Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6727/17.0T8VNF.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
MANDATO
AÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA
ÓNUS DA PROVA
INOBSERVÂNCIA DO CUMPRIMENTO
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Os contratos que envolvam a prestação de serviços no âmbito das profissões liberais ficam sujeitos, na falta de regulamentação específica, ao regime do mandato (art. 1156º do Código Civil).

II – Nas ações em que só esteja em causa a simples apreciação negativa de um direito de que o réu se tenha extrajudicialmente arrogado, o autor só tem de alegar e provar esse arrogo e os factos que demonstram o seu interesse em agir, cabendo ao réu a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de que se arrogava titular (art. 343º, n.º 1 do Código Civil).

III – A ação de simples apreciação negativa improcede se o réu demonstrar os factos constitutivos do seu direito e o autor não lhe opuser com sucesso factos impeditivos ou extintivos (art. 576º, n.º 3 do CPC).

IV – O tribunal limita-se, neste caso, a não declarar a inexistência do direito; só declarará na sentença o direito que o réu logrou demonstrar na hipótese de este formular, por via reconvencional, pedido nesse sentido (art. 266º, n.º 2, al. a) do CPC).

V – Constituindo uma mera presunção de pagamento pelo decurso do prazo, a prescrição presuntiva não poderá aproveitar a quem tenha uma atuação em juízo que logicamente a exclua, designadamente quando o devedor discute a existência, o montante, o vencimento ou outras características da dívida (art. 314º do CC).
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

“X II, Indústria Têxtil, Lda” Intentou, no Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão – Juiz 3 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente acção declarativa de simples apreciação negativa, sob a forma de processo comum, contra “Instituto de Formação, Lda.”, pedindo que seja declarado que nada deve à R..

Para tanto, e em síntese, alegou que:

Tendo acertado com a ré um contrato de prestação de serviços, destinado à elaboração da contabilidade organizada, o mesmo veio a findar, por sua (da autora) iniciativa, através de comunicação enviada no dia 11 de Abril de 2017.

Após ter tomado conhecimento desta cessação contratual e com o intuito de impedir a constituição de novo contabilista certificado, a ré vem invocando ser credora da quantia de 12.727,50 € e recusa-se a entregar à autora os elementos documentais que ainda mantém na sua posse em virtude da execução daquele contrato, razão pela qual invoca ter interesse em ver declarado nada dever à ré.
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Citada, a ré contestou e deduziu reconvenção, nos termos constantes de fls. 22 a 34, pedindo que a A. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 14.095,50 €, acrescida dos respectivos juros vencidos e vincendos.

Invoca, em síntese, que o referido contrato de prestação de serviços, que se iniciou há vários anos e terminou em Setembro de 2017, tinha, num primeiro momento (até Dezembro de 2011), uma remuneração mensal acordada de 465,00€ e, numa segunda fase (de Janeiro de 2012 em diante), uma remuneração mensal de 232,50 €, correspondente a metade daquele valor, fixado temporariamente, face às dificuldades financeiras que a A. atravessava.

Mais refere que, naquele período temporal, a A. apenas lhe pagou a quantia de 5.872,50 €, mostrando-se ainda em dívida, até Abril de 2017, a título de honorários, o valor de 12.727,50 €.

Além disso, afirma a R. que, relativamente ao período situado entre Maio de 2017 a Setembro de 2017, durante o qual continuou a prestar serviços à A., encontram-se por pagar honorários no valor 670,50 €.

Reclama, por outro lado, o pagamento de uma indemnização de 697,50 €, equivalente às remunerações de Outubro a Dezembro de 2017, pelo facto de a autora ter procedido à revogação unilateral do contrato sem a antecedência conveniente.
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Replicou a autora, invocando a excepção de prescrição a que alude o art. 317.º, al. c), do CC e concluindo pela improcedência da reconvenção (cfr. fls. 65 a 68).

Mais alegou que os montantes que a ré refere já ter recebido equivalem aos valores que a própria ré fixou como remuneração dos serviços prestados, quantias que nesse mesmo pressuposto foram facturadas e pagas, razão pela qual impugnou o crédito invocado.
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Foi dispensada a audiência prévia.
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Proferiu-se despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância, com dispensa da fixação do objeto do litígio e dos temas da prova (fls. 74 e 75).
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (cfr. acta de fls. 101, 102, 107, 108 e 120 a 122).
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Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 123 a 135), nos termos da qual decidiu:

- julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo a R. do pedido formulado pela A..
- julgar a reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a autora/reconvinda a pagar à ré/reconvinte a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação, de acordo com os parâmetros a seguir mencionados, sem nunca ultrapassar o valor peticionado de 14 095,50 €:

1. A quantia a liquidar compreenderá as remunerações mensais devidas entre Maio de 2011 e Dezembro de 2017, cujo montante mensal individual deverá ser determinado por reporte aos critérios previstos no artigo 1158.º, n.º 2, do CC (tarifas profissionais; na ausência destas, usos; e, inexistindo aqueles ou estes, juízos de equidade);
2. À quantia que se vier a apurar pelo modo referido em 1) deverá ser deduzido o valor já pago pela autora/reconvinda, no montante total de 6 364,50 €, e;
3. Ao montante apurado em resultado do referido em 1) e 2) acrescerão juros de mora, à taxa comercial, prevista no artigo 102.º §3, do Código Comercial, contados desde a data a fixar na decisão a proferir em posterior incidente de liquidação, até efectivo e integral pagamento.
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Inconformada, a autora interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 136 a 158) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem1):

«
PELAS RAZÕES EXPOSTAS NO PONTO II.A.1. DO CORPO DESTAS ALEGAÇÕES DEVE A MATÉRIA DE FACTO SER ALTERADA E SER ACRESCENTADO UM PONTO ONDE SE CONSIDERE COMO PROVADO QUE “DO BALANCETE GERAL ANALÍTICO DA AUTORIA DA RÉ, EM NOVEMBRO DE 2016 A AUTORA NÃO ERA DEVEDORA DE QUALQUER QUANTIA À RÉ.”

PELAS RAZÕES EXPOSTAS NO PONTO II.A.2.1. DO CORPO DESTAS ALEGAÇÕES DEVE A MATÉRIA DE FACTO SER ALTERADA E SER CONSIDERADO COMO PROVADO QUE: “É TAMBÉM FALSO QUE A AUTORA TENHA PROCEDIDO AO PAGAMENTO DA QUANTIA DE € 492,00 NO DIA 10/08/2017 POR CONTA DOS HONORÁRIOS DEVIDOS À RÉ,”
PELAS RAZÕES EXPOSTAS NO PONTO II.A.2.2 DO CORPO DESTAS ALEGAÇÕES DEVE A MATÉRIA DE FACTO SER ALTERADA E SER CONSIDERADO COMO PROVADO QUE: “É QUE, CONFORME SE VERIFICA DO EMAIL JUNTO COMO DOCUMENTO N.º 1, TAL QUANTIA DESTINAVA-SE TAMBÉM AO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS PRESTADOS DE FORMA EXCEPCIONAL, DE TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS DAS FIRMAS C., X, Y, LDA, E NO MONTANTE DE € 123,00 DE CADA UMA DELAS.”

PELAS RAZÕES EXPOSTAS NO PONTO II.B.1. DO CORPO DESTAS ALEGAÇÕES DEVE A MATÉRIA DE FACTO PROVADA SER ALTERADA E SER CONSIDERADO COMO PROVADO APENAS QUE: “PARA PAGAMENTO DOS SERVIÇOS DE CONTABILIDADE ORGANIZADA, PRESTADOS ENTRE MAIO DE 2011 E ABRIL DE 2017, A AUTORA PAGOU À RÉ PELO MENOS A QUANTIA DE € 5.872,50.”

PELAS RAZÕES EXPOSTAS NO PONTO II.B.2. DO CORPO DESTAS ALEGAÇÕES DEVE A MATÉRIA DE FACTO PROVADA SER ALTERADA E SER CONSIDERADO COMO PROVADO APENAS QUE: “PELO RECEBIMENTO DAQUELA QUANTIA REFERIDA EM 8), A RÉ INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LDA, EMITIU AS FACTURAS NO VALOR EQUIVALENTE ÀQUELES MONTANTES.”

PELAS RAZÕES EXPOSTAS NO PONTO II.C.1. DO CORPO DESTAS ALEGAÇÕES DEVE SER A MATÉRIA DE FACTO ALTERADA E SER CONSIDERADO COMO PROVADO QUE: “OS VALORES ENTREGUES PELA AUTORA À RÉ FORAM-NO PARA PAGAMENTO DO VALOR INTEGRAL DOS HONORÁRIOS À RÉ.”

NO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CELEBRADO ENTRE AUTORA E RÉ NÃO SE APLICA O REGIME LEGAL DO MANDATO, MAS SIM O REGIME QUE SE ENCONTRA PLASMADO NO DL 310/2009, DE 26 DE NOVEMBRO.

DE ACORDO COM O ART.º 9º DO DL 310/2009, DE 26 DE NOVEMBRO O VALOR DOS HONORÁRIOS É FIXADO ENTRE AS PARTES.

EXISTE ERRO DE JULGAMENTO “QUANDO O JUIZ SE PRONUNCIA SOBRE QUESTÕES QUE NENHUMA DAS PARTES SUSCITOU NO PROCESSO EXCEDENDO-SE O ÂMBITO DO CONFLITO NOS LIMITES POR ELE PEDIDOS.”
10ª
AS PARTES ALEGARAM QUE OS HONORÁRIOS TINHAM SIDO ENTRE ELAS ACORDADOS, HAVENDO APENAS DISCORDÂNCIA QUANTO AO SEU VALOR.
11ª
NAS ACÇÕES DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA CABE AO RÉU A PROVA DOS FACTOS ALEGADOS CNSTITUTIVOS DO DIREITO DE QUE SE ARROGA, O QUE A RÉ NÃO CUMPRIU NO CASO DOS AUTOS.
12ª
UMA VEZ QUE DECORREU MAIS DE DOIS ANOS, DESDE QUE A RECORRIDA, INVOCA EM ABRIL DE 2017 CRÉDITOS ANTERIORES A ABRIL DE 2015, E A RECORRENTE ALEGA QUE SE ENCONTRA TUDO PAGO, TAIS CRÉDITOS ALEGADOS PELA RECORRIDA ESTÃO PRESCRITOS.

