Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
294/14.4T8VNG.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
INTERNET
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: Não deve ser considerado como “explorador” de jogos, para efeitos do estatuído no artº 108º, nº 1 do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, aquele que permite que terceiros acedam à internet, para jogarem “online” jogos de fortuna e azar, mesmo que cobre dinheiro pelo acesso dos jogadores à internet.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Na Comarca de Vila Real (Vila Pouca de Aguiar – Inst. Local – S. Comp. Gen. – J1), em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc.nº 70/12.9EAMDL), foi proferida sentença que decidiu (transcreve-se):
- Condenar a arguida Ana C., pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº1, do DL nº422/89, de 2 de Dezembro, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa e na pena de 80 dias de multa.
- Operando o cúmulo vai a arguida Ana C., condenada na pena única de 260 dias de multa, à taxa diária de € 8,50 (oito euros e cinquenta cêntimos), perfazendo um total de € 2.210,00 (dois mil, duzentos e dez euros).
- Condenar o arguido Jorge A., pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº1, do DL nº422/89, de 2 de Dezembro, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa e na pena de 60 dias de multa.
- Operando o cúmulo, pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº1, do DL nº422/89, de 2 de Dezembro, vai o arguido Jorge A. condenado na pena de 180 dias de multa.
- Condenar o arguido Jorge A. pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 2º, nº1, al. m) e av), 3º, nº2, al. f), e 86º, nº1, al. d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, Lei nº5/2006, de 23.02, alterada pela Lei nº59/2007, de 4.09, Lei nº17/2009, de 6.05, Lei nº26/2010, de 30.08, e Lei nº12/2011, de 27.04, na pena de 100 dias de multa.
- Em cúmulo jurídico, condenar o arguido Jorge A. na pena única global de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00, perfazendo um total de € 1.610,00 (mil seiscentos e dez euros).
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O arguido Jorge A. e a arguida Ana C. interpuseram recurso desta sentença.
O arguido Jorge A.
- impugna a decisão sobre a matéria de facto, visando, alterada esta, a sua absolvição pelo crime de exploração de jogo ilícito; e
- invoca a violação do princípio in dúbio pro reo.
A arguida Ana C. argui:
- a existência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova – art. 410 nº 2 als. a) e c) do CPP; e
- a nulidade da sentença por se apoiar em prova de valoração proibida.
- subsidiariamente, a pena de multa deverá ser substituída por admoestação.
Respondendo, a magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido dos arguidos serem absolvidos da prática do crime de exploração de jogo ilícito
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
1º - O arguido Jorge explora, gere e dirige o estabelecimento de bebidas denominado “Café C.”, sito no Largo do C., P…, o que faz com vista ao lucro.
2º - No dia 16 de Outubro de 2012, pelas 11h20, nesse estabelecimento de bebidas, o arguido tinha à vista e acessível a qualquer utente do mesmo, uma máquina tipo quiosque de internet, na qual era visível em desktop a aplicação “Pokerstars”.
3º - Tal máquina ali fora colocada pela arguida, enquanto gerente da empresa denominada “D… , sita em C…, Ana C., com a anuência do arguido Jorge, acordando ambos que, no final de cada mês, dividiriam entre si – metade para cada um – o apuro que a utilização da mesma proporcionasse.
4º - O arguido Jorge adquiriu a máquina, quiosque de internet com jogo de poker e possibilitou a colocação da mesma no seu estabelecimento para que os jogos pudessem ser levados a cabo pelos utentes do mesmo que nisso estivessem interessados, visando assim obter rendimento com o desenvolvimento dos jogos.
5º - Com o mesmo fito, agiu a arguida Ana C. quanto à colocação da máquina no referido estabelecimento comercial.
6º - A máquina em causa é constituída por um móvel de estrutura em metal e madeira e tem um monitor TFT.
7º - Abaixo do monitor está uma prateleira que suporta um teclado de computador, uns auscultadores, um rato e várias portas USB.
8º - Ao lado está um mecanismo de introdução de moedas e o cofre respectivo.
9º - Da análise da máquina extrai-se que:
- A aplicação “Kiosk” é responsável por toda a máquina e arranca por defeito quando a máquina é ligada;
- A “pokerstars” é um site de jogos de poker online;
- Nele estão disponíveis jogos à Real Money (dinheiro real) e Play Money (dinheiro fictício), em diversas modalidades de poker como Texas Hold’em, Omaha, Stud, Razz, Horse, Five-card-draw, Seven Car Stud, entre outras;
- Para jogar online é necessário instalar um software específico, quer para a Pokerstar, quer para a PKR, sendo que ambas as aplicações foram executadas e constam do menu principal do “Kiosk”.
