Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2433/19.0T8VCT.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: ADVOGADO
IMPEDIMENTO
EMPREITADA
DEFEITOS
EXCEÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

.1-- Quando a data da diligência não seja designada mediante prévio contacto com um dos advogados das partes, os mandatários impedidos de comparecer em consequência de outro serviço judicial já marcado, para evitar que a mesma se realize sem a sua presença, têm que, nos termos do artigo 151º nº 2 e 3 do Código de Processo Civil, não só dar conhecimento da sobreposição de diligências, mas também comunicar com a parte contrária com vista à indicação de datas alternativas.
2- No contacto com o advogado da parte contrária e o tribunal, o mandatário impedido tem que procurar encontrar datas alternativas para a realização da diligência, adequadas aos interesses em jogo, como o seu não excessivo adiamento, agindo com observância do princípio da colaboração.
3- Quando o não o faça, não se pode considerar que, substantivamente, procedeu a prévio contacto com o mandatário da parte contrária para efeitos de indicação de datas alternativas e logo não pode usufruir da faculdade de alteração da data ou do adiamento da diligência, na sua ausência.
4- A existência de procuração conjunta a vários advogados tem, além do mais, o objetivo de lograr que o trabalho de todos se complemente, devendo estes entre si (e/ou com a parte) coordenar a sua intervenção nos autos.
5- Estando a parte representada nos autos por vários mandatários, desde que não sejam apresentadas ou patentes razões sérias que justifiquem que é do interesse daquela ser representada por um determinado advogado dos vários que constituiu nos autos (como a intervenção em prévias audiências), em regra, não basta que um deles esteja impedido em virtude de outro serviço judicial para que se mostre imperativo o adiamento da diligência, nos termos do artigo 151º nº 3 do Código de Processo Civil.
6- O poder jurisdicional, com a prolação da sentença, esgota-se apenas quanto à matéria da causa, pelo que nada obsta a que, depois desta, se apreciem nulidades procedimentais relativas a atos anteriores à sentença (desde que esta as não tenha abordado, nem sancionado): nesse caso, a anulação tem como objeto a sentença como simples trâmite, independentemente do seu conteúdo.
7- Por força das especialidades do regime jurídico do contrato de empreitada previsto no Código Civil, para que o dono da obra possa invocar a exceção do não cumprimento, exige-se, além dos requisitos típicos desta exceção, que este tenha denunciado os defeitos e exigido que os mesmos fossem eliminados (ou a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos circa rem).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I-Relatório

Autora e Apelante
P. R., Lda., NIPC ………, com sede na Zona Industrial …,

Ré e Apelada:
J. B., Unipessoal, Lda., NIPC ………, com sede na Rua …

Autos de: apelação em ação declarativa de condenação com forma comum

A Autora peticionou a condenação da Ré, no pagamento à aqui Autora do montante de 13.950,00 €, acrescido de juros de mora vencidos, calculados à taxa legalmente prevista para as transações comerciais, nos termos do n.º 5 do art.º 102.º do Código Comercial, desde a data de adjudicação do crédito até à presente data, que ascendem à quantia de 217,08 €, bem como, juros vincendos, calculados à mesma taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, que em sede executiva lhe foi adjudicado, como litigioso, o crédito que a executada detinha sobre a Ré, até ao montante de 13.950,00€, pretendendo agora a condenação da Ré no seu pagamento.
A procuração apresentada na petição inicial foi outorgada a favor de sete advogados e seis advogados estagiários.
A Ré contestou, por impugnação e invocando, além do mais, a exceção do não cumprimento quanto ao contrato que celebrara com a primitiva credora.
A Autora respondeu, invocando, essencialmente, a improcedência desta exceção, pela natureza do contrato em causa, com um regime específico para os defeitos das obras e alegando a caducidade na sua invocação.
A audiência final iniciou-se em 16 de janeiro de 2020, com tentativa de conciliação e produção de prova, tendo sido designada data para a sua continuação.
produção de prova e adiamento
Em 21 de fevereiro de 2020 a Autora requereu a notificação de testemunha faltosa por entidade policial, o que veio a ser deferido.
Em 27 de fevereiro de 2020, em sede de audiência final, após inquirição da testemunha presente e tendo o ilustre mandatário requerido a notificação das testemunhas faltosas por entidade policial foi proferido o seguinte despacho “Atento o requerido pelo ilustre mandatário da Autora e dado que ainda se aguarda pelo resultado da diligência determinada pelo despacho com a referência 45104036, de comum acordo entre as partes e a disponibilidade do Tribunal designa-se o dia 17 de Março de 2020, às 14.30 horas para a inquirição das testemunhas faltosas e alegações finais
Em 12 de março de 2020, foi proferido despacho que deu esta data sem efeito.
Em 21 de abril de 2020, foi proferido despacho explanando que “A testemunha J. M. juntou aos autos dois requerimentos a informar que não podia comparecer na audiência final, nas datas designadas, por motivos de saúde e juntou atestados médicos a comprovar o alegado (cfr. referências 2696095 e 2714045). Não foi possível notificar a testemunha V. J., não obstante as diversas diligências encetadas (cfr. referências 2660824, 2684273, 45109758, 45133992, 2700366 e 2730417).Assim, considerando a fase processual (adiantada) dos presentes autos, já tendo sido inquiridas todas as testemunhas arroladas pelas partes, com exceção das acima referidas duas testemunhas, e não se mostrando possível a sua inquirição, em face do acima exposto, colocam-se à disposição das partes as seguintes possibilidades…”, seguidamente referindo-se à forma como seriam produzidas as alegações pelos mandatários (por escrito ou oralmente).
Em 24 de abril de 2020, a Autora veio afirmar que não prescindia da inquirição das testemunhas arroladas.
Em 4 de maio de 2020, foi proferido o seguinte despacho “Uma vez que a Autora não prescinde do depoimento das duas testemunhas, mas nada requereu, e uma vez verificada a impossibilidade da inquirição das aludidas testemunhas (cfr.último despacho proferido) notifique a Autora para vir indicar as testemunhas cuja inquirição pretende em substituição das inicialmente arroladas (artigo 508º, do C.P.C.)” e que “Caso não indique, os autos prosseguirão com as alegações dos ilustres mandatários”.
Em 6 de maio de 2020 a Autora veio requerer que se julgue “verificada a nulidade invocada por violação das normas do Código de Processo Civil e da Constituição da República Portuguesa” e, em consequência, “sejam notificadas as testemunhas a inquirir para fornecer os seus endereços eletrónicos”.
Em 24 de junho de 2020, foi proferido despacho que julgou inverificada a invocada nulidade, designando-se o dia 10 de julho para a realização da audiência final.
Deste despacho foi interposto recurso de apelação.
Tal recurso foi julgado improcedente.
Em 30 de junho de 2020, um dos ilustres mandatários da autora veio pedir o reagendamento da audiência, alegando encontrar-se impedido na data designada, “por estar designada, para ser realizada, durante ambos os períodos da manhã e da tarde, uma audiência de discussão e julgamento no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, processo 182/17.2T8VPA-A. e pelas 16h diligência de penhora, sugerindo as seguintes datas: 7, 8 e 10 de Setembro de 2020 a qualquer hora” e afirmando que “não obstante os contatos encetados, não foi possível obter concordância com as datas agora agendadas com a ilustre colega da parte contrária, nem pela mesma foram sugeridas outras”.
Em 30 de junho de 2020, a ilustre mandatária da Ré veio confirmar que lhe foi comunicada a impossibilidade do Ilustre Mandatário da Autora, no dia e hora agendados se fazer comparecer, afirmando que lhe foram propostas datas para o mês de setembro, mas que está grávida, com parto previsto para meados desse mês, pelo que sugeriu marcação de nova data, mas ainda no mês de julho de 2020, realçando que o signatário do requerimento nunca compareceu em qualquer uma das diligências agendadas, sendo os julgamentos assegurados pelo Dr. A. C. e que da procuração constam outros advogados que podiam assegurar a diligência. Invocou ainda que o Requerente referiu não poder comparecer no dia e hora agendados, fazendo entender que terá, certamente, outros dias e horas disponíveis no mês de julho de 2020. Afirma que, tendo em conta o motivo invocado, não vê qualquer inconveniente na marcação de uma nova data, tendo disponibilidade para os dias 7, 8, 9, 13, 14 e 15 a qualquer hora.
Em 1 de julho de 2020, o mandatário da Autora veio afirmar que não tinha disponibilidade para qualquer uma das datas indicadas pela parte contrária e que o “o Dr. A. C. já não faz parte do escritório do signatário e exerce atividade de forma independente.”
Em 2 de julho de 2020, foi proferido o seguinte despacho: “O julgamento nos presentes autos iniciou-se no dia 16 de janeiro, tendo sido produzida toda a prova ao longo de três sessões, faltando apenas as alegações orais. O julgamento não terminou no dia 17 de março (data designada para a quarta e última sessão) em virtude da situação de pandemia – cfr. despacho com a referência 45196300. Neste contexto, atenta a fase em que os presentes autos se encontram, considerando que a procuração junta aos autos confere poderes forenses gerais a vários mandatários, ponderando se os motivos invocados por cada um dos ilustres mandatários das partes e o disposto no artigo 606º, do C.P.C., indefere-se o requerido e mantém-se a data anteriormente designada 606º, do C.P.C., indefere-se o requerido e mantém-se a data anteriormente designada.”
Em 10 de julho foi realizada a audiência final, sem que o mandatário do Autor tivesse comparecido, dando-se a palavra para alegações à mandatária da Ré, que dela usou e foi determinada a conclusão dos autos para proferir decisão.
Em 7 de setembro de 2020, a Autora veio invocar nulidade processual em virtude de ter sido realizada a audiência de julgamento sem a sua presença, requerendo que se decida “pela verificação da nulidade arguida, com as necessárias consequências legais.”
sentença
Em 5 de outubro foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Em 8 de outubro foi proferido despacho em que, afirmando-se que o Tribunal observou e cumpriu o disposto no artigo 151º, do C.P.C., e a que decisão de manutenção da data foi “tomada na sequência da ponderação das questões suscitadas pelos mandatários das partes, sendo de realçar que não se tratou do início do julgamento, sendo certo que a prova já havia sido toda produzida e apenas não se concluiu o julgamento no passado dia 17 de Março em virtude da situação inesperada de pandemia. O Tribunal não tinha o dever de adiar a continuação da audiência final.”, julgando que não se verificou qualquer nulidade e improcedente o requerido.