Assim, a sentença recorrida, por erro de interpretação e aplicação, violou, além do mais, o disposto nos art.ºs 317º, 343º, 405º, 1156º e 1158º todos do Código Civil, art.º 9º do DL 310/2009, de 26 de Novembro, pelo que, na procedência das anteriores conclusões, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, que julgue a acção procedente e improcedente a reconvenção, com as legais consequências.

ASSIM se decidirá conforme o Direito aplicável e se fará JUSTIÇA.»
*
Contra-alega a R./recorrida, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 159 a 167).
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 169).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

1.ª – Da nulidade da sentença recorrida;
– Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
– Da errada aplicação do regime do mandato;
– Da inobservância do cumprimento do ónus da prova no âmbito da ação de simples apreciação negativa.
– Da prescrição presuntiva.
*
III. Fundamentos

I. Fundamentação de Facto.

A. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1. A autora X II, LD.ª é uma sociedade comercial por quotas, com escopo lucrativo, que se dedica à indústria de tecelagem e acabamento de tecidos;
2. A ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª tem por objecto o ensino para adultos e outras actividades educativas, explorando ainda, com escopo lucrativo, a prestação de serviços de contabilidade;
3. A autora X II, LD.ª foi constituída em 17-4-2002, ficando estipulado que para obrigar a sociedade seria necessária a intervenção de dois gerentes.
4. Por acordo verbal ocorrido em data não concretamente apurada, mas no ano de 2005, após a constituição da R., estabelecido entre os legais representantes da autora X II, LDA.” e da ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª, esta obrigou-se, a partir dessa data, a prestar àquela os serviços de contabilizada organizada, inerente à sua actividade comercial;
5. Mediante o pagamento de uma contrapartida mensal, a título de honorários;
6. Sem determinação de qualquer prazo para a sua duração;
7. Na sequência do acordo descrito, a ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª realizou para a autora “X II, LDA.”ª os serviços de contabilizada organizada, inerentes à actividade comercial desta, entre o ano de 2005 e Setembro de 2017;
8. Para pagamento dos serviços de contabilizada organizada, prestados entre Maio de 2011 e Abril de 2017, a autora pagou à ré a quantia total de 5 872,50€, assim distribuída:
8.1. Durante o ano de 2012: 930,00€ (4 pagamentos de 232,50 €);
8.2. Durante o ano de 2013: 287,25€ (4 pagamentos: 70,00€, 75,00€, 92,25€ e 50€);
8.3. Durante o ano de 2014: 1.247,25€ (12 pagamentos: um de 92,25€ e onze de 105,00€);
8.4. Durante o ano de 2015: 1.440 € (12 pagamentos: dois de 105,00€ e dez de 123,00€);
8.5. Durante o ano de 2016: 1.476,00€ (12 pagamentos de 123,00€);
8.6. Durante o ano de 2017 (Janeiro a Abril): 492,00€ (quatro pagamentos de 123,00€)
9. Pelo recebimento das quantias ditas em 8), a ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª emitiu facturas de valor equivalente aos montantes parciais entregues, nos anos e com os números a seguir indicados:
9.1. Ano de 2012: Fac. n.º 612, 631, 639 e 655;
9.2. Ano de 2013: Fac. n.º 175, 229, 287 e 492;
9.3. Ano de 2014: Fac. n.º 48, 74, 119, 193, 247, 282, 350, 413, 481, 542, 602, 653;
9.4. Ano de 2015: Fac. n.º 711, 742, 44, 65, 116, 171, 207, 242, 309, 359, 415, 457;
9.5. Ano de 2016: Fac. n.º 500, 546, 589, 627, 670, 693, 724, 751, 784, 814, 857, 895;
9.6. Ano de 2017: Fac. n.º 938, 17, 58 e 107.
10. No dia 04 de Abril de 2017, à ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª recebeu comunicação electrónica do contabilista certificado A. N., com o seguinte teor: «Informo que fui contactado pelo Sr. J. A., na qualidade de gerente das sociedades Y, Ld.ª (…), X II – Indústria Têxtil, Ld.ª (…), Y, Ld.ª (…), C. – Importação e Exportação Têxtil, L.dª (…) que requereu os meus serviços enquanto contabilista certificado. Face ao sucedido, venho, por esta via, dar cumprimento ao disposto no art.º 16.º do Código Deontológico dos Contabilista Certificados.

Deste modo, solicito a V.ª Ex.ª que forneça informações relativamente aos seguintes aspectos: 1- Possui algum crédito perante as empresas supra identificadas? 2- Haverá, ou não, alguma circunstância plausível de condicionar a aceitabilidade de tais funções? 3- Existem, ou não, processos pendentes juntos da Administração Pública? Se sim, quais e em que posição se encontram? Se não existir impedimento, solicito, desde já, algumas informações relevantes para dar início aos trabalhos: senha acesso ao portal das finanças; senha de acesso ao Gee; utilizador via CTT e password; código da certidão permanente; outras senhas que disponha de serviços a que a entidade supra citadas esteja sujeita; último balancete analítico e sintético; balancetes analíticos e sintético de reabertura 2017 ou encerramento 2016; registo de activos; registo de pessoal e respectivos valores acumulados (…)»;
11. No dia 11 de Abril de 2017, a INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª respondeu à comunicação referida em 10) do seguinte modo: «Em cumprimento do consagrado nos Estatutos e no Código Deontológico da OCC, cumpre-me dará conhecer o seguinte: 1- Existe em curso um contrato de prestação de serviços com cada uma destas sociedades; 2- Não conheço as intenções das gerências sobre este assunto. (…)»;
12. No dia 11 de Abril de 2017, a autora X II, LDA. enviou à ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª, carta com o teor a seguir indicado, que por esta foi recebida a 12 de Abril de 2017: «Vimos através da presente, prescindir dos seus serviços enquanto contabilista certificado, com efeitos a partir da presente data. Ressalvando-se, contudo as apresentações à autoridade tributária em curso, que tendo em conta os prazos a cumprir terão que ser V.ª Ex.ª a apresentar. Solicitamos, ainda que, em resposta ao e-mail. do Sr. Dr. A. N., lhe forneça todos os dados por ele solicitados no prazo de cinco dias úteis»;
13. No dia 21 de Abril de 2017, à ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª recebeu comunicação electrónica do contabilista certificado A. N., com o seguinte teor: «Fui informado pelas entidades que precederam à rescrição dos contratos de prestação de serviços com o estimado colega. Neste sentido, solicito que me informe ao abrigo do Estatutos e do Código Deontológico da Ordem dos Contabilistas Certificados, se é credor das referidas entidades no que respeita a honorários»;
14. No dia 22 de Abril de 2017, a INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª respondeu, através do seu sócio A. C., do seguinte modo à comunicação referida em 13): «Sim, sou credor de honorários vencidos e exigíveis»;
15. No dia 24 de Abril de 2017, a autora X II, LDA. enviou à ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª, carta com o seguinte teor: «Relativamente ao conteúdo do email enviado por V.ª Ex.ª, no passado dia 22 de Abril de 2017, ao Exm.º Senhor Doutor A. N., e uma vez que consideramos que tudo o que lhe é devido está totalmente liquidado, queira, por favor, no prazo máximo de 8 dias, indicar as facturas que estão em dívida»;
16. No dia 04 de Maio de 2017, a ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª, através da gerência, enviou à autora X II, LDA. carta, comunicando-lhe, entre o mais que consta de fls. 27 e 28 (que aqui se dá por reproduzido), o seguinte: «Em resposta à V. comunicação datada de 11-04-2017, através da qual comunicavam a intenção de prescindir dos serviços no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre V.ª Ex.ª e a sociedade Instituto de Formação, Ld.ª, em 1-5-2002. Com o absoluto respeito, não assiste a V. Ex.ª, nos termos do contrato outorgado, o direito a prescindir, sem aviso prévio o contrato dado que ele se renova anualmente em 01 de Janeiro de cada ano, conforme estabelecido em 1-5-2002. (…). Durante 10 anos de cumprimento recíproco do contrato, sem nunca ter ocorrido qualquer divergência e tendo alicerçado a relação de confiança, cumpre-nos apelar ao cumprimento do contrato em vigor, pelo menos até ao final do presente ano civil. Este tempo de aviso prévio, permitirá ajustar a estrutura administrativa, reduzindo os gastos com pessoal inerente ao cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais inseridas no objecto do contrato que poderá cessar em 31 de Dezembro de 2017, se for essa a vontade de V. Ex.ª. (…) Solicitamos o pagamento no valor 18 600 € - 5 872,50 € = 812 727,50 €. Como sempre existiu cooperação e um relacionamento de respeito e cordialidade entre as empresas, propomos a realização de uma reunião entre ambas as administrações que analisem a preservação do contrato de prestação de serviços ou o seu termo em 31 de Dezembro de 2017 e, simultaneamente, permita estabelecer um calendário de pagamentos dos honorários vencidos e exigíveis até à presente data»;
17. Até ao momento em que a A. enviou à R. acarta referida em 12), a autora não havia declarado à ré, por qualquer forma, a sua vontade de revogar o contrato;
18. Após o recebimento da comunicação referida em 12), a ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª não entregou os elementos contabilísticos aí mencionados, ao novo contabilista certificado, continuando a executar as tarefas conexas com a contabilidade organizada da autora, até Setembro de 2017, com o conhecimento e autorização desta;
19. No dia 08 de Setembro de 2017, as senhas de acesso da autora aos portais das Finanças e da Segurança Social foram alteradas, deixando a ré, desde aí, de praticar junto destas entidades os actos inerentes ao cumprimento das obrigações fiscais e previdenciais;
20. No dia 12 de Setembro de 2017, a ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª comunicou à autora X II, LDA.”, bem como ao contabilista certificado A. N., entre o mais que consta de fls. 60-verso e 61 (e que aqui se reproduz), o seguinte: «(…) Se no prazo de 08 dias não forem pagos os € 13 397,62, acrescerão juros à taxa legal até ao integral pagamento de toda a dívida»;
21. No dia 10 de Agosto de 2017, a autora INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª transferiu a quantia de 492,00€ para a conta da ré, fazendo constar no descritivo da transferência «Honorários ...” (A. C.), referentes aos meses de Maio, Junho, Julho e Agosto de 2017;
22. A autora fez saber à ré que os serviços referidos em 17) eram prestados a título excepcional, em virtude desta se ter recusado entregar ao novo contabilista os elementos necessários a que o mesmo iniciasse funções, logo após o envio da carta referida em 12);
23. No dia 14 de Setembro de 2017, a autora X II, LDA. comunicou à ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª o seguinte: «Com bem sabe, os seus serviços foram prescindidos através da nossa carta de 11 de Abril. Tivemos oportunidade para lhe pedir para indicar quais as facturas que estavam em dívida, por não aceitarmos qualquer quantia em dívida à Instituto de Formação, Ld.ª. Mas, não foi indicada por V/ Ex.ª qualquer factura que estivesse em dívida, uma vez que, como bem sabe, todas estão totalmente liquidadas. Já lhe solicitamos através de carta registada c/ AR, a correcção dos balancetes, uma vez que tal comportamento constitui, inclusivamente, a prática de crime. O Sr. Dr. só se manteve a prestar serviços à nossa empresa de forma excepcional, por não permitir a transmissão automática para o nosso contabilista, e nesse espaço de tempo falsificou os balancetes da nossa empresa. Assim, esperamos que nos diga como pretende solucionar esta situação, que muitos transtornos e prejuízos nos tem trazido, porque entendemos que a apresentação da competente queixa crime trará graves consequências para V/ Ex.ª».
*
B. E deu como não provados os seguintes factos:

