Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
58/12.0TBSBR-B.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
NOTIFICAÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
ACTO DA SECRETARIA
ERRO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: O início do prazo para dedução de oposição à penhora, notificada ao mandatário forense da executada (constituído nos autos) por carta registada e (indevidamente) com aviso de recepção, deve contar-se a partir do terceiro dia útil posterior ao do registo postal e não do dia da assinatura do “AR”.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

No processo de execução comum epigrafado que AA… Ldª move na Secção de Execução de Chaves, Comarca de Vila Real, à União das Freguesias de BB… à penhora, mediante auto (fls. 13-vº e 14) de um saldo bancário detido pela executada num Banco.

A entidade executada havia já constituído (fls. 21-vº e 22), por meio de procuração forense junta aos autos em 16-01-2015 e datada do dia 06-01-2015, como seu mandatário, conferindo-lhe amplos poderes forenses gerais e especiais para em seu nome confessar, desistir e transigir, o Sr. Advogado Dr. …

Após a penhora e no próprio dia 23-02-2015, a referida Agente de Execução, por meio de carta registada nos CTT, com “aviso de recepção”, dirigida àquele Advogado e endereçada ao respectivo escritório, conforme fls. 12-vº e 13, 14º-vº e 15, remeteu a este uma nota de notificação, comunicando-lhe, além do mais: “Nos termos do disposto nos artºs 784º e 785º do Código de Processo Civil, fica pela presente notificado, na qualidade de mandatário da executada, para no prazo de 10 dias deduzir, querendo, oposição à penhora …”.

Tal carta foi recebida e o respectivo “aviso de recepção” assinado pelo referido Advogado no dia 24-02-2015, conforme fls. 23-vº.

Então, a executada, conforme fls. 2-vº a 10, através do articulado por aquele seu Advogado elaborado, subscrito e apresentado nos autos em 12-03-2015, deduziu oposição à referida penhora, logo apresentando com ele documento comprovativo do pagamento de multa no montante de 122,40€ que indicou ser devida pela prática de tal acto no 3º dia do prazo.

Ao contestar tal oposição à penhora, a exequente suscitou como questão prévia a extemporaneidade do acto, alegando que, sendo as notificações às partes em processos pendentes feitas aos respectivos mandatários, no entanto consta dos autos que o “aviso de recepção” foi assinado em 24-02-2015, pelo que o termo do prazo de 10 dias teria sido 06-03-2015 e o 3º dia útil posterior em 11-03-2015. Por isso e porque a executada não alegou justo impedimento nem beneficia da presunção na medida em que atestou nos autos que recebeu a citação no dia 24-02-2015, a prática do acto no dia 12-03-2015 foi extemporânea (fls. 14-vº e 15).

Com efeito, em requerimento anterior, subsequente a informação lançada nos autos pela Secretaria, a executada havia confirmado ter sido notificada, através do seu mandatário, “por via postal registada” e declarado que tal documento fora “recebido no dia 24-02-2015”, motivo por que, segundo ela, “considera-se o mandatário notificado em 26-02-2015 (terceiro dia útil posterior ao envio da notificação do acto de penhora, terminando os 10 dias para deduzir a oposição à penhora em 09-03-2015” mas “no entanto, por força do disposto no nº 5 do artº 139º do CPC, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias”, o que sucedeu.

Por despacho de 29-04-2015, foi decidido que “Pelos elementos invocados e existentes nos autos, a oposição à penhora foi deduzida tempestivamente. Por conseguinte, admito liminarmente a presente oposição. Notifique a exequente para, querendo, responder à oposição…”.