10º - Este material de jogo fora adquirido pelo arguido Jorge em data não concretamente apurada, porém situada antes do dia 16 de Outubro de 2012 à arguida Ana C..
11º - Os jogos de poker que estavam acessíveis na referida máquina apenas são autorizados nos casino e para os quais existem regras de execução.
12º - Na execução dos propósitos referidos em e , foram os jogos, até ao dia 16 de Outubro de 2012, data em que foram apreendidos, levados a cabo por vários utentes do estabelecimento comercial que nisso mostraram interesse, os quais pagaram o preço e manejaram a máquina, desenvolvendo o jogo de poker.
13º - Os arguidos, contudo, levaram a cabo as suas condutas carecendo de autorização para o efeito.
14º - Além do mais, o arguido Jorge detinha no referido estabelecimento de bebidas, ao lado da caixa registadora, uma faca de borboleta, bem sabendo que a posse de tal arma era proibida.
15º - Conheciam o arguido Jorge e arguida Ana C.os jogos em causa, nomeadamente o material que os compunha e o modo como se desenvolviam, ou seja, o jogo de poker desenvolvido pela máquina electrónica.
16º - E sabiam que, atentas as suas características, não os podiam levar a cabo no estabelecimento comercial sem autorização.
17º - Os equipamentos acima descritos servem para a prática de jogos de fortuna ou azar, na medida em que, em todos eles, o jogador aposta uma determinada quantia monetária tendo em vista ganhar um determinado prémio, sendo certo que a contingência do resultado depende única e exclusivamente da sorte.
18º - Os arguidos actuaram sempre em conjugação de esforços e intentos, mediante acordo prévio, com conhecimento pleno das características dos jogos, pois sabiam que os aludidos jogos atribuíam prémios e que para os conseguir, o jogador dependia única e exclusivamente da sorte.
19º - Sabiam também que este tipo de jogos só podiam ser explorados em locais próprios e devidamente autorizados para o efeito.
20º - Os referidos jogos eram explorados pelos dois arguidos em regime de comissão de 50% para o arguido Jorge e 50% para a arguida Ana C..
21º - Agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo proibidas as suas condutas.
22º - Fizeram-no, quanto à máquina quiosque de internet, mancomunados, pondo ambos em prática plano que lhes era comum.
23º - O arguido Jorge agiu de forma livre, voluntária e consciente quanto à detenção da faca borboleta, referida em 14º, uma vez que, não obstante bem saber que não podia deter tal arma, o mesmo, ainda assim, tinha-a na sua posse, o que pretendia e fez.
Mais se apurou:
a) Quanto ao arguido Jorge:
24º - É comerciante e explora o estabelecimento referido em .
25º - Aufere mensalmente, pelo menos, quantia cifrada entre € 600,00 e € 700,00.
26º - É proprietário da loja onde funciona o estabelecimento referido em .
27º - Reside com a esposa e enteado, este com 11 anos de idade.
28º - A esposa do arguido explora um minimercado, auferindo mensalmente, pelo menos, a quantia de € 400,00.
29º - Reside em casa arrendada, despendendo mensalmente a quantia de € 300,00 a título de renda.
30º - Despende mensalmente quantia não concretamente apurada em consumos básicos de água, electricidade e gás, mas cifrada entre € 80,00 e € 100,00.
31º - É proprietário de um veículo de marca “…”, modelo “…”, do ano de 2010, despendendo mensalmente a quantia de € 326,00 para a respectiva amortização.
32º - Tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade.
33º - Não tem antecedentes criminais.
b) Quanto à arguida Ana C.:
34º - É empresária no ramo das Diversões.
35º - Aufere mensalmente, pelo menos, quantia cifrada entre € 800,00 e € 900,00.
36º - Reside com o marido e filhos, estes menores, respectivamente, com 2 e 11 anos.
37º - O marido da arguida é agente da PSP, auferindo mensalmente a quantia de € 1.200,00.
38º - Reside em casa própria, pagando mensalmente a quantia de € 400,00 a título de amortização do crédito contraído para a respectiva aquisição.
39º - É proprietária de dois veículos, respectivamente da marca “…” e “…”.
