Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
621/13.1GAPTL.G2
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Após a redação dada ao art. 170 do Código da Estrada pela Lei 72/2013, na fixação do teor de álcool no sangue feita através de pesquisa de álcool no ar expirado, deve atender-se ao valor registado no aparelho depois de deduzido o erro máximo admissível (EMA), a que a lei chama “valor apurado”, prevalecendo este.
II – Trata-se de uma norma processual penal material, na medida em que dispõe sobre um meio de prova que é mais favorável ao arguido.
III – O seu regime é aplicável aos exames efetuados antes da entrada em vigor daquela Lei 72/2013, porque o princípio constitucional da aplicação retroativa da lei mais favorável não se restringe à lei penal substantiva, devendo ser alargado às normas processuais penais de natureza substantiva, ou quase substantiva.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do tribunal da Relação de Guimarães
I)
Relatório

No processo sumário supra referido do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, por Sentença de 27.11.2013, foi para além do mais, decidido:
- Condenar o arguido SÉRGIO F..., como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292°, nº 1 e 69º, nº 1, al. a) do Código do C. Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 7 Euros, o que perfaz a multa global de 500 Euros.
- Condenar o arguido na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses.

Inconformado, interpôs recurso o arguido, concluindo a sua motivação com conclusões das quais resultam que as questões colocadas à apreciação deste tribunal são as seguintes:
Saber se deviam ter sido aplicadas as margens de erro previstas na Portaria nº 1556/2007, de 10.12 e se o alcoolímetro faz prova em juízo:
Saber se o tribunal a quo errou na apreciação da prova;
Saber se foi violado o princípio in dúbio pró reo;
Saber se a decisão impugnada padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto;
Saber se o alcoolímetro obedece a todos os requisitos legais;
Saber se o quantitativo da pena de multa deve se reduzido;
Saber se a sanção acessória aplicada deve ser reduzida.

Respondeu o MP, pugnando pela manutenção da douta sentença.
Nesta instância a Exmº Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO
Com relevância para a decisão do presente recurso, importa que se transcreva agora a matéria de facto que foi dada como provada na 1ª instância:
1. No dia 19 de Outubro de 2013, pelas 22 horas e 30 minutos, na Estrada Nacional n°201, em concreto, ao km33,500, da freguesia de Arcozelo, do concelho de Ponte de Lima, área desta comarca, o arguido SÉRGIO F... tripulava o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ...-04-88.
2. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., no âmbito de uma acção de fiscalização efectuada por agente da Guarda Nacional Republicana – Posto Territorial de Ponte de Lima, devidamente uniformizado e identificado como tal, foi o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, através de aparelho Drager, modelo Alcotest 7110MK III P, série n°ARRL – 0084, aprovado para utilização na fiscalização pelo Despacho n°19684/2009, de 25 de Junho de 2009, da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, publicado no Diário da República, 2a Série, n°166, de 27 de Agosto de 2009, e pelo Instituto Português da Qualidade, através do Despacho de Aprovação de Modelo n°211.06.07.3.06, de 24 de Abril de 2007, verificado pela mesma entidade no dia 29 de Novembro de 2012, com aprovação válida para os fins legais até 31 de Dezembro de 2013.
3. Submetido ao exame aludido em 2., o arguido SÉRGIO F... apresentou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,84 gramas por litro de sangue.
4. Ao ser confrontado com essa TAS o arguido declarou não pretender contraprova.
5. O arguido sabia que a qualidade e a quantidade de bebidas alcoólicas que ingeriu até momentos antes de decidir-se tripular aquela viatura lhe determinariam necessariamente uma TAS superior a 1,20 gramas por litro de sangue e, não obstante, não se absteve de circular com o identificado veículo automóvel na via pública, o que vez de forma livre, voluntária e conscientemente, sabedor da ilicitude do seu comportamento.
6. O mencionado Sérgio Fernandes não desconhecia ser a sua conduta proibida e punida por lei.
7. Do Certificado de Registo Criminal do arguido nada consta.
9. O arguido é casado.
10. Tem dois filhos.
11. Exerce a actividade profissional de motorista, auferindo um vencimento que, em concreto, não foi possível apurar.
12. É condutor diligente, prudente e cuidadoso.
Factos não provados
a) que o aludido SÉRGIO F... estivesse num jantar com uns amigos, sendo que o álcool ingerido, em concomitância com os alimentos que acabara de ingerir, poderão ter contribuído para uma TAS que na realidade o arguido não indicava;
b) que nas circunstâncias referidas sob o n°1, dos factos provados, o arguido tivesse uma distância a percorrer de cerca de 1km;
c) quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir.
Motivação
A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355°, do Código de Processo Penal), sempre no confronto com as regras gerais da experiência e da norma do artigo 127°, do Código de Processo Penal.
Antes de mais, importa sublinhar que quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador.
Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência das mesmas declarações e depoimentos (para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal, vide RICCI BITTI/BRUN A ZANI, A comunicação como processo social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997).