1. Os procedimentos tendentes à constituição da autora e à sua inscrição nas Finanças e Segurança Social foram acompanhados por A. C., sócio-gerente da ré INSTITUTO DE FORMAÇÃO, LD.ª;
2. No ano de 2005, os legais representantes da autora e da ré acordaram que o acordo referido em 4) a 6) dos “factos provados” se renovava no início de cada ano civil;
3. No ano de 2005, os legais representantes da autora e da ré acordaram que a contrapartida mensal aludida em 5) dos “factos provados” seria de 465,00 € (IVA incluído);
4. Em Janeiro de 2012, os legais representantes da autora e da ré acordaram reduzir o montante mensal referido em 3) para 232,50€ (50% de 465,00€), a título temporário, enquanto o volume de negócios e a rentabilidade da empresa se mantivessem reduzidos;
5. Por acordo estabelecido entre a autora e a ré, esta foi aceitando receber as quantias referidas em 8) dos “factos provados”, com o compromisso daquela lhe pagar os montantes que iam ficando atrasados;
6. O procedimento referido em 9) dos “factos provados” resultou de prévio acordo havido entre a autora e a ré;
7. A ré enviava à autora, no final de cada mês, uma nota com o total dos honorários vencidos e ainda não pagos;
8. Os montantes indicados de 8.1) a 8.6) dos “factos provados” foram os valores que a ré fixou e a autora aceitou, como sendo os devidos pelos serviços de contabilidade organizada, prestados nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017;
9. Os valores referidos em 8) dos “factos provados” foram entregues pela autora à ré para pagamento integral dos honorários fixados pelo modo referido em 8);
10. Os valores referidos em 8) dos “factos provados” são coincidentes ou superiores aos montantes cobrados pela ré a outros clientes seus.
*
IV. Fundamentação de Direito.

1. – Nulidade da sentença com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
1.1. Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).

Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito. Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC (2).

As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.

Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando:

«d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida (sendo este último o que releva à situação dos autos).

Encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de exceções que estão na exclusiva disponibilidade das partes e que estas não invocaram. Ou seja, proíbe-se ao juiz ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado (3), a menos que a lei lho permita ou lhe imponha o conhecimento oficioso.

O excesso de pronúncia gerador da nulidade «só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento» (4).

Registe-se, no entanto, que a relação entre a pretensão contida na conclusão da petição inicial ou reconvenção e o “decidido” não tem de se caraterizar por uma correspondência ipsis verbis. «Importante e absolutamente necessária é a correspondência entre a manifestação da vontade do requerente, ainda que implícita mas inquestionavelmente contida na pretensão, e a decisão proferida» (5).
*
No caso em apreço a Autora intentou uma acção negatória, peticionando que se declare que nada deve à Ré. Alegou, para tanto, que acertou com a ré um contrato de prestação de serviços, destinado à elaboração da contabilidade organizada, o qual findou em 11 de Abril de 2017.

Todavia, com o intuito de impedir a constituição de novo contabilista certificado, a ré vem invocando ser credora da quantia de 12 727,50 €, o que não corresponde à verdade, posto que nada lhe deve, pelo que aquela alegação põe em causa o bom nome da Autora e as ameaças da instauração de novos processos contra o novo contabilista impedem que este preste normalmente tais serviços de contabilidade à Autora.

A Ré, na contestação, concluiu pela improcedência da acção e procedência da reconvenção, peticionando a condenação da A./reconvinda a pagar-lhe a quantia de € 14.095,50€, acrescida de juros legais.

Alegou para o efeito que celebrou um contrato de prestação de serviços, tendo sido verbalmente estipulado que os honorários seriam no montante de 465,00€/mês, montante esse que foi ulteriormente temporariamente reduzido, por acordo das partes.

À data da cessação do contrato de prestação de serviços, a A. era devedora da quantia de 13.398,00€, respeitantes a honorários.

Juridicamente, qualificou a situação contratual como subsumindo-se a um contrato de prestação de serviços, sendo que, por envolver a prestação de serviços no âmbito das profissões liberais, diz que o mesmo fica sujeito, na falta de regulamentação específica, ao contrato de mandato, conforme estabelecido no art. 1156º do Cód. Civil.

Mais referiu que o contrato se presumia oneroso, por ter por objecto actos que o mandatário pratica por profissão, recaindo sobre a autora a obrigação de lhe pagar a retribuição que ao caso competir e indemnizá-la dos prejuízos sofridos em consequência do mandato, designadamente por força do estatuído no art. 1170º do Cód. Civil.

Em face da posição processual assumida por cada uma das partes, na sentença recorrida o Mmº Juiz “a quo” enunciou as seguintes questões que se impunha a decidir: i) apurar se a A. é devedora da R. de alguma quantia a título de remuneração no âmbito do contrato de prestação de serviços entre ambas celebrado; ii) aferir do direito indemnizatório da R. pela revogação unilateral desse contrato, apurando se a mesma se realizou sem a antecedência conveniente.

Dos autos resultou apurado que, por acordo verbal ocorrido no ano de 2005, a Ré obrigou-se, a partir dessa data, a prestar à A. os serviços de contabilizada organizada, inerente à sua actividade comercial, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal, a título de honorários, sendo que para pagamento dos serviços de contabilizada organizada, prestados entre maio de 2011 e abril de 2017, a autora pagou à ré a quantia total de 5.872,50€, tendo a Ré emitido facturas de valor equivalente aos montantes parciais entregues (pontos 4, 5, 8 e 9 dos factos provados); não se provou, porém, que, no ano de 2005, os legais representantes da autora e da ré acordaram que a aludida contrapartida mensal seria de 465,00 € (IVA incluído), nem que, em Janeiro de 2012, os legais representantes da autora e da ré acordaram reduzir o referido montante mensal para 232,50€ (50% de 465,00€), a título temporário, enquanto o volume de negócios e a rentabilidade da empresa se mantivessem reduzidos (pontos 3 e 4 dos factos não provados).

Em face da facticidade apurada concluiu-se na sentença que a ré é detentora de créditos sobre a autora, malgrado os elementos disponíveis nos autos não permitirem determinar o quantitativo preciso dos correspetivos créditos.

Deste modo, por não ter dado como provado “o exacto montante da obrigação de honorários” ajustada entre as partes, o que inviabilizou a determinação do “quantum” da obrigação de indemnizar, o Mmº Juiz “a quo”, ao invés de concluir pela improcedência da acção (leia-se reconvenção), relegou, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 609º do CPC, “a sua fixação para liquidação pós-sentencial”.

Ora, ao contrário do propugnado pela recorrente, ao perscrutar no sentido de os honorários serem fixados nos termos do n.º 2 do art. 1158º do CCivil, a sentença impugnada não decidiu de forma qualitativamente diferente do pedido pelas partes.

Desde logo porque, não obstante a ré ter unicamente aludido ao n.º 1 do art. 1158º do CC, na pressuposição da demonstração do alegado valor ajustado pelas partes a título de honorários, certo é que não deixou de invocar a aplicação à situação contratual das regras do mandato, designadamente por apelo ao carácter oneroso do contrato (arts. 87º a 95º da contestação), peticionando, inclusivamente, em sede de reconvenção, a condenação da autora no pagamento dos honorários já vencidos em dívida.

O que significa que o recurso, pelo tribunal recorrido, ao estipulado no n.º 2 do art. 1158º do CC não poderá sequer configurar-se como se estivesse a extravasar do que era lícito conhecer, posto que o mesmo se mostra compreendido no âmbito da configuração jurídico normativa da pretensão deduzida na contestação.

Acresce que, na situação versada nos autos, e mostrando-se para já inviável o recurso ao primeiro critério mencionado no n.º 2 do art. 1158º do CC, e, «não dispondo a factualidade apurada de factos necessários a convocar os critérios subsequentes referidos no preceito – as tarifas profissionais e, na ausência destas, os usos –», o Julgador lançou mão – e, quanto a nós, bem – do regime estipulado no art. 609º, n.º 2 do CPC, segundo o qual, se não houver elementos para fixar a quantidade, «o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida».

Esta norma de direito adjetivo só pode atuar, como resulta dos seus próprios termos, quando, reconhecido um direito e a correspondente obrigação, não haja elementos que permitam definir o seu conteúdo, designadamente em termos quantitativos.

Nada obsta, com efeito, a que, em face da insuficiência de elementos para determinar o montante dos créditos peticionados, se profira uma condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento do quantitativo de tais créditos para momento posterior, desde que – como acontece no caso dos autos – essa segunda oportunidade de prova não incida sobre a existência dos créditos reclamados, mas apenas sobre o respetivo valor.

Este entendimento é o mais consentâneo com o princípio da igualdade, uma vez que não se vislumbra fundamento material para tratar diferentemente aqueles que formulam de início um pedido genérico e os que apresentam, logo à partida, um pedido específico.
E esta orientação no sentido de que o tribunal, se não tiver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, condena no que vier a ser liquidado, é válida quer o pedido inicialmente formulado seja de montante determinado, quer se trate de pedido genérico (6).

Em sentido similar, o Ac. do STJ de 29-05-2014 (relator Sérgio Poças) (7), decidiu que “[e]m acção cuja causa de pedir é a celebração de um contrato de prestação de serviços pelo qual o autor seria remunerado pelo exercício das funções de director clínico da ré, provados por estes tais pressupostos, mas não o montante da remuneração, é justificado que se liquide o mesmo no competente incidente”.