40º - A sociedade da arguida é ainda proprietária de dois veículos da marca “…”.
41º - Despende mensalmente quantia não concretamente apurada em consumos de água, electricidade e gás, mas cifrada em, pelo menos, € 150,00.
42º - Tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.
43º - Não tem antecedentes criminais.

Considerou-se não provado que:
A actividade referida em corresponde à única fonte de rendimento do agregado família do arguido Jorge.
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Transcreve-se igualmente a motivação da decisão sobre a matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente aos factos que considerou provados fundou-se na apreciação livre e crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Com efeito, a convicção do Tribunal é sempre formada, para além dos dados objectivos obtidos através dos documentos ou outras provas constituídas/produzidas de carácter técnico/científico, também por declarações e depoimentos em função das razões de ciência, das certezas e ainda das suas lacunas, contradições, im/parcialidades, coincidências, coerências e quaisquer mais in/verosimilhanças que transpareçam em audiência.
Não obstante, a livre apreciação não significa uma apreciação arbitrária porquanto tem como pressupostos valorativos, o respeito pelos critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Assim, no caso dos autos, temos que os arguidos optaram por prestar declarações, optando por negar a prática dos factos.
Com efeito, no que respeita aos factos imputados ao arguido Jorge, o mesmo declarou ao tribunal desconhecer que a máquina que mantinha no seu estabelecimento, e que lhe fora fornecida pela arguida Ana Carla, desenvolvesse qualquer tipo de jogos, acrescentando não ter visto o atalho relativo à “Pokerstars”.
Acrescentou que a dita máquina era utilizada sobretudo por emigrantes a fim de acederem à internet e, designadamente, às redes sociais ou e-mail.
Já no tocante à faca borboleta que também lhe foi apreendida, o arguido invocou que já não se lembrava da mesma, pois que a mesma tinha ali ficado esquecida há cerca de 2 ou 3 meses.
Por sua vez, a arguida Ana C., a quem é imputado apenas o crime de exploração ilícita de jogo, confirmou o fornecimento da máquina em causa, mas não admitiu que a mesma desenvolvesse qualquer jogo de natureza ilícita.
Todavia, as declarações em apreço, pelo menos no que tange ao crime de exploração ilícita de jogo, foram frontalmente contrariadas por prova cabal e credível, além de que desconformes às regras da normalidade e da experiência comum.
Com efeito, e grosso modo, alegaram os arguidos que a máquina em causa servia apenas para se aceder à internet.
Todavia, realizados os exame periciais à máquina em causa, e compulsados os respectivos relatórios (cf. fls. 124-126 e 337-337verso), verifica-se que a mesma estava apta a desenvolver jogos de fortuna ou azar online, nomeadamente o jogo de póquer nas suas várias modalidades.
Ouvida em audiência de julgamento, a Sra. Perita responsável pelas perícias, Marisa C., foi peremptória, segura e assertiva em afirmar que a máquina em referência continha instaladas duas aplicações responsáveis por jogos de fortuna e azar on line (PokerStars e PKR).
Mais afirmou que, como computador que é, esta máquina era efectivamente e em abstracto susceptível de, através dela, se aceder à internet e de funcionar como normal computador.
Todavia, afirmou a Senhora Perita que foram detectados registos de execução em ambas as aplicações, tendo-se constatado, igualmente, que ambas estão presentes no menu principal do “kiosk”.
Finalmente, em resultado da segunda perícia efectuada, concluiu a Senhora Perita no relatório, que em conformidade elaborou, que a instalação de todo e qualquer software, incluindo o referente aos jogos “PokerStars” e “PKR”, está vedada ao utilizador normal da máquina, encontrando-se limitado ao administrador do sistema.
Ora, face ao depoimento claro, isento, imparcial e muito fundamentado desta testemunha, conjugado com o teor dos relatórios periciais que a mesma, de modo proficiente e exaustivo, logrou elaborar, conclui o Tribunal que o computador foi utilizado para a prática de jogos de fortuna ou azar, sendo certo que as aplicações responsáveis pela execução do jogo on line foram instaladas pelo próprio administrador do sistema.
Assim sendo, e apelando às regras da experiência e da normalidade do acontecer, não tem o tribunal quaisquer dúvidas de que a responsabilidade pela administração da máquina cabia à arguida Ana C., pois que para além de proprietária e fornecedora da máquina, era também quem tinha a responsabilidade, designadamente através dos seus funcionários, de proceder à instalação de todos os elementos necessários ao seu funcionamento e, bem assim, de acautelar a respectiva manutenção.