O juiz deve ter uma atitude crítica de avaliação da credibilidade do depoimento não sendo uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso saber (vide Acórdão de 17 de Janeiro de 1994, publicado na revista Sub Judice, n°6-91).
A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, há-de fundar-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal.
Obviamente que essa apreciação de prova está sujeita ao dever de fundamentação, desde logo, como decorrência do disposto no artigo 205°, n°1, da Constituição da República Portuguesa, pelo que o princípio da livre apreciação das provas, previsto no artigo 127°, do Código de Processo Penal, não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado.
Outro sistema, que não este, que tem consagração no já referido princípio da livre apreciação e convicção do julgador, que não admitisse este risco conflituaria com direitos fundamentais ou poderia conduzir a situações de verdadeira denegação de justiça.
Deste modo, a matéria de facto tida como provada pelo tribunal resultou da análise da prova produzida em audiência de julgamento, tendo em conta os parâmetros vindos de referir.
O arguido SÉRGIO F..., por motivos profissionais, que se consideraram justificados, não esteve presente na audiência de julgamento.
Posto isto, o tribunal atendeu, desde logo, à prova documental junta aos autos, em concreto: [i] ao auto de notícia, junto a fls.3-4, do p. p., elaborado por agente da Guarda Nacional Republicana – Posto Territorial de Ponte de Lima; [ii] à notificação de fls.10-11, do p. p., onde se assinala que o arguido declarou não pretender contraprova; [iii] ao talão emitido pelo aparelho de pesquisa de álcool no sangue, a fls.12, do p. p., com a informação de que o arguido acusou uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de 1,84g/l; [iv] à informação remetida pelo Instituto Português da Qualidade, a fls.52-53, do p. p.; e [v] à informação remetida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, a fls.58-60, do p. p.
O auto de notícia faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.
O auto assume-se, desta forma, como um documento autêntico, uma vez que emana de um órgão de policia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração.
Enquanto documento autêntico, faz prova plena dos factos que refere como praticados, in casu, pela autoridade policial, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (vide artigo 371°, n°1, do Código Civil).
Como aduz VAZ SERRA, este documento é um documento testemunhal, na medida em que o documentador (agente da Guarda Nacional Republicana) se limita a atestar um facto, a informar acerca de um acontecimento que ocorreu (vide BMJ, 111°-123ss).
A força probatória plena desse documento limita-se, no entanto, aos factos praticados pelo documentador e por ele atestados e prova, ainda, plenamente, os factos atestados que se passaram na sua presença.
Ora, no caso vertente, o auto de notícia supra mencionado não foi posto em causa em sede de audiência de julgamento – nem, tampouco, no decurso de todo o processo –, por nenhum dos intervenientes processuais.
Os enunciados elementos documentais foram conjugados com o depoimento prestado por Paulo S... — agente da Guarda Nacional Republicana que procedeu à elaboração do mencionado auto de notícia, como confirmou —, que, de forma objectiva, séria, segura, linear, isenta e credível, descreveu as circunstâncias em que actuou, designadamente, o modo como procedeu à identificação do arguido — através do B. I. e da carta de condução — e a sua sujeição ao exame de pesquisa de álcool.
No que concerne à postura do identificado Sérgio Fernandes referiu que foi colaborante e que manifestou não pretender contraprova quando confrontado com a TAS que apresentava.
Esta postura do arguido é manifestamente contraditória com aquela que resulta da contestação que apresentou.
Com efeito, se aquando do exame a que foi submetido aceitou a TAS que lhe foi comunicada e prescindiu de contraprova, na contestação põe em causa essa TAS, não só por desconhecer a qualidade dos analisadores qualitativos e quantitativos, uma vez que não foi junta a respectiva homologação e certificação, mas também por não ter sido levada em conta a margem de erro aplicável.