Em 12-05-2015, a exequente, dizendo não se conformar com tal decisão, veio dela interpor recurso, cujas alegações terminou com estas conclusões:

“a) O Despacho refªCitius 27858946, com a Ref.ª de Notificação 27869436, pronunciou-se o Tribunal a quo, na parte final do mesmo, pela admissibilidade da Oposição à Penhora apresentada pela Apelada
b) Violou o Tribunal a quo os artigos 615º, nº1, al.d), 228º e 230º todos do CPC, porquanto deveria ter indeferido a Oposição por extemporaneidade
c) Não há lugar à presunção de notificação no 3º dia útil posterior à data de expedição, porquanto a referida presunção mostra-se ilidida pela assinatura de receção da dita notificação, aposta no Aviso de Receção.
Pelo que, a notificação considera-se efetuada e comprovada pelo Aviso de Receção assinado.
d) a Apelada atesta ter recebido a notificação em 24/02/2015; e está nos autos junto o respetivo AR assinado nessa data.
e) os elementos relevantes para a contagem do prazo de Oposição são a data de assinatura do Aviso de Receção pela Apelada, que permite concluir que o termo do prazo de 10 dias terminaria a 06/03/2015, e o 3º dia útil após o prazo legal seria o dia 11/03/2015; A Apelada deu entrada em Juizo com a Oposição a 12/03/2015 às 22:13:08GMT; E não invocou justo impedimento.
f) O Tribunal a quo tinha nos autos a prova de receção da notificação da Apelada, à qual não faz referencia, não obstante os dois esclarecimentos do Sr. Escrivão.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a D. Decisão proferida ser revogada e determinar-se a sua substituição por Decisão que aprecie e indefira a Oposição por extemporaneidade.
Assim farão V. Exas. Justiça.”

Não houve contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

É pelas conclusões que, sem prejuízo dos poderes oficiosos, se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).

A apelante acenou com uma pretensa violação da alínea d), do nº 1, do artº 615º, do CPC – norma que, cominando uma sanção para a sentença que não observe a estatuição plasmada nos artºs 608º, nº 2, e 609º, logo dificilmente se percebe como possa ter sido violada se nenhuma nulidade foi declarada no despacho recorrido. Não aludiu a qualquer omissão ou excesso de pronúncia. Tal alusão não é, pois, uma questão.

Questão é, e única, saber se a notificação da penhora ao executado efectuada na pessoa do seu mandatário forense constituído nos autos através de carta registada com aviso de recepção, se considera feita na data em que este foi assinado ou no terceiro dia útil posterior ao do registo.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Releva a factualidade emergente do relato que antecede, documentada nos autos.

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

Feita a penhora de bens pertencentes ao executado já citado em processo de execução corrente, pode ele deduzir-lhe oposição.

Para o efeito, dispõe do prazo de 10 dias a contar da notificação do acto – artºs 784º, nº 1, e 785º, nº 1, CPC.
Quando a parte não tiver constituído mandatário, tal notificação é-lhe remetida por carta, apenas registada. Presume-se, neste caso, feita no terceiro dia útil posterior ao do registo – artº 249º. No artº 551º, do CPC, prevê-se, nos termos aí definidos, a aplicação subsidiária das disposições reguladoras do processo de declaração ao processo executivo.

Neste caso, uma vez que o processo já estava em curso e a autarquia executada tinha nele constituído mandatário forense, a notificação foi feita, como de facto era devido, na pessoa deste – artº 247º, nº 1.

As notificações aos mandatários eram, nos termos do artº 254º, nº 1, do CPC revogado, e continuam a ser – quando não utilizado ou não utilizável o sistema informático, como prevê o artº 248º do compêndio actual e regulam os artºs 25º, nº 1, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, e 13º, nºs 1 e 2, da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto O artº 13º da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto, que regulamenta diversos aspectos das acções executivas cíveis, prevê, no seu nº 1, que o agente de execução efectua todas as notificações previstas na lei preferencialmente por transmissão electrónica de dados e, no seu nº 2, que a notificação aos mandatários efectua-se por idêntica via, nos termos da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, que regula a tramitação electrónica dos processos judiciais. Ou seja: apesar da preferência pelo referido meio em todas as notificações, admite-se, implicitamente, o emprego de outros meios. Em geral, também nº 3 do artº 132º, do novo CPC, admite que a regra da tramitação electrónica admite as excepções estabelecidas na lei. Por sua vez, o artº 712º que, no nº 1 acolhe, como regra, para o processo executivo, a tramitação electrónica nos termos do artº 132º, dispõe no nº 3 que quaisquer comunicações entre os agentes de execução e outros profissionais do foro são, em regra, realizadas por meios electrónicos, de igual modo ressalvando a utilização excepcional de outros. – efectuadas por carta, apenas registada.

