Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
198/11.2TCGMR.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: DIVÓRCIO
ALIMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – Qualquer dos ex-cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.
2 – Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
3 - O direito a alimentos só deve ser negado ao ex-cônjuge necessitado, quando for chocante onerar o outro com a obrigação correspondente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
M… intentou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra F…, alegando encontrarem-se separados de facto desde Maio de 2008 e ter sido alvo de maus tratos por parte do réu, ao longo dos anos de casamento, comportamento esse que inviabilizou a vida comum do casal. Pede que seja decretado o divórcio, sendo o réu condenado a pagar à autora a quantia de € 9000,00 a título de compensação pelo que contribuiu excessivamente para a vida em comum entre 2005 e 2008, nos termos do artigo 1676.º n.º 2 do Código Civil, bem como a quantia de € 500,00 mensais, a título de alimentos para o sustento da autora, por impossibilidade desta o fazer e que sejam eliminados do seu nome os apelidos “F… de O…”.
Teve lugar a tentativa de conciliação, frustrada, após o que o réu contestou, por impugnação, aceitando que seja decretado o divórcio, mas opondo-se à pretensão alimentar e de compensação pecuniária.
A autora replicou para manter o já alegado.
Teve lugar a audiência preliminar, com prolação do despacho saneador e definição da matéria de facto assente e base instrutória.
Realizado o julgamento, foi proferido despacho de fixação da matéria de facto, alvo de reclamação por ambas as partes, integralmente indeferidas.
Foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte:
“Nestes termos decide-se, julgar a ação parcialmente procedente e, consequentemente:
a) Absolver o réu do pedido de indemnização por contributo excessivo para a vida comum contra si formulado;
b) Declarar dissolvido por divórcio o casamento celebrado entre a autora e o réu;
c) Fixar a data da cessação da coabitação em 13/05/2008, retroagindo os efeitos do divórcio a esta data;
d) Declarar eliminado do nome da autora, para efeitos registais, os apelidos “F… de O…”;
e) Condenar o réu no pagamento de alimentos provisórios à autora, no montante mensal de € 400,00;
f) Declarar a prestação de alimentos, no referido montante, é devida desde 11/05/2011”.

Discordando da sentença, dela interpôs recurso o réu, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida que, em síntese, condenou o Apelante “…no pagamento de alimentos provisórios à Autora, no montante mensal de €:400,00”.
2. A sentença ora recorrida peca por:
a. Não fazer correcta apreciação dos factos dados como provados;
b. Ter como provados “factos” que o não foram;
c. Apreciar erroneamente a extensão dos alimentos provisórios;
d. Estabelecer, de forma arbitrária, o quantitativo fixado a título de alimentos.
3. É arbitrário considerar que “€:200,00 é manifestamente insuficiente para a (Apelada) fazer face às despesas mensais”
4. pois, a Apelada, como lhe competia, não fez prova das suas despesas mensais
5. antes, a sentença deu provado, como Monsieur Lapallisse, que a Apelada “tem despesas mensais”.
6. Tal viola as regras da fixação dos alimentos,
7. Pois é de todo imprescindível que se conheça a necessidade de quem peticiona os alimentos por contraponto aos meios de quem os vais prestar.
Mutatis mutandis,
8. Embora não repugna aos Sr. Juiz que o Apelante necessita de €:600,00 mensais,
9. repugna que ao Apelante tal seja, de forma infundamentada, fixado.
10. A consideração de que “…a sua (da Apelada) saúde se encontra muito debilitada quer a nível físico quer a nível psicológico”
11. inexiste nos autos, como facto,
12. Pois tal frase — que foi objecto de reclamação —,
13. Só podia ter sido provada por prova pericial ou documental — ambas com
perícia ou declarações médicas —, o que, apesar de “ameaçado” nos autos, se não verificou.
14. A fixação dos alimentos no montante aludido violou, designadamente, o .º 2 do artigo 399º do CPC,
15. pois, para além de — repete-se — não se conhecer a medida da necessidade da Apelada,
16. Sempre atento o regime do citado dispositivo legal, haveria que considerar
somente o indispensável para a alimentação e vestuário,
17. Até porque, a Apelada vive em quinta de que é proprietária, rectius, coproprietária, com uma sua Irmã.
18. A sentença contém um “partie prie” que, de forma essencial, a inquina.
19. Assim, diz a fls. 19 “no entanto, temos de considerar que a presente situação de rotura do casamento resulta de actos de gravidade (e mesmo de relevo criminal) que o reú praticou sobre a pessoa da autora”.