No que concerne à qualidade dos analisadores, mostra-se suprido o desconhecimento do arguido mediante a junção aos autos das informações remetidas pelo Instituto Português da Qualidade e pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
No que respeita à margem de erro, aderimos à posição sustentada no Acórdão da Relação de Coimbra, de 24 de Abril de 2012 (acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo n°1253/11.4PBLRA.C1, relator Jorge Dias), segundo o qual: (...) O juiz pode convencer-se com aprova que tenha como coerente e convincente. Em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei — art. 125 do CPP. E, a prova através de aparelho aprovado, de medição de álcool no sangue através do ar expirado, é admissível e válida. As provas são apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador — art. 127 do CPP. O julgador apenas podia concluir pela existência da taxa de alcoolemia no quantitativo acusado no aparelho, sendo que essa era a taxa correspondente à taxa de álcool no sangue do arguido (lá que nenhuma outra foi provada). Este é o entendimento maioritário nesta Relação. A medida da taxa de álcool no sangue é efetuada por aparelho igual ou semelhante ao utilizado no caso em análise, ou através da análise direta do sangue, caso seja requerida a contraprova. E, a contraprova é efetuada, nomeadamente, a pedido do arguido, quando questione, ou por ele seja `posta em causa" a leitura feita pelo aparelho. Efetuada a contra prova é que terá de se efetuar a correspondência entre a taxa de álcool no sangue resultante da leitura do aparelho e a resultante da análise ao sangue. Não se percebe outro meio de fazer a correspondência. Assim, a taxa de álcool no sangue do arguido era a indicada no aparelho utilizado para a medição, o qual estava devidamente homologado e aferido, ou seja, a taxa de álcool no sangue do arguido era de 1,21 g/l (e mesmo na eventualidade de aplicação da margem de erro de 8%, o resultado não era de 1,12). Como refere o Ac. da Rel. De Guimarães de 26-02-07, "no nosso sistema processual penal — art. 125 — são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei", e não é proibida a prova obtida através da utilização de aparelho de medição quantitativa de álcool no sangue, desde que devidamente aprovado, como estava o que foi utilizado no caso concreto. Assim que se tenha como válida a prova do quantitativo de álcool no sangue apresentado pelo arguido e detetada pelo aparelho marca Drager, modelo 7110 MKIII P, devidamente aprovado, porque apenas detetados "erros inferiores aos erros máximos admissíveis": Um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais. E, daqui logo resulta que a margem de erro admissível se deve observar quando da aprovação do aparelho (ou nas aferições posteriores, ordinárias ou em extraordinária) e não em cada uma das utilizações em concreto. Na sentença e matéria de facto, deu-se como provada a TAS de 1,21 g/l, a marcada no aparelho alcoolímetro, o que se fez de forma correta. Como se vem entendendo nesta Relação (pelo menos maioritariamente) e é nosso entendimento em vários acórdãos relatados (nomeadamente, processos n° 125/09.7GTC113.Cl e 407/07.2GTLRA.Cl), os EMA são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma veti respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra — Cfr. Maria do Céu Ferreira e António Cruz, in "Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade". É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exatos. Esta incerteza de medição é avaliada no ato da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respetivo regulamento —Cfr. wwwspmet.pt/cominicacoes 2_encontro/Alcoolimetros MCFerreira.pdf É por isso, que em domínios de medição com vários níveis de exigência metrológica se definem classes de exatidão em que os EMA são diferenciados de classe para classe. No caso dos alcoolímetros não existem classes de exatidão diferenciadas, mas existem dois tipos de alcoolímetros: uns designados de "qualitativos", outros de "quantitativos" Apenas este últimos têm características metrológicas suscetíveis de ser utilizados para medir a alcoolémia, para fins legais, dentro dos EMA definidos na lei. Os designados de qualitativos apenas servem para despistar ou confirmar situações de alcoolémia mais ou menos evidente, exigindo depois, se for caso disso, uma medição rigorosa com um alcoolímetro quantitativo legal. Os EMA constituem simples fatores de correção considerados no momento de Aprovação de Modelo [AP]; de Primeira Verificação [PV] e de Verificação Periódica [VP]. Qualquer alcoolímetro que os respeite é aprovado e torna-se a partir de então um instrumento válido e fiável para as subsequentes medições realizadas, as quais devem ser consideradas nos valores obtidos sem nova consideração ou ponderação dos mesmos EMA. Por isso é que com periodicidade regular os aparelhos de medição do teor de álcool no sangue têm de ser submetidos a controlo, verificação periódica, assim como outros instrumentos de medição têm de ser submetidos a aferição. Uma vez feito o controlo ou aferição, tais instrumentos estão aptos a serem utilizados como instrumentos de medição, sem que novamente se tenha de aplicar a margem de erro. O aparelho que no controlo faça a medição em obediência às margens de erro, está apto a ser utilizado, e uma vez utilizado são válidos os valores observados. A definição, através da Portaria n° 1556/2007, de determinados EMA, quer para a Aprovação do Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são corretas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais. Como se vê, os EMA não se destinam a atuar nas medições concretas efetuadas por cada aparelho aprovado e/ou verificado, mas antes a atuar em momentos prévios ou seja, nas operações de aprovação e verificação. Depois de aprovado e/ou verificado o alcoolímetro nos termos prescritos na lei, o mesmo, em cada concreta utilização, fornece medições válidas e fiáveis para os fins legais. Pode pois ter-se por certo que não só a lei não prevê a possibilidade de realização de um qualquer desconto, fundado nos EMA, aos valores indicados pelos alcoolímetros devidamente