De facto, não seria curial que, tendo a Ré/reconvinte provado a existência de um direito de crédito sobre a Autora/reconvinda atinente, por um lado, aos honorários pelos serviços prestados e, por outro, à obrigação de indemnizar “pela revogação unilateral do contrato com base na ausência de antecedência conveniente”, apesar disso a acção devesse ser julgada precedente e a reconvenção improcedente apenas porque se não provou o exacto montante mensal dos honorários ajustados.

Mesmo que se possa afirmar que se está a conceder uma nova oportunidade à autora do pedido (reconvencional), não se vislumbra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal, porquanto a existência do crédito indemnizatório já está provada e apenas não está determinado o seu exacto valor, ou seja, o seu concreto montante.

Na verdade, não se está a conceder à autora do pedido reconvencional uma nova oportunidade de provar os créditos, na parte ilíquida (pois esses já ficaram provados nesta acção declarativa), mas somente de os quantificar.

Acresce que no segmento condenatório da reconvenção teve-se o cuidado de ressalvar que a condenação no pagamento da quantia a apurar em posterior incidente de liquidação, jamais poderia ultrapassar o valor peticionado de 14 095,50 €.

Nesta conformidade, é de concluir que o tribunal recorrido não só não violou os limites da condenação assinalados no n.º 1 do art. 609º do CPC, como igualmente não se pronunciou indevidamente sobre questão que não lhe havia sido solicitada.

Destarte, conclui-se pela improcedência da aludida nulidade da sentença.
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2. Da impugnação da matéria de facto.

2.1. Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada (da modificação dos factos provados para não provados e vice-versa), como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640º.

Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
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2.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Os recursos da matéria de facto podem envolver objetivos diversificados:

- Alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (art. 662º, n.º 1 do CPC);
- Ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC);
- Apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC).

A esse respeito, importa convocar o ensinamento de Abrantes Geraldes (8), nos termos do qual a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, podendo – e devendo – algumas delas ser solucionadas de imediato pela Relação, ao passo que outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.

Como concretização de tais patologias enuncia o citado autor que as decisões sob recurso “podem revelar-se total ou parcialmente deficientes”, “resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”.

Verificado esse vício, para além de o mesmo ser sujeito a apreciação oficiosa da Relação, poderá esta supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.

Pode, assim, “revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo”, faculdade esta que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes”; nesse caso, ao invés de anular a decisão da 1ª instância, se estiverem acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, “a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas”.

Por sua vez, o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (9):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
- a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. “A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto(10). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança(11).
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2.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a recorrente pretende:

i) - A ampliação da matéria de facto, de modo a que dela passe a constar do elenco dos factos provados que:

- “Do balancete geral analítico da Autoria da Ré, em Novembro 2016 a Autora não era devedora de qualquer quantia à Ré.” – art. 23º da Réplica.
- “É também falso que a Autora tenha procedido ao pagamento da quantia de € 492,00 no dia 10/08/2017 por conta dos honorários devidos à Ré” – art. 25º da réplica (12).
- “É que, conforme se verifica do email junto como documento n.º 1, tal quantia destinava-se também ao pagamento dos honorários prestados de forma excepcional, de Técnico Oficial de Contas das firmas C., X, Y, Lda, e no montante de € 123,00 de cada uma delas.” – art. 26º da réplica (13).
ii) - A alteração das respostas positivas aos pontos 8 e 9 da matéria de facto provada da decisão recorrida, passando delas a constar (apenas) que:
- “Pelos serviços prestados de contabilidade organizada entre Maio de 2011 e Agosto de 2017, a Autora pagou à Ré pelo menos, a quantia de €5.872,50”.
- “Pelo recebimento das quantias ditas em 8), a Ré Instituto de Formação emitiu as facturas nos anos e com os números a seguir indicados[…]”.
iii) - A alteração da resposta negativa para positiva do ponto 9 da matéria de facto não provada da decisão recorrida, passando a dar-se como provado que:
Os valores entregues pela Autora à Ré foram para pagamento integral dos honorários devidos pela Autora à Ré”.

Vejamos, pois, se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde, de facto, à prova realmente obtida.

Iniciaremos a nossa análise pela preconizada ampliação da matéria de facto.

Relativamente ao primeiro facto impugnado, correspondente à matéria do art. 23º da réplica, malgrado não tenha sido incluído na matéria de facto provada, foi o mesmo objecto de expressa pronúncia pelo Mm.º Juiz “a quo” na motivação da decisão da matéria de facto a propósito do facto da própria ré não ter conhecimento exacto dos montantes que lhe são devidos pela autora a título de honorários pelos serviços de contabilidade prestados, posto que – e passa-se a citar – “como decorreu do depoimento de A. N. (actual contabilista certificado da [autora] (14), já depois de a ré ter recepcionado a carta a que se faz alusão em 12) dos “factos provados”, mas numa altura em que ainda prosseguia com a contabilidade da autora, o balancete da autora do mês de Novembro de 2016 (que era elaborado pela ré) não evidenciava qualquer débito à ré. Tal decorre do balancete de fls. 69-verso e segs. Só ulteriormente a R. fez constar do balancete tal dívida a si própria (tal como decorre do documento de fls. 20 dos autos de procedimento cautelar)”.

Como bem foi assinalado na sentença, essa constatação resulta claramente do cotejo do documento de fls. 20 a 22 dos autos de procedimento cautelar (balancete Geral – Financeira, datado de 30/06/2017) com o balancete de fls. 69-verso a 71, datado de 30/11/2016, os quais foram elaborados pela recorrida, sendo que neste último, ao contrário daquele, não constava inscrito qualquer débito da recorrente.

Assim, tendo como suporte os supra referidos documentos, deverá ser dado como provado que:

- Do balancete geral analítico da Autora, em 30 de novembro 2016, não constava inscrita nenhuma quantia em débito à Ré.
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No tocante aos outros dois pontos cuja ampliação é requerida pela recorrente, importará ter presente que o primeiro deles comporta, parcialmente, matéria manifestamente conclusiva e o segundo deles corporiza o meio de prova erigido como relevante pela recorrente para dar como demonstrado aqueloutro facto.
Dispõe o art 607.º, n.º 4, do CPC que, na fundamentação da sentença, o juiz tomará «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o art. 646.º, n.º 4, previa, ainda, que têm-se «por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes».

Muito embora esta norma tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos (15).

Com efeito, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados. Trata-se de matéria que não se cinge ao elencar do facto, mas tem em si, explicita ou implicitamente, considerações valorativas sobre esse facto, ou seja, apreciações que ultrapassam a objetividade do facto e trazem consigo a subjetividade da análise valorativa de uma determinada ocorrência da vida real. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova (16).

O que significa que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal “a quo” e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, considerando-as provadas ou não provadas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita (17).

Feitas estas breves considerações torna-se evidente que o enunciado ponto que a recorrente pretende ver como demonstrado encerra inequivocamente matéria de índole conclusiva, pelo que o mesmo nunca poderia dar-se como provado. Com efeito, não faz sentido dar-se como provado que é “também falso que a Autora tenha procedido ao pagamento da quantia de € 492,00 no dia 10/08/2017 por conta dos honorários devidos à Ré”.

Tratando-se de matéria puramente impugnatória, tinha tão só de ser apurado o correlativo facto constitutivo.
De todo o modo, ainda que se impusesse a resposta ao referido ponto impugnado – o que se concebe para efeitos argumentativos –, sempre seria de ponderar uma de duas soluções:

Ou se dava como provado que o pagamento da quantia de € 492,00, feito pela Autora no dia 10/08/2017, foi por conta dos honorários devidos à Ré – o que, em bom rigor, se mostra reflectido no ponto 21 dos factos provados (18), e que não foi objeto de expressa e válida impugnação – ou, na inversa, esse específico facto, a não se provar e merecendo a resposta de não provado, teria de ser incluído no rol da matéria de facto não provada, o que equivaleria à sua não alegação, e não à prova do contrário.

Correlacionando, por conseguinte, tal impugnação com a matéria objeto do ponto 21 dos factos provados, e uma vez que esta foi não foi impugnado pela recorrente, fica precludida a procedência da pretendida ampliação da matéria de facto, sob pena desta colidir diretamente com aquele ponto fáctico provado, o que redundaria em nulidade da sentença/acórdão por contradição ou obscuridade entre os fundamentos de facto (art. 615º, n.º 1, al. c) “ex vi” do art. 666º, n.º 1, ambos do CPC).

Não tendo a recorrente validamente impugnado o ponto 21 dos factos provados, facto este essencial à defesa da Ré – se tomarmos em consideração que nos movemos no âmbito duma ação de simples apreciação negativa, cujo ónus da prova, como adiante melhor explicitaremos, compete à ré (art. 343º, n.º 1 do Código Civil) –, não pode aquela pretender ver infirmada tal factualidade através da demonstração de um outro facto alegado como defesa por impugnação, sem que simultaneamente tenha impugnado aqueloutro facto contrário.

Improcede, por isso, nesta parte a impugnação da matéria de facto.
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- Alteração das respostas positivas aos pontos 8 e 9 da matéria de facto provada da decisão recorrida.

No tocante à impugnação do ponto 8 dos factos provados aduz a recorrente a seguinte argumentação:

- Tal facto está em contradição com os documentos juntos aos autos, quer com a própria fundamentação de facto da sentença, já que nesta se diz que foi pago pelo menos o valor de 5 872,50€, e não que foi aquele o único valor pago pela Autora.
- A Ré reconheceu que recebeu nos meses de maio a Agosto de 2017 a quantia de 492,00€, distribuídos em € 123,00 por cada um desses meses, não tendo a Autora impugnado os dizeres desse documento, nomeadamente, quanto ao destino daquela transferência conforme decorre do descritivo de transferência de fls. 73 dos autos.
- Tal facto também está em contradição com o facto de a Ré e a própria sentença (na sua fundamentação) reconhecerem que no balancete de Novembro de 2016 a Autora não era devedora de qualquer quantia, tanto mais que aquele documento é oficial e da autoria da Ré, não da Autora, o que reforça a tese da Autora de que tudo estaria pago.

Conforme flui da argumentação antecedente, valendo-se da locução adverbial “pelo menos” utilizada pelo Julgador “a quo” na motivação da matéria de facto, pretende a recorrente que essa alocução seja aditada à resposta ao ponto 8 dos factos provados,

Contudo, sem razão.

Conforme resulta do articulado da contestação, a ré alegou que todos os pagamentos efetuados pela autora, no período entre 8/05/2012 e 19/04/2017, que totalizam a quantia de 5.872,50€ (sublinhado nosso), foram por conta dos honorários já vencidos, arrogando-se credora da autora do montante de € 12.727,50, a título de honorários vencidos e exigíveis, até à data do documento n.º 8 (19) (ou seja, 4/05/2017) - arts. 28º a 32º da contestação.