A Autora apela quer da sentença, quer deste último despacho.
No recurso que apresenta do despacho, apresenta
conclusões, que pela sua prolixidade, se sintetizam:
-- o despacho a quo sofre de nulidade, ou, pelo menos, de invalidade e de ineficácia processual, porquanto foi proferido em momento posterior à prolação de sentença, devendo ter conhecido da questão suscitada na própria sentença proferida, o que não fez, tendo resultado transgredidas as normas jurídicas ínsitas nos artigos 613.º n.º 1 e 608.º n.º 2 do CPC.
-- ocorreu nulidade processual, ao abrigo do artigo 195.º do CPC, porquanto a Mma. Juiz omitiu e desrespeitou formalidades que a lei prevê, ao inobservar o princípio da colaboração com os mandatários e o dever de adiamento da audiência plasmado nos artigos 151.º e 603.º do CPC, influindo diretamente com o princípio do contraditório e a boa decisão da causa, visto que o mandatário subscritor cumpriu o disposto no artigo 151.º n.º 2 do Código de Processo Civil, tendo informado o Tribunal, no prazo de cinco dias, da impossibilidade de comparência em virtude da marcação anterior de um outro serviço judicial, tendo contactado a mandatária da contraparte, a qual pugnou pela inflexibilidade, e tendo sugerido, inclusive, datas alternativas.
--O despacho foi proferido a quatro dias da data do julgamento, não deixando qualquer margem ao mandatário subscritor para tentar obter a comparência de algum ilustre colega que o substituísse, sendo que ainda se encontrava em prazo para se pronunciar quanto ao aludido despacho
-- ao contrário do propalado pelo Tribunal a quo, não se encontrava toda a prova produzida, pois pelo menos a prova por declarações de parte, que não foi anteriormente requerida nem produzida, sempre poderia ser requerida até ao início das alegações orais, nos termos do artigo 466.º do CPC

No recurso que apresenta da sentença, apresenta
conclusões, que também pela sua prolixidade, se sintetizam:
A sentença padece de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto em data anterior à sentença a apelante havia suscitado uma nulidade processual, consistente na realização da audiência de julgamento sem a sua presença, a qual influiria na decisão sobre o mérito da causa, sem que fosse conhecida na sentença.
A realização do julgamento sem a presença do Mandatário do Autor violou o disposto nos artigos 151.º e 603.º do CPC, influindo diretamente com o princípio do contraditório e na boa decisão da causa, visto que aquele cumpriu o disposto no artigo 151.º n.º 2 do CPC, tendo informado, no prazo de cinco dias, o Tribunal da impossibilidade de comparência em virtude da marcação anterior de um outro serviço judicial, com contacto prévio da mandatária da contraparte, sugerindo datas alternativas.
Impugna a Decisão sobre a matéria de facto quanto aos os factos constantes dos pontos 22), 25) a 27), 29) a 33), 37) a 39), 45), 51) e 52) da sentença proferida, e como não provado o facto “A sociedade X, Lda. é detentora de um crédito à aqui Ré, no valor de € 33.544,00.”, pois que, atenta a prova por declarações, testemunhal e documental produzidas, devendo ter resultado decisão diametralmente oposta à que foi proferida, invocando, de mais relevante, que:
- O legal representante da Ré prestou as declarações transcritas nas alegações, resultando que a Ré reconhece a existência do crédito adjudicado à aqui Autora e Apelante, não correlacionando devidamente as faturas emitidas com os pagamentos alegadamente realizados, nem tendo carreado aos autos prova de todos os pagamentos, designadamente os recibos referidos,
-- Os recibos carreados com a contestação, com os números 16/2016, 4/2017 e 6/2017, apenas dizem respeito à liquidação das faturas 13/2016 e 8/2017, e os aludidos cheques de 10.000,00 € e de 5.000,00 € dizem respeito à liquidação daquela mesma fatura 13/2016, acrescendo ainda um cheque no montante de 3.444,00 € perfazendo o valor total de 28.444,00 € (15.000,00 € + 8.500,00 € + 1.500,00 € + 3.444,00 €), de um alegado universo de 63.000,00 €.
- Dos orçamentos carreados aos autos como despesas necessárias, resulta o somatório de 19.224,40 € (1.715,00 € + 4.250,00 € + 13.259,40), pelo que existe um remanescente por liquidar de, pelo menos, 15.331,60 €, superior ao montante peticionado pela Autora, encontrando-se perfeitamente demonstrada a existência do crédito.
- O facto indicado no ponto 33), não deveria ter sido dado como provado, porque carece de qualquer prova, padecendo de incongruências e, nos termos do disposto no artigo 63.º-E da lei geral Tributária, não são admitidos pagamentos em numerário superiores a 3.000,00 €,
-Deveriam ter sido incluídos nos factos provados, os seguintes factos: “a) - Do valor global orçamentado, a Ré apenas procedeu ao pagamento da quantia de 28.444,00 € à sociedade X, Lda.”; “b) - A Ré reconhece a existência de um crédito, quer a nível contabilístico, quer a nível legal, de, pelo menos, 20.000,00 €, perante a aqui Autora”; c) O valor necessário à reparação dos defeitos alegados pela Ré é igual ou inferior ao montante de 19.224,40 €”.
- O facto indicado na alínea b), resulta de confissão.
- A testemunha M. V., Engenheiro Civil, prestou as declarações transcritas nas alegações sendo que não deveriam ter sido dados como provados os factos elencados nos pontos 22) e 51), porquanto, atendendo às declarações do Sr. Engenheiro Civil, a avaliação daquele pavilhão cifrar-se-ia em 250.000,00 €, muito se estranhando que apenas se tenha acordado o preço de 63.000,00 €, e ainda, a testemunha desconhecia por completo, demonstrando fragilidades e contradições no seu depoimento, o orçamento carreado com a contestação como Doc. 21, no valor de 4.250,00 €.
- Também a testemunha M. B., irmão do representante legal da Ré, prestou os esclarecimentos transcritos em alegações, a par da testemunha J. S., pai do representante legal da sociedade Ré, e ex-sócio gerente, que prestou os esclarecimentos transcritos nas alegações, sendo que não deveriam ter sido dado como provados os factos contantes dos pontos 22) e 37), porquanto não resultou da prova testemunhal produzida, qual o valor orçamentado para a obra e os trabalhos contratados, quando e em que circunstâncias foram reclamados os defeitos durante e após a obra, e se os mesmos não foram reparados ainda que parcialmente.
- As declarações prestadas por J. P., serralheiro, que, inquirido a instâncias do mandatário da Autora/Apelante, prestou o seguinte depoimento supra transcrito nas alegações (entre 00:11:00 e 00:14:52), sendo que não poderia ter sido dado como provado o facto elencado no ponto 52), no que concerne à menção “E para reparar os defeitos existentes”, porquanto, segundo o próprio depoente, substituindo-se os parafusos, colocando as tampas e tratando das caleiras, todos os problemas ficariam resolvidos, sendo que o valor total orçamentado de 13.259,40 € carreado com a contestação como Doc. 22, é o valor global para os reparos dos defeitos indicados pelo depoente, acrescidos de valores orçamentados para outros reparos e resolução de outras questões que não as aludidas, designadamente as rubricas n.º 1, 4, 5 e 6 do documento.
- Ainda, e no que concerne ao único facto não provado, o mesmo deveria ter sido dado como provado, porquanto consta do documento junto como Doc. 6 da petição inicial, a existência de um valor em dívida no montante de 33.544,00 € à sociedade X, Lda., o qual foi adjudicado à Autora até ao montante de 13.950,00 €, sendo que, pelo menos o valor de 20.000,00 € foi corroborado pelas declarações e depoimento de parte do legal representante da Ré, o qual não logrou demonstrar qual o valor concreto dos defeitos alegadamente existentes.
De direito, realçou que resultou provada a existência de um contrato de empreitada, através do qual a sociedade X, Lda., se obrigou a realizar um pavilhão industrial para a Ré, mediante um preço, pelo que os factos constitutivos do direito se encontram plenamente provados.
Estamos perante inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º n.º 1 do CC, cabendo à Ré a prova de que nada era devido, o que não logrou fazer, porquanto não se aferiu, sequer, quais os efetivos defeitos da obra, se foram reclamados em tempo útil, quais os que foram reparados, qual o valor pago e qual o valor em dívida, bem como os exatos valores da reparação dos defeitos.
A Ré apenas demonstrou o pagamento da quantia de 28.444,00 € num valor global alegado de 63.000,00 €, o que acarreta um diferencial de 34.556,00 €;Ainda que se considerassem provadas as despesas indicadas nos orçamentos carreados aos autos como necessários à reparação dos defeitos, totalizaria apenas o valor de 19.224,40 € (1.715,00 € + 4.250,00 € + 13.259,40), o que, ainda assim, corresponderia ao valor total, entre pagamentos e reparações, de 47.668,40 €, pelo que existe um remanescente por liquidar de, pelo menos, 15.331,60 €, superior ao montante peticionado
Patente era a existência do crédito, que a Ré se socorreu do mecanismo da exceção de não cumprimento do contrato, a qual, não tem colhimento, mas cuja alegação pressupõe a existência de obrigações simultâneas, nos termos do artigo 428.º do CC.
Ao decidir como decidiu, a Mma. Juiz a quo, interpretou e aplicou erradamente as normas jurídicas ínsitas nos artigos 342.º n.º 1 CC e 773.º n.º 1 do CPC, e violou as normas jurídicas constantes dos artigos 342.º n.º 2 e 358.º do CC, 773.º n.º 2 e 411.º do CPC,
Pede a revogação da sentença, substituindo-a pela condenação da Ré no pedido e subsidiariamente que se decrete a procedência das nulidades arguidas e ainda que seja revogada a decisão a quo, ordenando-se a prossecução da instância declarativa para produção de melhor prova, mormente a inquirição das testemunhas arroladas e não inquiridas,