aprovados e verificados, como tal desconto carece de fundamento sob o ponto de vista da metrologia. Por isso, o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotropicas (RFCIASP), aprovado pela Lei n° 18/2007, de 17 de Maio, estabelece no seu art. 14, n° 1, que nos testes quantitativos do álcool expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. E no mesmo sentido se dispõe no art. 153, n° 1, do C. da Estrada. Transpondo tal entendimento para os autos, teremos, então, que na decisão recorrida o M.me Juiz a quo considerou, e bem, que o arguido conduzia sob a influência de uma TAS de 1,21 gll, ou seja, a constante do talão inserto a fls. 5 e sem interferência de um qualquer EMA. A alterar-se a taxa dada pelo aparelho, por nova aplicação do EMA, é que se verificava a existência do vício de erro notório na apreciação da prova e até contradição entre a matéria de facto provada e a motivação da mesma. Assim que nada houvesse a corrigir nem aplicar o EMA, nem resultando qualquer violação do princípio in dúbio pró reo, ou violação do art. 292 do CP, ou art. 8 da Portaria 1556/2007 de 10-12, nem tão pouco a Constituição (...) – vide, no mesmo sentido, Acórdão da Relação de Coimbra, de 30 de Janeiro de 2008, proferido no processo n°91/07.3PANZR.C1, Acórdão da Relação de Lisboa, de 23 de Outubro de 2007, proferido no processo n°3226/2007-5, Acórdão da Relação de Lisboa, de 03 de Outubro de 2007, proferido no processo n°4223/2007-3, Acórdão da Relação de Lisboa, de 09 de Outubro de 2007, proferido no processo n°5995/2007-5, Acórdão da Relação de Lisboa, de 18 de Outubro de 2007, proferido no processo n°7213/2007-9, Acórdão da Relação do Porto, de 06 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n°0716626, Acórdão da Relação do Porto, de 12 de Dezembro de 2007, proferido no processo n°0744023, Acórdão da Relação do Porto, de 14 de Março de 2007, proferido no processo n°0617247, Acórdão da Relação de Lisboa, de 23 de Outubro de 2007, proferido no processo n°7226/2007-5, Acórdão da Relação de Lisboa, de 20 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n°183/2008-3 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 08 de Abril de 2008, proferido no processo n°1491/2008-5, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
No que concerne aos factos que respeitam ao foro volitivo do arguido, insusceptível de percepção sensorial, a convicção do tribunal formou-se em virtude da conjugação da atitude desenvolvida por aquele com as consequências que, segundo é adequado e esperado – atentas as regras da experiência –, dela decorrem, podendo concluir-se, com segurança, que agiu de forma deliberada, livre e consciente, querendo tripular o veículo automóvel, com a matrícula ...-04-88, apesar de ter ingerido bebidas alcoólicas, e não obstante saber que essa sua conduta era proibida e punida por lei.
Com efeito, é do senso comum que quanto mais álcool se bebe, tanto mais limitados ficam a concentração e o discernimento.
É do conhecimento generalizado das pessoas, até das mais incautas, que não se deve conduzir caso se tenha ingerido bebidas alcoólicas.
Por recurso a juízos de experiência comum, infere-se que o arguido, ainda que sob a influência do álcool, manteve o discernimento bastante para tomar decisões e determinar-se de acordo com a sua vontade, o que não ocorreria se não estivesse no uso das suas faculdades mentais, num estado de pura obnubilação.
Aliás, o próprio acto de condução demanda do condutor não só capacidades físicas, como também, e sobretudo mentais, impondo-se-lhe capacidade de discernimento e avaliação (accionamento da ignição da viatura, controlo da direcção, introdução de mudanças, aceleração, travagem, observância e entendimento dos sinais e regras de trânsito, etc.).
Assim, não se pode inferir – como não se infere – que o arguido não possuísse ao nível da sua consciência psicológica todos os elementos necessários para fazer actuar, de forma adequada, a sua consciência ética, de modo a orientar-se, esclarecidamente, para o problema do desvalor em causa que a condução sob o efeito do álcool representa.
A convicção do juiz forma-se livremente, podendo, neste juízo de verosimilhança acerca dos dados processualmente adquiridos, estribar-se nas máximas da experiência e nos parâmetros de normalidade que subjazem à generalidade dos acontecimentos (cfr. artigo 127°, do Código de Processo Penal).
Pelos motivos vindos de expor, atenta a enunciada mobilização probatória, o tribunal considerou, pois, que o arguido SÉRGIO F... agiu com conhecimento e vontade de tripular o referido veículo automóvel, bem sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para exceder os limites legais, não desconhecendo o carácter reprovável dessa sua conduta.
No que concerne às condições pessoais, familiares, profissionais, económicas e sociais do arguido, o tribunal, face à ausência do arguido, atendeu ao depoimento prestado pela testemunha Andreia F..., sua esposa, que, não obstante a relação de casamento, depôs de forma que se teve por sincera e convincente.
A prova da ausência de antecedentes criminais baseou-se no respectivo Certificado de Registo Criminal, a fls.23, do p. p.

A não demonstração dos factos não provados resultou, sempre sem prejuízo do exposto em sede de motivação dos factos provados, de, sobre os mesmos, não se ter logrado fazer prova (documental e/ou testemunhal), tendente a permitir concluir pela sua verificação, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127°, do Código de Processo Penal.

***
As conclusões da motivação balizam o objecto do recurso.
Entremos na apreciação do recurso:
a) Da não aplicação da margem de erro prevista na Portaria nº 1556/2007, de 10/12
Existia divergência, a nível jurisprudencial, quanto ao modo de interpretação do artº8º da Portaria nº1556/07, de 10/12, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, tendo-se perfilado duas teses – uma defendendo que o erro máximo admissível era de considerar apenas nas verificações metrológicas a que se refere o artº7º do referido diploma, outra, considerando que o erro máximo se aplicava em cada leitura feita pelo alcoolímetro.