Mais alegou que, a esse débito, acrescem os honorários referentes aos meses subsequentes (maio, junho, julho, agosto e setembro de 2017), num total de 232,50€/mês x 5 meses = 1.162,50 €, sendo que, deste valor, a A. procedeu ao pagamento por conta, em 10/08/2017, da quantia de 492,00€, pelo que, à data da dedução da contestação, arrogava-se credora da A. da quantia 13.398,00€, respeitantes a honorários até á cessação do contrato (arts. 33º e 34º da contestação).

Daqui se depreende que o uso pelo Mmº Juiz “a quo” da locução adverbial “pelo menos” correspondeu a uma imprecisão terminológica, posto que a Ré sempre alegou que os únicos montantes que lhe foram pagos, a título de honorários, totalizaram as quantias de 5.872,50€ e 492,00€, respetivamente, jamais tendo deixado em aberto a admissão da existência do recebimento de outros pagamentos feitos pela A..

Como já vimos, a Ré reconheceu que, além, do montante já recebido de 5.872,50€ (refletido na resposta ao ponto 8 dos factos provados), posteriormente a A. pagou-lhe também a quantia de 492,00€, o qual se mostra autonomamente espelhado no ponto 21 dos factos provados.

Sucede, porém, que tais pagamentos, como flui expressamente das respetivas respostas, reportam-se a serviços prestados em momentos temporais distintos, que não se confundem nem se sobrepõem (entre maio de 2011 e abril de 2017, por um lado, e referentes aos meses de maio, junho, julho e agosto de 2017, por outro).

Por outro lado, ao contrário do propugnado pela recorrente, o facto de no balancete de novembro 2016 da Autora não constar inscrita nenhuma quantia em débito à Ré, não se mostra contraditório com a resposta dada ao ponto 8 dos factos provados, até porque o mesmo só reflete o que nele é registado e, como refere a recorrida, esse documento “não tem a virtualidade de conferir ou não conferir existência jurídica aos montantes nele inscritos ou não inscritos, respetivamente”.

Mais, como foi referido pela testemunha A. N., atual contabilista da recorrente e por esta arrolado, para o crédito ser incluído no balancete terá que corresponder à faturação. O que significa que, não tendo sido ainda emitida fatura, o valor pode ser lançado, mas essa operação não é contabilisticamente adequada, por carecer de suporte documental.

Acresce que – como alega a recorrida – os montantes entregues pela Autora à Ré para pagamento de honorários no âmbito do contrato encontram-se documentadas pelas faturas juntas de fls. 29 a 52 v.º. e pelo comprovativo de transferência de fls. 73.

Ora, a terem existido outros pagamentos, e a fim de cumprir o ónus probatório que quanto a esse facto extintivo sobre ela recaía, certamente a Autora não deixaria de providenciar pela junção aos autos dos respetivos comprovativos de pagamento, o que não fez.

Nessa conformidade, não detendo os documentos juntos aos autos (designadamente os balancetes) a aptidão probatória que a recorrente lhes pretende conferir, forçoso será concluir pela inexistência de qualquer contradição entre tais documentos e a resposta ao ponto 8 dos factos provados, o que nos reconduz, nesta parte, à inalteração desse ponto fáctico impugnado.

No tocante ao ponto 9 dos factos provados – conclusão 5ª –, urge desde logo registar que a recorrente utiliza indevidamente – já que retirada do seu contexto – a fundamentação explanada na sentença recorrida, posto que os segmentos por si assinalados com vista a retirar qualquer credibilidade às testemunhas assinaladas (C. C., R. C.) e ao legal representante da ré (A. C.) não se reportam à motivação daquele concreto ponto fáctico, mas sim relativamente aos “factos não provados” descritos em 2), 3), 4) 5), 8) e 9).

Por outro lado, quanto ao ponto 9 dos factos não provados – a que se reporta a conclusão 6ª e o ponto II.C.1 das alegações –, e que, de certo modo, serve de contraponto ao ponto 9 dos factos provados, urge desde logo destacar uma petição de princípio na impugnação deduzida pela recorrente, porquanto, iniciando a explicitação da sua divergência sobre o ponto 8 dos factos não provados (20) (cfr. fls. 145 vº), inexplicavelmente acaba por concluir pela alteração, não daquele ponto fáctico concretamente impugnado, mas sim do item 9 dos factos não provados.

Sem embargo da imprecisão antecedente, porque os enunciados dois pontos fácticos estão conexionados, já que retratam duas realidades fácticas diretamente contrárias entre si – saber se as quantias entregues pela autora representam o pagamento total dos honorários pelos serviços de contabilidade prestados ou, ao invés, apenas o pagamento parcial – afigura-se-nos adequado abordá-los conjuntamente.

Relativamente ao segmento inicial do ponto 9 dos factos provados – na parte relativa à emissão de faturas pela ré pelo recebimento das quantias ditas em 8) –, não oferece dúvidas a sua demonstração, por tal se mostrar corporizada nos documentos constantes de fls. 29 a 52 v.º, os quais não foram impugnados.
Quanto ao mais – pagamento integral versus pagamento parcial –, o depoimento das testemunhas erigidas pela recorrente como relevantes para a alteração da matéria de facto – reportamo-nos ao A. N. e ao M. A. – à semelhança das declarações de parte do legal representante da autora, J. A., não deixaram de ser consideradas pelo Tribunal recorrido, referindo que “tudo quanto foi faturado foi pago, nada se achando em dívida”.

Sucede, porém, que o Mm.º Juiz “a quo”, efetuando uma análise crítica da valoração de tais depoimentos, entendeu – e bem, quanto a nós – que os mesmos não habilitavam a formar uma convicção segura quanto à verificação dos factos nos termos propugnados pela autora, tendo antes optado por dar como provado que os valores entregues e faturados o foram a título de “montantes parciais“.

Para o efeito aduziu a seguinte fundamentação:

Além disso, também não colhe o argumento de que os honorários devidos pelos serviços prestados coincidiam, exclusivamente, com os montantes que surgem relevados nas facturas mencionadas em 9) dos “factos provados”.

Na verdade, a tomar-se como boa esta versão, nada teria sido pago no ano de 2011, ao passo que, no ano de 2012, o valor total de honorários teriam sido apenas de 930 €; já em 2013 baixaria para 287,25€ (sendo que nenhum dos pagamentos efectuados coincidir no seu montante). O exposto não tem, manifestamente, qualquer cabimento, na medida em que estando em causa uma remuneração mensal, seguramente a mesma não haveria de evidenciar tamanhos hiatos e flutuações.

Por outro lado, também não se mostra crível que o montante de honorários acertado para a remuneração dos serviços em causa tivesse sido fixado pela ré em 123€/mês, na medida em que acabou por resultar, de forma franca, do depoimento da testemunha A. N., actual contabilista da R., que tais montantes revelar-se-iam uma autêntica mendicância. Daqui se extrai que tais valores não têm qualquer suporte nas regras da experiência comum, tendo por base os preços praticados no mercado, donde se infere que não se mostra plausível que os mesmos tenham sido unilateralmente fixados pela ré em montantes tão diminutos.

Daí que, neste conspecto, na ausência de contrato escrito acerca do montante fixado a título de honorários, não se mostrando fidedigna a prova pessoal produzida por qualquer uma das partes, nem sendo possível inferir, com segurança e razoabilidade, qual o montante de honorários que as partes fixaram por reporte a quaisquer outros documentos juntos autos, a convicção criada no Tribunal foi a de que tais serviços seriam mensalmente remunerados, sem que, no entanto, tenhamos ficado convictos de que o montante desse honorários fosse o alegado pela ré ou, no reverso, coincidisse com o alegado pela autora, no sentido de que os mesmos correspondessem – apenas – aos montantes referidos em 8) dos factos provados e que tivessem sido pagos nesse pressuposto”.

E mais adiante acrescenta:
Noutra perspectiva, no que diz respeito ao “facto provado” elencado em 9), para além das próprias facturas aí mencionadas (constantes de fls. 29 e segs.), foram consideradas, positivamente, as declarações de A. C. (legal representante da ré) e os depoimentos C. C. e R. C., na parte em que referiram que aquelas facturas eram emitidas reflectindo apenas os pagamentos que eram feitos pela autora e não pelo montante total dos honorários, para evitar que a ré tivesse que adiantar o IVA ao Estado calculado sobre montantes não efectivamente recebidos, o que, apesar de contrariar o disposto no art.º 7.º, n.ºs 1, al. b) e 3 do CIVA, é expediente comummente utlizado na prática comercial (inclusivamente – como visto - por empresas que se dedicam à contabilidade e são geridas por contabilistas certificados), tendo-se, no entanto, julgado como não demonstrada a matéria aludida no “facto não provado” nº 6, dado que estes elementos probatórios não nos lograram convencer que este expediente tenha resultado de acordo estabelecido entre a autora e a ré”.

Esta valoração efetuada pelo tribunal recorrido merece-nos a nossa integral adesão, dada a análise critica que foi feita em conformidade com os elementos probatórios produzidos nos autos e as regras da experiência comum.

Ademais, por referência aos meios probatórios produzidos e mesmo às regras da experiência comum, a recorrente não invoca razões que se sobreponham à apreciação e valoração que o Tribunal “a quo” fez para formar a sua convicção, de forma a justificar uma decisão sobre os factos impugnados diversa da proferida.

Não é pelas indicadas testemunhas referirem que todas as facturas emitidas pela ré foram pagas que se possa sem mais concluir que os pagamentos comprovados nos autos consubstanciam o integral pagamento dos serviços de contabilidade prestados, quando os elementos disponíveis nos autos e as regras da normalidade da vida contrariam essa alegação, sendo de sobrelevar – como sentenciosamente mencionado na motivação – o depoimento da testemunha A. N., atual contabilista da A., que expressamente referiu que os valores facturados e que correspondem ao total dos montantes pagos a título de honorários pela empresa beneficiária dos serviços (autora) são “muito baixos”, não se ajustando ao volume de negócios em causa que demanda a prestação daqueles serviços.

Importa igualmente reiterar que o argumento que a recorrente pretende retirar do balancete de 2016 mostra-se já infirmado, nos temos anteriormente explicitados e que aqui se dão por reproduzidos.