Por outro lado, também não temos quaisquer dúvidas de que o arguido Jorge tinha conhecimento do tipo de jogos que eram executados pela dita máquina, tanto mais que a mesma ali esteve, nas suas palavras, desde meados de Fevereiro ou Março de 2012 e, tanto mais, porquanto as aplicações aqui em causa se encontravam visíveis no próprio “ambiente de trabalho” (cf. fls. 337).
Deste modo, explorando como efectivamente explorava o estabelecimento comercial em causa, é entendimento do tribunal que o arguido não tinha como desconhecer as potencialidades da máquina em causa, tanto mais que as aplicações geradoras de jogos ilegais nem sequer estavam ocultas.
Além do mais, é do conhecimento generalizado e arreigado da comunidade, que a exploração de jogos como os que aqui estão em causa é considerada crime, apenas podendo ser executados em locais devidamente autorizados, como definitivamente o estabelecimento comercial do arguido não o era.
Ademais, saliente-se ainda que, no caso, temos por inequívoco, conforme já referido e com base nos relatórios periciais (cujo teor não oferece dúvidas), que os ditos jogos foram efectivamente executados e sendo ainda certo que, para o fazerem, os jogadores careciam de, pelo menos, e no mínimo, introduzir moedas no moedeiro da máquina, cujo lucro revertia em exclusivo para os arguidos, mediante proporção entre os mesmos acertada.
Isto posto, e face à proficiência dos elementos de prova acima assinalados, o tribunal valorou os depoimentos do Srs. Inspectores da ASAE, Luís F. e Gil C., na parte relativa à confirmação das apreensões efectuadas, sendo certo que, a contrario, o tribunal não atribuiu, nesta parte, relevância aos depoimentos das testemunhas apresentadas pelas contestações, cujos relatos não tiveram o condão de infirmar a demais prova acima explanada.
Ademais, e concretamente também no que tange à faca apreendida, foi particularmente relevante o depoimento prestado pelos aludidos inspectores da ASAE, os quais confirmaram, quer no auto que elaboraram, quer em julgamento, que a faca apreendida se encontrava junto à caixa registadora, e não guardada, como chegou a aventar a esposa do arguido Jorge, a testemunha Diana P..
Ora, no caso, é também do pleno conhecimento comunitário que facas da natureza da que foi apreendida nos autos tem, pelas suas características intrínsecas, natureza ilegal, nada havendo que leve a concluir que o arguido desconhecesse tal circunstância.
Sem prejuízo, o tribunal valorou ainda os diversos elementos documentais juntos aos autos, cujo teor saiu incólume em sede de audiência de julgamento, designadamente o auto de notícia de fls. 3-6, o auto de apreensão de fls. 10-13, a reportagem fotográfica de fls. 17-19, o auto de exame directo de fls. 38, os quais melhor permitiram circunstanciar o sucedido no tempo e lugar e, bem assim, melhor perceber as características dos objectos apreendidos.
Já no que tange à situação pessoal e sócio-económica dos arguidos, o tribunal baseou-se nos respectivos esclarecimentos, relativamente aos quais não se vislumbram razões para neles não fazer fé.
Finalmente, foi tido com consideração o teor dos CRC de fls. 163-164.
Por sua vez, no que concerne à factualidade dada como não provada, entende o tribunal que não se produziu prova cabal em sede de audiência de julgamento que a confirmasse.
Com efeito, no tocante ao ponto i), temos que o próprio arguido Jorge esclareceu que a sua esposa desenvolve actividade profissional, no que se revelou sincero, logrando o convencimento do tribunal.

FUNDAMENTAÇÃO
O sr procurador geral adjunto no seu parecer suscita a questão prévia de saber se os factos provados, mesmo mantendo-se inalterados, integram a autoria pelos arguidos do crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelo art. 108 nºs 1 do Dec.-Lei 422/89 de 2-12, pelo qual foram condenados
Dispõe este nº 1 que “quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias”.
E o nº 2 que “será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, diretores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora”.
Vejamos então.
Não se suscitam dúvidas de que os jogos referidos no ponto nº 9 dos factos provados são de «fortuna e azar».
A questão está em saber se, perante os factos provados, é possível afirmar que os arguidos os “exploravam”.