Foi no decurso desta divergência jurisprudencial que foi publicada a Lei nº72/2013, que entrou em vigor em 01/01/2014, dando a seguinte redacção ao artº170º do Código da Estrada:
1. Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar:
a) Os factos que constituem a infracção, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infracção e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos;
b) O valor registado e o valor apurado após a dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infracção for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.
2. (…)
3. O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.
4. O disposto no número anterior aplica-se aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.
5. (…)
Importa verificar se o disposto na al.b) do nº1 é ou não aplicável ao caso dos autos.
Aquela divergência jurisprudencial fica ultrapassada pois na fixação do teor de álcool no sangue (TAS), obtida após exame de pesquisa de álcool no ar expirado e realizado por aparelhos aprovados para efeito, deve atender-se ao valor registado pelo aparelho depois de deduzido o erro máximo admissível (EMA), a que a lei chama “valor apurado”, prevalecendo este.
Questiona-se, assim, se a al.b) do nº1, do artº170º constitui lei nova ou lei interpretativa, pois diferentes serão os seus efeitos.
Ensina Baptista Machado Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, 1983, pág. 246, que «É de considerar como lei interpretativa (por natureza) aquela que, com o fim de pôr cobro à controvérsia (ou pelo menos à incerteza) sobre o sentido de certa regra jurídica, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado: não necessariamente uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior que, até pode nem existir -, mas um sentido que os operadores jurídicos poderiam ter extraído da norma». E, conclui que para que uma lei nova possa ser considerada interpretativa são necessários dois requisitos Pág.247: «que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou intérprete, em face dos textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora».
Também Rodrigues de Bastos Das Leis, Sua Interpretação e Aplicação, Segundo o Código Civil de 1966, 2.ª edição - 1978, pág.s 49/50. ensina que a diferença entre uma lei interpretativa e uma lei inovadora reside em que a primeira visa pôr termo a reais dificuldades de interpretação que motivaram controvérsia doutrinal e jurisprudencial, enquanto a segunda, impõe uma interpretação diferente, apesar de existir uniformidade de interpretação na doutrina e nos tribunais, por dela discordar o legislador.
A função da lei interpretativa é, pois, a de fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior, com o que os interessados podiam e deviam contar, sem violar expectativas jurídicas e legitimamente fundadas.
Ora, no caso, inexistia norma anterior que impusesse a «dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição», pelo que estamos perante lei nova.
Para além de se tratar de lei nova, como bem se escreve no Acórdão desta Relação, proferido no processo nº1417/13.6GBBCL.G1 Relatora: Des. Nazaré Saraiva., trata-se de «uma norma processual penal material, na medida em que dispõe sobre um meio de prova, e que é concretamente mais favorável ao arguido do que o anterior quadro legal, pois estatui que o valor apurado, após a dedução do EMA, prevalece sobre o valor registado, quando a infracção for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.
De concluir, assim, pela aplicação do normativo em causa, de acordo com o artigo 2º, nº 4, do CPenal, pois, como se escreve no ac. nº 451/03, de 15 de Julho de 1993, do Tribunal Constitucional, o «(…) principio constitucional da aplicação retroactiva da lei mais favorável ao arguido constante do nº 4 do artº 29º da nossa Lei Fundamental (…) não se restringirá apenas ao domínio de aplicação da lei penal substantiva mas poderá, pois, ser alargado até ao ponto de sob a sua protecção deverem ser tidas certas situações, (…), em que está em causa uma norma processual penal de natureza substantiva ou, pelo menos, quase substantiva cuja projecção no processo não pode deixar de ter-se por intimamente conexionada com o próprio principio da legalidade e consequentemente com a garantia por ele conferida.» - cfr. BMJ nº 429; pág. 337 e ss.
Também Taipa de Carvalho, já anteriormente escrevia, que «A ratio político – criminal, constitucionalmente consagrada na Lei Fundamental portuguesa, conduz, por sua vez, à aplicação retroactiva das normas processuais penais materiais favoráveis» [cfr. Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 1990, pág. 224], e onde se inserem as «normas que dizem directamente respeito aos direitos e garantias de defesa do arguido (p. e., espécies de prova e valoração da sua eficácia probatória, graus de recurso)»[ cfr. ob. cit., pág. 211]
Por outro lado, embora o artº170º, nº1, disponha sobre o conteúdo do auto de notícia por «contraordenação rodoviária» presenciada por qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções, o que se compreende, atento o âmbito do diploma em que se acha inserido [cfr arts 131º e 132º], não se poderá restringir a estatuição contida na citada al. b) aos ilícitos contraordenacionais rodoviários, na medida em seria incompreensível que, para o preenchimento de um ilícito contraordenacional se procedesse à dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro e, que, quando o valor registado fosse igual ou superior a 1.2 g/l, já não se procedesse a essa dedução.» (negrito nosso)
Aplicando o exposto ao caso dos autos, ao valor registado de 1,40g/l, há que deduzir o EMA, fixado no quadro Anexo ao Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº1556/2007, de 10/12, que é de 8%, assim se obtendo a TAS de 1,69g/l.