Resta dizer que da análise da enunciada fundamentação das respostas dadas pelo tribunal na sentença resulta exame crítico e valorativo das provas em que alicerçou a sua convicção, mais do uma simples identificação dos meios de prova que teve por relevantes. O tribunal concatenou o depoimento de parte, as prestações testemunhais produzidas em audiência e os documentos produzidos, e, discutindo as suas posições, apelando aos conhecimentos, à experiência e à razão de ciência de cada uma, tirou conclusões que se mostram condizentes com a leitura por nós efetuada da prova produzida.
Nesta conformidade, por referência à prova produzida nos autos, não se evidenciam razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar a apreciação crítica feita pelo tribunal recorrido sobre os pontos 9 dos factos provados e 9 dos factos não provados.

É, por isso, de concluir não ser viável a este Tribunal superior (que não tem por missão efetuar, perante si, a repetição integral do julgamento) extrair uma qualquer conclusão que infirme ou divirja da convicção daquele tribunal quanto àqueles concretos pontos de facto.

De facto, a fundamentação que serviu de base a essas conclusões dadas pela 1.ª instância – que subscrevemos, nos termos explicitados –, baseando-se na livre convicção e sendo uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, revela-se convincente e sustentada à luz da prova auditada e não se mostra fragilizada pela argumentação probatória da impugnante, não se impondo decisão sobre o referido ponto da matéria de facto diversa da recorrida (art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC).
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Em suma, não se evidenciando dos autos qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, afora a ampliação ao rol dos factos provados do enunciado item supra explicitado (21), resta concluir pela improcedência da pretensão da recorrente (22), mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
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3. Reapreciação da decisão de mérito.

3.1. – Da errada aplicação do regime do mandato.

Perante a facticidade provada, considerou-se na sentença recorrida que se estava perante um contrato de prestação de serviço oneroso, tal como o define o art. 1154º do Código Civil (abreviadamente CC), ao qual são aplicáveis as disposições sobre o mandato, por força do disposto no art. 1156º do CC.

Como aí se explicitou, a autora assumiu a posição de “mandante” e a ré a de “mandatária”, pois esta obrigou-se perante aquela a executar um serviço – de contabilidade – mediante o pagamento de honorários.

Discorda, porém, a autora da aplicação do regime do mandato ao caso dos autos, posto que existindo uma lei que regula especialmente o contrato de prestação de serviços dos autos, mormente os serviços de contabilidade organizada – à data do início do contrato o Dec. Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro, sendo neste momento regido pelo Dec. Lei n.º 310/2009, de 26 de Novembro – diz ser este diploma que deve ser aplicado ao caso concreto, o qual se sobrepõe ao regime do mandato.

Desenvolvendo a sua argumentação, explicita a recorrente que deverá tomar-se em consideração o art. 9º, n.º 3, do Dec. Lei n.º 310/2009, pelo que pressupondo este que os honorários terão de ser contratualmente fixados por ambas as partes mostra-se afastada a aplicação do regime do art. 1158º do CC.

No caso em apreço, tendo ficado provado que, por acordo verbal ocorrido em data não concretamente apurada, mas no ano de 2005, a ré se obrigou, a partir dessa data, a prestar à autora os serviços de contabilizada organizada, inerente à sua actividade comercial, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal, a título de honorários, é de concluir haverem as partes celebrado um contrato de prestação de serviços, que o art. 1154.º do CC define como sendo “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.

Configura-se, pois, o contrato que celebraram como sinalagmático, visto dele emergirem obrigações recíprocas interdependentes e oneroso já que ficou estabelecida uma contrapartida económica pelo trabalho a desenvolver (se bem que não se tenha apurado o exato valor mensal acordado).

Deduz-se ainda do que foi alegado pelas partes e da facticidade apurada que o referido contrato foi verbalmente celebrado.

O referido contrato foi celebrado e iniciou a produção de efeitos no domínio de vigência do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas.

Acontece, porém, que este Código Deontológico, elaborado e aprovado pela própria classe, “por referendo realizado para o efeito”, como se fez constar do respetivo preâmbulo, e que entrou em vigor no dia 1/01/2000, não é um diploma legal no sentido de haver sido produzido pelas entidades públicas com poder legislativo. Representa, antes, um mero instrumento de auto-regulação interna dos membros de uma categoria profissional, que não teve consagração em nenhum diploma legal, pelo que à inobservância das referidas imposições estatutárias só poderia corresponder uma sanção de natureza disciplinar (art. 18º), em nada podendo afectar a validade e eficácia dos contratos (23).

Por sua vez, os requisitos previstos no art. 9º do Dec. Lei n.º 310/2009 (24) não são transponíveis para a situação contratual objeto dos presentes autos.

Estipula o citado normativo, no seu n.º 1, sob a exigência da forma escrita a que devem obedecer os contratos outorgados entre os contabilistas certificados e as entidades a quem prestam serviços, acrescentando o n.º 3 alguns dos elementos que devem constar das respetivas cláusulas, mais concretamente quanto à sua duração, data de entrada em vigor, forma de prestação de serviços a desempenhar, modo, local e o prazo de entrega da documentação, os honorários a cobrar e a sua forma de pagamento.

Ora, o regime da aplicação da lei no tempo, previsto no art. 12º do CC, não deixa margem para dúvidas.

Como aí se prevê, no seu n.º 2, “[q]uando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.

No caso, o n.º 3 do art. 9º do Dec. Lei n.º 310/2009 versa directamente sobre as condições de validade formal do contrato, pelo que – contrariamente ao propugnado pela recorrente – não é aplicável à relação jurídica contratual constituída entre a autora e a ré e que subsistia à data da entrada em vigor daquele diploma legal, só se aplicando a contratos novos.

Serve isto para concluir que, rejeitando-se a posição propugnada na apelação, é de sufragar o entendimento acolhido na sentença recorrida no sentido de ao contrato ajuizado, por envolver a prestação de serviços no âmbito das profissões liberais, serem subsidiariamente aplicáveis, e com as necessárias adaptações, as regras próprias do contrato de mandato, de acordo com o estabelecido no art.º 1156.º, do C.C (25).
Nada obstava, por conseguinte, à aplicação do regime previsto no art.º 1158.º do CC (26).

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 7ª e 8ª.
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3.2. – Da inobservância do cumprimento do ónus da prova no âmbito das ações de simples apreciação negativa.

De acordo com o disposto no art. 10.º, n.º 3, al. a), do CPC, a ação de simples apreciação é aquela que tem por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto: no primeiro caso, a ação é de simples apreciação positiva, no segundo, é de simples apreciação negativa.

A classificação da ação como de simples apreciação negativa, para além de depender do pedido formulado pelo demandante, pressupõe, todavia, a análise de um direito ou facto concreto e de uma situação de incerteza jurídica grave.

Como observa Rodrigues Bastos (27), “as acções desta espécie destinam-se, pois, a acabar com a incerteza, obtendo uma decisão que declare se existe ou não certa vontade da lei, ou se determinado facto ocorreu ou não ocorreu; com isso se satisfaz; as respectivas decisões não são exequíveis; (…) não interessa a simples dúvida existente no espírito do autor, desde que se não projecte no exercício normal dos seus direitos”.

Assim, a causa de pedir nas acções de simples apreciação negativa consubstancia-se na inexistência do direito e nos factos materiais pretensamente cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza (28).

No âmbito da ação de simples apreciação negativa, compete ao réu, nos termos do disposto no art. 343º, n.º 1, do Código Civil, a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

A título de exemplo pode, precisamente, citar-se (29) a situação em que A vem referindo publicamente ser titular de um direito de crédito sobre B, direito que, no entender deste, não existe. Perante esta afirmação pública, B pode propor uma ação pedindo simplesmente que se declare a inexistência desse direito de crédito invocado por A; neste caso, por força do regime especial previsto no n.º 1 do art. 343º do CC, não recai sobre B (autor) a prova de que nada deve a A; pelo contrário, é sobre este último que impende o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito de crédito, do qual, extrajudicialmente, se arrogava titular. Assim, nas palavras de Lebre de Freitas (30), “ao autor mais não é exigível, ao propor a ação, do que a alegação dos factos, do seu conhecimento, que o réu afirma como constitutivos do deu direito ou, no limite, do que a individualização do direito que o réu se arroga sem dizer porquê(31).

Assinale-se que não estamos perante uma situação de inversão do ónus da prova, mas de inversão das posições processuais.

Assim, na perspetiva da relação material controvertida, o réu passa, nas acções de simples apreciação negativa, a ocupar posição equivalente à de autor noutra qualquer ação.

Por outro lado, nunca uma ação de simples apreciação negativa pode improceder e o nela demandado ser absolvido do pedido, por falta de prova.

Nesse tipo de acções, a dúvida sobre a realidade dos factos terá sempre, conforme resulta do art. 414.º do CPC (e do art. 346.º do Código Civil), que resolver-se em desfavor do réu, que é a parte a quem o facto aproveita.

Todavia, porque também a estes casos se aplicam as demais regras de repartição do ónus probatório, demonstrada pelo réu a existência do crédito (os respetivos factos são, relativamente a ele, por força do art. 343.º, n.º 1, do CC, constitutivos) será, depois, ao autor que incumbe a prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos daquele direito (n.º 2 do art. 342.º do CC, complementado ainda com o art. 584º, n.º 2 do CPC, para a réplica a apresentar pelo autor) (32).

Se o réu não lograr provar os factos constitutivos do direito que se arroga, a ação procede, devendo declarar-se por sentença a inexistência do direito; já se tal prova ocorrer, a ação de simples apreciação negativa será julgada improcedente, na medida em que o tribunal não pode declarar a inexistência de um direito que foi demonstrado. Haverá, no entanto, procedência da ação, declarando-se a inexistência do direito alardeado pelo réu, se o autor conseguir opor com êxito aos factos invocados pelo réu outros factos com virtualidade impeditiva ou extintiva (exceções perentórias – art. 576º, n.º 3 do CPC).

Em suma, a ação apenas improcede se o réu demonstrar os factos constitutivos do seu direito e o autor não lhe opuser com sucesso factos impeditivos ou extintivos. O tribunal, neste caso, limita-se a não declarar a inexistência do direito (era essa a pretensão do autor). Acresce que o tribunal só declarará na sentença o direito que o réu logrou demonstrar na hipótese de este formular, por via reconvencional, pedido nesse sentido (art. 266º, n.º 2, al. a) do CPC) (33).

Este Tribunal entende que também aqui o recurso não merece provimento, sendo certo que subscrevemos por inteiro a fundamentação da sentença a respeito desta questão, designadamente quando nela se afirma o seguinte:

No caso, considerando que estamos perante uma ação de simples apreciação negativa, enxertada por um pedido reconvencional, incumbia à ré demonstrar, tal como alegou, a existência do invocado contrato e, por outro lado, a existência do alegado acordo quanto ao montante da remuneração (art.º 343.º, n.º 1, do CC).