20. tal confabulação não tem a ver com critérios legais,
21. antes anda deles arredia,
22. posto que tende, até, a “dupla punição” que,
23. até os sistemas jurídicos mais primitivos deixaram cair há muito.
24. Factos novos — supervenientes; artigo 663º do CPC — existem e relevam, devendo ser considerados pelo Tribunal da Relação.
25. Assim, factos públicos e notórios — os sucessivos aumentos de impostos, v.g. sobretaxa de 4% —
26. Que, no caso do Apelante, lhe determinará, em sede de IRS uma taxa de incidência de mais de 40% — Doc. 1 —.
27. Em sede de ImI, uma propriedade do Apelante no Laranjeiro foi avaliada dos actuais €:36.238,84 para €:65.510,00 — Doc. 2 e 3 —.
28. Pelo que, perante tal carga fiscal, o Apelante se encontra a pagar o seu IRS em prestações mensais à razão demais de €:270,00/mês — Doc. 4 —,
29. Donde, os seus rendimentos, referidos na sentença em crise, diminuíram substancialmente.
30. O Filho F… (do Apelante e da Apelada), Cadete da Escola Naval tem tido explicações de nível Universitário (Matemática) à razão de €:135,00/mês (Doc. 5 e 6).
31. O F… gasta em viagens de fim-de-semana, Lisboa-Porto-Lisboa, €:252,00/mês — Doc. 6 — que o Apelante suporta
32. e, em lentes de contacto €:72,00.
33. Não está, pois, o Apelante em condições de pagar à Apelada €:400,00/mês, ou sequer, por ventura, um terço desse montante.
34. A sentença em crise violou, designadamente, o artigos 2004º n.º 1 do CC
Pelo que, se impõe a revogação parcial da sentença proferida, com o que se fará Justiça.

A autora contra alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo.
Já neste Tribunal da Relação, o advogado da autora renunciou ao mandato e esta revogou a procuração que lhe havia outorgado, declarando que se constitui como mandatária em causa própria. Foi cumprido o artigo 39.º do CPC.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber se foi correctamente fixado o valor da prestação alimentar a pagar pelo réu à autora.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1. Autora e réu contraíram casamento a 18/05/1981. (alínea A) dos factos assentes)
2. Tal casamento foi celebrado sob o regime de separação de bens, através de convenção antenupcial que autora e réu outorgaram a 21/04/1981, no 2º Cartório Notarial de Coimbra. (alínea B) dos factos assentes)
3. Ao longo dos anos de casamento, a autora foi agredida física e psicologicamente pelo réu. (resposta ao artigo 1º da base instrutória)
4. A partir de 1995 tais agressões ocorriam com uma periodicidade média bissemanal. (resposta ao artigo 2º da base instrutória)
5. O réu dirigia à autora as seguintes expressões: “puta”, “vaca”, “burra, “só serves para abrir as pernas para ter filhos”, “não sabes nada de direito”. (resposta ao artigo 3º da base instrutória)
6. As agressões causaram diversos hematomas na autora. (resposta ao artigo 5º da base instrutória)
7. A autora via-se forçada a refugiar-se à porta fechada em qualquer uma divisão da casa. (resposta ao artigo 6º da base instrutória)
8. Com tal comportamento o réu provocava na autora sentimentos de mal-estar, angustia e sofrimento. (resposta ao artigo 8º da base instrutória)
9. Esta situação perdurou por cerca de 18 anos. (resposta ao artigo 10º da base instrutória)
10. Maus tratos estes, geradores de angústia e quebra de afetividade. (resposta ao artigo 11º da base instrutória)
11. A 1 de Março de 2007 a autora apresentou participação criminal contra o réu na G.N.R. (resposta ao artigo 12º da base instrutória)
12. Na sequência da queixa apresentada foram aplicadas ao Réu, a 13 de Maio de 2008, as medidas de coação necessárias e adequadas (…) seguintes:
- afastamento da residência da casa onde a ofendida reside, sita na Rua …, Guimarães (…);
- proibição de contactos por qualquer meio com a ofendida. (resposta ao artigo 13º da base instrutória)
13. Passando, a partir da data supra referida, a viverem cada um deles na sua casa, pondo fim à manutenção da cama, mesa e habitação até á presente data. (resposta ao artigo 14º da base instrutória)
14. Ao longo do casamento a autora nunca desenvolveu a sua carreira profissional de advogada de forma plena. (resposta ao artigo 15º da base instrutória)
15. O réu tinha a carreira profissional de oficial de Marinha, que o obrigava a embarques e outras obrigações inerentes à profissão militar. (resposta ao artigo 17º da base instrutória)