Em conformidade, a matéria de facto constante dos factos provados relativa à taxa de alcoolémia passará a ter a seguinte redacção:
«Submetido a teste de pesquisa de álcool ao ar expirado, o arguido acusou uma TAS de 1,69g/l».
De referir, ainda, que o alcoolímetro em causa nos autos, obedece aos requisitos legais, bastando para tanto atentar no teor do ofício do Instituto Português da Qualidade que constitui fls. 52.
b) Isto posto, passemos ao conhecimento das questões suscitadas pelo arguido que têm a ver com a reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento.
Considera o arguido Sérgio que não há prova de que tenha agido com dolo directo e que do teor dos testemunhos produzidos em julgamento (agente Paulo S... e Andreia B...), resulta que o arguido: “parou voluntariamente”, num percurso de cerca de “1000 metros”, que não houve acidente e que foi colaborante. Mais refere que resulta do testemunho da Andreia que o arguido é “pessoa consciente e cuidadosa “é motorista de profissão”, não tem por hábito beber bebidas alcoólicas, até porque nos eu trabalho fazem testes ao mesmo”, sendo que é o sustento do seu agregado familiar, tudo para concluir que “o comportamento reiterado do arguido é cabalmente avesso ao crime em questão”.
Primeiro que tudo, importa dizer que parte da facticidade que o recorrente reclama para o elenco dos factos provados, já dele consta. Estamos a referir-nos, naturalmente, aos pontos 11 e 12 dos factos tidos por assentes (que o arguido exerce a profissão de motorista e que é condutor diligente, prudente e cuidadoso).
Relativamente à questão da prova da actuação dolosa do recorrente nada há a acrescentar ao que consta da fundamentação e que, por isso aqui se reproduz no segmento que ora interessa, para que dúvidas não subsistam:
No que concerne aos factos que respeitam ao foro volitivo do arguido, insusceptível de percepção sensorial, a convicção do tribunal formou-se em virtude da conjugação da atitude desenvolvida por aquele com as consequências que, segundo é adequado e esperado – atentas as regras da experiência –, dela decorrem, podendo concluir-se, com segurança, que agiu de forma deliberada, livre e consciente, querendo tripular o veículo automóvel, com a matrícula ...-04-88, apesar de ter ingerido bebidas alcoólicas, e não obstante saber que essa sua conduta era proibida e punida por lei.
Com efeito, é do senso comum que quanto mais álcool se bebe, tanto mais limitados ficam a concentração e o discernimento.
É do conhecimento generalizado das pessoas, até das mais incautas, que não se deve conduzir caso se tenha ingerido bebidas alcoólicas.
Por recurso a juízos de experiência comum, infere-se que o arguido, ainda que sob a influência do álcool, manteve o discernimento bastante para tomar decisões e determinar-se de acordo com a sua vontade, o que não ocorreria se não estivesse no uso das suas faculdades mentais, num estado de pura obnubilação.
Aliás, o próprio acto de condução demanda do condutor não só capacidades físicas, como também, e sobretudo mentais, impondo-se-lhe capacidade de discernimento e avaliação (accionamento da ignição da viatura, controlo da direcção, introdução de mudanças, aceleração, travagem, observância e entendimento dos sinais e regras de trânsito, etc.).
Assim, não se pode inferir – como não se infere – que o arguido não possuísse ao nível da sua consciência psicológica todos os elementos necessários para fazer actuar, de forma adequada, a sua consciência ética, de modo a orientar-se, esclarecidamente, para o problema do desvalor em causa que a condução sob o efeito do álcool representa.
A convicção do juiz forma-se livremente, podendo, neste juízo de verosimilhança acerca dos dados processualmente adquiridos, estribar-se nas máximas da experiência e nos parâmetros de normalidade que subjazem à generalidade dos acontecimentos (cfr. artigo 127°, do Código de Processo Penal).
Pelos motivos vindos de expor, atenta a enunciada mobilização probatória, o tribunal considerou, pois, que o arguido SÉRGIO F... agiu com conhecimento e vontade de tripular o referido veículo automóvel, bem sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para exceder os limites legais, não desconhecendo o carácter reprovável dessa sua conduta”.
Acresce que o arguido/recorrente não aponta quaisquer elementos concretos que invalidem o processo lógico que esteve na base da convicção do tribunal. Ora, como se escreve no acórdão da Rel. do Porto, de 12/05/04 www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, a convicção do julgador de 1ª instância só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum, o que não é, manifestamente, o caso.