Ora, apesar da ré ter logrado demonstrar que, a partir de 2005, passou prestar à autora serviços de contabilidade organizada contra o pagamento de uma contrapartida mensal, a título de honorários, e, bem assim, que os executou até Setembro de 2017 (cfr. “factos provados” nºs. 4 a 7) - ou seja, apesar de ter provado os factos geradores da obrigação -, o certo é que a mesma não logrou provar o exacto montante da obrigação de honorários (cfr. “factos não provados” nºs 3 e 4).

Também a A., no contexto da excepção peremptória de pagamento que invocou, não demonstrou que os valores que a ré aceitou terem sido entregues correspondessem aos valores fixados a título de honorários para os anos de 2011 a 2017 (cfr. “factos não provados” nºs 8 e 9).

Neste conspecto, não estando demonstrado o primeiro critério mencionado no artigo 1158.º, n.º 2 do CC e, ademais, não dispondo a factualidade apurada de factos necessários a convocar os critérios subsequentes referidos no preceito – as tarifas profissionais e, na ausência destas, os usos – , deverá tal retribuição ser determinada em posterior incidente de liquidação, onde deverá ser alegada e provada a factualidade necessária a subsumir nos mencionados critérios, tudo sem prejuízo da questão ser resolvida por recurso a critérios de equidade, caso aqueles não se demonstrem, conforme dispõe o art.º 1158.º, n.º 2 parte final, do CC.

Com efeito, a falta de elementos com que nos deparamos para determinar o “quantum” a indemnizar não deve conduzir à improcedência da ação, mas tão-somente constitui fundamento para, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 609º do CPC, se relegar a sua fixação para liquidação pós-sentencial ou, no caso de se entender que tal averiguação não é possível, fixá-lo com base num critério de equidade conforme imposto pelo art. 566º, nº 3, do CC.

Na específica situação que se nos apresenta, face à concreta matéria em causa, entendemos que ainda se revela possível, através da produção de outros meios complementares de prova – em última análise, através da prova pericial prevista no art. 360º, nº 4, do CPC –, a determinação do valor exacto (ou, pelo menos, aproximado) do valor da remuneração da R..

Assim, tal valor não deverá ser desde já fixado com recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3, do CC. Será antes caso para se condenar no que se vier a liquidar posteriormente, tal como exposto”.

O que antecede, retirado da sentença recorrida, responde cabalmente, a nosso ver, à questão colocada no recurso, sendo amplamente suficiente para demonstrar que não foi violado o ónus da prova nas ações de simples apreciação negativa, nem nenhuma das disposições legais mencionadas pela recorrente (arts. 343º, n.º 1, do CC e 414º do CPC).
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3.3 – Da prescrição presuntiva.

Arguiu a autora, na réplica, a excepção de prescrição presuntiva, pretensão esta que reitera em sede de apelação, na medida em que decorreu mais de dois anos, desde que a ré invoca em abril de 2017, créditos anteriores a abril de 2015, além de que foi alegado que se encontra tudo pago.

Como é sabido, o pagamento é a forma normal de cumprimento das obrigações que envolvam uma prestação pecuniária e, por conseguinte, de extinção das mesmas (art. 762º do Cód. Civil).

Apenas podem prescrever as obrigações não extintas e, por isso, as que, sendo pecuniárias, o devedor não tenha realizado a sua prestação, pagando o que tiver acordado com a parte contrária.

Deste modo, podemos concluir que o pagamento é um acto jurídico de todo incompatível com a prescrição da respectiva obrigação.

Todavia, se assim é quanto à prescrição extintiva ou liberatória – pois que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao direito prescrito (art. 304º do CC), bastando ao devedor alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, não precisando alegar que nunca deveu ou já pagou –, o mesmo já não se pode dizer no que concerne à prescrição presuntiva.

De facto, a prescrição presuntiva é autonomizável da extintiva quanto aos respetivos fundamentos, efeitos e prazos.

Do fundamento apontado às prescrições presuntivas – qual seja, a presunção de cumprimento ou de pagamento pelo decurso do prazo (art. 312º do CC), considerados os contornos das obrigações em causa – decorre a sua finalidade específica: a tutela da posição do devedor, obstando ao cumprimento duplicado da obrigação, por se entender não ser, nestes casos, usual exigir recibo da quitação ou guardá-lo durante muito tempo (34).

Enquanto através da prescrição ordinária se reage contra a inércia ou a negligência injustificada do credor que não exerce o direito em período razoável, pelo que, uma vez esgotado o prazo, não pode exigir que o devedor cumpra aquilo a que se obrigara, ainda que confesse estar em dívida, na prescrição presuntiva promove-se o tráfico jurídico, não se visando coarctar em absoluto ao credor a prova do seu crédito, malgrado esta se limite à confissão expressa ou tácita do devedor (35).

A razão de ser deste regime especial desenhado para este tipo de prescrições de curto prazo assenta em considerações de ordem prática, colhidos da experiência comum e conexionadas com o tipo de relações contratuais (seus sujeitos e objecto) que estão em causa (36).

A prescrição presuntiva, como resulta do art. 312º do CC, funda-se na presunção de cumprimento.

Decorrido o prazo legal, presume, pois, a lei que o pagamento está efectuado, dispensando, assim, o devedor, da prova deste, prova que poderia ser-lhe difícil, dada a ausência de quitação (37).

Tratando-se de uma particular categoria de prescrição breve, determina a presunção de pagamento ou cumprimento e não a extinção da prestação debitória (38).

A presunção de pagamento por banda do devedor faz deslocar o ónus da prova do não pagamento para o credor. Ou seja, existindo a presunção de pagamento a favor do devedor pelo decurso do prazo, competirá ao credor ilidir essa presunção mediante prova em contrário, demonstrando que aquele não pagou, embora nos termos restritivos e limitados indicados nos arts. 313º e 314º do CC.

Na verdade, visando as prescrições presuntivas conferir protecção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, “não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova. Exige-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor(39).

Tais meios de prova específicos consistem na confissão judicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão ou na confissão extrajudicial, só relevando esta quando for realizada por escrito (art. 313º, n.ºs 1 e 2 do CC).

A confissão judicial poderá, porém, ser tácita, nos termos indicados no art. 314º do CC, ou seja, é de considerar “confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento”.
Significa isto que se o devedor assumir em tribunal uma posição que seja, em si mesma, contrária à presunção de cumprimento, estará a confessar a existência da dívida.

Como salienta Sousa Ribeiro (40), “[c]onstituindo uma mera presunção de pagamento, ela não poderá aproveitar a quem tenha uma actuação em juízo que logicamente o exclua. Quando alega a prescrição e, simultaneamente, pratica um acto inconciliável com o seu pressuposto fundante, o devedor está a contradizer-se a si próprio, pois, ao mesmo tempo que pretende ver reconhecida a extinção do vínculo, com base num presumível cumprimento, não deixa de admitir que ele ainda não se efectuou”.

Essa incompatibilidade lógica da posição do devedor com a presunção de cumprimento dá-se, por exemplo, quando aquele discute a existência, o montante, a remissão da sua fixação para o tribunal, o vencimento ou outras características da dívida; quando (o devedor) invoca a compensação de créditos (41) ou outra forma de extinção da obrigação diferente do cumprimento; quando invoca a gratuitidade dos serviços prestados; a contestação da solidariedade da dívida, reivindicando o benefício da divisão (42), quando invoca a invalidade do contrato donde emerge a dívida (43); quando não impugna a alegação de falta de pagamento, feita pelo credor (44) (art. 574º, n.º 2, do CPC).

A solução enunciada no citado art. 314º do CC introduz um desvio à regra de livre apreciação do julgador quanto à determinação para efeitos probatórios da conduta assumida pela parte no tribunal, firmada no art. 357º, n.º 2 do CC, o que se compreende em face da natureza do juízo em que assenta a prescrição presuntiva.

Os prazos (curtos) das prescrições presuntivas estão definidos nos arts. 316º (seis meses) e 317º (dois anos) do CC, interessando-nos para o presente caso o disposto no art. 317º, al. c), pois foi nesta disposição que a autora integrou o caso vertente, concluindo já ter decorrido o prazo de prescrição (de dois anos).

Estabelece este dispositivo que “prescrevem no prazo de dois anos os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais pelo reembolso das despesas correspondentes”.

Estão em causa créditos por serviços prestados no exercício de profissões liberais (como seja o caso do pagamento de honorários a empresa prestadora de serviços de contabilidade).

Na sentença recorrida, com vista à improcedência da invocada excepção, foi exarada a seguinte fundamentação:

Ora, no caso, apesar de ter invocado a prescrição, a qual – enfatiza-se – assenta numa presunção de cumprimento, a verdade é que a autora nega que tenha a obrigação de pagar à ré os montantes reclamados por esta na contestação/reconvenção, deste modo, negando o crédito invocado pela ré/credora, o que, por si só, representa uma posição incompatível com a referida presunção de cumprimento.

Na verdade, ao tentar fazer valer a presunção de pagamento e, simultaneamente, ao negar a obrigação de pagamento do valor reclamado a título de honorários, a autora pratica acto que contraria aquela presunção de pagamento, visto não se poder presumir o cumprimento de uma obrigação que alegadamente não existe (…)”.

Adere-se integralmente à referida fundamentação, a qual consubstancia um correto enquadramento jurídico da posição processual assumida pela autora/recorrente

De facto, a autora praticou em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento, na medida em que impugnou o (alegado) valor ajustado dos honorários, quer o indicado valor inicial, quer a ulterior alteração do respetivo montante mensal, mais impugnando que esse valor tenha sido convencionado entre as partes, já que alega que o mesmo foi unilateralmente fixado pela ré, além de, com base no balancete junto, rejeita ser devedora à autora de qualquer quantia à data de novembro de 2106, mais negando que o pagamento da quantia de 492,00€, no dia 10/08/2017, tenha sido por conta dos honorários devidos à ré (cfr. arts. 5º, 19º a 21º, 23 e 25º da réplica).