16. Em Setembro de 2005 o réu passou à situação de reserva, tendo a família transferido a sua residência do concelho de Setúbal para o concelho de Guimarães. (resposta ao artigo 20º da base instrutória)
17. Já em Guimarães o réu exerceu sobre a autora privação da liberdade de movimentos. (resposta ao artigo 21º da base instrutória)
18. Até à data referida em 12 a autora encontrava-se na completa dependência económica do réu. (resposta ao artigo 25º da base instrutória)
19. A autora encontra-se com a saúde muito debilitada quer a nível físico quer psicológico. Por isso, não está presentemente em condições de poder exercer em plenitude a sua atividade profissional. (resposta ao artigo 26º da base instrutória)
20. No momento presente e dado o afastamento temporal que a autora teve com a realidade profissional, não detém esta de momento qualquer clientela, a não ser uma avença da qual aufere € 200,00 mensais. (resposta ao artigo 27º da base instrutória)
21. Não garantindo rendimentos que lhe permitam fazer face às despesas correntes da vida quotidiana. (resposta ao artigo 28º da base instrutória)
22. A autora é auxiliada economicamente pelo filho mais velho. (resposta ao artigo 29º da base instrutória)
23. A autora tem despesas mensais com a sua subsistência em montante não
concretamente apurado. (resposta ao artigo 30º da base instrutória)
24. A autora paga quotizações à Ordem dos Advogados. (resposta ao artigo 31º da base instrutória)
25. O réu aufere uma pensão de reforma no valor mensal líquido de € 2.328,40. (resposta ao artigo 32º da base instrutória)
26. O réu tem como despesas mensais:
a) pelo menos € 287,90 em alimentação;
b) pelo menos € 140,00 em transportes;
c) pelo menos € 90,00 em vestuário;
e) € 77,82 em telecomunicações e internet;
f) cerca de € 60,00 em eletricidade;
g) pelo menos € 20,00 em água;
h) pelo menos € 160,00 de despesas com o filho F…;
i) pelo menos € 23,97 em pequenas despesas;
j) € 304,68 no pagamento de um crédito hipotecário;
k) pelo menos € 20,00 em seguros;
l) pelo menos € 250,00 no pagamento de um crédito pessoal. (resposta ao artigo 33º da base instrutória).

Passemos, agora, à análise do recurso, sendo que a única parte da sentença que vem posta em causa é a relativa à fixação de alimentos.
Na sentença sob recurso considerou-se adequado fixar em € 400,00 o montante dos alimentos provisórios que o réu prestará mensalmente à autora. Aí se considerou que a autora tem sobrevivido, desde a separação de facto do réu, graças ao auxílio económico prestado pelo filho mais velho, sendo certo que o dever legal não é deste, mas sim do seu pai – artigo 2009.º, n.º 1 do Código Civil – e que, no binómio necessidades da autora/possibilidades do réu, aquele montante se mostra adequado, tendo em conta que o réu aufere pensão de reforma no valor de € 2328,40 (de que já se encontra deduzido o valor mensal que paga pela habitação que ocupa), e tem como despesas, pelo menos, a quantia de € 1434,37, não repugnando admitir que a autora consiga assegurar a sua subsistência com a quantia mensal de € 600,00 (já incluídos os € 200,00 que recebe de avença de uma empresa para que trabalha).
O apelante insurge-se contra a fixação do montante de € 400,00 mensais a título de alimentos, entendendo que foi violado o disposto no artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil, que estabelece que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”, uma vez que considera que não foram quantificadas as necessidades da autora e que foram dados como provados factos que o não poderiam ter sido.
Comecemos por dizer que o apelante, discordando do facto provado sob o n.º 19 (que resulta da resposta de “provado” ao quesito 26.º), não cumpre os requisitos decorrentes do disposto nos artigos 712.º, n.ºs 1 e 2 e 685.º-B, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil para que seja admitida a impugnação da decisão relativa à matéria de facto. A prova foi gravada e, apesar de o apelante indicar este concreto ponto de facto como incorrectamente julgado, não especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1 do artigo 685.º-B do CPC), o que, só por si, implica a imediata rejeição de tal impugnação – corpo do n.º 1 do mesmo artigo.