Em tal situação, a notificação postal presume-se feita, igualmente, no terceiro dia útil posterior ao do registo, como dispunha o nº 3, do artº 254º anterior, e dispõe o já citado artº 249º.

Não obstante, foi utilizada “carta registada com aviso de recepção”, tendo este sido assinado e aquela entregue dois dias antes do que era de presumir.

Não se está, no caso em apreço, diante de citação de pessoa singular, para cuja realização se prevê a carta registada com “AR” e cujo acto se considera consumado no dia da assinatura desse documento postal – artºs 228º e 230º –, nem se vê que este regime fosse o aplicável nas circunstâncias em causa. Na verdade, o artº 250º, apenas contempla a sua extensão às notificações nos casos aí referidos e nos demais especialmente previstos.

A utilização, no caso, do “AR” foi, portanto, irregular, até excessivo, embora um meio potencialmente mais certo, seguro e de mais eficaz verificação que o simples “registo”. Todavia, nem esse desvio formal nem a preterição do recurso ao sistema informático aqui constituem objecto de discussão.

A questão é saber qual a data a ter em conta.

Tendo a carta sido efectivamente recebida pelo mandatário, como confirmaram ele e a executada e resulta dos documentos, no dia 24-02-2015, é de considerar como termo inicial do prazo para dedução de oposição à penhora esse dia em que foi também assinado o “aviso”, como preconiza a apelante, baseando-se na aplicação do nº 1, do referido artº 230º, ou de considerar que, devendo ter sido efectivada apenas por correio registado e sendo este o regime aplicável nas notificações aos mandatários, ela apenas se presume feita no 3º dia útil posterior ao registo Se o mandatário tivesse sido notificado por transmissão electrónica de dados, o acto presumia-se consumado também no terceiro dia posterior ao da elaboração da nota (equiparável ao do registo da carta nos correios), conforme decorre do artº 248º, CPC., ou seja, 26-02-2015, e só a este dia pode atender-se?

A notificação às partes tem a função de, em quaisquer casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto e o objectivo de lhes facultar o pleno conhecimento do respectivo objecto – nºs 2 e 3, do artº 219º.

Implicando as mesmas o início de prazo para o notificado exercer os seus direitos, cuida a lei processual de definir regras para, com certeza e segurança, se fixar o termo inicial respectivo e de o tornar claro para o processo e sujeitos dele.

Tal dependendo do momento em que se realiza a notificação, a demonstração eficaz da respectiva data constitui objectivo crucial do direito processual, atentos os efeitos daquela derivados.

Nem sempre, diferentemente do que sucede com a notificação pessoal ou com “AR”, sendo fácil de provar o recebimento efectivo e a inerente compreensão plena do acto (como interessa garantir à entidade perante quem corre o processo e à parte beneficiada com o decurso dos prazos e consequente preclusão dos direitos por eles facultados à contrária) e convindo evitar os constrangimentos de vária ordem que outros meios mais incertos, como é o caso do registo postal, propiciam, o recurso às presunções legais Geralmente aceites como de reduzida controvérsia porque “inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana” (P. Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I, 4ª edição, página 312. surge como uma inevitabilidade.

O artº 350º, do CC, dispõe, no nº1, em geral, que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz e, no nº 2, que as presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário.

Sem embargo, no regime adjectivo anterior, dispunha o nº 6, do artº 254º, que as presunções neste estabelecidas – entre elas a de que a notificação por carta registada se presume feita no 3º dia útil – só podiam ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.

Beneficia-se o onerado com a prova (neste caso, da notificação) com a presunção. Salvaguarda-se ao cominado (pela notificação) o direito de afastar o facto presumido e provar o real.

