Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7871/10.0TBBRG-A.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
CONTA CORRENTE
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – No anterior Código de Processo Civil, vigente à data em que a execução foi instaurada, o contrato de abertura de crédito em conta corrente, desacompanhado de outros elementos, nomeadamente do extracto da conta corrente a ele associada, não constituía título executivo, por não satisfazer as exigências da al. c) do nº 1 do art.º 46, visto que o montante da obrigação exequenda não era determinável apenas com base nas suas cláusulas.

II - Não supre a falta de título a apresentação posterior, em sede de embargos, do extracto bancário da conta corrente

III - O Tribunal “a quo” não omitiu o dever de providenciar pela sanação da falta de requisitos da acção executiva, por não ter convidado a exequente a juntar os extractos bancários comprovativos dos montantes em dívida pelo executado, pois que tal dever não existia na data em que a execução foi instaurada (2010), por não estar ainda em vigor o actual CPC e, no anterior, então vigente, após a revogação do art.º 811º B, pelo Dec. Lei 38/2003 de 8 de Março, não existir norma equivalente à do actual nº 4 do art.º 726 do NCPC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

Opondo-se à execução para pagamento de quantia certa que lhe move A - Serviços de Tratamento e Aquisição de Dívidas, S.A., o executado Manuel invocou a inexistência de título executivo, pugnando pela consequente extinção da execução.
Notificada, a embargada contestou, afirmando ter título suficiente.
No saneador conheceu-se do mérito dos embargos, proferindo-se sentença que os julgou procedentes e extinta a execução.
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Inconformada, a embargada interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«A) O documento apresentado à execução titula um contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, através do qual a Recorrente concedeu um crédito ao Recorrido, através do qual este se obrigou a reembolsar a Recorrente da verba mutuada e efectivamente disponibilizada, mediante o pagamento de prestações mensais determinadas no contrato;
B) O contrato de abertura de crédito em conta-corrente constitui um documento particular assinado pelo Recorrido, constitutivo de uma obrigação por parte daquele, de restituição da quantia financiada/mutuada nos moldes acordados, a qual é aritmeticamente determinável;
C) Não obstante, interpelado para efectuar o pagamento das prestações em dívida, o Recorrido não pagou as mesmas e, em consequência, incumprira definitivamente as condições de reembolso e o respectivo contrato, o que implicou o vencimento imediato de todas as prestações em dívida, nos termos do artigo 781º do Código Civil;
D) O Recorrido assumiu a obrigação do pagamento dessa quantia pecuniária mutuada, ainda que diluída num dado período temporal, mediante a aposição da sua assinatura no contrato, aceitando, assim, as condições particulares e gerais, aliás conforme declarado expressamente no contrato;
E) Pelo requerimento pretende-se obter o pagamento da quantia em dívida, atinente ao reembolso do crédito concedido. Tal reembolso constitui obrigação assumida expressa e pessoalmente pelo devedor no contrato que titula a execução;
F) A propositura de uma acção executiva implica que o pretenso Exequente disponha de título executivo, por um lado, e que a obrigação exequenda seja certa, líquida e exigível, por outro;
G) Do contrato de abertura de crédito, combinado com o extrato de conta corrente apresentado pela Recorrente, resulta a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda;
I) Assim, para além do contrato de abertura de crédito que foi junto com o requerimento executivo, a Recorrente em sede de contestação, juntou um extrato de conta corrente que se encontra associado ao aludido contrato;
J) Se assim é, a Recorrente nos presentes autos vem demonstrar a efectiva disponibilização e utilização do crédito, consequente surgimento da obrigação de restituir em conformidade com o ajustado, juntando extrato de conta de movimentação donde tal resulte cabalmente, mesmo que só o tenha feito em sede de contestação;
K) O douto Tribunal em momento algum proferiu despacho de aperfeiçoamento no sentido de convidar a Exequente a juntar aos autos o referido extrato de conta, como era sua obrigação nos termos do artigo 726º nº 4 do CPC;
L) Ora, se tal convite não veio a ser feito à Exequente na fase introdutória da execução, por forma a conferir a possibilidade de a mesmo vir efetuar a prova complementar do título, não pode o douto Tribunal, em sede de sentença vir alegar que a Exequente carece de título executivo, uma vez que somente apresentou o referido extrato em sede de contestação.
M) Não foi dada à Exequente a possibilidade de aperfeiçoar a sua petição, como deveria ter ocorrido, ao abrigo do princípio da adequação formal previsto no artigo 547º do CPC e nos termos do artigo 726º do CPC;
N) Pelo que, andou mal o douto Tribunal a quo quando julgou que a Exequente carece de título executivo visto que o extrato de conta somente foi junto com a contestação, porquanto a Recorrente viu-se coarctada de o fazer em momento anterior e, por conseguinte, deve-se entender que, com o contrato de abertura de crédito em conta corrente, combinado com o mencionado extrato, resulta a efetiva utilização do crédito concedido ao Recorrido e, por essa via, a constituição da obrigação na sua esfera jurídica de restituir tal valor à Recorrente;
O) Do exposto resulta que o Tribunal a quo efectuou uma errada interpretação do Direito por si invocado, violando o disposto nos artigos 547º e 726º ambos do C.P.C.
P) Mais, analisando os documentos juntos aos autos pela Recorrente, resulta evidente a correlação entre o extrato de conta corrente e o contrato de abertura de crédito e, por conseguinte, resulta a efetiva utilização do crédito concedido ao Recorrido e a constituição do mesmo restituir o referido valor;
Q) Assim, cumprindo o contrato de concessão de crédito apresentado à execução os três requisitos legais para valer enquanto título executivo nos termos do artigo 46 nº1 c) do CPC: assinatura do devedor, reconhecimento de uma obrigação pecuniária, aritmeticamente determinável, não pode concluir-se pela falta de título executivo na execução subjacente aos presentes autos;
R) Em suma, o contrato “sub judice” é um documento que por si só certifica, embora de forma ilidível, a existência do direito da Recorrente, cumprindo os requisitos elencados no artigo 46º nº1 c) do C.P.C. pelo que constitui título executivo. Em consequência, o Tribunal a quo efectuou uma errada interpretação do Direito por si invocado, violando o disposto nos artigos 45º nº 1 e 46º nº 1 alínea c), ambos do C.P.C..

Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada, prosseguindo a execução intentada os seus termos até final, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»
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Foram apresentadas contra-alegações
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelante, acima reproduzidas.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Interessa à apreciação do presente recurso a seguinte factualidade:

– Serve de base à execução um contrato designado por “contrato de crédito em conta corrente”, junto com o requerimento executivo e cujo teor se dá por reproduzido, subscrito pelo executado embargante.
– Do teor do referido acordo resulta que entre o executado embargante e a Empresa X – Instituição Financeira de Crédito, S.A., que cedeu o alegado crédito à exequente embargada, foi ajustado um contrato de abertura de crédito em conta corrente, nos termos do qual a segunda se obrigou a disponibilizar ao primeiro determinada quantia em dinheiro, que este poderia utilizar, só nessa medida se obrigando a restituir.
– Com a contestação dos presentes embargos a exequente juntou aos autos o extracto da conta a fls. 39 a 43, cujo teor aqui damos por reproduzido.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A execução a que os embargos são movidos foi instaurada em 2010, na vigência do anterior Código de Processo Civil.
Como estabelecia o art.º 45º nº 1 desse diploma legal, toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
Regia o art.º 46º sobre as espécies de títulos executivos, nele se prevendo, sob a al. c) do nº 1 “Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.
No caso em apreço o título apresentado com o requerimento executivo é um contrato de abertura de crédito em conta corrente.
O contrato de abertura de crédito é aquele pelo qual a Instituição de Crédito – creditante – se obriga a colocar à disposição do cliente – creditado – uma determinada quantia pecuniária – acreditamento ou linha de crédito – por tempo determinado ou não, ficando o último obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões (1).