Tal atitude processual é, como vimos já, incompatível com a presunção de cumprimento, o que por si só motiva a improcedência da exceção de prescrição presuntiva (45).
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A sentença recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões da apelante.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - Os contratos que envolvam a prestação de serviços no âmbito das profissões liberais ficam sujeitos, na falta de regulamentação específica, ao regime do mandato (art. 1156º do Código Civil).
II – Nas ações em que só esteja em causa a simples apreciação negativa de um direito de que o réu se tenha extrajudicialmente arrogado, o autor só tem de alegar e provar esse arrogo e os factos que demonstram o seu interesse em agir, cabendo ao réu a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de que se arrogava titular (art. 343º, n.º 1 do Código Civil).
III – A ação de simples apreciação negativa improcede se o réu demonstrar os factos constitutivos do seu direito e o autor não lhe opuser com sucesso factos impeditivos ou extintivos (art. 576º, n.º 3 do CPC).
IV – O tribunal limita-se, neste caso, a não declarar a inexistência do direito; só declarará na sentença o direito que o réu logrou demonstrar na hipótese de este formular, por via reconvencional, pedido nesse sentido (art. 266º, n.º 2, al. a) do CPC).
V – Constituindo uma mera presunção de pagamento pelo decurso do prazo, a prescrição presuntiva não poderá aproveitar a quem tenha uma atuação em juízo que logicamente a exclua, designadamente quando o devedor discute a existência, o montante, o vencimento ou outras características da dívida (art. 314º do CC).
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V. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 14 de março de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada.
2. Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nelson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601.
3. Como exemplo, pode dar-se o caso de, numa ação de despejo, a sentença condenar o réu no pagamento de uma indemnização, sem que o autor tenha pedido tal condenação.
4. Cfr. Ac. do STJ de 6/12/2012 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
5. Cfr., António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, pp. 63 e 365.
6. Cfr. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2017 – 9º ed., Almedina, p. 234 e os Acs. do STJ de 19/05/2009 (Relator Azevedo Ramos) e de 22/02/2011 (relator Garcia Calejo), ambos consultáveis in www.dgs.pt..
7. Cfr., Revista n.º 6341/09.4TVLSB.L1.S1, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça/Secções Cíveis, 2014, p. 345, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf.
8. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., Almedina, pp. 291/293.
9. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, obra citada, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
10. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 435/436; no mesmo sentido, Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pp. 191/192
11. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução Ao Processo Civil. Conceito E Princípios Fundamentais À Luz Do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 202.
12. E não, como por lapso indica a recorrente, art. 26º da réplica.
13. E não, como por lapso indica a recorrente, art. 27º da réplica.
14. E não da Ré, como por lapso de escrita foi indicado.
15. Cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 28/09/2017, proc. n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira) e proc. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira), Acs. da RP 24/10/2016 (relator Oliveira Abreu) e de 18/09/2017 (relator Manuel Domingos Fernandes) e Ac. da RE de 3/11/2016 (relatora Maria da Graça Araújo), todos acessíveis in www.dgsi.pt.; no sentido de que às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados”, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil-Anotado, Vol. II, 2008, Coimbra Editora, pp. 637 e 638.
16. Cfr., Acs. do STJ de 28/09/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 29/04/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Pinto Hespanhol); na doutrina, Tiago Caiado Milheiro, In Nulidades da Decisão Da Matéria de Facto, www.julgar.pt., e Antunes Varela, “Juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na ação e o recurso de revista”, CJ, Ano XX, tomo IV, pp. 7 a 14.
17. Cfr., Ac. RP de 23/04/2018 (relator Jerónimo Freitas), in www.dgsi.pt..
18. “No dia 10 de Agosto de 2017, a autora (…) transferiu a quantia de 492,00€ para a conta da ré, fazendo constar no descritivo da transferência «Honorários ...” (A. C.), referentes aos meses de Maio, Junho, Julho e Agosto de 2017”.
19. Cuja cópia consta de fls. 27 e 28.
20. “Os montantes indicados de 8.1) a 8.6) dos “factos provados” foram os valores que a ré fixou e a autora aceitou, como sendo os devidos pelos serviços de contabilidade organizada, prestados nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017”.
21. Do balancete geral analítico da Autora, em 30 de novembro 2016, não constava inscrita nenhuma quantia em débito à Ré.
22. Por se tratar de uma modificação muito limitada, dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada, devendo considerar-se aditado aquele ponto nos seus precisos termos.
23. Cfr., neste sentido, os Acs. da RP de 14/02/2008 (relator Manuel José Pires Capelo) e de 26/06/2008 (relator Mário Fernandes) e o Ac. da RG de 13/10/2014 (relator Fernando Fernandes Freitas), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
24. Dispõe o indicado normativo: “Artigo 9.º Contrato escrito 1 - O contrato entre os contabilistas certificados e as entidades a quem prestam serviços deve ser sempre reduzido a escrito. 2 - Quando os contabilistas certificados exerçam as suas funções em regime de trabalho independente, o contrato referido no número anterior deve ter a duração mínima de um exercício económico, salvo rescisão por justa causa ou mútuo acordo. 3 - Entre outras cláusulas, o contrato deve referir explicitamente a sua duração, a data de entrada em vigor, a forma de prestação de serviços a desempenhar, o modo, o local e o prazo de entrega da documentação, os honorários a cobrar e a sua forma de pagamento”.
25. Cfr., neste sentido, os Acs. da RP de 14/02/2008 (relator Manuel José Pires Capelo) e de 26/06/2008 (relator Mário Fernandes) e o Ac. da RG de 13/10/2014 (relator Fernando Fernandes Freitas), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
26. Sob a epígrafe “Gratuidade ou onerosidade do mandato”, prescreve o citado artigo: “1. O mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso. 2. Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade”.
27. Cfr., Notas ao Código do Processo Civil, Vol. I, 3ª ed. 1999, p. 51.
28. Cfr., Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 187 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol., 1997, pp. 185/186.
29. Correspondendo a um exemplo enunciado por Paulo Pimenta, in Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, pp. 41/42.
30. Cfr. A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 50 (nota 15).
31. Para uma abordagem exaustiva, na doutrina, dos encargos probatórios na ação de simples apreciação negativa e suas implicações, ver o Ac. da RC de 22/03/2011 (relator Pedro Martins), in www.dgsi.pt.
32. Cfr. Acs. do STJ de 30/01/2003 (relator Oliveira Barros) e de 24/10/2006 (relator Paulo Sá) e o Ac. da RC de 12-06-2007 (relator Teles Pereira), todos disponíveis in www.dgsi.pt..
33. Na exposição seguiu-se de perto o ensinamento de Paulo Pimenta, obra citada, pp. 42/43.
34. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., 1987, Coimbra Editora, pp. 281/282, e Rita Canas Silva, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, 2017, Almedina, p. 383.
35. Cfr. Ac. da RC de 15/11/2016 (relator Manuel Capelo), in www.dgsi.pt., que cita diversa jurisprudência e doutrina.
36. Cfr. Ac. do STJ de 8.05.2013 (relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt.
37. Cfr. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ n.º 106, p. 45.
38. Cfr. Calvão da Silva, A prescrição presuntiva e a armadilha do ónus da prova, in RLJ, ano 138º, n.º 3956, p. 267.
39. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 282 e Vaz Serra, estudo citado, p. 55.
40. Cfr. Prescrições presuntivas: sua compatibilidade com a não impugnação dos factos articulados pelo autor, na Revista de Direito e Economia, Ano V, nº 2, p. 393.
41. Como se decidiu no Ac. do STJ de 8.05.2013 (relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt., tendo a ré invocado a prescrição do art. 317.º, al. b), do CC, mas vindo depois alegar que o crédito se extinguiu por compensação, está a confessar claramente que não pagou o preço dos serviços prestados pela autora. Em sentido idêntico, ver também Ac. da RL de 8/11/2012 (relatora Maria de Deus Correia), in www.dgsi.pt. e Ac. RG de 20/09/2007, CJ, 2007, T. IV, p. 287.
42. Cfr. Sousa Ribeiro, obra citada, p. 397 e ss.
43. Cfr. Calvão da Silva, obra citada, p. 268.
44. Cfr. Ac. do STJ de 19/05/2010 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
45. Sem embargo de se revelar inútil para a sorte da apelação, por se ter já concluído pela verificação da confissão judicial tácita da dívida (art. 314º do CC), sempre se dirá – ainda que muito brevemente –, que não partilhamos do entendimento perfilhado pela recorrida, nas contra-alegações de recurso, no sentido de não ser aplicável o regime da prescrição presuntiva estabelecido na citada al. c) do art. 317º do CC por se estar perante duas entidades comerciais, no exercício das suas respetivas actividades. Como é sabido, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (art. 9º, n.º 1 do CC). Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do art. 9º do CC). E, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do art. 9º do CC). Ora, por referência ao texto do art. 317º, al. c) do CC, dele não descortinamos nada que nos aponte no sentido de que as sociedades comerciais beneficiárias dos serviços prestados no exercício de profissões liberais, ainda que obrigadas por lei a possuir contabilidade organizada, estão excluídas do regime de prescrição presuntiva aí instituído. Ao passo que na al. b) do art. 317º do CC o legislador cuidou de especificar que o destinatário da norma não poderia ser comerciante (ou destinar o objeto vendido ao comércio), diversamente, na alínea c) do mesmo artigo, o legislador apenas descreveu o tipo de crédito (por serviços prestados no exercício de profissões liberais), não se preocupando com a qualidade do devedor, sendo indiferente que se trate de pessoa singular ou coletiva, de comerciante ou de não comerciante. Sendo o crédito derivado de serviços que substancialmente se enquadram no exercício duma profissão liberal, resulta indiferente que, no caso, estes tenham sido prestados a uma sociedade ou a uma pessoa singular, pois que, quer da letra, quer do espírito da norma, resulta que o critério de subsunção ao preceito em análise se define unicamente pela natureza dos serviços em causa, e não da entidade que os recebe ou da entidade que os presta [cfr., neste sentido, Ac. STJ de12/09/2006 (relator Nuno Cameira), Ac. da RC de 21/10/2014 (relatora Anabela Luna de Carvalho) e Ac. da RG de 28/09/2017 (relator António Beça Pereira), todos disponíveis in www.dgsi.pt.; em sentido contrário, porém, o Ac. do STJ de 14/01/2014 (relator Salreta Pereira) e o Ac. RL de 12-12-2013 (Relator: Vítor Amaral), disponíveis in www.dgsi.pt.]. Na verdade, o âmbito normativo do art. 317º, al. c) do CC, delimita-se pela natureza dos créditos que provenham de serviços prestados no exercício de profissões liberais e não na qualificação jurídica da entidade profissional que os desenvolve ou que é beneficiária dessa prestação de serviços. Por conseguinte, o que releva para o efeito de aplicação da norma é a natureza dos serviços em causa e não a qualidade da pessoa (singular ou sociedade), que presta ou a quem os serviços são prestados.