Não foram apresentadas respostas.

Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao teor das conclusões do recurso, são as seguintes as questões que cumpre apreciar quanto ao primeiro recurso sobre a arguição da nulidade invocada pela Apelante:
- se o despacho que conheceu da arguição de nulidade da decisão que manteve a data de julgamento padece de nulidade;
- se a audiência final devia ser adiada, face à falta de comparência do Recorrente;
- se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;
- se a impugnação da matéria de facto provada e não provada deve proceder;
- se a matéria de facto provada determina a improcedência da ação.

Fundamentação de Facto

São os seguintes os Factos provados enunciados na sentença sob recurso:

1- A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico de betão, gesso e cimento;
2- A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico e comércio de todo o tipo de mobiliário em madeira e artigos de decoração, artigos de iluminação;
3- A Autora, no âmbito do seu comércio, forneceu, à sociedade comercial X, Lda., artigos do seu comércio, melhor descritos na seguinte fatura: fatura n.º 1/2385, emitida a 19/01/2017, com vencimento a 20/03/2017, no valor de 11.840,47 € - documento nº 1 junto com a petição inicial (fls. 9v e 10 dos autos) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
4- A sociedade comercial X, Lda. é uma sociedade comercial que se dedica à construção, reabilitação e conservação de edifícios residenciais e não residenciais e de outras obras de engenharia;
5- Para proceder ao pagamento da referida fatura, a sociedade X, Lda. entregou à Autora um cheque, sacado ao Banco Caixa …, da conta n.º ……….89, com o n.º ……..12, no montante de 11.840,47 €, emitido a 15/02/2017 – documento nº 2 junto com a petição inicial (fls. 14 dos autos) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
6- Apresentado a pagamento pela Autora, no prazo legal para o efeito, o referido cheque foi devolvido na compensação, com a menção “Falta de Provisão”;
7- A Autora interpelou a aludida sociedade para proceder ao pagamento constante da fatura mencionada em 3 dos factos provados;
8- Em 29 de Junho de 2017, a Autora deu entrada de um requerimento executivo, com vista ao cumprimento coercivo da obrigação pecuniária acima referida, processo executivo que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo de Execução de Lousada – Juiz 2, sob o n.º 2809/17.7T8LOU;
9- Peticionando o pagamento do valor de 12.237,02 €, correspondente ao valor do cheque, juros de mora vencidos e vincendos desde a data de apresentação a pagamento do cheque até à presente data de entrada do requerimento executivo, à taxa legalmente prevista para as transações comerciais, e despesas bancárias relativas – documento nº 4 junto com a petição inicial (fls. 12v-17 dos autos) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
10- A Autora requereu que fosse declarada a insolvência da sociedade X, Lda.;
11- O aludido processo de insolvência correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 4, sob o n.º 381/18.0T8AMT;
12- Tendo sido declarado o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, no dia 2 de novembro de 2018;
13- A Autora solicitou a prossecução do processo executivo mencionado em 8- dos factos provados;
14- O agente de execução diligenciou pela renovação da execução, nos termos constantes do documento nº 7 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
15- A Autora requereu a penhora de um crédito até ao montante de € 13.950,00;
16- A Ré foi notificada pela agente de execução, nos termos constantes do documento nº 8 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
17- A Ré negou a existência do crédito à Agente de Execução, nos termos constantes do documento nº 9 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
18- No dia 18 de março de 2019, a Autora, mediante comunicação à agente de execução, manifestou o interesse em manter a penhora de créditos e solicitando que o mesmo lhe fosse adjudicado;
19- O mencionado crédito foi adjudicado à Autora, no dia 10 de maio de 2019, por parte da agente de execução – documento nº 10 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
20- A Ré dedica-se ao fabrico e comércio de todo o tipo de mobiliário em madeira, artigos de decoração, artigos de iluminação, importação e exportação;
21- No exercício da sua atividade, contratou a empresa X, Lda. para a construção de um pavilhão industrial sito na sede social da Ré;
--22- Em meados de agosto de 2016, a Ré e a empresa X, Lda., ajustaram o valor da empreitada em € 63,000,00 (sessenta e três mil euros), incluindo o orçamento o projeto de arquitetura e respetivos licenciamentos e procedimentos legais, o nivelamento do terreno, a estrutura completa do pavilhão industrial, com portas e portões industriais e certificados, piso industrial com caixa de 25 cm de saibro, 15 cm de “tout venant” e 10 cm de cimento, cobertura em painel sandwich de 30 cm e laterais forradas a sandwich de 40 cm;
23- Seriam colocadas quatro portas de segurança, um portão seccionado no cais de cargas e descargas de quatro metros de comprimento por três metros de altura e com abertura manual (garibalde) e um portão seccionado de serviço de 4 metros de comprimento por 4 metros de altura e com abertura manual (garibalde);
24- Com a adjudicação da empreitada, a Ré entregou à X a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros);
25- O piso industrial, em determinadas zonas, não ficou com as medidas acordadas - caixa de 25 cm de saibro, 15 cm de “tout venant” e 10 cm de cimento;
26- A estrutura do pavilhão, devido ao facto de os furos para as madres terem sido lá furados, começou imediatamente a enferrujar;
27- Em dezembro de 2016, surgiram defeitos na soldadura, quer no que toca ao nivelamento, quer na própria estrutura de suporte à mezanine, que apresenta um vão;
28- Em 25 de Novembro de 2016, a obra foi alvo de uma vistoria e, por se verificar que não existia licenciamento, foi instaurado um processo de contraordenação contra a Ré;
29- As partes haviam acordado que a obra em causa teria de estar pronta antes do Natal de 2016;