Todavia, sendo as regras procedimentais de interesse e ordem pública e, por isso, indisponíveis para as partes, compreende-se que, justamente, a ilisão apenas possa ser feita e operar caso dela resulte benefício para a nisso interessada (na hipótese, falta da notificação ou sua ocorrência em data posterior à presumida) e que, portanto, tal ilisão (ou o benefício desta) fique vedada à outra já bafejada com a presunção.

Daí que, em geral, a regra civilística, confira o favor a uma parte e imponha o ónus da contraprova à outra (e a tal, logicamente, confine o campo da ilisão por considerar não fazer qualquer sentido que aquela beneficiada pudesse ainda promover qualquer prova acrescida com isso potenciando a incerteza que se quis evitar; nem que esta contraprovasse, a despeito de todas as regras e princípios relativos à prova, facto que, em vez de levar à preservação incólume do seu direito, conduziria à sua diminuição ou afastamento).

Daí também que o código anterior, prevendo mais amplo recurso às notificações por carta apenas registada mas preocupado em garantir a máxima estabilidade, segurança e operacionalidade do sistema, reservasse a iniciativa ao notificado e limitasse a ilisão às hipóteses de a notificação não ter sido efectuada ou de ter ocorrida em data posterior à presumida.

Não contemplava, portanto, a de se consumar, como neste caso sucedeu, antes, logo a de a parte contrária se aproveitar do consequente encurtamento do prazo.

Apesar de esta solução não constar expressamente prevista no código actual por este ter banido, como regra, a notificação a mandatários por carta registada, não deixa ela de continuar a afigurar-se-nos como a mais justa, razoável e equilibrada em função dos interesses em presença e a que melhor harmoniza os princípios e regras adjectivos, maxime os que interligam os da notificação e da marcha do processo.

De resto, a que brota do regime geral referido.

Aliás, no caso concreto, a contrária sancionaria uma espécie de “benefício do infractor”, uma vez que a notificação irregularmente feita pela Agente de Execução sob impulso da exequente acabaria, em circunstâncias tortuosas não imputáveis à executada, por acelerar o esgotamento do prazo para eventual oposição que a esta prejudica e àquela interessa.
Ao contrário do que defende a apelante, nem são aplicáveis os artºs 228º e 230º (por isso não violados), como preconiza, nem ocorre ilisão relevante da presunção legal, apesar de estar documentado e de a notificada ter confirmado a recepção e a assinatura da carta com AR antes da data presumida. Nem sequer se trata de uma confissão, na medida em que fruto da confusão gerada pela irregularidade praticada e, portanto, não inequívoca (artº 357º, nº 1, CC).

O apelo não merece, enfim, acolhimento, pelas razões expostas, na linha até do que, em caso similar tratado no Acórdão do STJ, de 19-01-2012, proferido no processo 86/05.1TBRSD.P1.S1, relativo a notificação por transmissão electrónica de dados lida antes da data em que se presume legalmente feita, foi entendido: “Tendo tal notificação ocorrido em data anterior àquela em que se presume efectuada, nenhum efeito se pode extrair de tal ocorrência, não podendo a contraparte invocar, para efeito de encurtamento do prazo, o recebimento ocorrido em data anterior…” e “a presunção de notificação pode ser ilidida, mas sempre para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo, pelo que a ilisão da presunção da notificação não poderá ser efectuada pelo critério da leitura da peça processual – no caso, diríamos nós, do efectivo recebimento da carta e da assinatura do “AR” indevidamente usado – não se encontrando, aliás, elencado tal desiderato no texto legal.”

Apesar de a decisão recorrida ter sido parca na sua fundamentação, o certo é que, na verdade, assim perspectivados, existem nos autos os elementos a que se arrimou e que bem a sustentam.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Guimarães, 08 de Outubro de 2015


José Amaral


Maria Dolores Sousa


Helena Melo

Sumário (artº 663º, nº 7, do CPC):

O início do prazo para dedução de oposição à penhora, notificada ao mandatário forense da executada (constituído nos autos) por carta registada e (indevidamente) com aviso de recepção, deve contar-se a partir do terceiro dia útil posterior ao do registo postal e não do dia da assinatura do “AR”.