando a outra.

A requisição de documentos deve, assim, ser um meio subsidiário, no sentido de só dever ser utilizado, por iniciativa oficiosa ou a requerimento da parte, quando esta não tenha possibilidade, ou encontre dificuldade apreciável, na obtenção do documento em falta ou quando as circunstâncias do processo aconselhem a um uso precoce desse meio, como é o caso quando o documento a requisitar pode provar um facto que assim já não terá de ser incluído nos temas de prova ou até permitir a decisão da acção no despacho saneador (neste sentido A. dos Reis, CPC anot., IV, pág. 50-51).

O dever de promoção que é conferido ao juiz deve ser exercido como complemento da actividade desenvolvida pelas partes.
Como tal, só se alguma das partes alegar justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de uma faculdade ou cumprimento de um dever ou de um ónus processual, é que o juiz deve, sempre que isso lhe seja possível, providenciar pela remoção do obstáculo

A este respeito, dispõe-se no art. 417.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, que ‘todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados’.

Contudo, essa recusa pode porém, ser legítima se a obediência importar alguma violação das que se encontram plasmadas nas várias alíneas do n.º 3, do mesmo preceito, sem prejuízo do que se dispõe no seu n.º 4.

Nessa medida, o Juiz ao apreciar a legitimidade da escusa, não poderá, porém, deixar de ponderar a natureza civil dos interesses em causa e concreta proporcionalidade entre a restrição do direito à reserva na intimidade da vida privada (art.º 26.º da CRP) que a dispensa do sigilo irá acarretar, por um lado, e, por outro lado, os concretos interesses da contraparte (Vasco Soares da Veiga, Direito Bancário, p. 236).

Em conformidade, o Juiz deverá dispensar a confidencialidade e decidir pela inexistência de sigilo bancário no caso em concreto se forem superiores, in casu, os valores da justiça, com a necessária ponderação de interesses, limitando a quebra do sigilo apenas e tão só ao estritamente necessário.
Relativamente ao segredo bancário encontra-se o mesmo previsto e definido nos arts. 78.º e 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, e actualizado pelo DL n.º 20/2016, de 20/4.

O primeiro dos preceitos estabelece que as pessoas que prestem serviços nas instituições de crédito "não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes, cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços” e que “estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias".

Por sua vez, o artigo 79.º prevê as excepções ao dever de segredo, fora do caso de autorização do cliente, sendo que a alínea f), do n.º 2, refere "quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo".

A este respeito, o Ac. do S.T.J. de 13/02/2008, fixou jurisprudência no sentido de, se a escusa da instituição bancária, de prestar as informações que lhe sejam solicitadas, no âmbito de um inquérito criminal, for legítima cabe ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver suscitado decidir sobre a quebra do segredo, nos termos do nº. 3 do artº. 135º., do C.P.Penal.

Fundando-se em jurisprudência do Tribunal Constitucional e na doutrina, refere o mesmo Acórdão que “O segredo bancário pretende salvaguardar uma dupla ordem de interesses. Por um lado, de ordem pública: o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança, e indirectamente para o bom funcionamento da economia, já que o sistema de crédito, na dupla função de captação de aforro e financiamento do investimento, constitui, segundo o modelo económico adoptado, um pilar do desenvolvimento e do crescimento dos recursos.

Por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a “biografia” de cada sujeito, de forma que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no art. 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa” (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido no Procº. 07P894, publicado no D.R., série I-A, nº. 63, de 31/03/2008).

Para José Maria Pires, também ali citado, o segredo bancário funda-se “na necessidade de proteger a actividade bancária de intromissões que prejudiquem a confiança das relações entre as instituições e os seus clientes”, e, por isso, constitui expressão de um “direito fundamental atípico”, que enquadra no art. 16º., nº. 1, da Constituição.

Sem embargo, como alerta ainda o mesmo Acórdão, “esse direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto, até porque, pela sua referência à esfera patrimonial, não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas, embora com ele possa manter relação estreita.

Pode, pois, ter que ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo bancário”.

Pois, como se dispõe no artº. 335º., do Cód. Civil, havendo colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente prevalece o que deva considerar-se superior.
É também o que se extrai do nº. 3 do artº. 135º., do C.P.Penal, que manda aplicar o princípio da prevalência do interesse preponderante.

No presente caso, a Ré refere que os serviços cujo pagamento é reclamado pelo A. se reportam a um lapso temporal de 10 (dez) anos – de 2006 a 2016 -, o que torna excessivamente oneroso para si a reunião de documentos comprovativos de pagamentos feitos ao Autor, em tal período.