30- Os trabalhos apenas terminaram a meio do mês de janeiro de 2017;
31- Sem que, contudo, os portões colocados estivessem a abrir, já com infiltrações pela cobertura;
32- Os defeitos acima referidos sempre foram reclamados perante a empresa X, Lda.;
--33- A Ré efetuou um pagamento de € 15.000,00 à sociedade X, Lda. em 7 de novembro de 2016;
34- A Ré pagou à X, Lda., no dia 20 de abril de 2017, a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros);
35- Em 2 de Maio de 2017, a Ré pagou à X, Lda. a quantia de €8.500,00 (oito mil e quinhentos euros);
36- No dia 7 de junho de 2017, a Ré endereçou missiva à empresa X, Lda. dando conta dos defeitos existentes na construção, nos termos constantes do documento nº 7 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde elencou os seguintes defeitos: a. A peça de suporte da calha é desadequada para o suporte do peso do portão – a peça deveria estar colocada a meio da barra e está colocada na ponta, o que faz com que não suporte devidamente o peso do portão e o mesmo esteja completamente desalinhado; b. Os suportes centrais do portão estão colocados sobre madres, sendo que estas últimas apenas teriam de suportar o aperto dos painéis de revestimento da estrutura. As madres estão completamente empenadas; c. A roldana do portão não tem encravamento com escatel, o que faz com que o aperto dos parafusos seja insuficiente; d. Os portões colocados não são industriais (mas residenciais) e teriam de o ser, não só porque foi o contratado, mas porque é o exigido por Lei. Estes portões não têm qualquer certificado de conformidade da CE emitido pelo fabricante; e. As portas de segurança são mais curtas do que o que era suposto em cerca de 7 cm, provocando entrada de água por baixo da mesma; f. Porta de segurança e portão desnivelados face ao chão, provocando entrada de água. Apenas se pode concluir que ou as portas estão mal cortadas e não têm as medidas que era suporto ou o chão industrial está completamente desnivelado e a situação nunca vai poder ser ultrapassada; g. O painel de revestimento exterior do pavilhão está alinhado pelo aro da porta, o que não devia, porque a água escorre e entre diretamente para o pavilhão; h. Além de que esses mesmos painéis estão distantes do aro, com abertura de cerca de 1 cm, provocando entrada de água; i. Devido ao desnivelamento da obra, as portas não abrem a 180 graus. Acresce que, atrás das portas foi colocada uma calha, que não permite que as mesmas abram conforme o pretendido. Para sua resolução, terão de ser aplicadas dobradiças avançadas para compensar na abertura o perfil; j. O portão do cais não tem garibalde; k. As infiltrações pela cobertura são uma constante, além das infiltrações pelas portas e portões;
37- Ao longo da construção do pavilhão, e também após a sua conclusão, sempre a Ré foi alertando para os defeitos existentes;
38- Em 27 de novembro de 2016, a Ré alertou a X, Lda., quanto ao facto da estrutura ter sido colocada há cerca de um mês e já ter ferrugem;
39- Em 5 de dezembro de 2016, a Ré reclamou à X, Lda. pelo facto do “tout venant” ter menor dimensão do que o que seria suposto;
40- Em 11 de dezembro de 2016, a Ré reclamou à empresa X, Lda. acerca do tubo para a cobertura e respetivas soldas, alegando que a dimensão do tubo não suporta o peso que é devido;
41- Em 20 de dezembro de 2016, novamente a Ré reclamava à empresa X, Lda. o desnivelamento da estrutura, com um desfasamento de cerca de 15 mm, que provoca desnivelamento no portão e mau funcionamento da roldana;
42- No dia 26 de dezembro de 2016, a Ré envia email à X, reclamando do comportamento dos seus funcionários, que sem cuidado atiravam tudo para o chão, tendo acabado por “picar”;
43- Reclamou ainda pelo facto de o portão traseiro já estar arranhado e dos remates em volta do mesmo estarem mal-acabados, o que provocava que, sempre que se abrisse o referido portão, o mesmo batesse nos remates e, por via disso, ficasse danificado;
44- A Ré, no dia 4 de fevereiro de 2017, reclamou perante a X, Lda. das infiltrações existentes, quer vindas da cobertura, quer dos portões e portas, componentes já com ferrugem;
45- No dia 5 de fevereiro de 2017, a estrutura de vedação caiu, tendo tal sido comunicado ao Sr. V. J.;
46- No dia 11 de maio de 2017, novamente a Ré reclamou das infiltrações existentes no pavilhão construído;
47- No dia 10 de Junho de 2017, novamente a Ré interpelou a empresa X, Lda. do auto de contraordenação recebido, pela não apresentação junto da respetiva Câmara Municipal, do projeto de licenciamento;
48- A X, Lda. respondeu nos termos constantes do documento junto a fls. 74 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
49- A Ré respondeu em 3 de julho de 2017, nos termos constantes de fls. 75 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido “desta forma tenho o a informar que se até ao dia 01/09/17 não tiver comigo todo o processo relativo a construção nova, eu próprio como estou a fazer com a obra que ficou por concluir irei procurar um gabinete capaz e competente de tratar de todo processo de arquitetura e especialidades necessários e todas as despesas que vier a ter com isso ser lhe a debitadas”;
50- A Ré precisava de obter o licenciamento e evitar a aplicação de contraordenação, e pagou ainda a quantia de € 3.444,00 (três mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros), em 07 de agosto de 2017;
--51- Para obter os projetos de arquitetura e licenciamento a Ré necessitará de pagar € 4.250,00 (quatro mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido de IVA, o que perfaz o valor total de € 5.227,50 (cinco mil, duzentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos), tendo já pago € 1.715,00.
--52- E para reparar os defeitos existentes, a Ré solicitou a deslocação à sua sede social de empresa que trabalha no ramo da serralharia – Y Serralharia, Unipessoal, Lda., - que, após verificação, orçamentou a reparação no valor de €13.259,40 (treze mil, duzentos e cinquenta e nove euros e quarenta cêntimos).

É o seguinte o Facto não provado apurados na sentença:
---A sociedade X, Lda. é detentora de um crédito à aqui Ré, no valor de € 33.544,00.