“Explora” um jogo quem recebe as apostas e paga os prémios. Por outras palavras, quem aufere os lucros, ou participa na partilha dos lucros resultantes das apostas dos jogadores – os lucros corresponderão à diferença entre o valor global cobrado pelas apostas e o valor global dos prémios pagos. É este o âmbito de proteção da norma do art. 108 nºs 1 do Dec.-Lei 422/89.
Nestes autos está em causa a prática dos chamados jogos “online”, via internet.
Como refere o sr. procurador geral adjunto “dos factos provados emerge que o equipamento apreendido poderia permitir aos jogadores aceder ao site “Pokerstars” que aloja vários jogos de “Poker” “online”, revelando-se o mesmo como acesso à “internet”, acesso pelo qual, aparentemente, os utilizadores remuneravam os arguidos mediante a introdução de moedas, em função do tempo de acesso à “internet” utilizado”.
Pois bem, permitir que terceiros acedam à internet, para jogarem “online” jogos de fortuna e azar, não transforma, quem permite tal acesso, em “explorador” desses jogos. Mesmo que cobre dinheiro pelo acesso dos jogadores à internet.
É certo que dos factos provados consta que os arguidos visavam obter “rendimentos” com o desenvolvimento dos jogos. (cf. factos provados nºs 4 e 5). Mas é uma redação meramente conclusiva, que, em abstrato, tanto pode referir-se os rendimentos proporcionados pela “exploração” do jogo (no sentido acima indicado), como apenas às quantias monetárias cobradas aos jogadores pela utilização da máquina para acederem à internet. A redação do facto nº 3 aponta neste último sentido ao considerar-se provado que os arguidos dividiriam entre si “o apuro que a utilização da máquina proporcionasse” (não os “lucros” resultantes da exploração dos jogos).
(no mesmo sentido o facto nº 4: “O arguido Jorge adquiriu a máquina (…) para que os jogos pudessem ser levados a cabo pelos utentes do mesmo que nisso estivessem interessados …”)
Como quer que seja, em nenhum facto da sentença (e antes da acusação) se configura, de forma inequívoca, o comportamento dos arguidos como sendo de “exploração” dos jogos “online” (com o sentido acima indicado). Como se sabe “é imperativo que a acusação e a pronúncia (e depois a sentença) contenham a descrição, de forma clara e inequívoca, de todos os factos de que o arguido é acusado, sem imprecisões ou referências vagas”. As “exigências de clareza e narração sintética dos factos imputados ao arguido” não são compatíveis com “uma mera «simplificação» da acusação…”, não sendo possível uma condenação assente em “factos apenas indireta e implicitamente referidos”. Outro entendimento violaria os princípios do acusatório e do contraditório – ponto nº 67 da fundamentação do ac. 674/99 do Tribunal Constitucional de 15-12-99, disponível no sítio da internet daquele tribunal.
Finalmente:
Como refere o sr. procurador geral adjunto, já no decurso do corrente ano, foi publicado o Dec.-Lei 66/2015, o qual, naturalmente, não se aplica ao caso destes autos, dado o princípio da irretroatividade das leis penais. Relevante, no entanto, é o reconhecimento pelo próprio legislador, manifestado na exposição de motivos, da inexistência de regulamentação para os jogos “online”. Transcreve-se: “desde a aprovação do mencionado Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, a exploração e a prática desta atividade sofreram grandes alterações, sendo que o quadro normativo que atualmente a rege não acompanhou essa evolução. Para além da própria evolução tecnológica dos sistemas e equipamentos de jogo, surgiu igualmente uma nova realidade não abrangida por aquela regulamentação, que assumiu, nos últimos anos, uma relevância crescente e incontornável - o jogo online.
Têm, pois, os arguidos de ser absolvidos da prática do crime de exploração ilícita de jogo.
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Não vem questionada a condenação do arguido Jorge A. pela prática do crime de detenção de arma proibida, nem a pena fixada para este crime.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães concedendo provimento aos recursos absolvem os arguidos Ana C. e Jorge A. do crime de exploração ilícita de jogo.
Mantém-se a condenação do arguido Jorge A. pelo crime de detenção de arma proibida, na pena parcelar fixada na sentença recorrida.
Ordena-se a restituição dos bens apreendidos cuja declaração de perdimento foi consequência da condenação em primeira instância pelo crime de exploração ilícita de jogo.
Sem custas nesta instância.