O facto em causa, com a seguinte redacção: “A autora encontra-se com a saúde muito debilitada quer a nível físico quer psicológico. Por isso, não está presentemente em condições de poder exercer em plenitude a sua actividade profissional” foi considerado provado com base no depoimento da testemunha Dra. M…, médica, casada com o filho mais velho da autora e réu, podendo ler-se no despacho de fundamentação: “teve um depoimento que se afigurou muito sério isento e credível…declarou que ainda hoje a sogra se encontra muito afectada psicologicamente em virtude dos continuados maus-tratos de que foi vítima, necessitando de medicação adequada…e que estava completamente dependente do marido em termos económicos, vivendo fechada em casa sem qualquer autonomia…desagradava ao réu que a autora se deslocasse ao escritório de advocacia no Porto, fazendo por o impedir, sendo esta actividade da autora extremamente irregular e dela não lhe adviria qualquer quantia pecuniária de relevo…”.
Daí que, independentemente de ser de rejeitar a impugnação da matéria de facto por não cumprimento dos requisitos legais para a mesma, sempre se dirá que o Sr. Juiz fundamentou devidamente a sua convicção quanto a este facto e que é errado afirmar-se, como diz o apelante, que tal facto só poderia ser provado por perícia médica. A debilidade física e psicológica como resultado de uma vida de maus-tratos, é algo que pode ser presenciado e testemunhado por quem convive com a pessoa em causa e, tanto mais como, no caso concreto, a testemunha é até médica e casada com um médico.
Por outro lado, insurge-se o apelante quanto ao facto de se ter considerado na sentença recorrida que, pese embora não tenha sido possível apurar o montante concreto das despesas da autora, será de admitir que a mesma fará face à sua subsistência com € 600,00 mensais.
Vejamos.
O artigo 2016.º, n.º 2 do Código Civil prevê o direito a alimentos em caso de divórcio e separação judicial de pessoas e bens, conferindo a qualquer um dos ex-cônjuges, o direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio. O n.º 3 deste artigo introduziu a possibilidade de, por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos ser negado, observando-se, necessariamente, critérios de justiça e igualdade no reconhecimento do direito a alimentos. “O legislador permite ao juiz aplicar a norma (atribuição do direito a alimentos) com equidade, ou seja, temperar o seu rigor naqueles casos em que a sua aplicação imediata conduziria ao sacrifício manifesto de interesses individuais do outro ex-cônjuge que não pôde explicitamente antever e proteger com a atribuição do direito a alimentos” – cfr. Tomé d’Almeida Ramião, in “O Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Atual”, 3.ª edição revista e aumentada, Quid Júris, Sociedade Editora, pág. 92. Trata-se de casos especiais em que o direito a alimentos deve ser negado ao ex-cônjuge necessitado, por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente (conforme consta da exposição de motivos da Lei n.º 61/2008, de 31/10, no seu n.º 6).
No caso dos autos, enquanto a autora foi impedida de exercer a sua profissão ao longo dos anos de casamento, não auferindo, por isso mesmo, qualquer rendimento relevante, o réu dispõe de uma boa pensão de reforma que, apesar de onerada com várias despesas, lhe permite, ainda, dispensar parte da mesma para cumprir a sua obrigação alimentar para com a autora, não se revelando chocante onerá-lo com tal obrigação (veja-se, aliás, que é o filho mais velho que a vem cumprindo, providenciando pelo sustento da mãe, em contrário da ordem de vinculação à prestação de alimentos estipulada pelo artigo 2009.º, n.º 1 do Código Civil).
Nos termos do n.º 1 do artigo 2016.º-A do Código Civil, deve o tribunal tomar em conta, na determinação do montante dos alimentos, a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre a necessidade do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
Conforme decorre da sentença sob recurso, todos estes itens foram considerados no percurso decisório, nada havendo a apontar ao mesmo.
Deve atender-se a que, por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, nos termos do artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil, obedecendo a medida dos alimentos aos critérios fixados no n.º 2 deste artigo e reafirmados no artigo 2016.º-A, ou seja, a necessidade do alimentando, a possibilidade do alimentante e a capacidade/possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Ora, pese embora, não tenha sido possível apurar o montante exacto que a autora necessita para o seu sustento, habitação e vestuário (sabendo-se apenas que vive em casa de que é comproprietária com uma irmã), resulta das regras de experiência comum e dos restantes factos provados que, se o montante fixado pelo tribunal, de € 600,00 peca, é por defeito, considerando as necessidades correntes de alimentação, vestuário, água, electricidade, transportes e outras pequenas despesas associadas ao dia a dia.
O tribunal foi também criterioso na fixação das possibilidades do réu, tendo até considerado as dificuldades acrescidas dos pensionistas no actual quadro político-económico.