Fundamentação de Direito

1- do Recurso interposto do despacho que indeferiu a nulidade da audiência final, por ter sido realizada sem o ilustre mandatário da Autora.
--- da nulidade do despacho que conheceu a arguição da nulidade
Entende o Recorrente que ao realizar-se a última sessão da audiência final sem a sua presença, ocorreu nulidade, que arguiu e que a sentença devia ter conhecido de tal arguição.
No entanto, a nulidade de atos processuais não é o objeto típico da sentença cível, como decorre do artigo 608º do Código de Processo Civil, o qual determina que a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e 607º nºs 2 a 6, do mesmo diploma, já relativos à sua estrutura.
Está em causa um ato autónomo, cuja nulidade não conduz à absolvição da instância, devendo e podendo o mesmo ser conhecido antes da prolação da sentença.
No entanto, como se verá, também o facto desta nulidade não ter sido conhecida em momento anterior à sentença (em despacho autónomo, que a precedesse), não produz neste caso qualquer nulidade, tanto mais que o ato (realização da audiência) não estava inquinado, mantendo-se a total validade e eficácia do processado, nada contendendo o atraso nesse conhecimento com a decisão da causa.
O poder jurisdicional, com a prolação da sentença, esgota-se apenas quanto à matéria da causa, sendo evidente que o juiz continua a decidir questões posteriores (nomeadamente relativas à conta de custas).
Entendemos igualmente que nada obsta a que sejam ainda conhecidas nulidades procedimentais e questões processuais relativas a atos anteriores à sentença, desde que não tenham sido abordadas na sentença e não se possa considerar que esta diretamente as sancionou.
É certo que a procedência de tais nulidades pode conduzir à anulação da sentença: no entanto, nesse caso, tal anulação tem como objeto a sentença como simples trâmite, independentemente do seu conteúdo, não estando o tribunal, quando anula uma sentença em virtude de uma nulidade procedimental prévia, a debruçar-se quanto à matéria da causa. Assim, tal anulação em nada contende com o esgotamento do poder jurisdicional previsto no artigo 613º nº 1 do Código de Processo Civil, porque este versa sobre a matéria da causa, que não é objeto de tal anulação.
Por outro lado, há vantagem na simplicidade do processo e sua celeridade se não se impuserem às partes recursos desnecessários, por onerosos e sugadores de esforços sem sentido, quando apenas se discutem nulidades procedimentais de atos anteriores à sentença. Entende-se, por isso, que é admissível a arguição de nulidades processuais que se projetem na sentença e que sejam exteriores à própria decisão, desde que estas não sejam, obviamente, expressamente defendidas na própria decisão. Veja-se que o juiz não pode conhecer oficiosamente algumas delas.
Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, I vol, pág. 350-1) salienta que o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa apenas incide sobre o objeto da decisão e o trânsito em julgado da sentença não se dá enquanto a arguição da nulidade estiver pendente, pelo que o juiz pode conhecer da nulidade oportunamente arguida, mesmo que o recurso não tenha sido interposto.
Neste sentido, apenas quanto à possibilidade de arguir nulidade de atos que ponham em causa, a montante, a subsistência da sentença, remetendo para exemplo parecido, cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pag. 25. Ilustra a situação em que na sentença não é ponderada a existência de contestação que, por erro do sistema informático ou da secretaria, não foi integrada nos autos, gerando uma aparente revelia: “Assim, embora a mesma afete a sentença, pode ser objeto de prévia reclamação que permita ao próprio juiz reparar as consequências que precipitadamente foram extraídas, ainda que com prejuízo da decisão que foi proferida”.
Termos em que o despacho sobre arguição de nulidade relativa a ato anterior à sentença pode ser proferido depois da prolação da sentença, desde que não tenha sido conhecida nessa decisão.
O despacho não padece da invocada nulidade, nem ineficácia.

--- do não adiamento da sessão da audiência final
Determina o artigo 151º do Código de Processo Civil que, a fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.
No entanto, caso a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal e identificar expressamente a diligência e o processo a que respeita, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.
Se o mandatário impedido em virtude de outro serviço judicial não cumprir estes trâmites previstos no nº 2 deste artigo – informar o tribunal desse impedimento (com a comprovação da existência de outro serviço já fixado), em cinco dias a contar da notificação da data marcada e com indicação de datas alternativas, encontradas após contacto com a parte contrária, a coincidência entre diligências não pode ser considerada para efeitos do seu adiamento, sob pena desta norma não ter qualquer aplicação.
O juiz, ponderadas as razões aduzidas, pode alterar a data inicialmente indicada.
Comprovada a existência de outra diligência coincidente com a pretendida adiar, desde que cumpridos os requisitos que vimos falando, se não tiver ocorrido alteração da data da audiência, na falta do advogado impedido, a audiência deve ser adiada com tal fundamento, nos termos do artigo 603º nº 1 do Código de Processo Civil.
Pretende esta norma, como logo avança o nº 1, impedir que as partes se vejam prejudicadas pela impossibilidade de comparência dos seus mandatários, que não possa ser reconduzível a qualquer dolo ou negligência daqueles, causada pela sobreposição de datas de diligências em que devem intervir.

Para tanto, chama à colação o dever de colaboração entre o tribunal e as partes e entre estas, prevendo que o tribunal designe tal data com o prévio acordo daquelas.
A omissão da informação do impedimento em função de outra diligência ou a falta de cumprimento dos requisitos dessa informação previstos no nº 2 do artigo 151º do Código de Processo Civil faz presumir que a data foi aceite, considerando-se acordada.
Estando a parte representada nos autos por vários mandatários, em regra, não basta que um deles esteja impedido na data designada para que se mostre imperativo o adiamento da audiência de julgamento. Com efeito, a existência de procuração a vários mandatários tem, além do mais, esse objetivo: lograr que o trabalho de todos se complemente.
Assim, desde que não sejam apresentadas- ou patentes - razões sérias que justifiquem que é do interesse da parte que o mesmo seja representado por um determinado advogado dos vários que constituiu nos autos como seu mandatário, como é o caso de ter sido sempre o mesmo o advogado que teve intervenção nos autos, nomeadamente em julgamento, não se pode considerar que o impedimento de um deles seja extensivo aos demais.
Neste sentido cf., entre outros, os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto de 30/05/2018, no processo 403/14.3T8PRT.P1 e Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/12/2017, no processo 1734/13.5TBTVD.L1-7, disponíveis em www.dgsi.pt, e ainda Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, pág. 571, 2014.
Ora, no presente caso estamos exatamente nessa situação: a procuração foi outorgada a seis advogados (e sete advogados estagiários) e o senhor advogado impedido, confrontado com o facto de não ter assistido a qualquer sessão de julgamento nem intervenção nos autos, não apresentou qualquer razão que justificasse o interesse em que a parte fosse apenas representado por si, na sessão da audiência final.
Não se justificava o adiamento da sessão.
Acresce que o nº 2 do artigo 151º do Código de Processo Civil exige que o advogado constituído que esteja impedido de comparecer ao julgamento, contacte com os demais mandatários das demais partes, a fim de propor datas alternativas. Se o não fizer, carece da faculdade de pedir a alteração da data e logo também de faltar na data da audiência.
Funda-se esta consequência na ideia de que se não cumpre o dever de colaboração com a parte contrária e o próprio tribunal, perde a possibilidade de exigir ser dele beneficiário.
Este contacto, como é bom de ver, não é uma diligência meramente formal, exige que todos sigam de forma séria os ditames do princípio da colaboração. Ora, é patente que, no presente caso, o ilustre mandatário da Autora não agiu de acordo com os ditames desse princípio.
Vejamos os factos que o demonstram: apesar de ter já sido salientado por vários despachos que o processo se começava a arrastar e que visaram dar-lhe celeridade, aproximando a última sessão da audiência final, designando-a ainda para julho, antes de férias judiciais, um dos ilustres mandatários da Autora ao pedir a alteração da data apontou apenas para três datas na segunda semana do mês do setembro (de manhã e de tarde), afirmando que não obstante os contatos encetados, não conseguiu obter a concordância da parte contrária quanto a qualquer uma dessas datas, nem pela mesma foram sugeridas outras.
A mandatária da parte contrária, no mesmo dia, esclareceu o tribunal que, por estar grávida e ter a data de parto prevista para meados de setembro, estaria disponível em julho, indicando para a sua realização seis datas, ainda desse mês, também quer da parte da tarde, quer da parte da manhã. O ilustre mandatário impedido na data designada, no entanto, limitou-se a dizer que não estava disponível para nenhuma dessas 12 sessões, sem qualquer outra justificação.
Considerando que quer o tribunal, quer a parte contrária demonstraram interesse em não dilatar o julgamento (o que é do interesse público, face ao princípio da concentração da audiência e da necessidade de prestar uma justiça mais eficaz), oferecer datas apenas em meados setembro indicia – mas não comprova- a vontade de o adiar e protelar o desfecho da ação. No entanto, perante a oferta de doze sessões para que numa delas se realizasse a sessão de julgamento e o conhecimento da dificuldade em que o julgamento se iniciasse nessa data, face ao disposto no artigo 2º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de Junho, a sua simples negação em bloco, sem qualquer justificação, equivale, neste contexto, materialmente à falta ao dever de colaboração, a um contacto meramente formal da parte contrária, fugindo ao efetivo cumprimento do dever aludido no nº 2 do artigo 152º do Código de Processo Civil.
Não se vê, ao contrário do invocado, que tenha de qualquer modo sido violado qualquer estatuto de igualdade substancial das partes.
Não só é dificilmente credível que o ilustre mandatário não lograsse obter uma data disponível em nenhum destes doze espaços temporais, como a negação em bloco, sem qualquer explicação demonstra a falta de vontade de cooperar e alcançar uma data disponível para os mandatários de ambas as partes e o tribunal.
Assim, não se pode considerar que o mandatário subscritor do requerimento a peticionar a alteração da data do julgamento tivesse tido um efetivo contacto com a parte contrária, no sentido previsto na norma em questão, de verdadeira tentativa de colaboração. Desta forma, também por aqui se não pode considerar que o mesmo, validamente, veio dar cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 155º do Código de Processo Civil e, desse modo, há que considerar-se que, passados os cinco dias a contar da notificação da data para julgamento, a mesma se tornou definitiva e a sua falta (mesmo que na procuração não tivessem sido mandatados mais cinco advogados, como foram) não determinaria o adiamento do julgamento.
Na medida em que o mesmo faltou ao dever de colaboração com o tribunal e a parte contrária no sentido de encontrar data para a audiência de julgamento que contemplasse os interesses de todos, não pode vir exigir, com fundamento na falta de colaboração da parte contrária e do tribunal, o seu adiamento.
Por outro lado, não se pode considerar que por distarem apenas oito dias entre o despacho que indeferiu o adiamento da última sessão da audiência final e a sua efetiva realização (respetivamente dia 2 e 10 de julho de 2020) e a notificação ter sido efetuada por ato de 3 de julho de 2020, os mandatários ficaram com prazos tão curtos que não permitia que se organizassem para obter a comparência de um deles na audiência final.
Também por aqui não havia que adiar a audiência.
Improcede o primeiro recurso.
*
2- do Recurso da sentença