Embora do contrato, que serve de título à execução a que os embargos são movidos, resulte a obrigação, para o ora executado, de pagamento das quantias que por via dele lhe sejam disponibilizadas e venha efectivamente a utilizar, do mesmo não resulta, por si só, a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.
Com efeito, do mesmo apenas resulta a obrigação da instituição de crédito (creditante) disponibilizar determinado montante que, aliás, poderá nem sequer chegar a ser movimentado ou mobilizado pelo creditado.

Só na hipótese do cliente/creditado movimentar/utilizar a quantia disponibilizada, ou parte dela, é que, for força do clausulado no contrato e nos termos e condições nele previstos, nascerá a obrigação de as restituir ao creditante, com a respectiva remuneração (juros e comissões).

Por isso mesmo, neste tipo de contratos, é usual a assinatura de uma livrança em branco pelo creditado e respectivo acordo de preenchimento, autorizando o creditante a preenchê-la em caso de incumprimento, com o montante em dívida. Se o contrato fosse título suficiente e dispensasse o recurso à acção declarativa, não havia necessidade das instituições de crédito se munirem de outro título executivo.

Não desconhecemos a jurisprudência que entendia, no domínio do anterior CPC, que “o contrato de abertura de crédito titulado por documento particular, assinado pelo devedor, sendo as obrigações pecuniárias determináveis nos termos da liquidação do exequente, através da junção do extracto de conta corrente, constitui título executivo(2).

Sucede que, mesmo para quem seguisse tal entendimento, era indispensável que tal extracto tivesse sido apresentado juntamente com o contrato, formando os dois “o título executivo” e ainda, que desse extracto resultasse perceptível o montante disponibilizado pela creditante e utilizado pelo creditado/executado.

Ora a exequente apresentou como título executivo apenas e tão somente o contrato.

Só agora nos embargos, enxerto declarativo do processo executivo, juntamente com a contestação, a exequente juntou um extracto do qual, como bem se refere na sentença recorrida “nada é possível concluir, inclusive quanto à sua associação ao mencionado contrato”.

Não poderia assim, ainda que a exequente pudesse completar o título executivo em sede de embargos, o que em nosso entender a Lei processual não consente, considerar-se colmatada a falta de título executivo.
Em última linha defende a recorrente nas conclusões do seu recurso, tal como as interpretamos, que não tendo sido proferido despacho de aperfeiçoamento no sentido de a convidar a juntar aos autos o referido extracto de conta, como era obrigação do juiz “a quo” nos termos dos artigos 726º nº 4 e 547º do CPC, deverá considerar-se que a apresentação do extracto com a contestação dos embargos o título se considera perfeito.
Sucede que os invocados normativos respeitam ao actual Código de Processo Civil, isto é, não existiam ao tempo em que a execução foi instaurada e não podem ser aplicados retroactivamente.
No CPC vigente em 2010 também não existia norma equivalente ao nº 4 do art.º 726, pois que o art.º 811º B, que se referia ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, já fora revogado pelo Dec. Lei 38/2003 de 8 de Março.
Não existia nem o dever, nem a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento pois, a citação era efectuada sem despacho prévio, pelo solicitador de execução, que apenas poderia recusar o requerimento nos casos previstos no art.º 811º do CPC então vigente.
Não omitiu o Tribunal “a quo” qualquer dever de providenciar pela sanação da falta de requisitos da acção executiva, concretamente pela junção dos extractos bancários comprovativos dos montantes disponibilizados pela exequente ao executado e por este utilizados, respectivos juros e comissões, a cujo pagamento não tenha procedido nos termos exarados no contrato, pois que tal dever não existia.
Pelo exposto secundamos a douta sentença recorrida, aliás bem fundamentada, não se acolhendo as conclusões da apelante.

V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 08-2-2018

Eva Almeida
António Beça Pereira
Maria Amália Santos


1. Ac. do TRC de 19.12.2012 (processo 132/12.2TBCVL-A.C1) in dgsi.pt
2. Ac. do STJ de 15-5-2001 (proc. nº 01A1113) sumariado em dgsi.pt