Aduz, ainda, como justificação para o pedido por si formulado, que os serviços em causa foram prestados a Manuel - que foi também que os pagou -, e não à Recorrente, o que constitui, por si só, um óbice à obtenção de elementos probatórios.

Por último, aponta como terceira razão, o facto de se encontrar documentalmente comprovado nos autos que parte dos pagamentos ao Autor foi feita através de depósitos em numerário em contas bancárias tituladas pelo Autor, pelo que, em relação a tais pagamentos, a única coisa que os extractos de contas do falecido Manuel poderão evidenciar é a existência de levantamentos em numerário, por si só insuficientes para provar que tal numerário foi entregue ao Autor.

Por último, aponta o facto de os demais meios de prova requeridos no seu requerimento de prova serem, por si só, insuficientes para demonstrar o pagamento.

Ora, o facto de ter decorrido um longo período desde a prestação dos serviços por parte do A. ao dito Manuel susceptível de tornar excessivamente oneroso para a Ré/Recorrente a reunião de documentos comprovativos de pagamentos feitos ao Autor, em tal período, não pode servir de pretexto para que oficiosamente o tribunal venha a obter tal prova, apenas para poupar a parte aos esforços de prova que lhe são devidos, só porque o considera mais fácil e cómodo.

Por outro lado, tal importaria que a parte que, não tendo juntos os documentos no tempo e prazo devidos, ao abrigo do disposto no citado art. 423.º, do Cód. Proc. Civil, o viesse a fazer, por uma outra via, suprindo a sua falta ou omissão.

Acresce, por outro lado, que a Ré não circunscreve sequer a informação ao estritamente necessário, antes a estendendo a um período de 10 anos o que importaria sempre uma intolerante devassa da vida económica, financeira e até pessoal do A., ainda que para provar eventuais pagamentos, que nem sequer se sabe se efectivamente se verificaram.

Ocorre-nos, também, referir que se os pagamentos ao Autor foram feitos através de depósitos em numerário em contas bancárias tituladas pelo Autor, então, como prova, sempre poderiam ser juntos os respectivos talões de tais depósitos.

Prova essa que sempre seria mais fácil e simples, do que aquela que a Ré /Recorrente pretende.

Acresce que, se os montantes eram levantados das contas do falecido Manuel para a seguir serem depositadas em contas do A. e/ou sociedade a quem esses pagamentos eram feitos, então também seria possível indicar as datas precisas desses pagamentos, limitando o pedido de informação a tais datas.

Também o facto de reconhecidamente as provas juntas não serem consideradas suficientes para lograr demonstrar o pagamento que incumbe a quem alegou essa excepção, não constitui fundamento sequer aceitável para levar a que o tribunal, em clara substituição da parte, produza a prova que sobre esta recaí.

Tal como se referiu, o pedido de informação e requisição de documentos é um meio subsidiário, que só deve ser utilizado, por iniciativa oficiosa ou a requerimento da parte, quando esta não tenha possibilidade, ou encontre dificuldade apreciável, na obtenção do documento em falta, o que nem sequer foi alegado e demonstrado.

O princípio do inquisitório, apenas deve ser exercido como complemento da actividade desenvolvida pelas partes, a quem incumbe demonstrar justificadamente uma dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de uma faculdade ou cumprimento de um dever ou de um ónus processual, por forma a que, perante tal dificuldade verdadeiramente demonstrada, o tribunal possa proceder remoção do obstáculo.

In casu, para além do exposto, resulta que a pretensão da parte, se considerada justificada pelas dificuldades na sua obtenção, que nem sequer logrou demonstrar, sempre poderia ser obtida através da notificação da própria parte ou terceiro, enquanto titulares das contas e a quem os extractos bancários são remetidos, para prestar tais informações e/ou juntar os documentos, o que também nem sequer requereu,

Tudo isto, sem prejuízo da tramitação subsequente que se teria de seguir, tal como apontado, caso fosse de deferir a pretensão da Ré/Recorrente, após uma eventual recusa da parte e/ou de terceiro.
Nestes termos, pelas razões expostas, tem, pois, de improceder o recurso interposto pela R./Apelante, mantendo-se, assim, a decisão proferida.
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IV – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acorda-se nesta 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, mantendo-se, assim, o decidido.
Custas do recurso pela recorrente.
Registe e notifique.
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TRG, 8.11.2018
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
José Carlos Dias Cravo
António M. A. Figueiredo de Almeida