Cabe ainda salientar, neste particular, que o crime de condução em estado de embriaguez do art. 292º do Cód. Penal é de perigo comum abs­tracto. As condutas punidas por este tipo legal não lesam de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicam a probabilidade de um dano contra um objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo - v. Comentário Conimbricense tomo II, pag. 889. A prática do crime ou a aferição da respectiva ilicitude ou gravidade não pressupõem a demonstração da existência de um perigo con­creto para os bens protegidos, nem, ainda menos, a ocorrência do dano. Isso significa que o perigo real não faz parte dos elementos típicos, existindo apenas a presunção por parte do legislador, as mais das vezes fundada numa observação empírica, de que a situação é perigosa em si mesma – v. Comentário, pag. 1.093. Estamos perante uma infracção de mera actividade em o que se pune é simplesmente o facto de o arguido se ter dispos­to a conduzir na via pública sob o efeito do álcool. Se o agente com a condução que faz do veículo causar perigo concreto para a vida, integridade física ou bens patrimoniais, então, o seu comportamento será subsu­mível à previsão do art. 291 do Cód. Penal”.
Servem estas considerações para concluir que apesar da não se haver dado como apurado que não houve acidente e que percorreu cerca de 1000 metros, o certo é que para os efeitos do objecto do recurso, tal facticidade não assume o relevo que o recorrente lhe pretendia atribuir.
Em conclusão diremos que a leitura da fundamentação da sentença, permite-nos verificar que o Tribunal a quo justifica a sua decisão sobre a matéria de facto expondo, de forma clara e coerente, o raciocínio que lhe permitiu dar como assente o quadro factual apurado, o qual é lógico e não viola as regras da experiência comum.
Por isso, como já acima afirmamos, sendo a convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, que beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
Em suma, nenhum erro patente de julgamento se detecta. O tribunal a quo avaliou a prova segundo a sua livre convicção, sem que tivessem sido violadas quaisquer regras da experiência comum ou sido utilizados meios de prova proibidos.
Daí que o recurso quanto à matéria de facto seja manifestamente improcedente.
Assim há que considerar definitivamente fixada a matéria de facto atrás escrita, a menos que ocorra qualquer dos vícios referidos nas diferentes alíneas do n° 2 do artº 410º do referido Código, cujo conhecimento é oficioso.
Sucede porém que, como já referimos anteriormente, é o próprio recorrente quem invoca a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Vejamos.
B) O apontado vício a que alude a alínea a) do citado artº 410º existe, quando da factualidade vertida na decisão se verifica faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.
Como se refere no Ac. STJ 97.11.12 (citado por Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal anotado, Vol. II, pág. 752), quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz.
Do exposto resulta que o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não pode de modo algum confundir-se com insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão esta situada na esfera do princípio da livre apreciação da prova (artº 127° CPP), a qual é insindicável em reexame da matéria de direito.
Contudo há que ter presente que o referido vício tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (artº 410º, n° 2 CPP), não sendo admissível a consulta a outros elementos que constem do processo, como vem sendo o entendimento da jurisprudência.
Assim as raízes desse vício tem de estar implantada na decisão recorrida.
Ora acontece que no caso vertente o arguido Sérgio vislumbra aquele vício na divergência que tem relativamente à apreciação da prova que foi levada a cabo por parte do tribunal, isto é não concorda com os factos que foram dados como provados, o que, face a tudo quanto acaba de ser exposto nada tem a ver com o referido vício.
Na verdade no caso dos autos é bem evidente que o recorrente não aponta na decisão recorrida a falta de qualquer elemento que pudesse impedir o juízo de condenação, o que diz é que na sua perspectiva face à prova produzida a sua conclusão era diferente daquela que foi tirada pelo tribunal "a quo".
Só que essa divergência quanto à forma como o tribunal valorou a prova produzida, nada tem a ver com os vícios previstos no citado artº 410º, nº 2 do C.P.P.
Uma coisa é a apreciação da prova pelo juiz que tem de decidir sobre os factos trazidos a juízo e outra a apreciação da prova feita pela recorrente.
E a circunstância de os elementos probatórios analisados em audiência de julgamento haverem sido valorados de modo diferente do pretendido pelo recorrente não envolve qualquer violação dos critérios legais sobre apreciação de prova, como parece pretender ao arguido.
Em suma: segundo os meios de prova dos autos concluiu-se pela condenação do arguido Sérgio Fernandes, como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o que notoriamente não está errado, pois que, atentando na fundamentação da matéria de facto dada com assente, é patente que se não valorizaram provas contra as regras da experiência comum ou "contra legem", nem se afirmou algo de impossível verificação (em si ou por inconciliável ou contraditório com outro algo).
Como assim, do texto da decisão sob recurso, quer em si, quer conjugada com as regras da experiência comum não se mostram os apontados vícios.
Daí que o esforço argumentativo do recorrente não pode proceder.

(c)Da excessividade das penas aplicadas:
É entendimento do recorrente que a sua situação económica justifica uma redução da pena de multa.
Vejamos:
O crime é punível, nos termos do artº292º, nº1 do C.P., com pena de prisão até um ano ou multa.
Em causa não está a opção pela pena de multa, de modo que só a esta nos vamos reportar.
O critério para fixação da pena de multa é o critério geral do artº 71° do Cód. Penal que estatui que deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em vista a protecção dos bens jurídicos e a reintegração daquele (art°40° no l do C.P.).