Quanto à questão da gravidade dos actos praticados pelo réu e que conduziram à rutura do casamento, aflorada na sentença, deve dizer-se que, de forma alguma resulta da mesma que essa circunstância tenha sido determinante para a fixação do quantum alimentar devido pelo réu à autora, como se refere nas alegações de recurso. A este propósito, é o próprio juiz que afirma “Estando vedada a formulação de um juízo de culpa para a ocorrência do divórcio, o mínimo que poderá dizer-se, no entanto, é que nem um único facto foi apontado pelo réu à autora para justificar a rutura definitiva a que chegou o casamento entre ambos. Consequentemente, nada repugna, antes se impõe exigir do réu o cumprimento do seu dever ético e legal de prestação de alimentos (ainda que em montante reduzido) àquela que durante 27 anos foi sua esposa e é mãe de seus filhos” – com o que concordamos inteiramente.
Finalmente, coloca o apelante a questão dos factos supervenientes – ao abrigo do disposto no artigo 663.º do CPC -, afirmando que é facto notório que os impostos, nos últimos tempos, têm aumentado, consecutiva e exponencialmente e que, para além destes, tem que suportar mais despesas com seu filho F…, com explicações de matemática, lentes de contacto e viagens para passar o fim-de-semana com o pai. Junta, para o efeito, documentos relativos a liquidação de IRS e de IMI e relativos ao pagamento das referidas despesas.
Em primeiro lugar deve dizer-se que o artigo 663.º do CPC não tem aplicação no caso que nos ocupa, uma vez que o mesmo disciplina a atendibilidade na sentença dos factos que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. Não releva, portanto, para efeito de recurso.
Em segundo lugar, e relativamente à junção de documentos de suporte dos invocados factos supervenientes, há que dizer o seguinte:
Dispõe o artigo 693.º-B do Código de Processo Civil que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º»
Os documentos visam demonstrar certos factos antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica, motivo pelo qual a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância e com os articulados.
Em sede de recurso, como resulta do artigo citado, em conjugação com o artigo 524.º do CPC, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou quando a sua apresentação apenas se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância.
Em face da redacção dos citados artigos parece não haver duvidas que deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado – cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 27/06/2000, in CJ/STJ, ano VIII, tomo II, pág. 131 e de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, pág. 103.
O apelante podia ter junto liquidações de impostos referentes a anos anteriores, se desejava provar o seu pagamento, sendo certo que os mesmos são variáveis de ano para ano (IRS) de acordo com os rendimentos auferidos e, relativamente ao IMI, a sentença previu já a possibilidade de as despesas do réu poderem ascender a valor superior ao provado, “uma vez que existem constantemente despesas extra não previstas e que há valores que oscilam mensalmente”.
Também os documentos relativos a pagamento de explicações e viagens do filho do réu, poderiam ter sido juntos anteriormente, uma vez que se destinam a fazer prova de despesas do réu – questão que era central na fixação de alimentos – e, certamente, existiam já aquando da instrução da acção. Veja-se que o réu alegou como despesa – artigo 41.º, alínea h) da contestação – o montante gasto com deslocações do filho F… e que alguns pagamentos de explicações se reportam a datas anteriores à sentença.
Ora, conforme se pode ler no Acórdão do STJ de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, pág. 106: «Não é lícito juntar, com as alegações de recurso de apelação, documento relativo a factos articulados e de que a parte podia dispor antes do encerramento da causa na 1.ª instância. Na verdade, o artigo 706.º do CPC (com a mesma redacção, no que a este particular interessa, do artigo 693.º-B actual), ao admitir a junção só tornada necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 10; Antunes Varela, R.L.J. 115-94)».
Revestindo a junção de documentos na fase de recurso carácter excepcional, só deve ser admitida nos casos especiais previstos na lei, o que não acontece no caso presente, não se admitindo, assim, a junção daqueles documentos.
Finalmente, em terceiro lugar, deve ainda dizer-se que se, depois de fixados os alimentos, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos – artigo 2012.º do Código Civil – sendo que tal alteração terá que ocorrer pelos meios previstos processualmente e em 1.ª instância.

De tudo o que fica dito, resulta, assim, a improcedência das conclusões da alegação do apelante, com a confirmação da sentença recorrida.

Sumário:
1 – Qualquer dos ex-cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.
2 – Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
3 - O direito a alimentos só deve ser negado ao ex-cônjuge necessitado, quando for chocante onerar o outro com a obrigação correspondente.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
***
Guimarães, 5 de Fevereiro de 2013
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria da Purificação Carvalho