--- da nulidade por omissão de pronúncia

Entende a Recorrente que a sentença padece de omissão de pronúncia, porquanto devia ter conhecido a arguição da nulidade ocorrida na realização da audiência de julgamento na ausência do mandatário, mas, como já se explanou supra, carece de razão.
No entanto, concretizemos um pouco.
A nulidade da sentença (ou dos despachos) diz apenas respeito às cirúrgicas situações aludidas no artigo 615º do Código de Processo Civil. Atinge as decisões em causa por razões de natureza mais formal, sem averiguar da sua razão, legalidade ou bondade.
É efetivamente causa de nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre questões que a exigiam, como dispõe a alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Mas essas questões, cuja omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença, são aquelas a que se refere o artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil e não são os simples argumentos, razões ou elementos parciais trazidos à liça: identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
É, pois, pacífico que não há que confundir as “questões a conhecer”, com considerações ou factos: aquelas são as mencionadas no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, relacionadas com as pretensões das partes, não o conjunto de alicerces (e cada um deles) em que as partes fundam tais “questões”, traduzidas nos factos (preteridos ou mal atendidos) ou na aplicação do direito (normas ou princípios que não terão sido atendidas ou terão sido erroneamente empregados).
O objeto da sentença, tal como a mesma está desenhada nos artigos 608º e 609º do Código de Processo Civil não contempla a apreciação de nulidades de atos do processo que não possam conduzir à absolvição da instância, como decorre do artigo 608º nº 1 do Código de Processo Civil.
Basta ver que o conhecimento desta nulidade, caso a mesma fosse apurada, determinaria a necessidade de repetição da sessão de julgamento, incompatível com a prolação da sentença naquele momento.
É certo que antes da prolação da sentença deveria ter sido apreciada a nulidade arguida pela Autora, visto que a mesma, a ser procedente, a inutilizaria.
No entanto, o facto desta ordem lógica no conhecimento das questões não ter sido observada não determina a nulidade da sentença, tanto mais que, como se confirmou supra, por a arguição ser improcedente, mantém-se válidos todos os atos que se seguiram ao ato que se pretendia anulado.
Arguiu ainda a Recorrente a nulidade da sentença por a audiência ter sido realizada na sua ausência, questão que foi supra apreciada e julgada improcedente e ainda nulidade respeitante aos meios de prova, a qual foi objeto de recurso autónomo, que foi admitido, após reclamação, mas também julgado improcedente, pelo que não cabe aqui produzir nova pronúncia sobre essa matéria, aliás, invocada apenas para o caso de tais recursos não serem julgados autonomamente.

--- da impugnação da matéria de facto
A Recorrente cumpriu, de modo suficiente, os ónus estipulados no artigo 640º do Código de Processo Civil.
Afirma que a prova produzida, quer testemunhal, quer documental, não suporta os factos invocados pela Ré. Defende que a fatura que juntou como documento nº 6, com a petição inicial, é suficiente para a prova da existência de um crédito sobre a ora Ré, de que seria titular a sua devedora e que lhe foi adjudicado como litigioso na execução que lhe moveu.
Há, pois, analisada a fatura junta pela Autora e os demais documentos apresentados pela Ré, que ouvir a prova testemunhal produzida sobre o contrato em questão, a qual se pode resumir da seguinte forma:
- J. B., que sempre foi o gerente da Ré, afirmou, além do mais, que o crédito ficou em aberto, mas apenas em termos contabilísticos (na ordem dos vinte mil euros): apesar de ter contratada com a X, Lda a construção do pavilhão e desta sociedade ter iniciado tais trabalhos, recebendo várias tranches do valor total acordado, não só não os realizou na totalidade, como os que efetuou apresentavam defeitos que têm que ser corrigidos. Enunciou detalhadamente tais trabalhos por fazer e os defeitos dos demais, bem os problemas que causaram, nomeadamente com processos camarários, o que o obrigou a contratar um gabinete de arquitetura para tratar do problema. Referiu que o último pagamento apenas deveria ser efetuado depois do licenciamento, o qual ainda não foi resolvido. Referiu que pagou a segunda tranche em dinheiro, porque precisava do pavilhão e o representante da sociedade em causa lhe afirmou que sem tal quantia não obtinha a chapa para efetuar os trabalhos acordados. Mais referiu que em todo o processo lhe foram passadas três faturas.
M. B., irmão do representante da Ré, que trabalha para a Ré há cerca de dez anos, explicou quem realizou a obra, todos os problemas de que esta padece e como esta ainda hoje não está terminada, pormenorizadamente.
J. S., pai do representante da Ré (uma empresa familiar), que também foi gerente desta. Confirmou que os trabalhos não foram terminados e enunciou os vários defeitos do mesmo.
M. V., engenheiro civil, que afirmou que já tinha licenciado uma outra obra para a Ré, há bastante tempo e que agora está a tentar licenciar este pavilhão, não a construção.
J. P., que trabalha na área da serralharia, apontou alguns problemas do pavilhão, nomeadamente a falta de qualidade do portão e a quantia que levaria para os arranjar.
A Autora, por seu turno, para além da apresentação da fatura supramencionada, não apresentou qualquer prova (assim como nada tinha alegado) sobre a constituição do crédito do crédito que lhe foi adjudicado como litigioso: quer sobre o contrato, quer sobre o seu cumprimento.
Pretende a Recorrente que o legal administrador da Ré, nas suas declarações, reconheceu a existência de um crédito, atentando apenas a parte do que o mesmo afirmou.
No entanto, a interpretação do conteúdo das declarações tem que ser efetuada em contexto, como um todo, não com frases desgarradas. E o representante da Ré expressa claramente que, embora lhe tenha sido exigido o crédito a favor da sociedade que lhe prestou trabalhos na ordem dos vinte mil euros (um valor que continua em aberto, em termos contabilísticos, “legalmente”), a obra não foi concluída, que tem bastantes defeitos de fabrico, os quais sempre foram reclamados e que existem trabalhos inicialmente contratados que nunca foram feitos como o projeto de licenciamento e arquitetura, pelo que tal valor não é devido.
Desta forma, não reconhece que tenha a obrigação de pagar o valor de 20.000,00 €, invocando que a obra não foi terminada e o que foi realizado apresentava defeitos, reclamados e não corrigidos.
A Recorrente alega, igualmente, que não deveria ter sido dado como provado o facto indiciado em 33), por não serem legalmente admitidos pagamentos em numerário superiores a 3.000,00 €. No entanto, o que aqui está em causa é se foi ou não efetuado o pagamento, não se o mesmo observou a lei geral tributária. A seriedade do depoente que enunciou com total franqueza os factos que lhe eram desfavoráveis, como o reconhecimento da constituição de um crédito e o não pagamento total do montante que lhe foi exigido (embora justificado pelo incumprimento do empreiteiro), explanando que o empreiteiro lhe explicou que se não entregasse tais quantias não podia comprar material para fazer a obra (e que hoje já não pagaria tais quantias), sem que tenha sido efetuada qualquer prova que o contradissesse, permitem que se possa assentar em tais factos, como se fez na sentença.
Por outro lado, a existência ou não de um crédito é questão de direito: é uma conclusão que se tem que retirar de factos (o contrato e as suas vicissitudes) conjugados com as normas jurídicas.