E no seu nº 2 manda atender àquelas circunstâncias que não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, indicando, a título exemplificativo, algumas delas nas várias alíneas.
No caso, tendo especialmente em conta a taxa de alcoolemia acusada (1,69g/l) e ainda as fortes necessidades de prevenção, apesar de o arguido não ter antecedentes criminais, mas sem deixar de ter em atenção que para realizar as finalidades da punição, "a pena de multa tem representar uma censura suficiente do facto, sentido verdadeiramente pelo arguido e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada Ac. RP de 19.03.2003, in www.dgsi.pt/jtrp., cremos que a pena fixada pelo Tribunal a quo - 70 dias -, se mostra justa e adequada.
Quantitativo diário:
Quanto ao quantitativo diário da multa, o art°47° n°2 do C.P. determina que o tribunal fixe a multa em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais.
No que se refere à situação económica do arguido/recorrente ficou provado que:
- O arguido é casado.
- Tem dois filhos.
- Exerce a actividade profissional de motorista, auferindo um vencimento que, em concreto, não foi possível apurar.
Perante a apontada situação económica, o montante diário de € 7,00 (sete euros), mostra-se adequado e proporcionado, tendo presente que para atingir as finalidades da punição, a pena de multa tem que ser sentida. Relembre-se ainda neste particular que a pena de multa para alcançar os seus objectivos não pode ter um carácter meramente simbólico, devendo antes constituir para o condenado um sacrifício pelo crime cometido.
Se assim não fosse a pena de multa não possuiria eficácia preventiva nem realizaria as finalidades da punição.
Por isso, também nesta parte o recurso haverá que improceder.
Medida da pena acessória:
Ensina Figueiredo Dias Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 93. que são penas acessórias "aquelas que só podem ser pronunciadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal".
Por outro lado, as penas acessórias "devem ser aplicadas na sentença e a respectiva medida, dentro da moldura geral abstracta, obedece aos critérios legais de fixação da medida concreta” Maia Gonçalves – Código Penal Portugês – 15ª Edição – 2002 anotação ao artº 65º, pág. 228., ou seja, deve ser fixada de acordo com o critério do arto 71° do C.P..
Enquanto que a pena principal visa, nos termos do art°40 n°1 do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a pena acessória tem uma finalidade mais restrita - prevenir a perigosidade do agente (muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral” Ac. RC de 17.01.2002 – CJ 2001, Tomo I, pág. 50. de "intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa" (....), "à proibição de conduzir deve assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano" Figueiredo Dias, obra citada, pág 165..
No caso, o arguido conduzia com uma taxa de alcoolémia - 1,69 g/l - o que está cientificamente comprovado, perturba fortemente o exercício da condução.
É por todos sabido que a condução sob o efeito do álcool é apontada como uma das mais frequentes causas desencadeadoras de acidentes graves.
Por isso, nada justifica que a pena seja reduzida (mesmo tendo presente a alteração operada quanto taxa de sangue).
Note-se que também a inibição de conduzir não pode deixar de constituir um sacrifício real para o agente, embora limitado ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos Cfr., artº 18º da CRP J. Canotilho Gomes e Vital Moreira – CRP Anotada – 3ª Edição, pág. 145 e segs..
Invoca o arguido a necessidade de conduzir por motivos profissionais. Trata-se de um facto que não constitui critério para a determinação da medida da sanção acessória. Não há norma ou princípio da ordem jurídica que autorize ou tome menos censurável a condução em estado de embriaguez por parte dos chamados «profissionais da estrada» - taxistas, motoristas, vendedores, etc. Trata-se, aliás, de um argumento que, em vez de aligeirar a responsabilidade, mais acentua a necessidade da pena, pois àqueles que exercem a sua profissão conduzindo veículos, é exigível um especial cuidado na abstenção de comportamentos que coloquem em risco a segurança dos outros utentes da via.
Acresce que, corno se escreveu no acórdão desta Relação com o n° 42/06 – 2ª secção – , relatado pelo Exmº Desembargador Fernando Monterroso, após a entrada em vigor da Lei 77/01 de 13-7, a moldura desta sanção, que tinha a duração de 1 mês a 1 ano, passou a ser de 3 meses a três anos. Esta alteração insere-se num conjunto de medidas que tradu­zem um inequívoco desejo do legislador de reforçar os instrumentos de prevenção, repressão e sanção dos comportamentos violadores das regras estradais.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não é passível de censura, no que concerne ao tempo de duração fixado para a pena acessória, uma vez que o sancionamento efectuado se mostra equilibrado e adequado e sem que se mostre ultrapassada a medida da culpa De referir ainda que a pretensão do recorrente de ver declarada suspensa a execução da sanção acessória (que o arguido, de resto, não concretiza em normas legais) não tem acolhimento na lei carecendo, por isso de fundamento..
O recurso não pode, pois, deixar de improceder.
Resta decidir:
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pela recorrente em duas Ucs.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º, nº 2 do C.P.P.)
Guimarães,
José Maria Tomé Branco (relator)/ Filipe Melo (Adjunto)