Termos em que não é possível dar por provado, como pretende o Recorrente, que
“a) - Do valor global orçamentado, a Ré apenas procedeu ao pagamento da quantia de 28.444,00 € à sociedade X, Lda.”.
“b) - A Ré reconhece a existência de um crédito, quer a nível contabilístico, quer a nível legal, de, pelo menos, 20.000,00 €, perante a aqui Autora”.

Pretende ainda o Recorrente que se dê como não provado o facto 22 com base no depoimento da testemunha M. V., mas do seu depoimento decorre claro que o mesmo nada sabe sobre o contratado, apenas tendo observado o que se mostra construído, sem saber explicar quem o fez. Não é possível, com fundamento neste argumento, alterar a conclusão obtida na sentença.
A Recorrente afirma ainda que com base no depoimento de M. B. e J. S. não é possível dar como provados os pontos 22 e 37 da matéria de facto provada, porquanto não afirmam o valor orçamentado da obra e quando e em que circunstâncias os defeitos foram reclamados, nem se foram reparados.
No entanto, a prova desses factos e dos demais, relativos ao acordo celebrado entre a Ré e a X, Lda e ao desenvolvimento e incumprimento do mesmo, resulta da conjugação de vários meios de prova: as declarações do representante da Ré, o depoimento destas testemunhas, que depuseram sobre os trabalhos que viram ir sendo realizados e depois de realizados, salientando os defeitos da obra, os documento juntos com a contestação consistentes em faturas que confirmam os pagamentos a que se reportou o representante da Ré, os cheques referentes a parte destas, levantamento de defeitos, com fotografias, efetuado à data, emails com reclamações dos trabalhos efetuados, ainda no ano período em que estava a ser elaborada e após a mesma, protestando que a mesma não estava terminada e resposta de 28 de dezembro de 2016 em que a empreiteira promete cumprir e afirma que “amanhã marco reunião na obra para falarmos”, os mails posteriores que continuam a apresentar fotografias de defeitos da obra, a mensagem enviada pelo empreiteiro em 3 de agosto de 2017 em que promete que “quanto à especialidades e arquitetura do armazém que é da nossa responsabilidade fica terminado esse mês para após o pedido na câmara vamos entrar com o processo”, o orçamento elaborado por M. V. quanto a vários projetos da obra. Todos estes elementos, confirmam, pois, o dado como provado em 22), 25), 26), 27), 29), 30), 31), 32), 33), 37, 38), 39) e 45).
Da mesma forma, também estas declarações, documentos e depoimentos, com particular enfâse no afirmado por M. V., que confirmou o orçamento que elaborou, assertam o ponto 51. Esta testemunha não pode precisar o preço acordado com a devedora da Autora, nem todos os trabalhos que esta realizou, mas tão só o que viu realizado, não se sabendo se todo o lá contido devia ser efetuado pela mesma, pelo que a diferença de preços apontada por esta testemunha não tem significado, tanto mais que, pelo desconhecimento que traz do acordado, não traz qualquer outro valor que pudesse ser atribuído ao crédito (e que segundo a fatura apresentada pela Autora com a petição inicial – que no seu articulado não alegou qualquer facto relativo à constituição de tal crédito - perfaria ainda valor inferior).
O orçamento junto como doc. 22, conjugado com os demais testemunhos e as fotografias apresentadas também confirmam o ponto 52 da matéria de facto provada, porquanto foi referido que se mostra necessário fazer portas por medida, isolamentos, a montagem do mecanismo de abertura e um portão certificado.
O que a Recorrente pretende que se dê como provado – que a “sociedade X, Lda. é detentora de um crédito à aqui Ré, no valor de € 33.544,00 não é um facto, como supra se salientou, mas uma conclusão jurídica.
Por outro lado, nenhuma inversão do ónus da prova ocorre com a indicação do crédito à penhora, no âmbito da execução ou com a simples apresentação de uma fatura. Esta apresentação apenas de mostra a sua existência e que foi emitida, não que quem a exigiu tenha efetivamente prestado o serviço que lhe subjaz.
Para apurar a “detenção” de tal crédito era necessário provar os factos que o constituíram e que o tornaram exigível: no caso, a celebração de um contrato entre aqueles (com, pelo menos, os seus elementos essenciais, o que se encontra provado, embora de forma pouco detalhada) e que a indicada credora efetuou os respetivos trabalhos.
A matéria de facto não pode, ainda hoje, conter puras apreciações de direito, envolvendo valorações obtidas através da aplicação da lei, pelo menos se centrais na decisão da causa, não podendo o tribunal nessa sede formular juízos conclusivos que encerrem o próprio thema decidendum ou apresentar conclusões e conceitos vagos, por serem subjetivos e sem conteúdo definido.
Como se explanou no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06/28/2018, no processo 170/16.6T8MMN.E1, (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt): “No âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito. II. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado”.
Tudo isto, obviamente, sem esquecer que a substituição da base instrutória pelos temas da prova, implicou que a matéria de facto esteja menos limitada por formalismos; mas esta liberdade, a par da consideração de factos que, embora não alegados, resultaram da discussão da causa, nos termos do artigo 5.º n.º 2, do Código de Processo Civil, não permite ainda que no enunciação da matéria de facto provada se inclua pura matéria de direito ou conceitos indeterminados. Neste sentido cf. acórdão Supremo Tribunal de Justiça, no processo 819/11.7TBPRD.P1.S1, de 09/10/2015.
Não é possível, pois, dar como provada a conclusão que encerra a discussão sobre a existência ou não do crédito litigioso, como pretende a Recorrente.
Da mesma forma, não se apurou, com segurança, o custo da reparação dos defeitos do pavilhão, mas tão só de alguns trabalhos que ainda faltava realizar, pelo que não se pode aditar à matéria de facto provada tal adição, pretendida pela Recorrente, com a alínea c) “c) O valor necessário à reparação dos defeitos alegados pela Ré é igual ou inferior ao montante de 19.224,40 €”.
Improcede totalmente a impugnação da matéria de facto.
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Da aplicação do Direito

A Autora funda o seu crédito (que adquiriu em sede executiva) numa obrigação contratual, resultante da celebração de um contrato de empreitada entre o ora Réu e outra sociedade. Era seu ónus, pois, nos termos do artigo 342º do Código Civil invocar e provar a celebração do contrato, de forma suficientemente concretizada para se poder alcançar o seu teor (nomeadamente as prestações que ambas as partes se obrigaram a prestar: quais as obras acordadas e o correspetivo preço ou forma de o determinar), assim como o cumprimento do contrato, o que só com o recurso a factos se pode fazer, com a indicação dos concretos trabalhos que foram realizados. (cf, entre muitos, neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/20/2014, no processo 161682/12.7YIPRT.C1)

O Código Civil prevê várias soluções possíveis para casos de incumprimento defeituoso na realização de uma obra num contrato de empreitada:
- recusa pelo dono da obra da prestação que não é efetuada integralmente (artigos 762º nº 1 e 763º nº 1 Código Civil);
- eliminação dos defeitos pelo empreiteiro (art. 1221º Código Civil);
- redução do preço (art. 1222º nº 1 Código Civil)
- resolução do contrato (art. 1222º nº 2 Código Civil).

No que respeita especificamente à empreitada, “se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção” (artigo 1221º nº 1 do Código Civil), só se podendo pedir a redução do preço ou a resolução do contrato, no caso de não ter sido possível eliminar os defeitos ou construir de novo a obra (artigo 1222º do Código Civil).
Perante a existência de defeitos, a lei concede ao dono da obra vários direitos, o primeiro dos quais é o de exigir a sua eliminação.
A exigência de eliminação dos defeitos é uma forma de execução específica característica do contrato de empreitada; pretende-se exigir o cumprimento do acordado.
O dono da obra deve começar por exigir que o defeito seja eliminado pelo próprio empreiteiro (artigo 1221º, nº 1 do Código Civil).
Mas se os defeitos não puderem ser eliminados, cabe ao comitente o direito de exigir do empreiteiro a realização de uma nova obra (art. 1221º, nº1, 2ª parte do Código Civil), visto que se o dono da obra não obteve o resultado pretendido, o empreiteiro continua adstrito a uma prestação de facto positivo.
Perante a recusa do empreiteiro, pode o dono da obra requerer a execução específica da prestação de facto, nos termos do artigo 828° do Código Civil, se ela for fungível.
Nesse caso, os defeitos são eliminados, ou a obra realizada de novo por outrem à custa do empreiteiro.
Assim, considera-se que, em regra, não é admissível que o dono da obra proceda, em administração direta, à eliminação dos defeitos ou à realização de nova obra, pois isso seria uma forma de autotutela não admitida na lei..." (cf Menezes Cordeiro, in "Direito das Obrigações", III Volume -1991, págs. 537/538). No entanto, atualmente cada vez mais se aceita que em casos em que há urgência na sua realização, ou se tenha efetuado notificação admonitória, sem que, decorrido o prazo razoável fixado, a reparação tenha sido efetuada, pode o dono da obra proceder à mesma a suas expensas, por não se poder sujeitá-lo ad eternum à mora do credor, salvaguardando a sua posição.
Também a exceção de não cumprimento tem lugar no âmbito deste contrato, embora sujeita, não só aos requisitos gerais desta figura, prevista no artigo 428º do Código Civil, mas, atentas as suas especialidades, também a requisitos específicos (na doutrina, entre muitos cf Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e empreitada” Almedina, p. 328 e na jurisprudência, também entre tantos acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2009, no processo 674/02.8TJVNF.S1).
Nos contratos bilaterais, os artigos 428º e 429º do Código Civil concedem ao contraente que não tenha que cumprir previamente a sua obrigação, a faculdade de recusar a sua prestação, enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo, havendo uma relação de correlação entre ambas.
Com esta exceção, o devedor pode retardar o cumprimento da sua obrigação, desde que esta esteja ligada por um sinalagma à que deve ser prestada pela parte contrária, na mesma data ou em data anterior à sua e não tenha sido cumprida ou oferecido o seu cumprimento pela parte contrária, de molde a obrigá-la a também cumprir a sua parte no contrato.
Com a exceção da inadimplência o contraente que a invoca visa obstar temporariamente á exigência da contraprestação pela outra parte no contrato (da qual é credor), sem que este, por sua vez, cumpra ou coloque á disposição o concomitante cumprimento (é uma exceção de direito material dilatória, por apenas atrasar o prazo do cumprimento da obrigação por quem a invoca).
Mas, enquanto a parte obrigada à prestação – ou quem ocupa a sua posição – não cumprir a sua parte ou não oferecer o cumprimento, o devedor não pode ser condenado a pagar a contraprestação de algo que não corresponde ao prometido.
É evidente que a recusa do pagamento tem que observar a boa-fé, não podendo haver uma disparidade injustificada entre o não prestado por cada uma das partes.
Como se escreve no acórdão que acabámos de citar “No que respeita ao contrato de empreitada, o dono da obra pode, normalmente, excepcionar o pagamento do preço se este se vence depois ou simultaneamente com a entrega da obra. Pode, porém, acordar-se – o que sucede com frequência – num pagamento parcelar, com vencimentos periódicos anteriores à aceitação da obra, casos em que, tendo em conta o disposto nos arts. 429º e 781º, a admissibilidade da exceptio perante uma execução defeituosa é igualmente de sustentar, como peremptoriamente o afirma PEDRO ROMANO MARTINEZ(5)..Embora a redacção do art. 428º possa suscitar algumas dúvidas, a doutrina e a jurisprudência têm, una voce, afirmado que a existência de prazos diferentes para a execução das obrigações sinalagmáticas não constitui obstáculo ao funcionamento da exceptio: esta, em princípio, só não pode ser invocada pelo contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar, já que este, por isso mesmo, não pode fazer depender a realização da sua prestação do respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo.”
Por força das especialidades do regime jurídico do contrato de empreitada previsto no Código Civil, para que o dono da obra possa invocar a exceção do não cumprimento, exige-se, além dos requisitos típicos desta exceção, que este tenha denunciado os defeitos e exigido que os mesmos fossem eliminados (ou a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos circa rem).
Postos estas ideias mestras sobre o contrato de empreitada, cumpre concretizar.

No presente caso, apesar da petição inicial ser totalmente omissa nesse sentido, tendo apenas sido apresentada com essa peça processual uma fatura, veio a Ré trazer muitos dos contornos da relação contratual.
Nos pontos 22 e 23 da matéria de facto provada encontram-se indicados os trabalhos ajustados relativos a um pavilhão industrial, que incluía o projeto de arquitetura e licenciamentos, com nivelamento de terreno, estrutura completa, com portas e portões, bem como o preço global da obra. No entanto, demonstraram-se diversos trabalhos com defeitos e incompletos, no que toca aos pisos, estrutura, na soldadura, falta de licenciamento, portões sem abrir. Mais se provou que todos os defeitos foram sendo objeto de reclamação e bem assim que a Ré necessitava de obter o licenciamento para evitar uma contraordenação, pelo que a 3 de julho de 2017, escreveu à X afirmando que “desta forma tenho o a informar que se até ao dia 01/09/17 não tiver comigo todo o processo relativo a construção nova, eu próprio como estou a fazer com a obra que ficou por concluir irei procurar um gabinete capaz e competente de tratar de todo processo de arquitetura e especialidades necessários e todas as despesas que vier a ter com isso ser lhe a debitadas”.
Provada a celebração do contrato, também se provou que o mesmo não foi cumprido na íntegra, nomeadamente quanto aos licenciamentos e correção de todos os defeitos, pelo que bem podia a Ré invocar, quer a exceção de não cumprimento e, atenta a urgência da obtenção do licenciamento para evitar a contraordenação, revogar o contrato a fim de obter a prestação por terceiro.
Quanto a esta asserção, afirma o Recorrente que “não se aferiu, sequer, quais os efetivos defeitos da obra, se foram reclamados em tempo útil, quais os que foram reparados, qual o valor pago e qual o valor em dívida, bem como os exatos valores da reparação dos defeitos”.
No entanto, visto que não logrou alterar a matéria de facto provada, encontram-se elencados os defeitos da obra no ponto 25, 26, 27, 31 e 36 e bem assim a sua reclamação e pedido de eliminação.
Era ao Autor, que se colocou na posição jurídica do empreiteiro ao adquirir o crédito litigioso na execução, que cumpriria alegar e provar a caducidade do direito em exigir a eliminação dos defeitos, como exceção perentória que é, nos termos do artigo 342º nº 2 do Código Civil, o que não logrou fazer, até porque da matéria de facto provada resulta que as reclamações se iniciaram ainda no decurso da obra.
Não obstante o Recorrente invocar uma inversão do ónus da prova, remetendo para o artigo 344º do Código Civil, não explana a funda e nenhuma se vislumbra: não invocou, nem se verifica qualquer presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, a lei não o determina, nem ocorreu qualquer convenção nesse sentido.
Da mesma forma resulta claro da matéria de facto provada que as reparações não foram efetuadas.
Por fim, basta que não exista manifesta desproporção entre as obrigações não cumpridas para que possa ser invocada a exceptio non rite adimpleti contractus, desproporção essa que não resulta da matéria de facto provada, até porque não se encontram valorizados todos os defeitos encontrados na obra.
O facto do valor acordado pela obra ser superior à soma do valor que a Ré pagou, não implica que se constituiu débito no valor dessa diferença: não se provou que a empreiteira realizou todos os trabalhos a que se obrigou. Antes pelo contrário, até se provaram concretamente alguns dos trabalhos que não foram realizados, como o licenciamento da obra. Ora, não podiam ser tidos como devidos valores de trabalhos não realizados
Assim, alguma diferença entre o valor acordado para a empreitada e o valor pago e das despesas e custos apurados relativos à correção de defeitos da mesma e dos prejuízos que esta causará não impede que a Ré possa exercer a exceção do não cumprimento.
De qualquer forma, verificam-se os pressupostos que permitem à Ré invocar a exceção do não cumprimento: presume-se que o vencimento da obrigação desta ainda não teria ocorrido, porquanto se não provou que a obra foi aceite, nos termos do artigo 1211º, nº 2, do Código Civil; a obra apresenta defeitos que a Ré exigiu que fossem reparados e que o não foram; nada aponta para que a Ré esteja a abusar do direito que lhe assiste, por manifesta desproporção entre o que pagou e o que foi realizado sem defeitos ou a falta de importância destes.
Por fim, a Recorrente requer ainda que determine a prossecução da ação declarativa para produção de melhor prova, mas nada o justifica no presente caso., tanto mais que a impugnação da matéria de facto provada foi improcedente, tendo, no essencial, a Ré logrado provar a sua posição.
Termos em que improcede a apelação.

DECISÃO

Pelo exposto, julgam-se os recursos totalmente improcedentes e, em consequência, este Tribunal confirma o despacho e a sentença recorridos.
Custas pela Apelante.
Guimarães,

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves