Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
287/12.6DBRG -G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: JUIZ NATURAL
IMPEDIMENTO DE JUÍZA QUE ELABORA ACÓRDÃO
LEITURA EFECTUADA PELO JUIZ ADJUNTO
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECRUSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE O DO ARGUIDO LUÍS F. E JOSÉ P. E PARCIALMENTE PROCEDENTE O DO ARGUIDO JORGE N.
Sumário: I - Com a regra do juiz natural ou legal, que se prende com o exercício independente e imparcial da função jurisdicional (arts. 202º e 203º da CRP) e, por isso, também com a organização dos tribunais e o estatuto dos juízes, com particular incidência nas suas garantias de inamovibilidade (art. 216º da CRP), pretende-se preservar a confiança na administração da justiça, evitando que se possa influir no resultado do processo, através da instauração de tribunais “ad hoc” ou de excepção ou de mudanças arbitrárias do órgão judicial ou da sua constituição. Para tanto, a organização dos tribunais não pode estar sujeita a manipulações de conveniência extrajudicial e, por isso, só em casos excepcionais essa regra pode ser derrogada e para dar satisfação adequada a outros princípios constitucionais, como é o da própria imparcialidade que a mesma visa garantir ou o de optimizar a administração da justiça, mediante uma conjuntural redistribuição de processos, com vista a uma tendencial igualação e maior operacionalidade dos serviços, a qual, ainda assim, por se repercutir na competência do tribunal para julgamento, só pode ser determinada pelo Órgão (CSM) constitucionalmente incumbido dos poderes de gestão relativos aos juízes dos tribunais judiciais, «designadamente em articulação com os juízes presidentes das comarcas» [cfr. arts. 217º e 218º da CRP, 136º e 149º a) e h) do EMJ e 135º e 155º da Lei 62/2013 (LOSJ)].
II - A regra é a de que os processos (comuns colectivos) submetidos a julgamento devem ser decididos pelo tribunal colectivo composto pelos três juízes que tenham sido previamente colocados na secção em que aqueles tenham sido distribuídos e presididos pelo respectivo titular. Porém, nada obsta à sua excepcional derrogação se emergir uma qualquer concreta circunstância ou razão objectiva que o justifique, nomeadamente a que o Conselho Superior da Magistratura, ouvido o presidente da comarca, designe os juízes necessários para esse efeito, com base em critérios transparentes, claramente imunes a quaisquer propósitos de influir no resultado do processo ou a manipulações de conveniência extrajudicial.
III – Se, por impedimento da Sra. Juíza que presidiu ao julgamento por tribunal colectivo, subsequente à elaboração por aquela do acórdão, foi um dos Senhores Juízes Adjuntos desse Colectivo quem procedeu à leitura do acórdão, acto expressamente permitido pelo art. 372º nº 3 do CPP, depois de, previamente, ter comunicado uma alteração não substancial de factos, tal comunicação não poderia deixar de ser efectuada pelo Juiz que estava, na circunstância, a presidir à audiência, ao abrigo do art. 358º nº 1 do CPP, e tem como pressuposto que aquele Sr. Juiz procedeu à mera comunicação de uma alteração necessariamente ínsita à deliberação do Tribunal Colectivo, porquanto a imposição e a justificação dessa alteração só no âmbito de tal deliberação poderiam ter sido adquiridas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum colectivo nº 287/12.6IDBRG da Instância Central, 1ª Secção Criminal, da Comarca de Braga, foram os arguidos Luís F., Jorge N., José P. e “Comércio de C…, Lda.”, condenados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105º, nºs 1, 4 e 5 do RGIT, e a última ainda nos termos dos arts. 7º, 12º, nas penas de três anos e seis meses de prisão, três anos e seis meses de prisão, três anos e três meses de prisão e 800 (oitocentos) dias de multa, à taxa diária de € 5, respectivamente.

Inconformado, o arguido Luís F. interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«I.QUESTÃO PRÉVIA – DA PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES E CONSEQUENTES NULIDADES
A. Ilegalidades na Constituição do Tribunal Colectivo
a) Os presentes autos chegaram à Instância Central de Braga, para ser realizado o Julgamento perante o Tribunal Colectivo, tendo sido distribuído ao Juiz 4 da 1ª Secção Criminal da Instância Central de Braga.
b) A partir dessa data, o processo passou a ser tramitado pela Meritíssima Juiz, Dra. Marlene Fortuna Rodrigues.
c) Todavia, o Tribunal Colectivo não foi presidido pela Dra. Marlene Fortuna Rodrigues, mas sim pela Dra. Sílvia Videira Martins, auxiliada pelos juízes adjuntos, Dra. Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro e Dr. Soares Vieira.
d) Logo, o Tribunal Colectivo não foi constituído conforme a lei, tendo existido uma clara “violação das regras legais relativas ao modo de determinar a (…) composição” do Tribunal Colectivo, estamos perante uma nulidade insanável, nos termos do art. 119º al. a) do C.P.P..
e) A irregular composição do Tribunal Colectivo, violou o princípio do Juiz natural, dado que, tal como refere o art. 32.º n.º9 “nenhuma causa pode ser subtraída ao Tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”.
f) Segundo a Lei de Organização do Sistema Judiciário, art. 135.º/1, o Tribunal Colectivo deveria ser presidido pela Dra. Marlene Fortuna Rodrigues – a juiz do processo. E, não foi a Juiz do Processo que presidiu ao Tribunal Colectivo.
g) Assim, e sob pena de violação do princípio do Juiz natural, (art. 32º n.º9 da C.R.P) a nulidade insanável que é de conhecimento oficioso, deverá desde já ser declarada, nos termos do art. 119º al. a) do C.P.P., sendo que ela torna inválido o acto em que se verificar (art. 122º do C.P.P.).
h) Ou seja, o Julgamento deverá ser declarado nulo, e ser ordenada a sua repetição integral.
B. Violação das Regras de Competência do Tribunal
i) Depois de depositado o acórdão, o Tribunal constatou que havia um lapso na parte “do dispositivo de fls 1421, na alínea b)”, pois o condenado Jorge Nuno Ribeiro, figurava naquele acórdão como “Luís Jorge N.”. Dando cumprimento ao estipulado no art. 380.º, n.º1, alínea b) do C.P.P., o Tribunal procedeu à correcção do acórdão.
j)No entanto, o despacho rectificativo foi proferido por Tribunal incompetente, pois estipula o art. 135º n.º2 da L.O.S.J. que “compete ao Presidente do Tribunal Colectivo: al. d) Suprir as deficiências das Sentenças e dos acórdãos, referidos nas alíneas anteriores, esclarecê-los, reformá-los e sustentá-los nos termos das leis de processo”.
k) Ora, a Juiz que presidiu ao Tribunal Colectivo foi a Dra. Sílvia Videira Martins, e teria de ser essa mesma Juiz Presidente a proferir o despacho rectificativo; e não a Dra. Marlene Fortuna Rodrigues, a juiz do processo.
l) Nesta conformidade, estamos, inevitavelmente, perante uma violação das regras de competência do Tribunal, que implica a nulidade insanável do despacho de rectificação do acórdão, nos termos do art. 119º al. e) do C.P.P.
C. Da Comunicação da Alteração Não Substancial de Factos
m) A última sessão de julgamento estava agendada para o dia 05/06/2015, às 09:30h, no entanto, devido ao estado de saúde da juiz que exerceu funções de presidente (Dra. Sílvia Videira Martins), foi antecipada para 02/06/2015.
n) No dia da leitura do acórdão, o Tribunal Colectivo apenas foi composto pelo Meritíssimo Juiz Adjunto, Dr. Soares Vieira, e, não fosse a circunstância de o Meritíssimo Juiz ter comunicado a “alteração não substancial de factos”, não existiria qualquer problema jurídico.
o) Uma vez comunicada a alteração não substancial de factos, para que o tribunal pudesse exercer a sua plena jurisdição, não poderia estar constituído, apenas, por um Juiz adjunto, tendo que estar, isso sim, constituído o Tribunal Colectivo, dado que, se, abstractamente, a defesa quisesse requerer a realização de actos probatórios, isso implicaria que tal prova, fosse produzida perante o Tribunal Colectivo, o que, no caso, não pôde acontecer, tendo sido coarctada essa possibilidade à defesa.
p) Logo, o Tribunal estava ilegalmente constituído para a comunicação de alteração de factos, e esta concepção, já foi aliás corroborada pela jurisprudência, nomeadamente, no processo n.º 502/13.9S4LSB/AL.1, proveniente da 3ª Secção da Relação de Lisboa.
q) Pelo exposto, deveria ter sido a presidente a comunicar aos arguidos a alteração não substancial de factos – o que não aconteceu.
r) Como se pode constatar, a comunicação da alteração de factos foi efectuada pelo Juiz Adjunto, contrariamente ao que impõe o artigo 358º do C.P.P. (pois deveria ter sido feita “pelo presidente”).
s) Perante a comprovada violação das regras de competência (material e funcional) do tribunal estamos assim, perante mais uma causa de nulidade insanável descrita pela alínea e) do art. 119.º do C.P.P. que deverá ser declarada e implicará a repetição da Audiência de Discussão e Julgamento.
D. Omissão de pronúncia quanto ao juízo de prognose reclamado pelo art. 14º do RGIT.
t) A caracterização da suspensão da execução da pena de prisão como um poder vinculado conduz à necessidade de fundamentação da decisão que a aplica, ou a desconsidera.
u) A suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 50.º, n.º 1, do CP, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o art. 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012 (Processo n.º 139/09.7IDPRT.P1-A. S1 — 3.ª Secção).
v) É nossa convicção que o tribunal "a quo" não interpretou correctamente o acórdão supra referido e a que ele próprio aludiu na decisão condenatória, que se refere a um juízo de prognose que o tribunal recorrido interpreta como sendo o reclamado pelo artigo 50.º do CP.
w) Apesar deste tribunal ter citado o famigerado artigo 14.º do RGIT - para logo o afastar - não fez o juízo de prognose que a lei impõe, nem ponderou sobre as condições económico-financeiras do condenado («concreta situação económica, presente e futura»), no sentido de saber se este conseguia ou não dar cumprimento à condição da suspensão vertida no mencionado artigo 14.º.
x) Essa impossibilidade de cumprimento - ou mesmo a possibilidade - não foi sequer analisada pelo tribunal "a quo" - ponderação que deveria ter sido efectuada e posteriormente fundamentada na decisão, sob pena de nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2 do CPP.
y) A nulidade da sentença por omissão de pronúncia que aqui expressamente se argui, cuja causa é a falta do juízo de prognose reclamada pelo artigo 14.º do RGIT, (não fungível com a fundamentação da determinação da medida da pena), deverá ser declarada pelo tribunal "ad quem", com as devidas consequências legais.
II. A IRRELEVÂNCIA/RELEVÂNCIA DA CONFISSÃO, DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO E DA VIOLAÇÃO DO IN DUBIO PRO REU
z) O aqui recorrente Luís F., prestou declarações em sede de audiência de julgamento, confessando, na íntegra, os factos de que vinha acusado.
aa) No entanto, o tribunal “a quo” duvidou, e muito, da veracidade da confissão do recorrente e demonstrou, claramente, não crer no envolvimento do arguido Luís, apesar da sua confissão integral e sem reservas.
bb) Disse-se no acórdão recorrido, entre outras coisas, que o recorrente apareceu em julgamento quase como um «testa de ferro» dos outros arguidos, assumindo para si as responsabilidades e isentando os outros.
cc) Face aos fundamentos apresentados pelo tribunal recorrido, (que ora diz que o arguido não era o único responsável pela não entrega das prestações tributárias – fazendo crer que também tinha responsabilidade nessa decisão – como depois afirma, inconsequentemente, que este era um mero “testa de ferro” dos restantes arguidos, forçoso será de concluir que a decisão, face aos fundamentos invocados pelo tribunal, é, no mínimo, contraditória.
dd) Perante este caos jurídico, ocorreu indubitavelmente uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, verificando-se o vício da alínea b) do nº 2 do art. 410º do CPP.
ee) Se enveredarmos pelo caminho que o tribunal faz crer, então outro desfecho não se poderia verificar que não o da absolvição.
ff) Tanto assim é que, para preenchimento do tipo de crime sub judice, o arguido teria que ter recebido, efectivamente, a prestação tributária que alegadamente não entregou e, ao entender que de facto o arguido era um mero “testa de ferro” dos restantes, então torna-se garantido e assente que o primeiro não recebeu tais valores, e consequentemente não os poderia ter entregue à Autoridade Tributária, como dita a lei.
gg) De resto, o tribunal “a quo” deveria ter retirado as devidas consequências pelo facto de não ter acreditado nas declarações do recorrente e nunca o poderia ter condenado, mas sim absolvido – o que se pugna.
hh) Acresce que, ao ter dúvidas sobre o cometimento ou não do crime por parte do arguido Luís (dado que ele era gerente de direito, mas poderia não o ser de facto), o que parece ter acontecido, pois os fundamentos que aduziu vão nesse sentido, sempre se dirá que, o tribunal “a quo” violou o princípio do in dúbio pro reu.
ii) O tribunal ficou na dúvida sobre factos relevantes e, mesmo nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, preterindo uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla: o in dubio pro reo.
III.A MEDIDA DA PENA
A. A Confissão como Atenuante Especial da Pena
jj) Ao não procederem os fundamentos no capítulo supra invocados – o que só por hipótese académica se admitirá - sempre se dirá que, o Tribunal “a quo” não apreciou devidamente as circunstâncias que depõe a favor do arguido na determinação da medida da pena a aplicar.
kk) O tribunal recorrido não atentou às circunstâncias susceptíveis de levar à atenuação especial da pena aplicada, nomeadamente, à confissão integral e sem reservas do arguido que desde a abertura da primeira audiência de julgamento, reconheceu integralmente a prática dos factos.
ll) Ora, é nosso entendimento que, ao demonstrar abertura e iniciativa para colaborar com a justiça na descoberta da verdade material, mesmo que isso implicasse colocar-se numa situação de “auto desfavorecimento”, o arguido para além de propiciar uma maior agilização, celeridade e economia processuais, demonstrou ter produzido para si, interiormente, franco arrependimento e vontade de, no futuro, confrontado com uma situação idêntica, não voltar a delinquir.
mm) Arrependimento esse que deveria, nos termos da alínea c) do n° 2 do art.º 72° do Código Penal, ter sido tomado em linha de conta e considerado como atenuante especial na medida da pena - o que não sucedeu.
nn) Resulta assim dos fundamentos apresentados, a necessidade de revisão da medida da pena, de acordo com a circunstância de o arguido ter demonstrado arrependimento sincero na confissão admitida em audiência de julgamento, e que serviu de base ao acórdão de ora se recorre.
B. O Crime Continuado – Punição
oo) O Tribunal “a quo” não apreciou devidamente as circunstâncias que depõe a favor do arguido na determinação da medida da pena, nomeadamente, o facto de a conduta do arguido constituir um só crime continuado – 30.º, n. 2 do CP.
pp) Assim, segundo aquele normativo, são requisitos do crime continuado, que verificamos estarem preenchidos in casu os seguintes: a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime, os tipos legais de crime protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico, homogeneidade essencial na sua execução, e a mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa.
qq) Estabelece o artigo 3º al. a) do RGIT que, «aos crimes tributários são aplicáveis, subsidiariamente, o código penal e legislação complementar».
rr) E, desta feita, é hoje perfeitamente pacífico na doutrina e na jurisprudência, a aplicação da teoria do crime continuado consagrada no n.º 2 do artigo 30º do C.P. no âmbito do direito penal tributário, nomeadamente ao crime aqui em apreço: abuso de confiança fiscal.
ss) Desta feita, estatui o artigo 79.º do C.P. que o «crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação».
tt) Ora, nos termos da acusação do Ministério Público, a conduta mais grave corresponde ao período de Agosto de 2011, cujo montante da prestação tributária é de 105.984,42€, não devendo considerar-se para efeitos de determinação da medida da pena (nomeadamente do grau de ilicitude que o tribunal recorrido diz ser muito elevado), o valor global de 1.000.531,23€.
uu) Logo, se o tribunal “a quo” determinou uma pena de prisão de três anos e seis meses com base em tal montante, o que faria se tivesse interpretado e aplicado correctamente as regras de punição do crime continuado, tendo em conta que o valor que deveria ter servido de referência é pouco maior que um décimo daquele…?!? (Repetimos: UM DÉCIMO – de 1.000.531,23€ para 105.984,42€).
vv) Não olvidamos o n.º 2 do artigo 79.º do C.P. que estabelece que: «se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior».
ww) De facto, o tribunal “a quo” refere inúmeras vezes, nomeadamente quando atenta às necessidades de prevenção especial do recorrente, “a condenação posterior por factos posteriores aos que estão em causa nos autos, mas que demonstram que o arguido prosseguiu na sua conduta, nada fazendo para a alterar”.
xx) Ora, com o devido respeito, cremos que mais uma vez, o tribunal “a quo” não interpretou os factos como deveria e como é de lei.
yy) Os factos pelos quais já fora condenado o recorrente são posteriores aos dos autos – é uma realidade que não desconsideramos; no entanto, a condenação por eles não é posterior. Isto é, o recorrente foi julgado por factos posteriores aos períodos aqui em causa, mas a condenação por eles é anterior à que está aqui em causa.
zz) Desta forma, não compreendemos como pode afirmar peremptória e repetidamente o tribunal recorrido que, o arguido Luís C. persistiu na conduta criminosa, nada fazendo para o alterar quando os factos aqui em causa são anteriores a essa condenação por factos posteriores.
aaa) O actual processo versa sobre o ano de 2011 e Janeiro de 2012 e a sua última condenação, antes da aqui em causa, versa sobre os períodos de Fevereiro de 2012 até Agosto do mesmo ano. Ou seja, os períodos em causa nos presentes autos, medeiam entre uma e outra condenação, apesar deste julgamento ter ocorrido em último lugar, havendo uma unicidade criminógena que não deverá ser ignorada, para efeitos no disposto no n.º 2 do 79.º.
bbb) Mais, quer pelos factos que deram lugar à primeira condenação, quer pelos factos posteriores a esta condenação, o arguido foi condenado, em ambas, em penas de prisão SUSPENSAS. Que sentido faz que o arguido seja condenado em prisão efectiva por factos que são anteriores a uma condenação que já ocorreu e que ficou suspensa?
ccc) Mais, se esta é a ultima condenação do arguido, por factos que medeiam cronologicamente no meio das três condenações, como poderia arrepender-se o recorrente, ou, pelo menos, dar mostras desse sentimento?? Ora a conduta do arguido posta em causa nos presentes autos, é anterior à última sentença que transitou em julgado, e não posterior àquela.
ddd) Não compreendemos esta necessidade impelida e desproporcional de prevenção especial relativamente ao arguido Luís C., quando o mesmo já encerrou a empresa (logo que interiorizou a gravidade dos factos pelos quais estava indiciado), já não é gerente de direito nem de facto de qualquer sociedade, não podendo, desta forma, cometer novamente o mesmo crime.
eee) O tribunal decidiu aplicar ao recorrente uma pena de prisão efectiva de três anos e seis meses de prisão, entendendo que só deste modo se satisfazem as exigências de prevenção geral e especial aplicáveis ao caso esquecendo-se, no entanto de uma outra questão….
C. A Falta de Fundamentação do Acórdão no que respeita à Medida da Culpa
fff) A determinação da pena em sentido estrito, tem como princípios regulativos essenciais a culpa e a prevenção, conforme o disposto no artigo 71.°, n.°1 do Código Penal.
ggg) Deste modo, a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, cuja definição consiste num juízo de censura dirigido ao agente pela prática do facto ilícito típico.
hhh) Do aresto de que ora se recorre, nada consta relativamente à culpa do arguido Luís, a não ser, cite-se, que «inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa».
iii) Nenhuma das considerações feitas pelo tribunal recorrido sobre o dolo do recorrente, se confundem com a sua culpa.
jjj) Na verdade, no capítulo dedicado à medida concreta da pena, o douto acórdão cita alguma doutrina e jurisprudência que se referem à culpa como aquela que fornece e é limite inultrapassável da medida da pena, no entanto, para nosso espanto, não se pronunciou nem elaborou qualquer juízo acerca da culpa do arguido Luís.
kkk) Ora não entendemos como logrou o tribunal recorrido chegar à medida da pena concreta (de três anos e seis meses) sem ponderar a medida da culpa do arguido.
lll) Consequentemente, o tribunal deveria ter fundamentado, com base na culpa do recorrente, como chegou à medida concreta da pena que lhe decidiu aplicar (três anos e seis meses).
mmm) Nesta conformidade, verifica-se a nulidade da sentença por falta de fundamentação, nos termos do art. 374º nº2 e 379º al. a) do C.P.P., que aqui expressamente se argui e deverá ser declarada pelo tribunal “ad quem”.
nnn) Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão evitar a quebra da integração social do agente e servir a sua reintegração na comunidade.
ooo) Parece-nos que, a pena de prisão efectiva de 3 anos e seis meses aplicada ao recorrente é excessiva, para além de que, viola o disposto no art.º 71º do C.P.P, ao não ter em consideração na determinação da medida da pena, todos os factos que militam a favor do arguido, como supra se expôs.
ppp) Inquestionável é que a culpa é a medida da pena. Por outro lado, a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade; daí para cima a medida exacta da pena é a que resulta das regras da prevenção especial.
É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade causando só o “mal necessário”. Será assim a pena necessária para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade.
qqq) De modo que, a pena aplicada ao arguido – atentos os fundamentos utilizados para a determinação da medida da mesma e as circunstâncias que o Tribunal “a quo” deu como provadas e as que não valorou – é manifestamente desadequada, por desajustada quer à culpa, quer às exigências de prevenção, considerando a sua inserção familiar, profissional, não se podendo olvidar que, durante a sua vida, levou um longo percurso sem a prática de qualquer crime.
rrr) Considerando que a moldura abstracta do crime sub judice, é de 1 a 5 anos de prisão, entendemos que, devia a medida concreta da pena a aplicar-lhe ser fixada em UM ANO de prisão. Dito isto, a pena a aplicar ao recorrente deve ser o limite mínimo previsto no citado art. 105.º do RGIT.
IV. A NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 50.º CP
sss) O recorrente foi condenado numa pena de três anos e seis meses de prisão cujo cumprimento se ordenou, fosse efectivo.
ttt) Prescreve o artigo 50.º do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. São pois considerações de natureza exclusivamente preventiva, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam a opção pela suspensão da execução da pena de prisão.
uuu) Quanto à função a desempenhar por aquelas exigências preventivas, como refere Figueiredo Dias, há que atribuir prevalência às considerações de prevenção especial, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. A prevenção geral surge sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.
vvv) Ora, ao não suspender a pena de prisão aplicada, entendemos que o tribunal “a quo” violou o artigo 50.º do código Penal, como se exporá.
www) A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores ao direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
xxx) Por outro lado, não são considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos de prognose sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas, tomando por referência o momento da decisão e não da prática do crime.
yyy) Sem esquecer que, como já se disse, o tribunal “a quo” ignorou estar perante um crime continuando e não respeitou as suas regras especiais de punição. E que, não obstante o arguido já ter sido condenado por factos posteriores aos dos autos, a condenação por eles não foi posterior ao actual processo. Isto é, o recorrente foi julgado por factos posteriores aos períodos aqui em causa, mas a condenação por eles é anterior à que está aqui em causa. Logo, e apesar de ter confessado, o arguido não poderia dar mostras factuais, de estar arrependido, a não ser através da confissão; confissão que, o tribunal não valorou como atenuante especial da pena.
zzz) Mais, quer pelos factos que deram lugar à primeira condenação, quer pelos factos posteriores a esta condenação, o arguido foi condenado, em ambas, em penas de prisão SUSPENSAS. Ora, que sentido faria que o recorrente fosse condenado em prisão efectiva por factos que são anteriores a uma outra condenação que já transitou em julgado e que está suspensa?
aaaa)Para a formulação do juízo de prognose favorável, o Tribunal deve atender especialmente às condições de vida e conduta anterior e posterior do arguido.
bbbb)A pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável.
cccc)Vejamos: o arguido encontra-se inserido familiar e profissionalmente; encontra-se perfeitamente socializado; confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos que lhe foram imputados, demonstrando destarte, querer reparar o erro e os prejuízos causados pela sua conduta; a sua vida foi sempre conduzida com respeito pelos princípios que norteiam a vida em sociedade, não tendo um passado pautado pelo crime; resultou não provado que o arguido tivesse feito coisa sua as quantias não entregues ao Estado a título de IVA; tendo este dito ao tribunal que não o fez para pagar salários e “dar a volta à empresa”; o recorrente encerrou a empresa logo que fora constituído arguido no processo, interiorizando o desvalor da sua conduta; não é gerente nem de direito nem de facto de qualquer sociedade, não podendo, de forma alguma, persistir na conduta criminosa; é, actualmente, trabalhador por conta de outrem, auferindo, por isso, um salário mensal.
dddd) Destarte, os argumento supra referidos, constituem elementos susceptíveis de formular um juízo de prognose favorável sobre a condução de vida daquele no futuro, sendo de prever, que a simples ameaça da pena, condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º1 do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, será suficiente para realizar a finalidade da prevenção especial.
eeee) No caso, deverá o tribunal “ad quem” concluir pela suspensão de execução da pena privativa de liberdade, já que é possível a formulação de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido em sociedade.
ffff) Assim e em face de tudo o que se expôs e sem prescindir do que alegou neste recurso, entende o recorrente que, a pena que lhe for aplicada, deverá ser suspensa na sua execução, tudo nos termos do disposto nos artigos 40.º, 50º, 51º e 71º do Código Penal.
V. A NÃO SUBSTITUIÇÃO DA PENA
A. Da Pena de Trabalho a Favor da Comunidade
gggg) Sem prescindir do que rogamos no capítulo anterior, e improcedendo a suspensão, determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão – o que não se admitirá – impõe-se verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
hhhh) Para o caso de se entender que a pena de prisão aplicada não deva ser suspensa na sua execução – o que só por mera hipótese académica se admitirá - sempre seria de aplicar ao arguido a pena de trabalho a favor da comunidade.
iiii) De acordo com o artigo 58.º, n.º 1, do C. Penal, a pena de prisão a aplicar, se não superior a 2 anos, pode ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade “sempre que (o tribunal) concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. E trata-se de um poder-dever que vincula o tribunal a apreciar a aplicação desta medida sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão.
jjjj) Efectivamente, o tribunal “a quo”, atento o preceituado no artigo 70.º, optou pela prisão como pena principal, mas, num segundo momento, e uma vez fixada a prisão em certa medida, deveria proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, o que é, manifestamente, o caso dos autos.
kkkk) Violando o citado artigo 58º do C.P., e dentro das penas de substituição em sentido próprio, para além da pena de multa (art. 43.º, n.º 1 do C.P.) e da pena de suspensão de execução da prisão (art. 50.º do CP), poderia e deveria o Tribunal lançar mão da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58.º do CP), substituindo, assim, a pena de prisão aplicada ao recorrente, devendo a decisão do tribunal “a quo” ser revogada.
B. Da Pena de Prisão por Dias Livres
llll) Caso o Tribunal entendesse não ser de aplicação ao arguido a suspensão da execução da pena de prisão, nem a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre seria de aplicar a pena de prisão por dias livres.
mmmm) Afigura-se-nos que, no caso concreto, estão reunidas condições para que ao arguido possa ser aplicada a pena de substituição de prisão por dias livres. Isto é, em concreto, atendo-se à culpa, às exigências de prevenção geral, bem como, às exigências de prevenção especial; tudo ponderado, é adequada a aplicação de uma pena de prisão por dias livres, que é, em nosso entendimento, suficiente para acautelar as exigências da prevenção geral e especial.
nnnn) Não o tendo feito, violou o Tribunal “a quo” o preceituado no artigo 45º, nº 1 do CP.
VI. INCONSTITUCIONALIDADES
A. Violação do Princípio do Juiz Natural
oooo) Os presentes autos foram distribuídos para julgamento à Instância Central Criminal de Braga – J4, cuja juiz titular era a Meritíssima Juíza Dra. Marlene Fortuna Rodrigues.
pppp) O Tribunal Colectivo deveria ser presidido pela referida Juíza Marlene Fortuna Rodrigues, conforme estatui o art. 135º n.º1 da L.O.S.J., mas foi presidido pela Meritíssima Juiz Dra. Sílvia Videira Martins e auxiliada pelos Juízes Adjuntos Dra. Luísa Alvoeiro e Dr. Soares Vieira, não tendo sido respeitadas as regras de Constituição e composição do Tribunal Colectivo, o que constitui uma nulidade insanável.
qqqq) Na verdade, nos termos do art. 32º n.º9 da C.R.P., “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”, e tendo-o feito, o tribunal “a quo” cometeu uma inconstitucionalidade material, na medida em que, ao interpretar os artigos relativos à sua competência, maxime, o art. 135º n.º1 da L.O.S.J. julgou poder “subtrair” a causa à Juiz que deveria exercer funções da presidente, submetendo o pleito ao ajuizamento de outro Tribunal Colectivo, que não aquele que deveria realizar o julgamento da causa.
B. Violação do Princípio “in dúbio pro reu”
rrrr) O tribunal “a quo” demonstrou, claramente, não crer no envolvimento do arguido Luís, e não acreditar na sua confissão integral e sem reservas. Isto porque, lê-se no acórdão que, o recorrente apareceu em julgamento como um «testa de ferro» dos outros arguidos.
ssss) Ao ter dúvidas sobre envolvimento do recorrente, sempre se dirá que, o tribunal “a quo” violou o princípio do in dúbio pro reu, vertida no art. 32º n.º2 da C.R.P, na medida em que, se deveria prevalecer do princípio da presunção de inocência.
C. Violação do Dever de Fundamentação, Consignado no art. 205º n.º1 da C.R.P.
tttt) Dispõe o art. 205º da C.R.P. que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. E, o Tribunal “a quo” não fundamentou o acórdão no que respeita à medida concreta da pena, por falta de pronúncia acerca a medida da culpa do arguido.
255. Ora, a preterição do dever de fundamentação constitui uma nulidade do acórdão, porém, além da nulidade supra expendida, acresce a inconstitucionalidade da interpretação do art. 374º n.º2 do C.P.P., pois, na verdade, o acórdão recorrido dos presentes autos não foi fundamentado, conforme estatui a Constituição da República Portuguesa e a Lei (vide art. 205º C.R.P. e art 97º n.º5 do C.P.P.).
256. Desta forma, as garantias constitucionais do arguido recorrente saíram profundamente diminuídas (senão mesmo excluídas) devido à falta de fundamentação a que alude o art. 374º n.º2 do C.P.P., em manifesta violação do dever de fundamentação.».

O arguido Jorge N. também se insurgiu contra a decisão recorrida apresentado na sua motivação as seguintes conclusões:
«I – O tribunal recorrido por acórdão proferido no dia 29 de junho de 2015, o qual foi objeto de posterior retificação por despacho de 30/06/2015, o qual se considera notificado ao mandatário dos arguidos em 03/07/2015, decidiu condenar o ora arguido recorrente pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, nos termos previstos pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 4 e 5 do RGIT, na pena de três anos e seis meses de prisão.
II – Na verdade, in casu, não foi feita prova suficiente de que o arguido tenha praticado o crime de que vem acusado, pelo que, com o devido respeito, o arguido/Recorrente não se pode conformar com o acórdão proferido, merecendo o mesmo censura, versando o presente Recurso sobre matéria de facto e de direito.
III – O ora arguido, no âmbito dos presentes autos, vem acusado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 4 e 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), praticado no lapso temporal entre Novembro de 2010 a Setembro de 2011 e no processo apenso sob o n.º 377/11.2IDBRG (apenso A), no qual é imputado ao ora arguido um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 4 e 5 do R.G.I.T., praticado no mês de Janeiro de 2012.
IV – O arguido aceita os factos dados como provados na decisão recorrida e infra elencados sob os números 1, 2, 3, 4, 10, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46 e 47, bem como, os factos dados como não provados.
V – Todos os demais factos dados como provados, entendemos não ter sido produzida e examinada em sede de audiência de julgamento prova suficiente para dar como provada a restante factualidade.
VI – A decisão recorrida encontra-se irremediavelmente ferida de várias nulidades, que só poderão implicar a anulação da mesma e repetição integral de todo os julgamento.
VII – Conforme o estatuído no artigo 14.º do Código de Processo Penal (C.P.P.) entende-se como Tribunal Colectivo como o Tribunal constituído por três juízes, que julga os processos respeitantes aos crimes mais graves (pena de prisão superior a cinco anos).
VIII – A composição do Tribunal Colectivo é a que resulta do artigo 133.º, n.º1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (L.O.S.J.), segundo o qual “o Tribunal Colectivo é composto, em regra, por três juízes privativos”.
IX – Dispõe o artigo 135.º da L.O.S.J. que “o Tribunal Colectivo é presidido pelo juiz do processo”.
X – O presente processo quando chegou à Instância Central de Braga, para ser realizado o Julgamento perante o Tribunal Colectivo, foi distribuído em 01/10/2014, tendo sido autuado em 03/10/2014, na Comarca de Braga – Instância Central – 1ª Secção Criminal – J4, os quais passaram a ser tramitados, sob a jurisdição da Meritíssima Juiz Dra. Marlene Fortuna Rodrigues, cujo primeiro despacho foi o de agendamento da Audiência de Julgamento, proferido em 06/10/2014, com a referência 135128568, o que desde essa data (06/10/2014) até ao início do julgamento – e mesmo depois (vide despacho de 30/06/2015 com a referência 141 175 283) todos os despachos foram proferidos por aquela Magistrada – a Exma. Juiz Dra. Marlene Fortuna Rodrigues.
XI – Deste modo, deveria ter sido a referida magistrada, Dra. Marlene Fortuna Rodrigues, a presidir ao Tribunal Colectivo, conforme estatui o supra citado artigo 135.º, n.º1 da L.O.S.J, o que não sucedeu, pois o Tribunal Colectivo foi presidido pela Dra. Sílvia Videira Martins, auxiliada pelos juízes adjuntos, Dra. Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro e Dr. Soares Vieira.
XII – Portanto, o Tribunal Colectivo não foi constituído conforme a lei estatui e nem sequer a Sr.ª Magistrada titular do processo interveio no julgamento, o que, nos termos do artigo 119.º, al. a) do C.P.P., estamos perante uma nulidade insanável na medida em que se verificou “a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição” do Tribunal.
XIII – Desta forma, o Tribunal Colectivo deveria ter sido presidido pela Dra. Marlene Fortuna Rodrigues, que exerce funções de juiz do processo, ao nível da 1ª Instância.
XIV – A composição do Tribunal Colectivo, tal como foi constituído, violou o princípio do Juiz natural, consignado no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), donde resulta que não se pode escolher um juiz para decidir uma causa ou sequer retirar a um juiz essa mesma causa, sendo um princípio básico de defesa.
XV – No caso concreto, nos termos da Lei 62/2013 de 26/08, o Tribunal Colectivo deveria ser presidido pela Dra. Marlene Fortuna Rodrigues (artigo 135º n.º1 da L.O.S.J.) e não foi, cuja causa lhe foi “subtraída” na fase do julgamento (artigo 32º n.º9 da C.R.P.), o que consequentemente, em virtude da arguição da mencionada nulidade, cuja declaração se impõe, teremos de aplicar o artigo 122.º do C.P.P., segundo o qual “as nulidades tornam inválido o acto em que se verificaram”.
XVI – Pelo exposto, estamos perante uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso, a qual desde já se argui para todos os devidos efeitos legais e a qual se requer seja declarada, nos termos do artigo 119.º al. a) do C.P.P., sob pena de violação do princípio do Juiz natural, nos termos do artigo 32.º n.º9 da C.R.P, devendo assim ser declarado nulo todo o julgamento e ordenar-se a sua repetição na íntegra.
XVII – O Julgamento foi efetuado pelo Tribunal Colectivo, composto pela Juiz Presidente, Dra. Sílvia Videira Martins e pelos Juízes adjuntos, Dra. Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro e Dr. Soares Vieira.
XVIII – No entanto, no dia 30/06/2015 (um dia depois da leitura do acórdão e seu depósito) o Tribunal constatou que haveria um lapso na parte “do dispositivo de fls 1421, na alínea b)” do acórdão.
XIX – O Tribunal decidiu, assim, rectificar o lapso patente verificado e determinar que passasse a figurar o nome do condenado como “Jorge N.” (e não “Luís Jorge N.”) nos termos do artigo 380, n.º1, alínea b) do C.P.P.
XX – Sendo certo que quem procedeu à mencionada rectificação foi a Meritíssima Juiz Dra. Marlene Fortuna Rodrigues e não a juiz que presidiu a sessão Dra. Sílvia Videira Martins, o que apesar da rectificação operada, o certo é que o lapso patente ainda perdura: o arguido condenado é Jorge N. e não “Jorge N….”, conforme resulta do despacho rectificativo.
XXI – A Juiz que presidiu ao Tribunal Colectivo foi a Dra. Sílvia Videira Martins, pelo que, teria de ser a Juiz Presidente (que exerceu funções de facto como tal) a proceder à rectificação do acórdão e, não a juiz que deveria ter exercido funções de presidente e na realidade não as exerceu (a Dra. Marlene Fortuna Rodrigues), conforme como determina o artigo 135.º, n.º2 da L.O.S.J..
XXII – Assim, a retificação operada não foi levada a efeito pelo Juiz Presidente e nem sequer por qualquer elemento que compunha o Tribunal Coletivo, o que constitui uma nulidade insanável, do despacho de retificação do acórdão, porquanto verificou-se “a violação das regras de competência do Tribunal”, nos termos do artigo 119.º, al. e) do C.P.P, o que também se argui para todos os devidos efeitos legais.
XXIII – Todas as sessões de audiência e discussão e julgamento foram presididas pela Meritíssima Juiz Sílvia Videira Martins e foram Juízes Adjuntos a Dra. Luísa Maria Rocha Oliveira Alvoeiro e o Dr. Soares Vieira.
XXIV – A última sessão de julgamento esteve marcada, primeiramente, para o dia 05/06/2015, pelas 9:30 e, depois, foi antecipada para 02/06/2015, por motivos compreensíveis de saúde da Sra. Juiz Presidente, razão pela qual, foi marcada a data de 29/06/2015 para a leitura do acórdão, com o aviso de que tal leitura seria efectuada “por um dos adjuntos”, pois a Juiz Presidente não poderia comparecer no Tribunal.
XXV – Na data aprazada, compareceram todos os arguidos para ouvirem a decisão do Tribunal Colectivo e este apenas foi composto pelo Meritíssimo Juiz Adjunto.
XVI – No entanto, é certo que a intervenção do Tribunal Colectivo não se esgota com a audiência de julgamento e no dia da leitura do acórdão, o Meritíssimo Juiz Adjunto comunicou a alteração não substancial de factos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 358.º do C.P.P.
XXVII – Perante tal circunstancialismo, o Tribunal não poderia estar constituído, apenas, por um Juiz adjunto, pois tendo havido comunicação de alteração não substancial de factos, o Tribunal para exercer a sua plena jurisdição teria de ter composição de Tribunal Colectivo, já que, em abstracto, a defesa poderia ter requerido a realização de actos probatórios e implicaria que tal prova fosse produzida perante o Tribunal Colectivo.
XXVIII – De qualquer modo, mesmo que se entenda que, no caso concreto, não seria necessário a intervenção do Tribunal Colectivo – o que não se admite – o certo é que o Tribunal estava ilegalmente constituído para a comunicação de alteração de factos, conforme dispõe o artigo 358.º do C.P.P., que menciona “se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento comunica a alteração…”.
XXXIX – Ora, no caso concreto, não foi a presidente que comunicou aos arguidos a alteração não substancial de factos, o que determina a incompetência material e funcional do Tribunal para comunicar a alteração não substancial de factos, com a consequência de estarmos perante mais uma causa de nulidade insanável, concretamente, a alínea e) do artigo 119º do C.P.P., que expressamente alude “a violação das regras de competência do tribunal…, importando esta declaração de nulidade a repetição da Audiência de Discussão e Julgamento.
XXX – Por outro lado, o arguido Luís F. quando prestou declarações em audiência de julgamento confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos pelos quais vinha acusado, demonstrando a sua inteira responsabilização pelos mesmos, a partir de Abril de 2010, conforme, aliás, resulta expressamente provado no facto 36 do acórdão recorrido, tendo assim exonerado de qualquer responsabilidade o co-arguido, ora Recorrente conforme, aliás, resulta da motivação da douta sentença da qual se recorre.
XXXI – Contudo, a confissão do arguido Luís F. não foi valorada, apesar de ter sido livre e espontânea prestada perante o Tribunal a quo, preenchendo os pressupostos previstos no número 1 do artigo 344.º do C.P.P, conforme resulta do seu respectivo depoimento nas passagens supra devidamente transcritas e assinaladas na motivação do presente recurso.
XXXII – Assim, a decisão do tribunal recorrido ao ter dado como provados factos constantes da acusação no que concerne ao ora recorrente e responsabilizando-o criminalmente, quando houve confissão integral e sem reservas por parte do arguido Luís F., padece do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, o que tal vício determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto, nos termos do artigo 426.º, n.º1 do C.P.P.
XXXIII – A decisão recorrida é nula por violação do artigo 344º, nº 1 e nº 2 do C. de Processo Penal (CPP), padecendo a mesma do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, o que determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto, nos termos do artigo 426.º, n.º1 do C.P.P.
XXXIV – O Tribunal Recorrido profere uma decisão alegando que o Arguido Jorge N. reteve e não entregou ao Estado as prestações tributárias retidas a título de IVA, entre os meses de Novembro de 2010 e Setembro de 2011 e o mês de Janeiro de 2012, não justificando, nem fundamentando o porquê de assim ter considerado, o que não se pode aceitar.
XXXV – De facto, apenas ficou provado que foi vendida ao Arguido Luís F. pelo ora Recorrente a sociedade arguida dos presentes autos, não tendo o Recorrente qualquer outra ligação com a sociedade, a não ser de prestação de auxílio na laboração da mesma, não existindo assim prova suficiente para ter sido proferida decisão nos moldes já descritos em relação ao ora Recorrente.
XXXVI – O Tribunal Recorrido também não justifica, nem fundamenta o porquê de não ter dado credibilidade às declarações das testemunhas Joaquim O., Mário M. e Artur M., os quais afirmam peremptoriamente que quem geria de facto e de direito a sociedade arguida era o arguido Luís F. individualmente, e não o Arguido Jorge N..
XXXVII – O Tribunal Recorrido na sua motivação refere que não valorou as declarações dos arguidos, com a agravante da declaração do Arguido Luís F. consubstanciar uma confissão integral dos factos descritos na acusação e, além disso, o Tribunal Recorrido decidiu valorar e dar credibilidade aos depoimentos prestados pelos Inspectores Tributários Eveline L. e Manuel L., os quais demonstraram não ter conhecimento direto dos factos descritos na acusação.
XXXVIII – Importa salientar que a decisão recorrida deveria ser fundamentada, contendo uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, originando que a decisão recorrida padeça de nulidade por violação do n.º 2, do artigo 374.º, 379.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal.
XXXIX – A fundamentação das decisões é efectivamente uma exigência constitucional, tal como decorre do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
XL – A decisão recorrida limita-se a dizer que o depoimento do arguido/Recorrente, do arguido Luís F. e das testemunhas Joaquim O., Mário M. e Artur M. não merecem credibilidade, o que não se pode aceitar, pois nem sequer explica ou justifica minimamente como se alcança tal decisão.
XLI – O referido depoimento do arguido Luís F. é extremamente importante, em virtude do mesmo ter confessado integralmente e sem reservas a prática dos factos pelos quais vinha acusado, demonstrando a sua inteira responsabilização pelos mesmos. Situação esta que leva a que seja retirada toda e qualquer responsabilidade ao ora Recorrente.
XLI - Pelo que, ao dar como provado o facto constante do ponto 4, não poderia posteriormente o Tribunal a quo ter decidido no sentido de condenar o arguido/Recorrente por não entregar as quantias retidas a título de IVA no período em que já não era gerente da sociedade arguida.
XLII – O Tribunal Recorrido ao não ter analisado criticamente todas as provas produzidas, ao não ter fundamentado o porquê de não valorar o depoimento das testemunhas supra identificadas, que corrobora de facto que o Recorrente não tinha qualquer ligação de facto, nem de direito com a sociedade arguida nos presentes autos, determina que a decisão é nula por falta de fundamentação, por violação do n.º 2 do artigo 374.º e 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (C.P.P.).
XLIII – O arguido/Recorrente considera que foram incorrectamente dados como provados os factos elencados no acórdão recorrido sob os números 5 na parte “competia aos arguidos Jorge R.”, 6 na parte “os arguidos Jorge R.”, 7 na parte “os arguidos”, 8 na parte “os arguidos Jorge R.”, 9 na parte “os arguidos Jorge R.”, 12 na parte “por decisão dos arguidos Jorge R.”, 13 na parte “os arguidos Jorge R.”, 14 na parte “os arguidos”, 15, 16, 17, 21 na parte “os arguidos Jorge R.”, 22 a parte “os arguidos Jorge R.” e 23 da matéria de facto provada, em virtude de não ter havido produção de prova suficiente em audiência de discussão e julgamento para os considerar como provados, os quais deveriam ter sido dados como não provados, pois, desde logo, atenta a prova documental e testemunhal produzida e examinada em sede de audiência de julgamento, entendemos que não se podia dar como provada toda a factualidade supra descrita, conforme resulta dos depoimentos das testemunhas supra devidamente transcritas e a com as passagens assinaladas na motivação do presente recurso.
XLIV – O Recorrente, prestou declarações em audiência de julgamento, o qual negou os factos que lhe são imputados, tendo, aliás, o arguido Luis C. confessado integralmente e sem reservas todos os factos descritos na acusação.
XLV - Pelo que, entendemos ter sido produzida prova suficiente para que o tribunal recorrido desse esses mesmos factos como não provados, e ao não tê-lo feito, julgou incorrectamente estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados (artigo 412.º, n.º 3 al. a) e b) do Código de Processo Penal).
XLVI – O Tribunal Recorrido deveria ter dado como não provados os números 5 na parte “competia aos arguidos Jorge R.”, 6 na parte “os arguidos Jorge R.”, 7 na parte “os arguidos”, 8 na parte “os arguidos Jorge R.”, 9 na parte “os arguidos Jorge R.”, 12 na parte “por decisão dos arguidos Jorge R.”, 13 na parte “os arguidos Jorge R.”, 14 na parte “os arguidos”, 15, 16, 17, 21 na parte “os arguidos Jorge R.”, 22 a parte “os arguidos Jorge R.” e 23 da matéria de facto provada e ao não tê-lo feito, face à prova produzida nos presentes autos, designadamente testemunhal e documental, acima transcrita e que aqui por uma questão de economia processual se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos efeitos legais, julgou incorrectamente estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados (artigo 412.º, n.º 3 al. a) e b) do Código de Processo Penal).
XLVII – A gerência/administração da sociedade arguida nos presentes autos cabia única e exclusivamente ao arguido Luís F., não desempenhando o ora Recorrente qualquer função de gerência no período em discussão nos autos, conforme resultou do seu depoimento supra devidamente transcrito e com as passagens assinaladas na motivação do presente recurso.
XLVIII – Além do depoimento do Recorrente, as próprias declarações do arguido Luís F. demonstram que o Recorrente não geria a empresa, apenas ajudava o Arguido Luís nas suas funções, quando este necessitava, sendo o próprio arguido Luís F. que desempenhava as funções de gerente da sociedade, dando ordens aos funcionários, pagando salários, e tomando todas as decisões necessárias ao bom andamento da empresa.
XLIX – Pelo que o Recorrente apenas ajudava o arguido Luís F. em determinados aspetos de funcionamento da empresa, nomeadamente de laboração da produção, não exercendo qualquer função relacionada com a administração da mesma. Pelo que dirigia-se com alguma assiduidade à mesma com o intuito de verificar se a parte atinente à produção se desenrolava com normalidade.
L – A gerência não era ocupada pelo ora Recorrente, este não recebia créditos, não pagava débitos, não decidia que contratos a sociedade arguida celebrava, que investimentos realizava e quantos trabalhadores tinha ao seu serviço, nem decidia o destino da sociedade.
LI – Os depoimentos dos arguidos supra referidos são corroborados por diversas testemunhas, entre elas a testemunha António J., trabalhador da sociedade arguida no período entre 2006 e 2013, como motorista, o qual afirma que o ora Recorrente nunca lhe dirigiu qualquer ordem no exercício da sua actividade, conforme resulta do seu depoimento supra devidamente transcrito e com as passagens assinaladas na motivação do presente recurso.
LII – Neste mesmo sentido, corroborando estes depoimentos, a testemunha António O., também trabalhador na sociedade arguida, o qual exercia as funções de motorista (desde 2006 até ano de 2012/2013), expressou de forma peremptória que nunca trabalhou sob as ordens do Recorrente, conforme resulta do seu depoimento supra devidamente transcrito e com as passagens assinaladas na motivação do presente recurso.
LIII – No mesmo sentido, testemunhou Mário E., Técnico Oficial de Contas, que prestou serviços à sociedade arguida na prática até Abril de 2010, data em que passou tais funções a um colega, embora oficialmente apenas tenha cessado tais funções em Março de 2011, o qual novamente evidenciou que quem exercia funções correspondentes ao cargo de gerência era o arguido Luís F., o Recorrente apenas lhe prestava apoio por forma ao arguido se inteirar dos trâmites do negócio de comércio de carnes e que a parte financeira da arguida foi sempre da incumbência do arguido Luís F., conforme resulta do seu depoimento supra devidamente transcrito e com as passagens assinaladas na motivação do presente recurso.
LIV – Para além da confissão expressa, o Arguido Luís F. ao longo das suas declarações em sede de audiência de discussão e julgamento explicou de forma clara a celebração do negócio de aquisição da sociedade arguida com o ora Recorrente, em que termos e condições o mesmo sucedeu, demonstrando conhecimento pela laboração da sociedade de que era gerente.
LV – O arguido Luís F. refere expressamente que não procedeu à devolução do IVA à Administração Tributária, por forma a canalizar esses valores para o pagamento dos salários dos trabalhadores e, desta forma, manter a sociedade arguida a laborar e de facto, o que releva para efeitos de gerência efectiva são as decisões ou ordens de grande importância para esta, nomeadamente processamento de salários e o seu pagamento, escolha de fornecedores, decisões quanto à celebração de contratos, e igualmente a decisão de entregar o IVA à Administração Tributária.
LVI – Sendo que esta tipicidade de decisões ou ordens eram efectivamente exercidas pelo arguido Luís F., não podendo retirar-se, sem mais, que o ora Recorrente por auxiliar na produção da sociedade arguida, exercia uma gerência de facto.
LVII – Assim, à luz da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, o ora Recorrente não era gerente de facto da sociedade arguida dentro dos períodos temporais por que vem acusado (Novembro de 2010 a Setembro de 2011 e Janeiro de 2012), pelo que não se pode aceitar qualquer alegação em sentido contrário.
LVII – Não foi produzida prova bastante para se aferir que era o ora Recorrente que tomava decisões no que diz respeito ao reembolso do IVA, até porque ficou cabalmente provado que o ora Recorrente não estava envolvido na administração da sociedade arguida nos presentes autos, mas antes que tal função competia ao arguido Luís F..
LVIII – Pelo que, com o devido respeito, entendemos ter sido produzida prova suficiente para que o tribunal recorrido desse como não provados os factos nºs 5 na parte “competia aos arguidos Jorge R.”, 6 na parte “os arguidos Jorge R.”, 7 na parte “os arguidos”, 16 e 17, e ao não tê-lo feito, conforme do supra exposto e, concretamente, das passagens da gravação da prova devidamente assinaladas e transcritas, julgou incorretamente estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados (artigo 412.º, n.º 3 al. a) e b) do Código de Processo Penal).
LIX – Os factos dados como provados nºs 8 na parte “os arguidos Jorge R.”, 9 na parte “os arguidos Jorge R.”, 12 na parte “por decisão dos arguidos Jorge R.”, 13 na parte “os arguidos Jorge R.”, ou seja, no que se refere ao ora arguido recorrente, deveriam ter sido dados como não provados, conforme resulta dos depoimentos dos arguidos recorrente, Luis C., Mário M. e Joaquim S. nas passagens devidamente transcritas na motivação.
LX – O ora Recorrente claramente não desempenhava a função de gerente na sociedade arguida, mas sim o arguido Luís F., uma vez que este em audiência de discussão e julgamento confessou integralmente e sem reservas a prática dos atos constantes da acusação, responsabilizando-se pelos mesmos e exonerando o ora Recorrente de qualquer responsabilidade.
LXI – Aliás, o arguido Luís F. no seu depoimento assumiu-se peremptoriamente como único responsável pela retenção e não entrega ao Estado das prestações tributárias devidas a título de IVA desde Novembro de 2010 a Setembro de 2011, e de Janeiro de 2012 e somente era ele que estava legalmente obrigado a entregar as prestações tributárias supra referidas à Fazenda Pública, o que não o fez nos prazos legais, nem decorridos 90 dias sobre o seu termo.
LXII - O ora Recorrente foi, pelas declarações do arguido Luís F., mormente pela sua confissão, exonerado de qualquer responsabilidade pela prática dos factos descritos na acusação, conforme resulta do seu depoimento nas partes devidamente assinaladas na motivação.
LXIII – Para além dos depoimentos dos arguidos supra mencionados, releva nesta sede o depoimento das testemunha Mário M., TOC da sociedade arguida desde 2006 até Abril de 2010, mas oficialmente até Março de 2011 e da testemunha Joaquim S., TOC, que prestou serviços à empresa ora arguida entre Abril de 2010 até sensivelmente Setembro de 2012, conforme resultou dos seus respetivos depoimentos supra devidamente transcritos e com as passagens assinaladas na motivação do presente recurso.
LXIV – A testemunha Manuel L. nunca, em momento algum “condena” o Recorrente pela retenção e não entrega de IVA nos cofres do Estado.
LXV – Os mencionados factos 8 na parte “os arguidos Jorge R.”, 9 na parte “os arguidos Jorge R.”, 12 na parte “por decisão dos arguidos Jorge R.”, 13 na parte “os arguidos Jorge R.”, foram incorretamente dados como provados, em virtude de ter sido produzida prova suficiente para que o tribunal recorrido desse esses mesmos factos como não provados, e ao não tê-lo feito, julgou incorretamente estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados (artigo 412.º, n.º 3 al. a) e b) do Código de Processo Penal).
LXVI – Os factos dados como provados nºs 14 na parte “os arguidos”, 15, 21 na parte “os arguidos Jorge R.”, 22 na parte “os arguidos Jorge R.” e 23, deveriam ter sido dados como não provados, pois não se logrando provar que o ora Recorrente era gerente de facto na sociedade arguida, no lapso temporal do qual vem acusado (Novembro de 2010 a Setembro de 2011 e Janeiro de 2012) consequentemente, também não se poderá considerar provados estes factos.
LXVII – O ora Recorrente não era gerente da sociedade arguida não estava adstrito à obrigação de entrega das prestações tributária devidas pelo IVA retido pela mesma, conforme resulta dos depoimentos do recorrente, arguido Luís C. e testemunhas Mário M., Joaquim O., Artur M., António J. e António J. nas passagens supra devidamente transcritas na motivação.
LXVIII – Foi produzida prova suficiente para que o tribunal recorrido desse como não provados os factos nºs 14 na parte “os arguidos”, 15, 21 na parte “os arguidos Jorge R.”, 22 na parte “os arguidos Jorge R.”, e 23, e ao não tê-lo feito, julgou incorretamente estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados (artigo 412.º, n.º 3 al. a) e b) do Código de Processo Penal).
LXIX – Face ao exposto, o Tribunal Recorrido deveria ter dado como não provados os factos números 5 na parte “competia aos arguidos Jorge R.”, 6 na parte “os arguidos Jorge R.”, 7 na parte “os arguidos”, 8 na parte “os arguidos Jorge R.”, 9 na parte “os arguidos Jorge R.”, 12 na parte “por decisão dos arguidos Jorge R.”, 13 na parte “os arguidos Jorge R.”, 14 na parte “os arguidos”, 15, 16, 17, 21 na parte “os arguidos Jorge R.”, 22 a parte “os arguidos Jorge R.” e 23 da matéria de facto provada e ao não tê-lo feito, face às concretas provas que imponham uma decisão diversa, nomeadamente, a prova testemunhal mencionada nas anteriores conclusões devidamente transcrita e documental junta aos autos, o tribunal recorrido julgou incorrectamente estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados (artigo 412.º, n.º 3 al. a) e b) do Código de Processo Penal),
LXX – Se o tribunal recorrido desse os factos mencionados na conclusão anterior como não provados, a decisão proferida seria diversa daquela que foi proferida e só poderia ser a absolvição do ora recorrente.
LXXI – O tribunal recorrido ao ter condenado o recorrente como autor de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelas disposições do artigo 105.º, n.ºs 1, 4 e 5 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), na pena de três anos e seis meses de prisão efetiva, violou o disposto no artigo 105.º, n.º 1, 4 e 5 do RGIT e artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
LXXII – Dispõe o artigo 105.º, n.º 1 do RGIT, por força do art. 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento Geral do Estado para 2009 que «1-Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar, é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.»; «Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação. b) a Prestação comunicada à Administração Tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.» E acrescenta o n.º 5 do mesmo normativo legal que «Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a € 50 000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.»
LXXIII – Face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, designadamente a prova documental, prova testemunhal e declarações dos arguidos, cujas transcrições se encontram supra e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, claramente se conclui que o Recorrente não praticou o crime pelo qual foi, com o devido respeito, erroneamente condenado,
LXXIV – Concretamente, resulta da certidão comercial da sociedade “Comercio de C…, Lda.”, junto a fls 48 a 55 e 871 a 878, denota-se que até 30/12/2010 o gerente da sociedade arguida era o Recorrente, e a partir dessa data passou a ser o arguido Luís F., e que este passou a ser o único sócio a partir de 19/01/2011 também por transmissão da quota, aliás, resulta dos factos averbados ao registo, a deliberação da renúncia de um e nomeação do outro é de 02/04/2010, sendo assim indubitável que o Recorrente no período temporal que se discute nos presentes autos não exercia funções de gerente da sociedade arguida, bem como, das declarações do arguido Luís F. e pela própria prova testemunhal produzida em sede de audiência e julgamento, designadamente as testemunhas António D., António L., Artur M. e Mário E. nas passagens devidamente assinaladas na motivação do presente recurso.
LXXV – O arguido Luís F., confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, assumindo-se como único responsável pelos crimes discutidos nos presentes autos, exonerando, assim, o ora Recorrente de qualquer responsabilidade.
LXXVI – O próprio Recorrente negou a prática dos factos pelos quais vinha acusado, tendo declarado que não exerceu qualquer função de gerência na sociedade arguida, motivo pelo qual não foi da sua responsabilidade a retenção e não entrega nos cofres do Estado das prestações tributárias devidas a título de IVA no aludido período temporal, o que não estando o Recorrente adstrito à obrigação de entrega da prestação tributária, por consequência jamais se poderia considerar que o mesmo terá atuado com dolo.
LXXVII – O Tribunal Recorrido com a sua decisão violou o disposto no artigo 105.º, n.º 1, 4 e 5 do RGIT e artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
LXXVIII – O Tribunal Recorrido deu mais valor à prova indiciária do que à prova direta, o que não podemos deixar de criticar essa opção, em virtude de o Tribunal poder incorrer num risco maior de se condenar um inocente do que absolver um eventual culpado, tendo assim violado o princípio da presunção de inocência conjugado com o princípio in dubio pro reo.
LXXIX – Por isso, impõe-se a absolvição do ora arguido recorrente pela prática do crime de abuso de confiança fiscal por que foi condenado.
LXXX – Se assim não se entender, o que não se concede, e caso se considere que o Recorrente praticou o crime pelo qual foi proferido acórdão condenatório, a aplicação de uma pena de três anos e seis meses de prisão efectiva é manifestamente desproporcional, exagerada e desajustada.
LXXXI – No acórdão Recorrido não se fez a mais correcta apreciação das circunstâncias que deverão ser atendidas na escolha e na determinação da medida concreta da pena, designadamente, não se fez a aplicação mais adequada dos artigos 70.º, 71.º, e 40.º do Código Penal.
LXXXII – No caso em apreço, as exigências de prevenção geral são consideráveis devido à frequência com que se pratica este tipo de crime, mas as exigências de prevenção especiais são diminutas, pois entendemos ter ficado provado que o arguido é um cidadão devidamente integrado na sociedade, económica e familiarmente, tem o apoio da família e dos amigos, pessoa trabalhadora, honesta, cumpridora, e não tem quaisquer antecedentes criminais, conforme resulta do Certificado de Registo Criminal juntos aos autos.
LXXXIII – O tribunal recorrido deu como provado os factos vertidos sob os números 37 a 47, mas na determinação da medida da pena e da sua respetiva execução, não atendeu especificamente à situação concreta do ora Recorrente quando decidiu aplicar uma pena de prisão efectiva de três anos e seis meses, já que as necessidades de prevenção neste caso são notoriamente diminutas.
LXXXIV – O tribunal recorrido na determinação da medida concreta da pena não graduou o grau de culpa do ora recorrente na motivação, o que consubstancia uma nulidade por falta de fundamentação, por violação do n.º 2 do artigo 374.º e 379.º, n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal (C.P.P.).
LXXXV – A pena de prisão de efectiva de três anos e seis meses é, na realidade, desproporcional e manifestamente exagerada, atendendo às circunstâncias em que os factos se verificaram, os antecedentes criminais e a sua situação profissional, económica e social.
LXXXVI – Atendendo à matéria de facto considerada provada acerca do comportamento do arguido, entendemos que bastaria a aplicação de uma pena de prisão inferior à efectivamente aplicada, para que o arguido interiorizasse a gravidade e o desvalor da sua conduta, ou seja, uma pena de prisão de um ano.
LXXXVI - As penas de prisão sendo fortemente restritivas de um direito constitucionalmente consagrado no n.º 1 do artigo 27.º da C.R.P (a liberdade individual), devem funcionar de acordo com uma lógica de última ratio.
LXXXVII - Nos termos do disposto no artigo 70.º do Código Penal, o Juiz tem de dar preferência à pena não privativa de liberdade, em detrimento da pena de prisão, sempre que aquela realizar de uma forma adequada e suficiente as finalidades da punição e, no caso concreto, bastaria uma pena de prisão de um ano substituída por uma pena de multa, nos termos do artigo 43.º do C.P.
LXXXVIII – Se não se entender aplicar uma pena de prisão de um ano substituída por uma pena de multa, atento ao supra exposto e à matéria de facto considerada provada acerca do comportamento do arguido, entendemos que bastaria a aplicação de uma pena de prisão inferior à efectivamente aplicada, para que o arguido interiorizasse a gravidade e o desvalor da sua conduta, o que nos levará a analisar a questão da sua respetiva suspensão.
LXXXIX – Ponderados todos estes factores e tendo em conta as considerações de prevenção especial e geral, a pena que se consideraria justa, proporcional e adequada, seria uma pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de cinco anos, na condição de entregar ao Estado a prestação tributária e acréscimos legais em dívida.
XC – Sendo a pena sugerida ou mesma a aplicada pelo tribunal recorrido inferior a 5 anos, tem-se sempre de apreciar fundamentadamente a possibilidade de suspender a respectiva execução, nos termos do disposto no artigo 14.º do RGIT e 50.º do Código Penal.
XCI – Nos termos do artigo 50.º do C. Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
XCII – Ora, in casu, o ora Recorrente tendo em atenção aos factos dados como provados em relação às suas condições pessoais encontra-se devida e satisfatoriamente integrado socialmente, reside com a sua esposa, exerce uma actividade profissional, sempre cumpriu os seus compromissos contributivos, não colhendo argumento válido o facto de o seu pai, também arguido nos presentes autos, já ter outras condenações pela prática do mesmo tipo legal de crime.
XCIII – De facto encontramo-nos perante exigências de prevenção especial diminutas, pelo que deverá aplicar-se o instituto da suspensão da pena de prisão, além de que, as exigências de reintegração do agente e a protecção do bem jurídico ficam salvaguardados com a suspensão da pena de prisão na sua execução.
XCIV – Estamos perante uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza, de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.
XCV – São, assim, considerações preventivas, de prevenção geral e prevenção especial, que decidem sobre a suspensão ou não da execução da pena de prisão.
XCVI – O Juiz quando suspende a execução de uma pena de prisão e fixa o período dessa execução, reporta-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, para que possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
XCVII – Todas estas circunstâncias hão-de ser ponderadas em face dos factos provados e não constituir em si facto a provar, não é facto a provar, as circunstâncias que podem determinar a suspensão da execução da prisão, na realidade, estas circunstâncias resultam dos factos provados, donde se depreende claramente que, in casu, o Tribunal deveria ter aplicado ao ora Recorrente o instituto da suspensão da execução da pena de prisão.
XCVIII – O Recorrente encontra-se a laborar, está integrado, social e familiarmente, não tem qualquer antecedente criminal, pelo que não se compreende sinceramente a não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão a um arguido primário.
XCVIX – Tendo por base as considerações de prevenção especial e geral que o presente caso requer, uma pena de prisão suspensa na sua execução realizaria e asseguraria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e revelar-se-ia adequada a cuidar das exigências de prevenção geral e especial, pois a simples ameaça do cumprimento da pena de prisão condicionada à entrega da prestação tributária e acréscimos legais seria adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
C – A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.
CI – A suspensão da execução da pena de prisão de um ano e seis meses, por um período de cinco anos na condição de entregar a prestação tributária e acréscimos legais da sua responsabilidade, seria o necessário e mais do que o suficiente para se poder alcançar o desiderato pretendido.
CII – O cumprimento efectivo da pena de prisão efectiva de 3 anos e 6 meses em que foi condenado, pena seria como “cortar” as pernas a um cidadão inserido social e profissionalmente e marcar-lhe irremediavelmente a sua vida futura.
CIII – Assim sendo, uma suspensão da execução da pena de prisão que entendemos adequada, ou qualquer outra ou mesmo a que lhe foi aplicada pelo tribunal recorrido, assegura e salvaguarda de uma forma adequada e suficiente as finalidades reeducativa e pedagógica da suspensão e contribuiria para que o arguido se reintegre na sociedade.
CIV – O período de suspensão da execução da pena de prisão por cinco anos é um período longo, considerado como uma espécie de “guilhotina”, que pairará sobre o arguido, no sentido de se este voltar a cometer algum facto criminoso, terá de cumprir efectivamente a pena de prisão que lhe foi decretada.
CV – Assim, uma pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de cinco anos condicionada ao pagamento, durante esse período, da prestação tributária e acréscimos legais, realizaria e asseguraria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e revelar-se-ia adequada a cuidar das exigências de prevenção geral e especial.
CVI – Pelo exposto, o tribunal recorrido devia ter aplicado uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por um período de cinco anos, condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, conforme o previsto no artigo 14.º do RGIT, e ao não o ter feito, não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correcta e adequada do disposto nos artigos 71.º, 40.º, 77.º e 50.º do Código Penal e 14.º do RGIT, o que violou frontalmente esses citados preceitos legais, o que se impõe que este Tribunal Superior faça a devida Justiça em conformidade com o supra mencionado.

O arguido José P. discordando da decisão recorrida apresentou recurso com a seguinte motivação:
«A. O presente recurso tem como objecto matéria de facto e de direito do acórdão proferido nos presentes autos. A factualidade deverá ser aferida à luz dos art. 410º, nº 2, al. c) e art. 412º, nº 3, al. a) e b) do C.P.P. As questões jurídicas seguirão os termos do estatuído no art. 412º, nº 2 do C.P.P.
B. As alegações que supra expendemos abrangeram os seguintes temas (títulos):
-Questões Formais – nulidades
-Questões de Facto – Modificabilidade da decisão de facto
- Da Escolha e Medida da Pena
-Inconstitucionalidades
•Questões formais – nulidades
C. O arguido, aqui recorrente, foi acusado neste processo – em 15/01/2013 – para “Julgamento perante Tribunal Singular”, pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelo art. 105º, n.º1, n.º4 e 5º do R.G.I.T. (cfr. acusação no processo n.º 287/12.6IDBRG).
D. O período tributário a que respeita a acusação é referente ao mês de Janeiro de 2012, cujo montante não entregue aos Serviços de Finanças ascende a 56.401,70€.
E. Fruto dos circunstancialismos processuais o arguido/recorrente ficou confrontado com um julgamento perante o Tribunal Colectivo, quando o período tributário que dizia respeito à sua acusação era apenas o mês de Janeiro de 2012, cuja não entrega de prestação tributária de IVA ascendeu a 56.401,70€.
F. Por virtude desta alteração na tramitação processual, o arguido está confrontado, no final do processo, com uma condenação de três anos e três meses de prisão efectiva!...
G. A composição do Tribunal Colectivo é a que resulta do art. 133º n.º1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (L.O.S.J.), segundo o qual “o Tribunal Colectivo é composto, em regra, por três juízes privativos”.
H. Dispõe o art. 135 da L.O.S.J. que “o Tribunal Colectivo é presidido pelo juiz do processo”.
I. No caso concreto, o presente processo quando chegou à Instância Central de Braga, para ser realizado o Julgamento perante o Tribunal Colectivo, foi distribuído em 01/10/2014, tendo sido autuado em 03/10/2014, na Comarca de Braga – Instância Central – 1ª Secção Criminal – J4.
J. A Meritíssima Juiz, Dra. Marlene Fortuna Rodrigues assumiu o papel de Juíza do Processo, na Instância Central Criminal de Braga – J4.
K. Nos termos do art. 135º da L.O.S.J., deveria ter sido a referida magistrada, Dra. Marlene Fortuna Rodrigues, a presidir ao Tribunal Colectivo.
L. Na circunstância, o Tribunal foi presidido pela Dra. Sílvia Videira Martins, auxiliada pelos juízes adjuntos, Dra. Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro e Dr. Soares Vieira.
M. Portanto, o Tribunal Colectivo não foi constituído conforme a lei estatui.
N. 25) Estamos, perante uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso, a qual se requer seja declarada, nos termos do art. 119º al. a) do C.P.P., sob pena de violação do princípio do Juiz natural, nos termos do art. 32º n.º9 da C.R.P.
O. A nulidade insanável é, de resto, a consequência que a jurisprudência vem apontando para as situações da violação das regras legais respeitantes à constituição do tribunal. Cfr. Ac. T.R.P., de 28 de Outubro de 2009, proferido no Proc. 506/05.5PBMAI.81, cujo relator foi Joaquim Arménio Correia Gomes. Sumário: Tribunal Colectivo – “A violação das regras legais respeitantes à constituição do Tribunal Colectivo gera uma nulidade insanável”.
P. Por consequência da nulidade declarada (a qual se impõe) teremos de aplicar o art. 122º do C.P.P., segundo o qual “as nulidades tornam inválido o acto em que se verificaram”; isto é, ter-se-á de declarar nulo o Julgamento, ordenando-se a sua repetição na íntegra.
Q. Acresce que, conforme supra constatámos, o Julgamento foi efectuado pelo Tribunal Colectivo, composto pela Juiz Presidente, Dra. Sílvia Videira Martins e pelos Juízes adjuntos, Dra. Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro e Dr. Soares Vieira.
R. Exerceu funções de Juiz Presidente a Dra. Silvia Videira Martins (e não – como deveria ser – a Dra. Marlene Fortuna Rodrigues).
S. Teria de ser a Juiz Presidente (que exerceu funções de facto como tal) a proceder à rectificação do acórdão; e, não a juiz que deveria ter exercido funções de presidente e na realidade não as exerceu (a Dra. Marlene Fortuna Rodrigues).
T.É o que determina o art. 135º n.º2 da L.O.S.J. “Compete ao Presidente do Tribunal Colectivo: al. d) Suprir as deficiências das Sentenças e dos acórdãos, referidos nas alíneas anteriores, esclarecê-los, reformá-los e sustentá-los nos termos das leis de processo”.
U. No caso concreto, o Juiz que procedeu à rectificação do lapso, não foi a Juiz Presidente que procedeu ao Julgamento.
V. Estamos perante uma nulidade insanável, do despacho de rectificação do acórdão, porquanto verificou-se “a violação das regras de competência do Tribunal”, nos termos do art. 119º al. e) do C.P.P.
W. Entre os dias 15/04/2015 (1ª Sessão) e 02/06/2015 (4ª e última sessão de produção probatória) realizou-se a audiência de discussão e julgamento. Todas estas sessões foram presididas pela Meritíssima Juiz Sílvia Videira Martins e foram Juízes Adjuntos a Dra. Luísa Maria Rocha Oliveira Alvoeiro e o Dr. Soares Vieira.
X. Foi agendado o dia 29/06/2015 para a última sessão (a quinta sessão) do julgamento e aí se proceder à leitura do acórdão.
Y. Conforme resulta da acta de 29/06/2015, “quando eram 09 horas e 55 minutos, pelo Mmo. Juiz Adjunto Dr. Soares Vieira foi declarada reaberta a presente audiência…”. O Tribunal Colectivo apenas foi composto pelo Meritíssimo Juiz Adjunto.
Z. Tendo havido comunicação de alteração não substancial de factos, o Tribunal para exercer a sua plena jurisdição teria de ter composição de Tribunal Colectivo.
AA. Em abstracto, a defesa poderia ter requerido a realização de actos probatórios e implicaria que tal prova fosse produzida perante o Tribunal Colectivo.
BB. Este pensamento já foi sufragado pela jurisprudência portuguesa. Concretamente, no processo n.º 502/13.9S4LSB/AL.1, Tribunal da Relação de Lisboa, 3ª Secção.
CC. De qualquer modo, mesmo que se entenda que, no caso concreto, não seria necessário a intervenção do Tribunal Colectivo – o que não se admite – o certo é que o Tribunal estava ilegalmente constituído para a comunicação de alteração de factos.
DD. Com efeito, dispõe o art. 358º do C.P.P. que “se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento comunica a alteração…”
EE. A comunicação da alteração de factos foi efectuada pelo Juiz Adjunto, contrariamente ao que impõe o artigo 358º do C.P.P. (deve ser “pelo presidente”).
FF. Estamos perante uma incompetência material e funcional do Tribunal, para comunicar a alteração não substancial de factos. Da qual resulta, uma causa de nulidade insanável, concretamente, a alínea e) do art. 119º do C.P.P., que expressamente alude “a violação das regras de competência do tribunal…”.
• Questões de Facto – Modificabilidade da decisão de facto
GG. O arguido José, aqui recorrente, não aceita o julgamento das infra descritas questões de facto e, por isso, as impugna e propugna pela alteração da decisão de facto a efectuar pelo Venerando Tribunal da Relação.
HH. Os factos que carecem de serem modificados pelo Tribunal da Relação são os que seguem:
Facto 16: “Os arguidos Luís C., Jorge R. e José R., entre Janeiro e Março de 2012, exerceram funções de gerência efectiva da sociedade arguida, recebendo créditos e pagando débitos dela, decidindo que contratos esta celebraria ou não, que investimentos faria e quantos trabalhadores teria ao seu serviço.”
Facto 17: “ Em suma, cabia aos arguidos Luís C., Jorge R. e José R., entre outras funções, decidir qual o destino a dar ao dinheiro que a arguida sociedade gerasse com o seu funcionamento, e eram eles quem colhiam os proveitos económicos que dela resultavam, da mesma forma que aceitavam os prejuízos que eventualmente gerasse.”
Facto 21: “Os arguidos Luís C., Jorge R. e José R., actuando em nome e no interesse da sociedade arguida, integraram no património da sociedade arguida tal quantia, utilizando-a em benefício da sociedade como se de coisa sua se tratasse, conscientes de que a mesma lhes não pertencia e que estavam obrigados a entregá-la ao Estado por constituir prestação tributária legalmente exigível.”
Facto 22: “Os arguidos Luís C., Jorge R. e José R., gerentes e representantes legais da sociedade arguida tinham consciência de que estavam obrigados a entregar, nos prazos legais, a quantia supra referida à Administração Tributária e não obstante não procederam à sua entrega, fazendo-a da sociedade.”
Facto 23: “Agiram em comunhão de esforços e vontades e de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.”
II. O Tribunal Colectivo não aplicou ao caso “sub iudice” a lei, a doutrina e a boa jurisprudência citada. “Bem prega Frei Tomás…”
JJ. No período em que está a ser julgado o arguido José – nem nos outros períodos – este não exerceu quaisquer funções de gerência.
KK. Inexiste prova documental ou testemunhal que habilite o Tribunal a extrair conclusões que o arguido José exerceu funções de gerência em quaisquer períodos contributivos em análise nestes autos, maxime no período concreto, respeitante ao mês de Janeiro de 2012.
LL. Apenas três testemunhas referiram o nome do arguido José, como sendo o “patrão”. Para além desta circunstância, o certo é que, não existe outro meio de prova – mormente documental – que coloque o arguido José no exercício de funções de gerência.
MM. Em relação ao arguido José não se provou que: - encomendasse quaisquer bens ou serviços junto de fornecedores; - pagasse quaisquer contas; - assinasse cheques, letras ou outros títulos de crédito; - representasse a sociedade junto de quaisquer entidades públicas ou privadas; - coordenasse os trabalhos junto dos trabalhadores, em todo o processo de fabrico; - pagasse os ordenados aos trabalhadores; - reunisse com os contabilistas e decidisse não pagar os impostos ou outras obrigações inerentes ao Estado; - enfim, exercesse funções inerentes às da gerência.
NN. E, nada disto se provou – por prova documental ou testemunhal – porque, na realidade, desde 2008/2009 que o arguido José deixou de exercer a gerência, conforme resulta da Certidão de Registo Comercial.
OO. Resulta da presunção registral que o arguido José deixou de exercer a gerência da Sociedade arguida, em 15/01/2009. (cfr. histórico da Certidão Comercial descrito na pág. 12 do Acórdão)
PP. A assinatura do arguido José não consta em nenhum documento junto aos autos pela acusação - nem podia constar - porque desde a supra citada data o recorrente deixou de exercer de facto e de direito a gerência.
QQ. A testemunha João P. (que o Tribunal reputou credível) “afirmou que nunca, ninguém, para além de Jorge e José lhe deu ordens, tendo trabalhado sempre nas mesmas instalações, sendo que inicialmente era José quem dava ordens e que o filho também andava lá, o qual, depois, ficou à frente – em data que não sabe precisar – e que era ele quem dava ordens, sendo que actualmente é raro ver José R. nas instalações. Primeiro era o José quem lhe pagava os salários e depois passou a ser o Jorge ou então a Sra. da Contabilidade.” (cfr. último parágrafo da pág. 21 do Acórdão)
RR. Esta testemunha (encarregado de armazém) que tinha um conhecimento mais abrangente da empresa, na medida em que, interagia entre a área produtiva e a gerência, tem, obviamente, mais conhecimentos que os outros dois trabalhadores que exerceram funções de motoristas.
SS. As outras duas testemunhas (motoristas) que afirmaram ser o arguido José o patrão, não tinham o conhecimento cabal do funcionamento da empresa.
TT. Na circunstância, eram motoristas de longo percurso, cuja função era ir carregar suínos a Espanha, durante a noite, na altura em que a empresa se encontrava em pausa de laboração (não interagiam com os restantes colegas de trabalho, nem com a gerência).
UU. E, até era possível que recebessem ordens do arguido José – a pedido do gerente – porque este recorrente vive junto do “…” de descarga dos porcos e, portanto, estava em condições de melhor coordenar a saída dos camionistas para Espanha; bem como, para receber e conferir a chegada dos suínos.
VV. Estas funções são próprias de um qualquer encarregado. Não são funções de gerência.
WW. A julgar como o Tribunal “a quo” julgou, qualquer funcionário encarregue de conferir as entradas das mercadorias, num qualquer hipermercado, é gerente do mesmo e responsável pelas decisões de não pagamento ao Estado!...
XX. Um julgamento efectuado deste modo, não assenta nos cânones das “regras de experiência comum”. Verifica-se um erro notório na apreciação da questão de facto (art. 410, nº 2, al. c) do C.P.P.). O julgamento da questão de facto em relação ao arguido José violou o disposto no art. 127º do C.P.P.
YY. As transcrições dos meios concretos de prova com as quais o arguido José pretende a modificação da decisão de facto, acham-se transcritas supra no item 109 das alegações, entre as páginas 23 e 29, deste texto.
ZZ. Das testemunhas motoristas (duas), nenhuma falou que era o arguido José que sacava cheques; que contratava com fornecedores; que decidia o que pagar e não pagar; que, enfim, fazia girar a sociedade comercial a seu mando.
AAA. Os depoimentos destas testemunhas não são suficientes para o Tribunal ilidir a presunção de “in dúbio pro reo”. Pois, estas testemunhas não conheciam de forma abrangente a actividade da sociedade. Apenas recebiam ordens do arguido José – ao nível de um encarregado de compras – para o carregamento dos porcos, cuja actividade era exercida durante a noite, fora do horário normal de funcionamento da sociedade arguida. Nada mais sabiam do que isto.
BBB. São depoimentos insuficientes à luz das regras da experiência comum para convencimento do Tribunal, nos termos do art. 127º do Código Processo Penal.
CCC. A testemunha encarregado de armazém mostrou ter mais conhecimento de factos, tendo peremptoriamente afirmado que, primeiramente, era o pai quem mandava (o arguido José) e a certa altura, passou a ser o filho a exercer funções de gerência (o arguido Jorge).
DDD. Esta testemunha não soube, apenas, situar no tempo a data da mudança de gerência – mas soube dizer ao Tribunal que houve alteração na gerência. A certa altura, o arguido José deixou de ser gerente.
EEE. Não tendo a testemunha determinado, concretamente, a data da mudança de gerência – e tendo esta ocorrido – o Tribunal terá de aceitar como boa a data resultante da presunção, decorrente do registo comercial, ou seja, a data de 15/01/2009.
FFF. Nesta conformidade, o nome do arguido José R. deve ser retirado do facto nº 16; do facto nº 17; do facto nº 21; do facto nº 22; e do facto nº 23.
GGG. Deste modo, o Tribunal da Relação terá que, forçosamente, absolver o arguido José R., dos factos de que vem acusado, porquanto em Janeiro de 2012 - e mesmo nos períodos anteriores – já não exercia quaisquer funções de gerência, na sociedade arguida.
HHH. É descabida a condenação do arguido José R., porquanto nenhuma prova bastante foi produzida em julgamento (documental ou testemunhalmente), com a qual o tribunal esteja habilitado a ilidir a presunção de inocência constitucionalmente consagrada.
• Da Escolha e Medida da Pena
III. Relembramos que, o arguido José foi condenado a uma pena de prisão efectiva de 3 anos e 3 meses. Os outros co-arguidos foram punidos a penas de prisão efectiva de 3 anos e 6 meses.
JJJ. Se é certo que o Tribunal “a quo” na pág. 45 do Acórdão, refere-se à ilicitude de José dizendo que “apenas está em causa um mês, e que a quantia recebida e não entregue foi de apenas 56.401,70€”; o certo é que, o Tribunal não extraiu todas consequências a esse respeito; isto é, o grau de ilicitude dos outros co-arguidos “é muito elevado” (nos dizeres do Tribunal Colectivo) – quando o montante mais elevado é de 105.984,42€ (Agosto de 2011), num universo de 1.000.531,32€ (não podemos olvidar que estamos no âmbito de um crime continuado).
KKK. 132) Na circunstância, aplica-se o art. 79º n.º1 do Código Penal, segundo o qual “o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação”; isto é, corresponde ao mês de Agosto de 2011 – 105.984,42€.
LLL. A dar como boa, a medida da pena fixada para os outros co-arguidos – nós não a aceitamos nem comentamos – então, o Tribunal Colectivo teria de fixar ao arguido José uma pena correspondente a metade dos outros, porque a ilicitude deste circunscreve-se ao mês de Janeiro de 2012, no valor de 56.000,00€.
MMM. O Tribunal “a quo” assim não entendeu, porque não conseguiu desligar-se do seu “apriorismo” revelado no penúltimo parágrafo da página 31 do Acórdão, cujo teor é o que segue: “quanto ao arguido José R., não restam dúvidas que o mesmo, tal como os demais arguidos, foi responsável pela actividade da Sociedade arguida ao longo de todo o período em causa nos autos – ou seja, desde Novembro de 2010 até Janeiro/Março de 2012 – ainda que o mesmo apenas venha acusado por Janeiro de 2012 e apenas por esse período de tempo possa ser responsabilizado (pelo Tribunal se encontrar limitado pelo objecto do processo tal como vem definido pelo Ministério Público na acusação)”.
NNN. Na verdade, o Tribunal Colectivo afirma uma coisa e decide outra!... Afirma que está limitado pelo objecto do processo, mas na hora de fixar a pena não extrai daí as consequências; isto é, deveria fixar a pena do arguido José, em metade da dos outros co-arguidos (a aceitarmos como boa – e não aceitamos – a pena fixada aos outros co-arguidos).
OOO. Esta circunstância é mais evidente, porque o Tribunal Colectivo não foi capaz de graduar a ilicitude do arguido José, o que implica uma nulidade do Acórdão por falta de fundamentação, nos termos do art. 379º n.º1 al a) e art. 374º n.º2 do C.P.P.
PPP. No que tange ao grau da ilicitude dos demais co-arguidos o Tribunal Colectivo classifica como sendo um grau “muito elevado”.
QQQ. No que respeita ao arguido José, o Tribunal “a quo” não se refere ao grau da ilicitude. Talvez devido ao facto que supra aludimos (apriorismo). O Tribunal Colectivo apenas refere na página 45 do Acórdão, e passamos a citar: “Ao grau de ilicitude da conduta do arguido José R., uma vez que apenas está em causa um mês, e que a quantia recebida e não entregue foi de apenas €56.401.70, e ao modo como foram praticados os factos (enredo). Revela-se ainda a circunstância de todo o valor se encontrar ainda em dívida, não tendo ocorrido qualquer pagamento, pelo que o valor do prejuízo aos Cofres do Estado é de relevo e sendo certo que mantém uma condição económica favorecida”.
RRR. Como se vê, relativamente ao arguido José o grau da ilicitude não foi graduado. A menos que o Tribunal “a quo” tenha-o incluído (ainda que inconscientemente) na graduação dos outros arguidos, conforme supra aludimos (o referido apriorismo). A preterição da graduação da ilicitude, implica a nulidade do acórdão por falta de fundamentação e (art. 379º e 374º do C.P.P.)
SSS. Acresce que, também, o Acórdão revela-se nulo com base em falta de fundamentação, no que respeita à graduação da culpa.
TTT. Na página 42, no ponto 4.2., no último parágrafo, o acórdão cita a boa doutrina. Na circunstância, Anabela Rodrigues afirma que “a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
UUU. Na página 45 do acórdão estão referidos os factores em relação aos quais o Tribunal fixou a pena, sendo inumerados os seguintes factores:
Dolo directo;
ii.Grau da ilicitude em relação aos outros co-arguidos (e não a José R.);
iii.Particulariza a ilicitude do recorrente José sem a graduar;
iv.A elevada necessidade da prevenção geral;
v.A condição pessoal e profissional do arguido;
vi.E, falta de arrependimento do arguido José e o seu Certificado Criminal.
VVV. Nas páginas 45 e 46 do Acórdão recorrido, onde são particularizados os factores concretos para a fixação da pena, em nenhum deles se refere a medida de culpa. Ficamos sem saber se a culpa do arguido José é leve, moderada, elevada ou elevadíssima (aliás, como em relação aos outros arguidos).
WWW. Nesta parte, também somos forçados a concluir pela nulidade do acórdão, por falta de fundamentação (violação dos artigos 379º n.º1 al. a) e art. 374º n.º2 do C.P.P.).
XXX. Estamos impossibilitados de determinar o “quantum” da pena de prisão. Faltam no Acórdão elementos essenciais para aferirmos se a medida da pena está – ou não (como entendemos) – bem fixada.
YYY. Se tomarmos como referência o grau da ilicitude dos outros co-arguidos; a medida da pena correspondente ao arguido José, terá de ser fixada em metade dos outros, porquanto a sua ilicitude equivale a metade da ilicitude dos demais co-arguidos.
ZZZ. No que tange à graduação da culpa, não podemos aferir nem sugerir qualquer medida, porque não dispomos no Acórdão de termo de comparação. Há uma omissão de pronúncia.
AAAA. A omissão da quantificação da culpa do arguido José (e demais arguidos) impede o Tribunal de Recurso de aferir se a pena está bem ou mal (como defendemos) aplicada.
•Da suspensão da execução da pena
BBBB. No caso presente, o arguido José, aqui recorrente, caso seja condenado – o que não vislumbramos – deverá ver a execução da pena de prisão suspensa, nos termos dos art. 50º do C.P. e art. 14º do R.G.I.T.
CCCC. É consabido que, em penas inferiores a 5 anos (o legislador alargou o prazo de 3 para 5 anos, porque privilegia as penas não detentivas em detrimento das privativas da liberdade) o Tribunal suspende a execução da pena.
DDDD. Trata-se de um poder-dever; um poder funcional, sindicável jurisdicionalmente, na medida em que não se trata de um poder discricionário.
EEEE. Só não será suspensa a pena (as excepções) se algum (ou alguns) dos requisitos enumerados no n.º1 do art. 50º do C.P., não o permitir, a saber: a personalidade do agente; as condições da sua vida; a sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
FFFF. Os requisitos enumerados não permitem a suspensão da pena, sempre que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão” não realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
GGGG. Nos crimes tributários (como é o caso), ainda devemos adicionar mais um requisito (o resultante do art. 14º do R.G.I.T.); isto é: “a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento…”
HHHH. Daqui decorre que: devemos primeiramente aferir as circunstâncias do art. 50º do C.P. e caso se conclua pela suspensão da pena, esta é sempre condicionada ao pagamento da dívida tributária (art. 14º do R.G.I.T).
IIII. É nesta parte que o Tribunal deverá guiar-se pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/2012, segundo o qual o pagamento ao Estado da prestação tributária “reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal”…Portanto, o juízo de prognose reclamado no acórdão citado é acerca da condição de pagamento da prestação tributária. Este juízo de prognose é distinto daqueloutro que se impõe, nos termos do art. 50º do C.P.
JJJJ. Ao lermos atentamente as páginas 48 e 49 do acórdão recorrido, constatamos que o Tribunal “a quo” equivocou-se e confundiu estes dois planos de prognose.
KKKK. No último parágrafo da página 48 do acórdão o Tribunal transcreve a doutrina do acórdão e no primeiro parágrafo da página 49 começa a discorrer, “in casu” sobre o arguido José R..
LLLL. Na circunstância, o Tribunal “a quo” decidiu aplicar prisão efectiva, ao arguido José, porque:
i.não demonstrou arrependimento;
ii.não expressou vontade de reparar o prejuízo;
iii.foi repetidas vezes condenado por crimes de idêntica natureza;
iv.reincide na prática do mesmo ilícito;
v.não interiorizou o desvalor da sua conduta;
vi.o grau da ilicitude associado ao crime (que desconhecemos, conforme supra aludimos);
vii.deu mostras de não ter percebido a gravidade da sua conduta e não a pretender alterar.
MMMM.O arguido não demonstrou arrependimento, porque optou por não falar em julgamento, porque entendia – como entende – que não cometeu o crime (exerceu um direito que não o pode prejudicar).
NNNN. Não reincidiu, porque não cometeu o crime de que vem acusado e condenado em 1ª instância.
OOOO. No que tange ao grau da ilicitude, não entendemos como o Tribunal, nesta parte, alude ao grau da ilicitude, quando no lugar próprio da fundamentação incriminatória, não graduou a ilicitude do arguido José (será que aferiu a sua ilicitude pela ilicitude dos outros co-arguidos?)
PPPP. No que respeita ao desvalor da sua conduta e não ter percebido a gravidade da mesma, não conseguimos descortinar qual foi o desvalor da sua conduta, porquanto em lado nenhum do acórdão, máxime na parte da sua fundamentação o Tribunal “a quo” não se refere à culpa do agente, nem à sua graduação.
QQQQ. Se porventura o Tribunal “a quo” entendesse – como entendeu – condenar o arguido José em pena de prisão; poderia acautelar os fins de prevenção geral e especial, suspendendo a sua execução, fixando-lhe um dever de pagamento superior aos 56.000,00€ da dívida tributária, porque segundo se apurou, o arguido José “vive uma vida desafogada”.
RRRR. O Tribunal dava melhor cumprimento à prognose prevista no Ac. de fixação de jurisprudência 8/2012; pois, o nosso legislador, no âmbito dos crimes económicos e tributários, privilegia a reparação pecuniária em detrimento do cumprimento efectivo da pena de prisão.
SSSS. A ser fixada uma pena de prisão ao arguido José – o que não vislumbramos – esta deverá ser suspensa com uma condição de pagamento de valor superior à dívida tributária que se encontra na génese deste processo.
•As inconstitucionalidades
TTTT. No caso dos autos não foram respeitadas as regras de Constituição e composição do Tribunal Colectivo.
UUUU. Para além da nulidade insanável, invocada no lugar próprio, verifica-se uma inconstitucionalidade, por violação do art. 32º n.º9 C.R.P.
VVVV. Foi cometida uma inconstitucionalidade material, na medida em que o Tribunal “a quo” ao interpretar os artigos relativos à sua competência, maxime, o art. 135º n.º1 da L.O.S.J. julgou poder “subtrair” a causa à Juiz que deveria exercer funções da presidente, submetendo o pleito ao ajuizamento de outro Tribunal Colectivo, que não aquele que deveria realizar o julgamento da causa.
WWWW. No Título IV, das alegações, na parte em que pugnamos pela alteração da decisão de facto, constatamos que o Tribunal Colectivo apenas valorou o depoimento de três testemunhas, para colocar no “enredo” o arguido José R..
XXXX. As regras da experiência comum impunham – como impõem – uma decisão diversa daquela que foi proferida pelo Tribunal Colectivo. Daqui decorre que a interpretação extraída pelo Tribunal Colectivo e vertida nos autos, relativamente ao art. 127º do C.P.P. é inconstitucional.
YYYY. O art. 127º do C.P.P., assumido como norma que admite (pelo princípio da livre convicção) que o juiz assuma como provados os factos n.º 16º, 17º, 21º, 22º e 23º, relativamente ao arguido José R., é uma norma manifestamente inconstitucional, por ofensa aos preceitos constitucionais consignados nos art. 1º, 9º al. b), 20º n.º4, 32º n.º1 e 202º a 204º da C.R.P.; bem como art. 6º C.E.D.H.
ZZZZ. O entendimento que acabámos de perfilhar foi sufragado no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 1165/96, de 19 de Nov. (B.M.J., 461, 93), segundo o qual “o julgador deve observância a regras de experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento, critérios objectivos, genericamente susceptíveis de controlo”.
AAAAA. Constatamos supra no Título IV que a testemunha melhor habilitada (das reputadas credíveis pelo Tribunal “a quo”) para enquadrar as funções do arguido José na actividade da Sociedade arguida era o encarregado de armazém.
BBBBB. Esta testemunha afirmou peremptoriamente que no início era o arguido José que mandava e a certa altura passou a ser o co-arguido Jorge, filho do recorrente. Não soube precisar com exactidão a altura em que a mudança na gerência ocorreu.
CCCCC.O Tribunal deveria assumir como boa a data resultante do Registo Comercial que tem força de presunção dos factos anotados perante terceiros.
DDDDD. O Tribunal “a quo”, ao julgar como julgou a questão de facto, violou a regra constitucional do “in dubio pro reo”, na medida em que se dúvidas restassem acerca do momento de renúncia da gerência do arguido José, deveria prevalecer o princípio da presunção de inocência; ou o princípio da publicidade decorrente do Registo Comercial.
EEEEE. No julgamento da questão de facto, em relação ao arguido José R., o Tribunal “a quo” violou o princípio consignado no art. 32º n.º2 da C.R.P; isto é, violou o princípio “in dubio pro reo”.
FFFFF. Dispõe o art. 205º da C.R.P. que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
GGGGG. Conforme supra aludimos (no título V) o Tribunal “a quo” não fundamentou, convenientemente, o acórdão na parte respeitante à falta de graduação da ilicitude e no que tange ao elemento culpa, nem sequer referiu a sua valoração.
HHHHH. A preterição do dever de fundamentação constitui uma nulidade do acórdão conforme supra pugnamos, acrescendo ainda o facto de gerar uma inconstitucionalidade, por violação do principio do dever de fundamentação, na interpretação do art. 374º n.º2 do C.P.P.
IIIII. O direito à fundamentação constitui um património adquirido da nossa civilização hodierna, relativamente a todas as decisões e, em especial, no âmbito das decisões judiciais.
JJJJJ. Há, até, quem defenda – e muito bem – que a legitimidade do poder judicial em administrar a Justiça “em nome do Povo” advém da fundamentação das suas decisões. A legitimação do poder judicial será tanto maior quanto mais, e melhor, fundamentadas forem as suas decisões.
KKKKK. Esta preocupação com o dever de fundamentação obteve acolhimento Constitucional. A nossa Constituição Política, no art. 205º n.º1, peremptoriamente, afirma que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas…”. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, na Constituição anotada, pág. 317 afirmam “o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático”.
LLLLL. O acórdão recorrido dos presentes autos não foi fundamentado, conforme estatui a Constituição da República Portuguesa e a Lei (vide art. 205º C.R.P. e art 97º n.º5 do C.P.P.).
MMMMM. Verifica-se a inconstitucionalidade do art. 374º n.º2 do C.P.P., porquanto o mesmo não foi interpretado conforme os cânones interpretativos constitucionais, que implicam um verdadeiro e profundo dever de fundamentação.
NNNNN. As garantias constitucionais do arguido recorrente saíram profundamente diminuídas (senão mesmo excluídas) devido à interpretação errónea do referido art. 374º n.º2 do C.P.P., em manifesta violação do dever de fundamentação.».

O Ministério Público respondeu pugnando pela improcedência de todos os recursos e, neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer acompanhando a posição do Magistrado de 1ª Instância, divergindo apenas quanto às penas aplicadas aos recorrentes Luís F. e Jorge N., defendendo que deveriam as mesmas ser suspensas na sua execução, com a obrigação de pagamento dos tributos em dívida de acordo com o estipulado no art. 14º do RGIT, acrescidas de regime de prova.
Cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP, apenas o arguido José P. apresentou resposta, sustentando os argumentos já por si defendidos na respectiva motivação do recurso.
«
Nos recursos suscitam-se as seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:
1. Nulidades insanáveis:
1.1. – A constituição do Tribunal Colectivo;
1.2. – A competência do presidente do Tribunal Colectivo (comunicação da alteração não substancial de factos e rectificação de erro material);
1.3. – Violação do princípio do juiz natural.

2. Nulidades do acórdão:
2.1. – Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão [art. 410º nº 2 b) do CPP];
2.2. – Erro notório na apreciação da prova [art. 410º nº 2 c) do CPP];
2.3. – Falta de fundamentação (quanto a indicação e exame crítico das provas, grau da ilicitude, medida da culpa);
2.4. – Omissão de pronúncia sobre a suspensão da execução da pena;
2.5. – Violação do dever de fundamentação (art. 205º da CRP).

3. Erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto:
3.1. – Deficiente exame e valoração da prova produzida (depoimentos das testemunhas e dos arguidos, particularmente a confissão do arguido Luís C.);
3.2. – Violação do disposto no art. 127º, do CPP e dos princípios consignados nos preceitos constitucionais dos art. 1º, 9º al. b), 20º, nº4, 32º, nº 1 e 2 (“in dubio pro reo”), 202º a 204º da CRP e do art. 6º CEDH.

4. Erro quanto ao enquadramento jurídico dos factos (crime continuado).

5. A pena (medida, substituição e suspensão).
«
Importa apreciar tais questões e decidir. Para o conhecimento do objecto dos recursos são pertinentes: A) as ocorrências que se extraem da tramitação dos autos; B) os factos enunciados na decisão recorrida; C) a motivação da decisão sobre a matéria de facto.

A) - Da tramitação dos autos extraem-se as seguintes ocorrências:
1) Os presentes autos encontravam-se pendentes no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, na data em que entrou em vigor a Lei 62/2013, de 26/08, e do seu Regulamento, o DL 49/2014 de 27/03, que criou a comarca de Braga, para onde transitaram, acabando por ser distribuídos a 1/10/2014 à Instância Central, 1ª secção Criminal, J4.
2) Nessa Secção e como J4 tinha sido colocada, no precedente movimento judicial ordinário, a Senhora Juíza Dra. Marlene Rodrigues, que passou a ser titular dos mesmos autos e a quem, por regra, competiria tramitá-los e presidir ao julgamento, tendo proferido, por via disso, vários despachos, designadamente, a aprazar a audiência de julgamento a partir de 16/4/2015.
3) Sucede que, encontrando-se então aquela titular Dra. Marlene Rodrigues impedida como adjunta na audiência do PCC 20/02.0IBBRG, o Conselho Superior da Magistratura, por decisão de 14/1/2015, determinou o destacamento e afectação da Senhora Juíza Dra. Sílvia Videira Martins, então colocada no Quadro Complementar de Juízes da respectiva área, a metade dos processos àquela titular distribuídos (cf. fls. 1874 a 1876) até ao encerramento dos debates a terem lugar no referido PCC 20/02.0IBBRG.
4) Na sequência de tal decisão, foi a Senhora Juíza Dra. Sílvia Martins quem, em substituição da primitiva titular, assumiu a presidência da audiência de julgamento e a elaboração do acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo, do qual, como consequência, foi a primeira subscritora.
5) Porém, por razões de saúde de tal Senhora Juíza (fls. 1347), foi um dos Senhores Juízes Adjuntos desse Tribunal Colectivo quem, em 29/6/2015 procedeu à leitura do acórdão, depois de, previamente, ter comunicado uma alteração não substancial de factos (fls. 1367 e s).
6) Posteriormente a tal leitura, em 30/6/2015 a Senhora Juíza Dra. Marlene Rodrigues proferiu um despacho nos autos visando rectificar um manifesto lapso de escrita de que (apenas) o dispositivo do acórdão enfermava (fls. 1426), quanto a um dos nomes de um dos arguidos (Jorge N.).

B) – São os seguintes os factos enunciados na decisão recorrida (transcrição):
«Factos comuns aos autos principais e ao apenso
1) A sociedade arguida “Comércio de C…, Lda.” era, entre Setembro de 2010 e Março de 2012, uma sociedade por quotas, titular do NIPC ….
2) A referida sociedade arguida iniciou em 02.01.2006, a actividade de “…”, com o CAE …, enquadrada, relativamente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), no regime geral de determinação do lucro tributável e, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal de periodicidade mensal.
3) A referida sociedade para efeitos do registo comercial teve sede na Rua …, concelho de Vila nova de Famalicão até 10.03.2011, data em que a sede foi alterada para a Rua …, concelho do Porto, tendo ocorrido nova alteração de sede para a Rua …, em 22.11.2011.
Do apenso A (antigo processo n.º 377/11.2IDBRG)
4) O arguido Jorge R. foi único sócio e gerente da sociedade arguida até 2 de Abril de 2010, data a partir da qual foi deliberado que o gerente seria Luís C., factos esses que apenas foram levados ao registo comercial em 30.12.2010, sendo que em 19 de Janeiro de 2011, foi averbado ao registo comercial que o arguido Jorge R. cedeu a sua quota ao arguido Luís C..
5) Competia aos arguidos Jorge R. e Luís C., pelo menos, desde Abril de 2010 e até à Novembro de 2011, contratar funcionários, assinar documentos, emitir cheques, estabelecer relações comerciais com terceiros e, assim, decidir o destino daquela sociedade.
6) Eram, ainda, os arguidos Jorge R. e Luís C. quem encetava contactos com os revisores Oficiais de Contas e lhes entregavam os documentos contabilísticos que serviam de base às declarações fiscais.
7) Em data não determinada mas seguramente situada no último trimestre de 2010, os arguidos tomaram o propósito conjunto de apropriar-se de importâncias a título de IVA que estavam obrigados a entregar à Administração Fiscal.
8) No desenvolvimento desse plano, apesar de terem entregue as declarações do imposto no prazo devido, por si e na qualidade de representantes da arguida, os arguidos Jorge R. e Luís C. retiveram e não entregaram ao Estado as seguintes quantias a título de IVA:
i. Relativamente ao mês de Novembro de 2010, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.67.877,82, cuja data limite de pagamento era 10.01.2011 e que foi efectivamente recebida, tendo, no entanto, sido efectuado um pagamento parcelar de €.7.543.90, pelo que ficou em dívida a quantia de €.60.333,92.
ii. Relativamente ao mês de Dezembro de 2010, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.104.917,98, cuja data limite de pagamento era 10.02.2011 e que foi efectivamente recebida, tendo, no entanto, sido efectuado um pagamento parcelar de €.7.433.53, pelo que ficou em dívida a quantia de €.97.484,45.
iii. Relativamente ao mês de Janeiro de 2011, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.81.470,47, cuja data limite de pagamento era 10.03.2011, sendo que da mesma foi efectivamente recebido o montante de €.80.786,11.
iv. Relativamente ao mês de Fevereiro de 2011, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.83.028,35, cuja data limite de pagamento era 11.04.2011, sendo que da mesma foi efectivamente recebido o montante de €.82.787,56.
v. Relativamente ao mês de Março de 2011, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.89.909,78, cuja data limite de pagamento era 10.05.2011, sendo que a mesma foi efectivamente recebida na totalidade.
vi. Relativamente ao mês de Abril de 2011, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.87.330,65, cuja data limite de pagamento era 13.06.2011, sendo que da mesma foi efectivamente recebido o montante de €.87.199,65.
vii. Relativamente ao mês de Maio de 2011, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.91.353,22, cuja data limite de pagamento era 11.07.2011, sendo que da mesma foi efectivamente recebido o montante de €.90.521,90.
viii. Relativamente ao mês de Junho de 2011, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.95.446,24, cuja data limite de pagamento era 10.08.2011, sendo que da mesma foi efectivamente recebido o montante de €.89.948,53.
ix. Relativamente ao mês de Julho de 2011, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.86.858,92, cuja data limite de pagamento era 12.09.2011, sendo que da mesma foi efectivamente recebido o montante de €.86.511,48.
x. Relativamente ao mês de Agosto de 2011, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.105.984,42, cuja data limite de pagamento era 10.10.2011, sendo que da mesma foi efectivamente recebido o montante de €.105.433,30.
xi. Relativamente ao mês de Setembro de 2011, não entregaram a prestação tributária em falta no valor de €.73.536,51, cuja data limite de pagamento era 10.11.2011, sendo que da mesma foi efectivamente recebido o montante de €.73.212,94.
9) Os arguidos Jorge R. e Luís C., apesar de saberem que estavam legalmente obrigados a fazê-lo, não entregaram tais quantias aos cofres do Estado nos referidos prazos legais, nem decorridos 90 dias sobre o seu termo.
10) Em 14 de Agosto de 2012 o arguido Jorge R. foi notificado para, em 30 dias, proceder ao pagamento das quantias acima mencionadas, acrescidas de juros e coimas aplicáveis, nunca o tendo feito, e recusou-se a assinar a mesma notificação em representação da sociedade arguida.
11) Em 29 de Novembro de 2012 o arguido Luís C., por si e em representação da sociedade arguida, foi notificado para, em 30 dias, proceder ao pagamento das quantias acima mencionadas, acrescidas de juros e coimas aplicáveis, nunca o tendo feito.
12) As quantias efectivamente recebidas e não entregues ascendiam ao valor global de €.944.129,62 (novecentos e quarenta e quatro mil, cento e vinte e nove euros e sessenta e dois cêntimos) e foram, por decisão dos arguidos Jorge R. e Luís C., integradas no património da sociedade arguida.
13) Os arguidos Jorge R. e Luís C., por si e em representação da sociedade arguida, tomaram a decisão de não entregar ao Estado os montantes que receberam a título de IVA, embora soubessem que tais quantias não pertenciam à sociedade arguida e que estavam obrigados a entregá-las.
14) Ao não entregarem aos cofres do Estado as quantias devidas relativas aos referidos períodos até ao termo daqueles prazos, os arguidos, por si e em representação da sociedade arguida, agiram de forma livre, voluntária e consciente, com intenção concretizada de obter, para a sociedade arguida, uma vantagem patrimonial indevida, bem sabendo que desse modo diminuíam as receitas fiscais.
15) Tinham perfeito conhecimento de que o seu comportamento era proibido por lei.
Do processo n.º 287/12.6IDBRG
16) Os arguidos Luís C., Jorge R. e José R., entre Janeiro e Março de 2012, exerceram funções de gerência efectiva da sociedade arguida, recebendo créditos e pagando débitos dela, decidindo que contratos esta celebraria ou não, que investimentos faria e quantos trabalhadores teria ao seu serviço.
17) Em suma, cabia aos arguidos Luís C., Jorge R. e José R., entre outras funções, decidir qual o destino a dar ao dinheiro que a arguida sociedade gerasse com o seu funcionamento, e eram eles quem colhiam os proveitos económicos que dela resultavam, da mesma forma que aceitavam os prejuízos que eventualmente gerasse.
18) No âmbito da sua actividade a arguida sociedade, no mês de Janeiro de 2012, praticou operações tributáveis sujeitas a imposto, procedeu ao apuramento do IVA devido, valor esse que recebeu no montante de €.56.401,70 até 01.03.2012 e procedeu ao envio da declaração periódica em 09.03.2012.
19) Contudo a mesma arguida não entregou a prestação tributária necessária para satisfazer o imposto exigível, no valor de €.56.401,70, na data de pagamento nem nos noventa dias sobre o respectivo prazo de pagamento, nem no prazo de 30 dias após notificados para o efeito.
20) Dessa forma, nunca aquela quantia deu entrada nos cofres do Estado.
21) Os arguidos Luís C., Jorge R. e José R., actuando em nome e no interesse da sociedade arguida, integraram no património da sociedade arguida tal quantia, utilizando-a em benefício da sociedade como se de coisa sua se tratasse, conscientes de que a mesma lhes não pertencia e que estavam obrigados a entregá-la ao Estado por constituir prestação tributária legalmente exigível.
22) Os arguidos Luís C., Jorge R. e José R., gerentes e representantes legais da sociedade arguida tinham consciência de que estavam obrigados a entregar, nos prazos legais, a quantia supra referida à Administração Tributária e não obstante não procederam à sua entrega, fazendo-a da sociedade.
23) Agiram em comunhão de esforços e vontades e de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Dos antecedentes criminais
24) A arguida sociedade foi condenada no processo comum singular n.º 43/13.4IDBRG, da Instância Local de Esposende – Juiz 2, por sentença de 25.11.2014, transitada em julgado em 07.01.2015, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 500 dias de multa à taxa diária de €.5,00, e por factos referentes aos meses de Fevereiro a Agosto de 2012.
25) A sociedade arguida já não labora e encontra-se em fase de encerramento.
Dos antecedentes criminais e das condições pessoais de Luís C.
26) Por sentença datada de 25.11.2014 e transitada em julgado em 07.01.2015, proferida no processo comum singular n.º 43/13.4IDBRG da Instância Local de Esposende – Juiz 2, o arguido Luís C. foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos referentes aos meses de Fevereiro a Agosto de 2012, na pena de dois anos e três meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos e três meses, na condição de proceder ao pagamento dos valores em dívida.
27) O arguido Luís C. é o quinto de seis irmãos, proveniente de um agregado em que os progenitores asseguraram de forma adequada a subsistência do agregado. A dinâmica relacional foi equilibrada ao longo do seu processo de crescimento, tendo integrado o agregado de origem até se casar com 25 anos de idade.
28) O arguido Luís C. tem o 6.º ano de escolaridade, concluído aos 12 anos. Iniciou o seu percurso profissional aos 17 anos, tendo trabalhado cerca de 16 anos num armazém da empresa de vestuário “VIGI”, passando posteriormente a dedicar-se ao comércio de vestuário por conta própria até 2008. A partir de Fevereiro de 2009 começou a prestar serviços para uma empresa do sector têxtil, na angariação de clientes.
29) O arguido Luís C. presta serviços para a empresa “…, Lda.”, na angariação de clientes, auferindo o salário mínimo nacional e usufruindo de viatura da empresa.
30) O arguido Luís C. contraiu casamento aos 25 anos, passando a residir em habitação arrendada, mas na sequência do divórcio, quando tinha 33 anos, reintegrou o agregado de origem, no qual permaneceu 10 anos.
31) Em 2004, o arguido Luís C. comprou um apartamento no qual residiu cerca de 1 ano, e por motivos de ordem financeira regressou a casa dos progenitores na sequência do falecimento do progenitor.
32) A partir de 2009, o arguido Luís C. passou a residir sozinho em habitação arrendada em Vila Nova de Famalicão, situação que se mantém.
33) O arguido Luís C. tem um filho com 26 anos e dois netos.
34) O arguido Luís C. tem problemas de saúde derivados de uma pancreatite, que motivaram alguns internamentos hospitalares, tendo sido recentemente operado a uma hérnia, implicando os problemas de saúde, períodos de baixa prolongada.
35) O arguido Luís C. teve comportamentos de consumo abusivo de álcool, os quais foram ultrapassados em 2009 devido à pancreatite aguda.
36) O arguido Luís C. reconheceu integralmente a prática dos factos.
Dos antecedentes criminais e das condições pessoais de Jorge R.
37) O arguido Jorge R. não tem antecedentes criminais.
38) O processo de desenvolvimento do arguido Jorge R. decorreu numa estrutura familiar de adequados recursos económicos, situação decorrente da actividade do pai, empresário do sector de carnes verdes (matadouro e salsicharia), desde há 35 anos, sendo que através desta actividade o progenitor proporcionou aos filhos condições de vida consonantes com o seu meio social, primando no investimento escolar dos descendentes.
39) Neste contexto o arguido Jorge R. estudou no Colégio D. Diogo de Sousa em Braga até ao 10.º ano de escolaridade, mas não prosseguiu os estudos pelo facto de considerar importante apoiar o pai na sua actividade profissional.
40) O arguido Jorge R. iniciou o seu percurso laboral aos 17 anos de idade, junto do pai, apoiando na gestão/orientação do negócio de carnes.
41) O arguido Jorge R. encontra-se ligado à …, com sede em … e é gerente da empresa de prestação de serviços/recursos humanos … Lda., com sede em …, desde Fevereiro/2014, altura em que a adquiriu.
42) O arguido Jorge R. apresentou como principal receita o valor de €.970,00, resultante da sua actividade como director de serviços da empresa … Lda.
43) Na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2013, o arguido Jorge R. apresentou um rendimento ilíquido de €.14.247,86.
44) O arguido Jorge R. não exerce actividade profissional junto do pai (coarguido) há cerca de um ano e dispõe de uma condição económica ajustada às necessidades pessoais e familiares.
45) O arguido Jorge R. contraiu matrimónio há 4 anos, apontando este relacionamento como gratificante.
46) O arguido Jorge R. constitui agregado com a mulher e habita uma moradia contígua à dos pais que apresenta boas condições de habitabilidade e conforto.
47) Privilegia o convívio com a mulher e família alargada (pais), com quem passa a maior parte do tempo e socialmente apresenta uma inserção comunitária adequada, com destaque para a manutenção de uma condição económica favorecida.
Dos antecedentes criminais e das condições pessoais de José R.
48) Por sentença datada de 14.07.2003 e transitada em julgado em 02.03.2004, proferida no processo comum singular n.º 157/01.3IDBRG do Tribunal Judicial de Vila Verde, o arguido José R. foi condenado pela prática em 1997, de um crime de fraude fiscal na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos, na condição de o arguido pagar, no prazo da suspensão a totalidade das prestações tributárias em dívida com acréscimos legais.
49) Por sentença datada de 25.06.2004 e transitada em julgado em 12.07.2004, proferida no processo comum singular n.º 80/02.4TAVVD do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, o arguido José R. foi condenado pela prática em 05.02.2002, de um crime de poluição na pena de 250 dias de multa à taxa diária de €.5,00, pena essa que já foi extinta pelo pagamento.
50) Por sentença datada de 06.07.2005 e transitada em julgado em 07.07.2005, proferida no processo sumaríssimo n.º 1229/04.8TABRG do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Braga, o arguido José R. foi condenado pela prática em 17.06.2004, de um crime de desobediência na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €.3,50, pena essa que já foi extinta pelo cumprimento.
51) Por sentença datada de 09.06.2005 e transitada em julgado em 16.09.2005, proferida no processo comum singular n.º 44/98.0IDBRG do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, o arguido José R. foi condenado pela prática em 15.11.1995, de um crime de fraude fiscal na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, na condição de proceder ao pagamento até ao final da suspensão da quantia equivalente e 5% da prestação tributária em dívida, apurada nos autos, com acréscimos legais.
52) Por sentença datada de 21.05.2010 e transitada em julgado em 11.06.2010, proferida no processo comum singular n.º 131/05.0IDBRG do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, o arguido José R. foi condenado pela prática em 10.05.2005, de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 1 ano e 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 5 anos, com sujeição a deveres.
53) Por sentença cumulatória datada de 29.03.2012 e transitada em julgado em 10.10.2012, proferida no processo n.º 131/05.0IDBRG do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde e onde se englobou a pena do processo 44/98.0IDBRG, o arguido José R. foi condenado na pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução por cinco anos, com regime de prova.
54) Por sentença datada de 14.07.2010 e transitada em julgado em 20.09.2010, proferida no processo comum singular n.º 206/08.4IDBRG do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, o arguido José R. foi condenado pela prática em 2005, de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 2 anos e 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 5 anos, subordinada à condição de, dentro do prazo da suspensão, demonstrar nos autos o pagamento das prestações tributárias em dívida nos presentes autos.
55) Por sentença datada de 07.05.2013 e transitada em julgado em 27.02.2014, proferida no processo comum singular n.º 246/08.3EAPRT do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, o arguido José R. foi condenado pela prática em 18.09.2008, de um crime de abate clandestino para consumo público, na pena de 600 dias de multa à taxa diária de €.30,00.
56) O arguido José R., natural da freguesia de .. em Vila Verde, cresceu num contexto familiar de modestos recursos socioeconómicos. O arguido e os cinco irmãos envolveram-se desde cedo no apoio aos pais na sua actividade de agricultores e criadores de gado suíno, procedendo à sua venda nas feiras da região.
57) O arguido concluiu apenas o 4.º ano de escolaridade em …, Vila Verde, apoiando os progenitores na sua actividade laboral.
58) Aos 18 anos José R. estabeleceu-se por conta própria, no negócio de … e há 35 anos com a criação de uma empresa (…), denominada por “Indústria…”, firma que laborou 26 anos. Entre 1993 e 1996 a facturação da empresa registou irregularidades, decorrentes do negócio com uma outra firma espanhola e daí resultou a hipoteca de bens pessoais, nomeadamente da habitação, de terrenos e da própria empresa, sendo que a situação difícil com que se deparou levou ao encerramento da indústria de carnes. Neste contexto, em 2005, com o recurso a empréstimos particulares, José R. adquiriu o espaço e criou uma outra firma do mesmo ramo, denominada por “… Lda.”, a qual laborou com cerca de 40 trabalhadores até 02.04.2010, altura em que foi vendida.
59) O arguido José R. criou então, juntamente com a mulher e filhos, uma nova empresa denominada por “R… S.A.”
60) O arguido José R. contraiu matrimónio há 36 anos, existindo três filhos desta união com 32, 29 e 26 anos de idade, sendo que os dois mais velhos trabalham de forma independente no comércio de carnes verdes e o mais novo passou exercer a sua actividade junto do pai, na empresa que gere.
61) O arguido José R. constitui agregado com a mulher e habita uma moradia contígua à empresa e ladeada por outras moradias pertencentes aos filhos, que apresentam boas condições de comodidade e bem-estar.
62) O arguido José R. apresentou como principal receita líquida o valor de €.746,00, como resultante da sua actividade na imobiliária …, na qual declara um salário base de €.1000,00.
63) A mulher de José R. não exerce actualmente actividade laboral, dedicando-se às tarefas domésticas.
64) Socialmente o arguido beneficia de uma imagem e inserção abonatória, apesar da frequente alteração da denominação das empresas que têm funcionado no mesmo local onde reside e onde actualmente funcionam outras no mesmo espaço, considerando as várias placas existentes na entrada.
*
2.2. Factos não Provados
Da prova produzida em audiência de julgamento não resultou provado que os arguidos Luís C. e Jorge R. tivessem feito coisa sua, as quantias não entregues ao Estado a título de IVA referentes aos meses de Novembro de 2010 a Setembro de 2011, e que os arguidos Luís C., Jorge R. e José R. tivessem feito coisa sua, a quantia não entregue ao Estado a título de IVA referente ao mês de Janeiro de 2012.

C) – A Motivação da decisão sobre a matéria de facto (transcrição):
«O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, analisando-a global e criticamente, segundo as regras da experiência comum e segundo a livre convicção do julgador, nos termos do art. 127.º do Código de Processo Penal.
O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observar as regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação critérios objectivos genericamente susceptíveis de motivação e controlo (Ac. TC n.º 1165/96, de 19.11, BMJ, 461, 93). A convicção deve ser racional, objectivável e motivável.
Quanto à prova documental, o tribunal valorou:
Do processo n.º 287/12.6IDBRG - processo principal
- Certidão comercial da sociedade “…, Lda.” de fls. 48 a 55 e 871 a 878 de onde resulta que:
- A sociedade foi constituída em 30.12.2005, com outra designação, sede em … e com o capital social de €.5.000, sendo único sócio e gerente José P..
- Em 25.01.2006 é averbada a alteração do contrato de sociedade e o único sócio e gerente realiza um reforço de capital de €.245.000, passando o capital social a ser de €.250.000.
- Em 09.01.2009 foi averbado que a gerência passou a pertencer a Jorge R., por deliberação de 08.01.2009
- Em 15.01.2009 foi averbado no registo a renúncia à gerência de José P., datada de 08.01.2009.
- Em 25.03.2010, é averbado o aumento de capital pata €.500.000,00, em nome de José P..
- Em 30.12.2010 foi averbado no registo a renúncia à gerência de Jorge R., datada de 02.04.2010 e foi averbado que a gerência passou a pertencer a Luís C., por deliberação de 02.04.2010 (apresentações 13 e 14 dessa data).
- Em 19.01.2011, é averbada a transmissão da quota de €.500.000,00 de Jorge R. para Luís C..
- Em 10.03.2011, foi averbada a alteração de sede para o Porto.
- Em 22.11.2011, foi averbada a alteração de sede para Esposende.
- Aquando do depósito das contas de 2007, em 30.06.2008, foi registada a transmissão da quota de €.250.000,00 de José R. para Jorge R. e em 29.06.2010, aquele depósito é rectificado no sentido de que a quota transmitida tinha o valor de €.500.000,00.
- Auto de notícia de fls. 74 a76.
- Comprovativo da entrega da declaração de IVA de Janeiro de 2012 de fls. 77 e 78, submetida pelo TOC 123782139 (Joaquim O.).
- Situação global/informação processual da gestão de devedores de fls. 79.
- Informação cadastral da sociedade e arguidos de fls. 91 a 94.
- Informação de fls.117 a 120.
- Notificação nos termos do art. 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT de fls. 172 (de Jorge R. em 17.09.2012), 233 (de José R. em 10.10.2012) e 298 (Luís C. em 29.11.2012).
- Certidão da sentença de insolvência da Metalúrgica R..., Lda., com sede em Leça da Palmeira e da qual era administrador Luís C. de fls. 177.
- Relatórios sociais de Luís C. de fls. 950 a 952, Jorge R. de fls. 960 a 962, José R. de fls. 964 a 966.
- Informação tributária de fls. 998 a 1010.
- Certificados do Registo Criminal de fls. 659 (sociedade arguida), 1094 (Jorge R.), 1095 e 1096 (Luís C.), 1099 a 1103 (José R.).
- Contrato de cedência de mão-de-obra de fls. 1116 e 1117.
- Documentos de fls. 1118 a 1128.
- Certidão da A…, S.A. de fls. 1129 a 1135, de onde resulta que foi constituída em 16.12.2010, tendo como sócios A… N. e Jorge R. e como gerente José R., sendo que o último renuncia à gerência em 15.02.2011, passando a ser gerente, na mesma data, Jorge R.. Em 30.05.2011, há um aumento de capital e a sociedade é transformada em sociedade anónima (anteriormente era sociedade por quotas), sendo que Jorge R. realizou o aumento de capital de €.240.500,00 em dinheiro.
- Informações da Segurança Social de fls. 1175, 1176 e 1232 a 1326.
- Balanço de fls. 1177.
- Certidão do processo crime n.º 43/13.4IDBRG, da Instância Local de Esposende relativa à sociedade arguida e ao arguido Luís C. de fls. 1186 a 1223.
- Informação do TOC de fls. 1331 a 1333.
- Os documentos do anexo 1: notas de pagamentos e cópias de cheques (fls. 1 a 93), extracto da conta corrente entre a sociedade arguida e a sociedade “A… S.A.” e respectivos recibos (fls. 94 a 157) e tabela identificativa do n.º das facturas e recibos correspondentes (fls. 205 a 210)
- Documentos de fls. 857 (anexo 2 do inquérito 377/11.2IDBRG) e fls. 906 a 911 (anexo 5 do inquérito 377/11.2IDBRG).
Do apenso A
- Contrato de sociedade fls.170 e 171 e pacto social actualizado de fls. 179.
- Documentos extraídos do “Portal da Justiça” referentes à sociedade arguida de fls. 176 e 177.
- Documentos extraídos das bases de dados da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos de fls. 198 a 206, 329, 330, 332, 333 e 340 a 347.
- Declarações periódicas de IVA da sociedade arguida submetidas pelo TOC 110848802 (Mário M.) referentes aos meses de Novembro de 2010 a Agosto de 2011 de fls. 227 a 235, 267 e 268 e de Setembro de 2011 submetida pelo TOC 123782139 (Joaquim O.) de fls. 338.
- Autos de notícia de fls. 334 a 337, 563, 568, 573, 578, 583, 588, 592, 596 e 600.
- Documentos extraídos das bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira de fls. 361 a 412.
- Mapas resumo de fls. 414 e 415.
- Cópia das notas de pagamento para liquidação de compromissos comerciais e outros relativos a 2010, onde se encontram cheques assinados por Jorge R. de fls. 488 a 529.
- Cópias de declarações de venda dos veículos automóveis …, ….. …., em 03.12.2010, assinadas por Luís C. e vendidas à A…, Lda. de fls. 530 a 535.
- Informação de fls. 609 a 611.
- Cópia de factura emitida pela sociedade arguida em 31.12.2010 de venda do veículo 90-66-JR, emitida em papel timbrado onde consta Av. … de fls. 619.
- Cópias de venda a dinheiro de 30.03.2012 emitida em papel timbrado onde consta Av... de fls. 620 e facturas emitidas pela PT, pela Optimus e pela Bombagás em Novembro e Dezembro de 2010 e endereçadas para Av…. de fls. 621 a 623.
- Cópia de carta enviada pela DGF à sociedade arguida para a sede de Esposende e com carimbo de “reexpedição de correspondência” em Junho de 2012 para a residência de Luís C. de fls. 624.
- Notificação nos termos do art. 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT de fls. 628 e 630 a 633 (de Jorge R. em 14.08.2012), 651 e 652 (de Luís C. em 29.11.2012).
- Parecer da Autoridade Tributária e Aduaneira de fls. 733 a 764 e correcção de fls. 799.
- Certidão da matrícula e de todas as inscrições em vigor da sociedade arguida de fls. 786 a 790.
- Documentos dos anexos 1 a 6 (fls. 695 a 920), anexo 7 (fls. 1 a 644) e anexo 8 (fls. 1 a 521)
Os arguidos assumiram posições distintas quanto aos factos pelos quais vinham acusados. O arguido Luís C. prestou declarações sobre os factos inicialmente, enquanto o arguido Jorge R. apenas prestou declarações depois de produzida toda a prova testemunhal. Já o arguido José R. no exercício do seu direito ao silêncio (art. 61.º, n.º 1, al. d) do Código do Processo Penal), não prestou declarações sobre os factos.
Por fim, valoraram-se também os depoimentos das testemunhas Manuel L. (inspector tributário), António D. (motorista, conhece os arguidos Jorge e José e não conhece o arguido Luís, foi trabalhar para a R…, em 2006 e trabalhou lá durante 7/8 anos, tendo saído em finais de 2012, inícios de 2013), Eveline L. (inspectora tributária), António L. (motorista que trabalhou, desde 2006 e até 2013 para Jorge e José – para a R. e não conhece o arguido Luís), Joaquim O. (TOC, conhece os arguidos Luís e Jorge do negócio de compra e venda da sociedade arguida e identificou-se como tendo sido TOC da sociedade arguida entre Abril de 2010 e Setembro de 2012. Mais à frente no depoimento afirmou que o foi apenas até Setembro de 2011 e volta a dizer Setembro de 2012), João P. (encarregado de armazém do Grupo R… há 33 anos, sendo que o seu patrão actual é o Jorge e anteriormente foi o pai, não sabendo quando é que ocorreu a mudança), Artur M. (conhece o arguido Luís C. desde 2010/2011 e foi fornecedor de artes gráficas/etiquetas para empresa de carnes) e Mário E. (TOC, foi TOC de Jorge na .. de 2006 a Março de 2011 (oficialmente), mas em Abril de 2010 passou a um colega, antes fora TOC de José R. por quem foi contratado há 33 anos e conhece o arguido Luís C. do negócio e do período de transição).
Concretizando, temos que:
- Os factos dados como provados em 1) a 3) resultam exclusivamente dos documentos juntos aos autos, nomeadamente da certidão comercial de fls. 48 e ss. e da informação de fls. 74 dos autos principais. A explicitação referente às 3 sedes da sociedade arguida resulta da aludida certidão do registo comercial e fez-se não só porque resultou da prova produzida em audiência de julgamento, mas também porque a mesma foi alterada no lapso temporal dos factos em discussão no processo e como forma de evitar qualquer incoerência entre os factos relevantes ao processo principal e ao apenso A. Note-se que, o facto de ter sido dado como provada a mudança de sede para efeitos registrais é o que resulta da certidão comercial, mas nenhuma prova segura e consistente se produziu de que a sede foi verdadeiramente mudada na realidade e daí também a referida explicitação.
- Os factos provados em 10) e 11) resultam dos documentos comprovativos da notificação nos termos do art. 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT de fls. 628 e 630 a 633 (de Jorge R. em 14.08.2012), 651 e 652 (de Luís C. em 29.11.2012) do apenso A.
- Os antecedentes criminais dados como provados em 24), 26), 37) e 48) a 55) resultam da certidão do processo n.º 43/13.4IDBRG da Instância Local de Esposende relativa à sociedade arguida e ao arguido Luís C. de fls. 1186 a 1223, em conjugação com os Certificados do Registo Criminal de fls. 659 (sociedade arguida), 1094 (Jorge R.), 1095 e 1096 (Luís C.), 1099 a 1103 (José R.), todos do processo principal.
- A situação pessoal, familiar, social e económica dos arguidos (factos provados em 27) a 36), 38) a 47) e 56) a 64)) resultam dos relatórios sociais de Luís C. de fls. 950 a 952, Jorge R. de fls. 960 a 962, José R. de fls. 964 a 966, do processo principal. Quanto ao facto dado como provado em 58) na parte referente ao número de trabalhadores, que não corresponde exactamente ao facto constante do relatório social, porquanto esse número saiu infirmado pelo contrato de fls. 1116 e 1117 e da informação da Segurança Social de fls. 1232 e ss. dos autos, tendo o facto sido dado como provado nessa exacta medida.
Relativamente aos demais factos é necessário analisar conjugadamente a prova documental, a prova por declarações dos arguidos e a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, à luz das regras da experiência comum e da livre convicção.
Assim, e em concreto quanto à gerência a sociedade arguida, temos que da certidão do registo comercial da sociedade “…, Lda.” de fls. 48 a 55 resulta que, até 30.12.2010, o gerente de direito da sociedade arguida era Jorge R. e a partir dessa data passou a ser o arguido Luís C., sendo que este último, passou também a ser o único sócio a partir de 19.01.2011, por transmissão da quota. Contudo, como também resulta dos factos averbados ao registo, a deliberação da renúncia de um e a nomeação de outro é de 02.04.2010.
Posto isto, importa apurar quem, efectivamente, geria/administrava a sociedade arguida no período em discussão nos autos.
O arguido Luís C. prestou declarações e assumiu, na íntegra, a prática dos factos e a sua responsabilização pelos mesmos, ao mesmo tempo que exonerou de qualquer responsabilidade os co-arguidos Jorge e José R., assumindo-se como o único responsável pela sociedade e pela sua actuação a partir de Abril de 2010. Afirmou que de Abril a Dezembro 2010 o Jorge ia de vez em quando à empresa, “ia fiscalizar” se as coisas estavam a correr, enquadrando essa realidade na circunstância de ter celebrado o contrato de aquisição da sociedade arguida em Abril de 2010, pelo preço de €.500.000,00 que pagou em letras (inicialmente e durante grande parte das declarações referiu-se a 6, mas depois passou a dizer que foram só 5) até ao final do ano de 2010, motivo pelo qual o Jorge acompanhava a situação.
A partir de finais de 2010, inícios de 2011 diz que assumiu inteiramente a empresa e disse ainda que em todo o período em causa, nunca o arguido José teve qualquer intervenção na empresa, nem, nunca foi funcionário da empresa.
Afirmou que era ele próprio quem dava ordens aos funcionários e pagava salários. Mas confrontado com a existência de inúmeros cheques assinados por Jorge para pagamento de dívidas/fornecimentos da sociedade arguida ao longo dos anos de 2010/2012 (e para isto veja-se fls. 1 a 93 do anexo 1 onde constam vários cheques assinados por Jorge R. para pagamento de dívidas/fornecimentos da sociedade arguida nos anos de 2011 e 2012, sendo tais cheques ora da sociedade arguida, ora da R... e até mesmo de uma sociedade …, Lda. (fls. 92, sendo que como resulta do relatório social o arguido Jorge R. tem uma relação também com tal sociedade); fls. 488 a 528 do apenso A, tratando-se de cheques da sociedade arguida, datados do ano de 2010 e assinados por Jorge R.; e fls. 700 a 792 do anexo 1 a 6, todos referentes aos anos de 2011/2012, sendo alguns da sociedade arguida e alguns da R... (estes a partir de Maio de 2011)), não consegue explicar tal volume de cheques emitidos pelo arguido Jorge R., dizendo mesmo que nunca teve conhecimento disto, pois enquanto Jorge fiscalizou ele não procedeu a pagamentos. Depois de ver os cheques sobrepostos nas notas de pagamento – e note-se que nem o cabeçalho da empresa reconheceu nas ditas notas de pagamento dizendo que era o da R… S.A. – lá emenda e diz talvez fossem as dívidas que o Jorge tinha antes de eu tomar conta da empresa. Disse que ele próprio também pagava combustível, pois só sei que quem efectuava os pagamentos era eu, dava dinheiro aos motoristas para gasóleo e a maior parte das vezes dava o dinheiro ao Joaquim O. que pagava aos fornecedores. Tanto pagava em cheque como em dinheiro. Contudo, a questões do seu Mandatário e depois de perguntas sobre se tinha tido problemas bancários, acaba por dizer que sim, que teve um incidente bancário em Janeiro/Fevereiro de 2011, fica impedido de passar cheques e por isso pede a Jorge para os passar.
Diz que recebeu o IVA mas não pagou o IVA para pagar salários e para tentar dar a volta à empresa.
Explica como tem conhecimento do negócio – através de Joaquim O. – e de como decide investir os €.500.000,00 que recebera de uma herança num negócio de porcos, sendo ele uma pessoa, desde sempre ligado ao ramo do vestuário.
Refere que a empresa, antes do final de 2010, começou a entrar em dificuldades, pelo que Joaquim O. faz um estudo, e como tinha muitas despesas com o pessoal decide então mudar a área de negócio – deixando de se dedicar à transformação de porcos vivos em carne e passando a dedicar-se apenas à compra e venda de … – e muda também a sede para Esposende e deixando de ter o encargo com a renda que até então pagava ao Jorge pelo ... É junto o contrato de cedência de mão-de-obra de fls. 1116 e 1117 dos autos principais e quando lhe é pedido para explicar o mesmo, tal como em que é que consistiu o dito negócio, entra em patentes e manifestas contradições, não conseguindo explicar o que contratou, nem como é que desenrolou. Disse vezes sem conta que cedeu o pessoal – trabalhadores ao Jorge – que trabalhavam para o Jorge nas mesmas instalações/matadouro, mas que era ele – Luís – quem pagava aos trabalhadores (disse-o de muitas formas e a várias questões que lhe foram feitas, perante a patente evidencia de que tal não fazia qualquer sentido), mas depois lá diz que quem pagava aos trabalhadores era o Jorge, mas afinal volta a dizer que o Jorge não lhe pagava pelos trabalhadores que punha lá a trabalhar para o Sr. Jorge.
Fala dos acertos de contas, mas não consegue explicar em que é que consistiam, apresentando respostas evasivas, ainda que no final fale dos gastos do Jorge com a transformação dos animais no matadouro.
Também o arguido Jorge R., a final, refere que entre Abril de 2010 e o final desse ano ajudou o arguido Luís C. na transição, sendo que os 2 – Luís e Jorge – estavam todos os dias na Lage (e que soubesse o arguido Luís não tinha outra actividade), e que dava ordens aos funcionários porque Luís é uma pessoa que não sabe mandar, e estava a ajudá-lo. Disse até que pedia ajuda ao pai (porque este era a pessoa que conhecia o negócio) e pedia-lhe liga ao motorista e explica o caminho…, etc. e por isso nós estávamos a ajudá-lo, porque ele não tinha a noção do que era o negócio. Mais disse que tanto ele como Luís davam ordens, sendo que Jorge dava mais na parte da laboração e Luís mais na parte do escritório. Explicou o negócio que celebraram (de forma mais ou menos semelhante ao que foi relatado por Luís) e disse que foi transmitida uma empresa que consistia na estrutura (com pagamento de renda), nos trabalhadores, com nome na praça e uma grande carteira de clientes, e com cerca de 2/3 camiões (não tem a certeza). Relata também as alterações ocorridas no início do ano de 2011, em que o Luís fica apenas com a compra e venda de animais vivos, e a R..., S.A. de Jorge assumia os trabalhadores com o contrato de cedência de mão-de-obra (sendo que a partir desta altura foi ele quem passou a dar as instruções ao pessoal) e ficava com as instalações do matadouro, referindo-se também às reuniões e aos acertos de contas, referindo que pagava a credores da sociedade arguida e combustível (entre outras coisas), valores esses que depois eram considerados no dito acerto de contas, mas sendo que a final a sociedade arguida era sempre credora da R..., SA.
Joaquim O. (TOC, conhece Luís e Jorge do negócio de compra e venda da sociedade arguida e identificou-se como tendo sido TOC da sociedade arguida entre Abril de 2010 e Setembro de 2012. Mais à frente no depoimento afirmou que o foi apenas até Setembro de 2011 e volta a dizer Setembro de 2012) apresentou um depoimento em que os factos foram relatados de forma parecida com a dos dois arguidos. Falou do negócio de cessão de quotas da sociedade arguida por €.500.000,00 sendo que o arguido Jorge ficava responsável pelo pagamento do passivo às Finanças então existente (e para o que precisava da referida quantia), de que a sociedade arguida era uma empresa sólida e que, entre Abril de 2010 e Janeiro de 2011, Jorge não mandava na empresa, mas apenas acompanhava e pagava coisas porque o Luís pedia, mas que o Luís – pessoa de personalidade muito firme para gerir a empresa – não seguia os conselhos de Jorge. Acrescentou que a partir de Abril de 2010 andava pela empresa – em Lage – com o Luís e que o acompanhava no dia-a-dia e nas reuniões mensais. Referiu que em Março de 2010, Jorge era cliente da sociedade arguida e no início de 2011, quando se dá a cedência de mão-de-obra, a sociedade arguida vendia cerca de 60% a 70% da produção à R..., S.A. Referiu-se aos motivos pelos quais se deu a mudança da actividade da sociedade arguida, falando que o matadouro foi fechado pela ASAE, que leva à mudança de sede para E… (já não há necessidade das instalações do matadouro pois vai dedicar-se …) e cede a mão-de-obra a Jorge. A mudança de estratégia da empresa como referido assentou num estudo que elaborou. Falou também das reuniões mensais – 2 a 3 vezes por mês – para acerto de contas, considerando as relações comerciais entre a sociedade arguida e a R…, S.A., com a intervenção de Luís, Jorge, do próprio e do TOC Mário M. (sem que alguma vez o arguido José tenha intervindo nas mesmas), sendo que essas reuniões aconteciam ou no escritório de Vila Verde ou de Esposende (a maior parte delas aconteceu aqui). Quanto à sede da arguida disse que a mesma foi sempre em V… e entretanto mudou-se para E…, e à pergunta as antes não mudou para o Porto? respondeu antes de ter sido mudada para o Porto foi quando conheci o Luís. Mais referiu que via o Luís dar ordens, no escritório a uma funcionária chamada S…. Refere-se ainda ao incidente bancário que diz, inicialmente, ter ocorrido em Junho de 2010, por causa de uma letra da sociedade arguida e que depois de confrontado com a incoerência do que dizia (pois nessa data Luís não era nem gerente de direito, nem sócio da sociedade), referiu que afinal o dito incidente ocorreu em Junho de 2011. Equivocou-se todo quer nas explicações referentes à situação económica da sociedade arguida, quer quanto às reuniões de acerto de contas e ao deve/haver a considerar.
Também Mário M. (TOC, foi TOC de Jorge na … de 2006 a Março de 2011 (oficialmente), mas em Abril de 2010 passou a um colega, antes fora TOC de José R. por quem foi contratado há 33 anos e conhece Luís C. do negócio e do período de transição) relatou os factos de forma parecida com os arguidos e com a testemunha Joaquim O. e afirmou que a contabilidade da sociedade arguida funcionava na …, mas a partir de 2011 mudou-se para E…, onde ia 2/3 vezes por mês para as reuniões de acerto de contas, sendo que nesses acertos a sociedade arguida tinha sempre dinheiro a receber da R..., S.A.
Referiu que, desde 2008, José não tem qualquer intervenção na empresa arguida, apenas passava lá na qualidade de pai e desde então nunca mais mandou na arguida.
Relatou também que em Janeiro de 2011 se verificou que a sociedade arguida, nos moldes em que estava a trabalhar, não estava a dar e estava a destruir toda a imagem do grupo criada até ao momento. Refere-se também ao estudo realizado por Joaquim O. e surgiu a hipótese de constituir uma nova empresa, o Sr. Jorge constituiu uma nova empresa e o Sr. Luís dedicava-se só ao comércio de compra e venda de animais vivos. … Foi constituída uma nova empresa pelo Jorge, que passa a laborar no matadouro existente, a empresa passou a sede para Esposende, uma vez que deixou e trabalhar no matadouro e deixou de interessar.
Questionado sobre o porquê das declarações de IVA de Novembro de 2010 a Agosto de 2011 terem o seu número de contribuinte disse que foi Joaquim O. quem as enviou, mas sem mudar tal número.
António D. (motorista, conhece os arguidos Jorge e José e não conhece o arguido Luís, foi trabalhar para a R..., em L..., em 2006 e trabalhou lá durante 7/8 anos, tendo saído em finais de 2012, inícios de 2013) afirmou que o seu patrão foi sempre o Sr. José, sendo que foi sempre ele quem lhe deu ordens e nunca recebeu ordens de Jorge. Era condutor de camiões e era responsável pelo transporte de animais vivos, indo a Espanha carregar animais e transportava-os para L.... Era a funcionária do escritório que pagava os vencimentos, num envelope. Nos anos iniciais que trabalhou não notou qualquer diferença na empresa e se perguntava alguma coisa ao Jorge este dizia tenho de perguntar ao meu pai. Nunca soube que a empresa foi vendida.
António L. (motorista que trabalhou, desde 2006 e até 2013 para Jorge e José – para a R... – em L… e não conhece Luís) afirmou que trabalhou sempre para a mesma empresa, pois nunca se apercebeu de que tivesse mudado de firma. Era José quem mandava, nunca viu Jorge ou Luís a mandar, nem nunca José disse que eram aqueles que mandavam, mesmo depois de Abril de 2010. Nunca viu Luís na fábrica. Recebia no escritório, junto ao … e que ficava junto à residência de José. Nunca foi a Esposende.
João P. (encarregado de armazém do Grupo R... há 33 anos, sendo que o seu patrão actual é o Jorge e anteriormente foi o pai, não sabendo quando é que ocorreu a mudança) afirmou que nunca, ninguém, para além de Jorge e José, lhe deu ordens, tendo trabalhado sempre nas mesmas instalações, sendo que inicialmente era José quem dava ordens e que o filho também andava lá, o qual, depois, ficou à frente – em data que não sabe precisar – e que era ele quem dava ordens, sendo que actualmente é raro ver José R. nas instalações. Primeiro era José quem lhe pagava os salários e depois passou a ser Jorge, ou então a Sra. da contabilidade.
Posto isto, consideradas as declarações do arguido Luís C., corroboradas nos pontos principais pelo arguido Jorge R. e pelos depoimentos de Joaquim O. e Mário M., concluir-se-ia que foi apenas o arguido Luís C. quem dirigiu a sociedade arguida entre Novembro de 2010 e Janeiro/Março de 2012.
Sucede, todavia, que as declarações dos arguidos e das testemunhas Joaquim O. e Mário M. não nos mereceram qualquer credibilidade, pelos motivos que passaremos a expor, mas de onde se destaca, desde já, o comprometimento e parcialidade dos arguidos, pretendendo o arguido Luís C. isentar os demais de responsabilidade e o arguido Jorge R. o seu próprio pai, o arguido José R. (que note-se que, à data dos factos, tinha já sido condenado em duas penas de prisão suspensas na sua execução pelo mesmo tipo de crime ao que está em causa nos autos e decorria o período de suspensão de ambas e atente-se também no desabafo final de Jorge R. acerca de se sentir responsável por o pai estar sentado no banco dos réus) também de toda e qualquer responsabilidade e o facto de as testemunhas terem e manterem uma relação de proximidade e afinidade com os arguidos – com quem mantêm relações profissionais e de amizade, o que é incongruente com os factos relatados e as consequências dos negócios – o que evidentemente, e porque foram infirmados por outros meios de prova, também não nos mereceram qualquer credibilidade.
Deste modo, conjugando todos os elementos de prova à luz das regras da lógica e da experiência comuns, o Tribunal conclui que os arguidos Jorge R. e José R., conjuntamente com o arguido Luís C., também eram gerentes de facto da sociedade arguida (dentro dos períodos temporais por que vêm acusados e que se respeita nos factos provados atendendo ao objecto de cada um dos processos), havendo um acordo entre os três quanto à forma como a sociedade arguida devia ser administrada, a quem deviam ser realizados os pagamentos e se o IVA deveria ou não ser pago ao Estado.
Em primeiro lugar, Luís C. para quem era o único dono da sociedade arguida, punha e dispunha, como todos fizeram crer, não foi capaz de explicar o objecto da sociedade, as actividades que desenvolvia e os negócios que celebrou com a R..., S.A.. E note-se que o mesmo foi descrito por Joaquim O. como pessoa de personalidade muito firme para gerir a empresa, o que é de todo incompatível com o discurso incoerente, cheio de falhas e imprecisões que apresentou sobre os factos, e de onde em suma resultou que o mesmo pouco percebia do negócio da compra e venda de animais vivos e da sua transformação, ao que acresce que o arguido Jorge afirmou que nós o ajudávamos. E não colhe que o mesmo, que era do ramo do vestuário, decidiu investir a sua herança de €.500.000,00 (e veja-se que €.500.000,00 não é uma pequena parte da fortuna de Luís, que diz viver com salário mínimo nacional, em casa arrendada e com um veículo de 1997, e que gasta tal montante, como um cidadão normal investe €.500,00 ou €.1000,00 num pequeno negócio) num negócio e nem se inteirou de como o mesmo funcionava, pois isso é manifestamente contrário às regras da normalidade da vida e do comércio em geral, considerando-se também que já tivera uma empresa têxtil, como o mesmo disse, no ano de 2005 (resultando também do relatório social que se dedicou ao ramo do … por conta própria até 2008) e que também era gerente da Metalúrgica R..., Lda. conforme fls. 177 dos autos principais e 202 do apenso A.
A isto acresce o seu desconhecimento sobre a existência de tantos cheques assinados por Jorge R. para pagamentos de fornecimentos e dívidas da sociedade arguida, o que é de todo incongruente com a exclusividade de poderes de direcção da sociedade e que disse ter. A sua declaração de que também pagava em cheque, sai infirmada pelo elevado volume documental junto aos autos, pois não se mostra junto qualquer cheque emitido ou assinado por Luís C.. E também não colhe aqui o alegado incidente bancário relativamente ao qual, nem o arguido se referiu espontaneamente, nem foi corroborado pela demais prova, pois as testemunhas que se referiram a essa situação não foram coerentes entre si (com muitas discordâncias sobre o incidente e a data em que aconteceu) e, como tal, atendendo à parcialidade e à falta de corroboração, não nos mereceram credibilidade.
As declarações do arguido quanto à sua direcção única e efectiva da sociedade arguida, também não nos mereceram credibilidade porque, não obstante dizer que era o único a dar ordens, os trabalhadores que depuseram em audiência de julgamento – e estes, atento o seu desinteresse no desfecho da causa e isenção, depuseram com espontaneidade e de forma clara, concisa e consistente, motivos pelos quais os três depoimentos nos mereceram total credibilidade – negaram sequer conhecer o arguido Luís C., nunca receberam qualquer ordem do mesmo, nem este alguma vez lhes pagou o salário. Ou seja, as declarações do arguido são infirmadas pelos depoimentos credíveis e sinceros das testemunhas – e note-se que Luís C. afirmou que dava ordens aos funcionários e dava dinheiro aos motoristas para combustível.
Quanto ao combustível que o arguido Luís C. diz que pagava, também as suas declarações são incoerentes, quando conjugadas com a prova documental, pelo menos no período posterior a Janeiro de 2011. Não se apurou quantos veículos tinha a sociedade arguida, sendo que Joaquim O. falou entre 10 a 20 e Jorge R. disse que a empresa arguida tinha 2/3 camiões (não tinha a certeza), sendo que as declarações deste último são totalmente contraditórias com a prova documental junta, o que não se compreende, atendendo a que se disse que até Abril de 2010 foi o único dono, a única pessoa a mandar na sociedade arguida e que a conhecia. Com efeito, a fls. 506 a 520 do anexo 8, estão juntas 15 facturas de venda de veículos automóveis da sociedade arguida à R..., Lda., datadas de 31.12.2010 e um recebimento da mesma data de fls. 521. Mas é ainda de atender que a fls. 530 a 531 do anexo A estão juntos três pedidos de registo automóvel e três requerimentos de registo automóvel relativos a três dos veículos identificados no anexo 8, em que Luís C. assina cada um dos três requerimentos de registo automóvel na qualidade de legal representante da sociedade arguida e na qualidade de vendedor e o arguido José R. assina na qualidade de comprador e de legal representante da R... S.A. (uma das declarações – de fls. 531 - está manualmente datada de 03.12.2010). Atendendo ao exposto não se compreendem as declarações do arguido Luís C. quando afirma que pagou combustível – depois de ter vendido 15 camiões e não se tendo apurado que existissem quaisquer outros, nem se compreende que a sociedade arguida tenha continuado com a actividade de compra e venda de animais vivos (a partir de Janeiro de 2011), no que era necessário a existência de veículos automóveis, nem se compreendem as declarações do arguido Jorge R. que disse ser o único dono e gerente da empresa desde 2008 e que, afinal, não soube dizer quantos veículos vendeu, como activo da sociedade arguida ao arguido Luís e sendo que esse seria o imobilizado da empresa mais visível. Tudo motivos pelos quais, tal como se disse anteriormente, as declarações dos arguidos não mereceram credibilidade ao Tribunal.
Mas, por outro lado, e como elemento que corrobora a conclusão de que os arguidos são responsáveis pelos destinos da sociedade arguida e que se está perante empresas de um grupo, temos os documentos de fls. 886 a 905 do anexo 1 a 6, de onde resulta que não obstante a venda dos veículos automóveis pela sociedade arguida à R..., Lda., na data referida, durante o ano de 2011, continua a ser a sociedade arguida quem paga a despesa com Viaverde de tais viaturas.
Ainda ao nível dos trabalhadores, e a acrescer, muito se estranha que o arguido Luís C. tivesse dito que o arguido José nunca foi funcionário da empresa, quando da informação da Segurança Social de fls. 1232 e ss., concretamente de fls. 1248 e 1252 dos autos principais resulta que em Novembro e Dezembro de 2010, a sociedade arguida descontou para a Segurança Social relativamente ao arguido José R., ao que acresce que de fls. 204 do apenso A resulta ainda que o mesmo arguido declarou para efeitos fiscais rendimentos da sociedade arguida durante os anos de 2006 a 2010. E note-se que o valor dos rendimentos do arguido José R., para quem não trabalhava na empresa, ou não tinha qualquer função de gerência é bastante superior ao dos demais trabalhadores e até ao do Jorge R.. Ou seja, mais uma vez as declarações do arguido são contrariadas e desta vez por elementos objectivos, como é o caso das informações da Segurança Social e da Autoridade Tributária. Neste conspecto, a prova documental (e isto para além dos depoimentos das três testemunhas que eram trabalhadores) também infirma o depoimento de Mário M. quando afirma que desde 2008 que José não tem qualquer intervenção na empresa arguida, apenas passava lá na qualidade de pai, uma vez que entre 2006 e 2010 a sociedade arguida fazia descontos relativamente a José R., como se este fosse seu trabalhador.
Também é de realçar que Luís C., confrontado com a nota de pagamento de fls. 52 do anexo 1 não foi capaz de reconhecer o logotipo do papel timbrado que encimava a mesma, dizendo que é da R...…não tem nada a ver, a R... é do Sr. Jorge. A isto acresce que de uma análise detalhada de todas as notas de pagamento e dos recebimentos juntos aos autos, facilmente se percebe que o papel timbrado da sociedade arguida tem aposto, em cima, a insígnia do grupo R... e, no final, o endereço do matadouro, situado na Lage, em Vila Verde (o que se mantém sempre e até 2012 conforme se verifica de fls. 91 do anexo 1 e fls. 620 do apenso A). Mas mais, de fls. 621 a 623 do apenso A, resulta que as facturas emitidas pela PT, pela Optimus e pela Bombagás em Novembro e Dezembro de 2010 para a sociedade arguida foram endereçadas para Av. Da ….
Também é de todo incoerente e incompreensível, considerando a explicação que todos deram que a partir de Janeiro de 2011, fosse a sociedade arguida a pagar os salários dos trabalhadores – como afirmou várias vezes e de várias formas, o arguido Luís C. - que disse que a mão-de-obra foi cedida ao Jorge R. e que os trabalhadores era para si que trabalhavam, mas que era o próprio quem lhes pagava o salário e demais despesas (isto sem prejuízo das diversas contradições e dos avanços e recuos que o seu discurso apresentou nesta matéria). A isto acresce que, nesta parte, as suas declarações foram contraditadas pelas declarações do arguido Jorge R. e pelos depoimentos de Joaquim O. e Mário M..
Por fim, uma nota para referir que de acordo com a informação da Segurança Social de fls. 1232 e ss., no período que medeia entre Novembro de 2010 e o presente Luís C. sempre apresentou descontos para a Segurança Social como trabalhador por conta de outrem pela empresa S… Lda. (sua actual entidade patronal como resulta do relatório social). Informação essa que, de per si, também infirma as declarações de Jorge R. e o depoimento de Joaquim O., uma vez que ambos disseram que Luís estava todos os dias na empresa – no escritório – o que não é compatível com o exercício de uma outra actividade remunerada.
Em suma, das explicações incongruentes que o arguido Luís C. deu percebeu-se, com facilidade, que o mesmo não era o único gerente da sociedade e que o destino da sociedade estava e sempre esteve apenas e somente nas suas mãos. O que se revelou foi que o mesmo apareceu em julgamento quase como um «testa de ferro» dos outros arguidos – Jorge e José R. – assumindo para si as responsabilidades e isentando os outros.
No que à sede da sociedade arguida diz respeito, as declarações do arguido, mas também de Jorge R. e das testemunhas Joaquim O. e Mário M. são também infirmadas pela prova documental junta aos autos.
Vejamos, todos, de forma mais ou menos unânime colocam a alteração do objecto da sociedade arguida em finais de 2010, inícios de 2011, com a cedência da mão-de-obra da sociedade arguida à sociedade R..., S.A. e com a simultânea mudança de sede para E….
Começando pela questão da sede (sendo que o arguido Luís C. nem se referiu espontaneamente à sede do …), resulta da certidão comercial junta aos autos que em 10.03.2011, foi averbada a alteração de sede para o … e que apenas em 22.11.2011, foi averbada a alteração de sede para …. Ou seja, há uma discrepância de 11 meses entre o que disseram arguidos e testemunhas e o registo comercial. Poder-se-ia pensar que a sociedade mudou a sede para E… no início do ano e que o facto não fora levado ao registo (isto mesmo estranhando que haja duas alterações de sede no registo). Contudo, se atentarmos ao pacto social actualizado da sociedade arguida de fls.179 do apenso A, datado de 04.03.2011 e assinado pelo arguido Luís C., constata-se que do mesmo consta que a sede da sociedade passa a ser Rua J… …, que é exactamente o mesmo facto que é levado ao registo cerca de uma semana depois.
Ainda quanto à sede é de relevar o depoimento isento e credível de Eveline L. (inspectora tributária) que afirmou ter procurado a sociedade arguida em E… e encontrou a porta do escritório fechada, com papel do telefone de Luís C. afixado, em Junho/Julho de 2012. Era uma loja fechada, com muitas teias de aranha e pó, apresentando sinais de abandono. Deslocou-se à R... e os trabalhadores da sociedade arguida trabalhavam na R..., mas não viu qualquer contrato de cedência de mão-de-obra, ainda que tenha ficado com a ideia que existia. Descreveu a localização do … junto à residência do arguido José R.. Conjuntamente importa atender à cópia de carta enviada pela DGF à sociedade arguida para a sede de Esposende e com carimbo de “reexpedição de correspondência” para a residência de Luís C. de fls. 624 do apenso A e as fotografias da dita sede em Esposende juntas a fls. 611 do apenso A, de onde se verifica que a sede está fechada e tem um papel com o nome de Luís F. e o contacto telefónico.
Ou seja, e em suma, da prova produzida o tribunal ficou convencido de que na realidade a sede da sociedade arguida, ainda que tenha sido alterada para efeitos registrais, não o foi de facto, isto é, nunca a sociedade arguida teve sede em Esposende.
Passando ao famigerado contrato de cedência de mão-de-obra, ocorre situação semelhante, parecendo mesmo que o contrato foi criado a posteriori para a audiência de julgamento. Do referido contrato consta que a sede da sociedade arguida é Esposende – que como se viu não correspondia, na data em que alegadamente foi outorgado e assinado, à realidade. Por outro lado, consta como 2.º outorgante a R..., … Lda., representada pelo sócio gerente Jorge R., sendo que o mesmo está datado de 03.01.2011. Ora, consta da certidão comercial da R...… junta a fls. 1129 e ss. do processo principal que, em 03.01.2011, Jorge R. era sócio minoritário da dita sociedade, com uma quota de €.500,00 e o único gerente era o arguido José P., sendo que a sua renúncia à gerência apenas foi registada em 16.02.2011, depois de uma deliberação de 15.02.2011. Ou seja, Jorge R. não era sócio gerente da sociedade R..., como consta do aludido contrato. Conjuntamente, é ainda necessário atender às compras e vendas dos veículos supra referidas, onde em representação da R..., quem assina é o arguido José R..
Por outro lado, o depoimento de Joaquim O., pelos motivos já aduzidos, também não nos mereceu qualquer credibilidade. Acresce que o mesmo afirmou que, em Abril de 2010, Jorge era cliente da sociedade arguida, o que é incompreensível e contraditado pela prova documental, pois a R..., S.A. apenas foi criada em Dezembro de 2010 e não se apurou que entre a data da venda da sociedade arguida e a da constituição da R... este tivesse constituído outra empresa. Sendo que até Jorge R. apenas falou em constituir a nova empresa em Janeiro de 2011, pois não ia ficar sem actividade/negócio. Também não se compreende o depoimento de Joaquim O. quando afirmou que Luís C. dava ordens a uma funcionária do escritório chamada S…, uma vez que da informação da Segurança Social não se constata que a sociedade arguida tivesse qualquer funcionária com tal nome em todo o período em apreço nos autos.
O depoimento de Mário M. também não nos mereceu credibilidade, pelos motivos já aduzidos mas ainda porque em si mesmo contém contradições insanáveis, uma vez que afirma que foi TOC da sociedade arguida até Abril de 2010, sendo que a partir daí e até Março de 2011 acompanhou o colega Joaquim O., e a partir dessa data deixou de ter qualquer contacto com tal sociedade, mas disse também que ia a reuniões a Esposende 2 a 3 vezes por semana, o que é incongruente com o facto de a sede só ter sido alterada para Esposende em Novembro de 2011 (isto sem prejuízo do que se deixou supra exposto quanto à sede nunca ter sido realmente em Esposende, conjugado com o facto de o pacto de sociedade ter sido alterado em Março de 2011 para transferir a sede para o … – fls. 179 do apenso A), ou seja, mais de seis meses depois de deixar de ter contactos com a sociedade arguida.
De igual forma a sua explicação para que as declarações de IVA de Novembro de 2010 a Setembro de 2011 tivessem sido enviadas com o seu NIF, mas por Joaquim O., não colheu por manifestamente incongruente com a realidade e com a circunstância de, como o próprio disse, serem amigos, mas já se percebe no âmbito de se tratar do TOC da R... e dos arguidos Jorge e José e da relação de grupo que existia entre as duas empresas.
Por último, quer os arguidos, quer as testemunhas Joaquim O. e Mário M. falaram do estudo realizado por Joaquim O. que determina o arguido Luís C. a mudar o âmbito de actividade da sociedade arguida, que de acordo com todos, em Janeiro de 2011, passa a dedicar-se exclusivamente à compra e venda de ….
Neste ponto, foi relevante o depoimento de Mário M. e a forma como falou que em Janeiro de 2011 se verificou que a sociedade arguida, nos moldes em que estava a trabalhar, não estava a dar e estava a destruir toda a imagem do grupo criada até ao momento e na sequência do estudo realizado surgiu a hipótese de constituir uma nova empresa, o Sr. Jorge constituiu uma nova empresa e o Sr. Luís dedicava-se só ao comércio de compra e venda de animais vivos. … Foi constituída uma nova empresa pelo Jorge, que passa a laborar no matadouro existente, a empresa passou a sede para Esposende, uma vez que deixou e trabalhar no … e deixou de interessar.
Vejamos. Joaquim O. era TOC da sociedade arguida e do Luís C. e não tinha qualquer ligação à R... – Comércio de Carnes, Lda.. Por sua vez, Mário M. fora TOC da sociedade arguida, mas deixara de ser e continuava a ser TOC dos arguidos José e Jorge R. e era da R... Lda.. Contudo, relata o estudo realizado, a mudança de área de actividade e a criação da nova empresa, como sendo toda uma decisão conjunta, ponderada e concertada, havendo uma adaptação das áreas de actuação e actividade das duas empresas, por forma a poder complementar-se.
De referir ainda que Jorge R., não obstante ter criado a R..., Lda., da qual inicialmente era sócio minoritário e depois passou a ser gerente em 16.02.2011, manteve-se como trabalhador da sociedade arguida até Janeiro de 2012, conforme fls. 1323 do processo principal, onde auferia um vencimento de €.1.000,00.
Conjugado todo o exposto, temos que, como se disse supra, as declarações do arguido Luís C. no sentido de que era o único responsável pela sociedade arguida e de que foi ele o responsável por todas as decisões tomadas, não colheram. Também pelos motivos expostos, não colheram as declarações do arguido Jorge R. e os depoimentos de Joaquim O. e Mário M. que visavam corroborar as declarações iniciais daquele.
Mas conjugando todos os elementos de prova produzida, sejam as declarações dos arguidos, sejam os depoimentos de Joaquim O., Mário M., António D., António L. e João P., avaliados à luz das regras da lógica comum e da normalidade da vida, temos de concluir que os três arguidos eram responsáveis pelos destinos da sociedade arguida.
Ora, e se aceitamos que Jorge R. cedeu a sua quota a Luís C., sendo que este passou a ser gerente e o único sócio da sociedade arguida, o certo é que considerando a relação de grupo existente, os outros arguidos também decidiam sobre o destino da sociedade, nomeadamente quanto aos trabalhadores, contratos, pagamentos a fornecedores.
Quanto a Luís C. ele assume que o era, e como tal, o tribunal valorou a sua declaração confessória nesta parte, dando como assente que ele era, pelo menos, um dos responsáveis pela sociedade arguida, não só de direito a partir do momento em que passa a estar registado como gerente, em Dezembro de 2010, mas também de facto, desde, pelo menos, Abril de 2010, data em que adquiriu a empresa (ainda que não registasse) e até Janeiro/Março de 2012 (tendo por certo que o IVA de Janeiro teria de ser pago até 10 de Março de 2012).
Por outro lado, temos que Jorge R., durante todo o período em questão nos autos, foi durante algum tempo o único sócio da sociedade (uma vez que não foi registada cessão de quota a Luís C. antes de 19.01.2011). Por outro lado ainda, ao longo dos anos de 2010, 2011 e 2012 (e pelo menos até Março, data limite de pagamento do imposto de Janeiro de 2012 em dívida nos autos principais), emitiu diversos cheques para pagamento a credores e a fornecedores da sociedade arguida, quer os cheques fossem da sociedade arguida – o que aconteceu, pelo menos, até Maio de 2011 (data em que já não tinha qualquer relação legal com a sociedade arguida) – e depois com cheques da R..., Lda., sendo que as explicações avançadas pelos arguidos e testemunhas TOC para que tal acontecesse não colheram, por ilógicas e incoerentes com as regras da normalidade da vida. Não é compreensível, a menos que se considere que Jorge R. também era gerente e responsável pelos destinos da sociedade arguida, que emita e assine cheques da sociedade arguida quando já não é sócio, nem gerente (e não existindo nenhum assinado por Luís C.). A isto acresce que, não obstante ter passado a ser gerente da R..., manteve descontos para a Segurança Social pela sociedade arguida, e sempre trabalhou no … de Vila Verde, no período em causa.
Também José R. tem de ser considerado como responsável pela sociedade arguida e pelas decisões tomadas, pois como disseram os três trabalhadores (sendo que os três aparecem como trabalhadores da sociedade arguida no período em discussão nos autos, conforme informação da Segurança Social de fls. 1232 e ss. dos autos principais), ele sempre foi o patrão e foi sempre ele quem deu ordens, ainda que haja nuances nos depoimentos, mas em suma o seu patrão foi sempre o mesmo. Note-se que António D. que trabalhou para a sociedade arguida, em L..., em 2006 e trabalhou lá durante 7/8 anos, tendo saído em finais de 2012, inícios de 2013, afirmou que o seu patrão foi sempre o Sr. José, sendo que foi sempre ele quem lhe deu ordens e nunca recebeu ordens de Jorge. Também António L. que trabalhou desde 2006 e até 2013 afirmou que trabalhou sempre para a mesma empresa, pois nunca se apercebeu de que tivesse mudado de firma e era José quem mandava, nunca viu Jorge ou Luís a mandar, nem nunca José disse que eram aqueles que mandavam, mesmo depois de Abril de 2010. E por último, João P. que trabalha para o grupo há 33 anos, sendo que o seu patrão actual é o Jorge e anteriormente foi o pai, não sabendo quando é que ocorreu a mudança, afirmou que nunca, ninguém, para além de Jorge e José, lhe deu ordens, tendo trabalhado sempre nas mesmas instalações, sendo que inicialmente era José quem dava ordens e que o filho também andava lá, o qual, depois, ficou à frente – em data que não sabe precisar – e que era ele/Jorge quem dava ordens, sendo que actualmente é raro ver José R. nas instalações.
Assim, quanto ao arguido José R., não restam dúvidas que o mesmo, tal como os demais arguidos, foi responsável pela actividade da sociedade arguida ao longo de todo o período em causa nos autos – ou seja, desde Novembro de 2010 até Janeiro/Março de 2012 – ainda que o mesmo apenas venha acusado por Janeiro de 2012 e apenas por esse período de tempo possa ser responsabilizado (por o Tribunal se encontrar limitado pelo objecto do processo tal como vem definido pelo Ministério Público na acusação).
Por fim, a sociedade arguida fazia parte de um grupo – o Grupo R... – e isso demonstra-o não só o papel timbrado, mas também o depoimento de Mário M., quando afirmou que sociedade arguida, nos moldes em que estava a trabalhar, não estava a dar e estava a destruir toda a imagem do grupo criada até ao momento e as relações próximas mantidas pelos arguidos, sendo até certo que as instalações que estavam arrendadas à sociedade arguida passaram a estar arrendadas à R... e os trabalhadores foram cedidos pela primeira à segunda, sem que de nada soubessem, tal como os veículos foram vendidos, mas foi a arguida sociedade quem manteve o pagamento da Via Verde. Acresce que é de forma concertada que decidem pela criação da nova empresa R... Lda., conciliando as áreas de actividade, empresa essa da qual, inicialmente, é único gerente José R., e de onde se destaca a cedência dos trabalhadores, a venda dos camiões e o facto de o mesmo matadouro ter passado a ser utilizado pela empresa R....
Em conclusão, conjugando as relações familiares existentes entre os arguidos José e Jorge R., bem como a relação de grupo existente, a divisão de competências entre os três arguidos, temos de concluir que os três foram responsáveis de facto pela sociedade arguida, nos períodos que respectivamente lhe são imputados (sendo que relativamente a José R. apenas Janeiro de 2012), decidindo sobre os contratos a celebrar, as ordens a dar aos trabalhadores e às ordens de pagamento, bem como à afectação ou não do dinheiro recebido ao pagamento do IVA ao Estado. Sendo que foram os arguidos Jorge R. e Luís C. quem encetava contactos com os revisores Oficiais de Contas e lhes entregavam os documentos contabilísticos que serviam de base às declarações fiscais, no que parece ter resultado quer das declarações dos arguidos, quer dos depoimentos dos TOC’.
E de todo o exposto resulta a prova dos factos dados como provados em 4) a 7), 16) e 17).
Os factos provados em 8), 9), 12) e 18) a 20) resultaram quanto à entrega das declarações periódicas de IVA dos documentos de fls. 77 e 78 dos autos principais e de fls. 227 a 235, 267, 268 e 338 do apenso A.
No que concerne ao valor do imposto recebido e não pago, o Tribunal atendeu, por um lado, às declarações do arguido Luís C. que afirmou que todos os valores para os quais há recibos, foram efectivamente recebidos, em conjugação com os documentos juntos aos autos e com os depoimentos de Manuel L. (inspector tributário) que relatou a inspecção realizada e os autos de notícia que levantou, nomeadamente por pagamentos em dinheiro em montante superior ao permitido e que nos mereceu total credibilidade e de Eveline L.. Por outro lado, atendeu também à prova documental, nomeadamente das facturas e dos recebimentos juntos aos anexos 1 a 6 (fls. 695 a 920), anexo 7 (fls. 1 a 644) e anexo 8 (fls. 1 a 521), e concretamente da tabela de fls. 907 a 911 do anexo 5, bem como da informação constante de fls. 780 do apenso A resulta que, comprovadamente, e pelo menos, a sociedade arguida recebeu dos montantes facturados 100%, nos meses de Novembro e Dezembro de 2010 e Março de 2011, 99,16%, no mês de Janeiro de 2011, 99,71%, no mês de Fevereiro de 2011, 99,85%, no mês de Abril de 2011, 99,09%, no mês de Maio de 2011, 94,24%, no mês de Junho de 2011, 99,60%, no mês de Julho de 2011, 99,48%, no mês de Agosto de 2011, e 99,56%, no mês de Setembro de 2011. Assim os valores tidos como provados em 8) como sendo os valores em dívida relativamente aos meses de Novembro de 2010 a Setembro de 2011 resultam da consideração do valor facturado e da percentagem efectivamente recebida pela sociedade arguida, motivo pelo qual, o valor dado como provado é inferior ao constante da acusação. Não relevou para este efeito a informação de fls. 998 e ss. do processo principal, de onde resulta que os valores em dívida serão ainda mais elevados, porquanto estamos perante métodos indiciários de apuramento da matéria colectável e do imposto devido – que ainda que sejam válidos para efeitos fiscais – não podem valer para efeitos de prova e responsabilização em processo crime.
Em concreto quanto ao valor de Janeiro de 2012, resulta do extracto de conta de fls. 152 e recebimentos de fls. 153 a 156 do anexo 1 e de fls. 857 do anexo 2, que todo o valor foi recebido pela sociedade arguida, sendo que o arguido Luís C. também confirmou que, havendo recibos é porque as quantias foram efectivamente recebidas. Quanto à notificação do art. 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT a que se alude em 19), valoraram-se os documentos de fls. 172 (de Jorge R. em 17.09.2012), 233 (de José R. em 10.10.2012) e 298 (Luís C. em 29.11.2012).
Quanto ao destino que foi dado ao dinheiro, considerando tudo o supra exposto, temos de concluir que os arguidos, conjuntamente, decidiram integrar o mesmo no património da sociedade arguida, como integraram e não o entregar à Fazenda Nacional, como não fizeram, o que resultou não só das declarações do arguido Luís C., mas também dos depoimentos de Manuel L. e Eveline L.. Contudo, não se produziu prova de que os arguidos tenham integrado tal quantia no seu património pessoal e como tal, por ausência de prova segura desse facto, foi o mesmo dado como não provado. Também não colheram nesta parte as declarações do arguido Luís C. de que o dinheiro recebido e não entregue a título de IVA foi usado para pagar aos trabalhadores e para tentar mudar o rumo da empresa, por um lado considerando o número de trabalhadores e o vencimento dos mesmos (para além de que a partir de Janeiro de 2011 o responsável por esse pagamento era a R... SA) e porque a empresa entrou em dificuldades, nunca deu a volta e estamos a falar de valores mensais que na sua maioria rondam os €.80.000,00, motivo pelo qual também não se deu como provado que o valor foi usado para esses fins.
No que respeita ao elemento subjectivo - factos provados em 13) a 15) e 21) a 23) - que não é directamente apreensível pelos sentidos, resultou o mesmo da factualidade objectiva apurada nos termos descritos e devidamente avaliada à luz das regras da experiência e lógica comuns, considerando ainda a evidente capacidade dos arguidos de perceberem a sua conduta e de se conformarem de acordo com o Direito e as normas penais. Ora, de acordo com as regras da lógica e da normalidade da vida, atendendo a que os arguidos estão relacionados ao mundo empresarial e bem ainda a divulgação deste tipo de ilícito os arguidos sabiam da sua obrigação de entregar as quantias em causa e da ilicitude e punibilidade da sua conduta omissiva.
O facto provado em 25) resultou das declarações do arguido Luís C. que, nesta parte, não foi infirmado por qualquer outro meio de prova.
Artur M. (conhece o arguido Luís desde 2010 por intermédio de Joaquim O.) disse que forneceu etiquetas (para colocar em chouriços e carnes cruas por exemplo) para o matadouro entre 2010 e 2011, sendo que nos fins de 2011 deixou a área. Acrescentou que deixava as etiquetas tanto em Vila Verde como em Esposende e ia ao escritório de Esposende levantar o cheque de pagamento, sendo que se encontrava lá uma funcionária de nome S... O seu depoimento não foi valorizado, por um lado, porque em nada relevava para o apuramento dos factos e por outro porque se mostrava cheio de incongruências. Como já se referiu, a sede só mudou para … em 22.11.2011, logo não se percebe como é que lá foi entregar etiquetas, uma vez que deixou a actividade mais ou menos na mesma época e por outro lado, o que é ainda mais ilógico, considerando que, a partir de Janeiro de 2011, a empresa arguida apenas se dedicou à compra e venda de animais vivos, sendo que a transformação pertencia exclusivamente à R..., não tem qualquer lógica a necessidade de etiquetas. Assim pelas incoerências apresentadas, o mesmo não mereceu qualquer credibilidade ao Tribunal.».
«
1. Nulidades insanáveis:
1.1. – A constituição do Tribunal Colectivo;
1.2. – A competência do presidente do Tribunal Colectivo (comunicação da alteração não substancial de factos e rectificação de erro material);
1.3. – Violação do princípio do juiz natural.

O princípio do juiz natural encontra-se especificamente plasmado em sede de “garantias de processo criminal” no art. 32º nº 9 da Constituição, preceito que, concretizando a densificação de uma das exigências próprias do processo justo ou equitativo ( Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, p. 415). ), contempla o princípio da estabilidade da competência ou do juiz legal nestes termos: «Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior» ( O princípio é igualmente consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 10º), no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (14º) e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (6º).).
Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Ob. cit., p. 525.), em anotação a este preceito, realçam que «O princípio do juiz legal (…) consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição da competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime. A escolha do tribunal competente deve resultar de critérios objectivos predeterminados e não de critérios subjetivos.».
Também o Professor Figueiredo Dias ( In Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do “juiz-natural”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 111.º, N.º 3615, pp. 83 e ss.), expressou o seu pensamento sobre o tema, dizendo que o princípio em questão «constitui – como emanação que é, ao nível processual, do princípio da legalidade em matéria penal – uma necessária garantia dos direitos da pessoa, ligada à ordenação da administração de justiça penal, à exigência de julgamentos independentes e imparciais e à confiança da comunidade naquela administração (…) salientando, uma interpretação da citada disposição constitucional que apenas atendesse ao respetivo teor literal perderia completamente de vista a razão que substancialmente justifica o princípio do juiz natural não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui o objeto do processo, só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de excepção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial.»
Igualmente Jorge Miranda e Rui Medeiros ( In Miranda, Jorge e Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada — Tomo I (Artigos 1.º a 79.º), Coimbra Editora, 2005, p. 362-363.), entendem que o princípio do juiz natural, garantido pelo n.º 9 do artigo 32º, da CRP, «tem por finalidade evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo. As normas, tanto orgânicas como processuais, têm de conter regras que permitam determinar o tribunal que há-de intervir em cada caso em atenção a critérios objectivos, não sendo admissível que a lei autorize a escolha discricionária do tribunal ou tribunais que hão-de intervir no processo». Acrescentam que «para se alcançar o correcto sentido da garantia constante do n.º 9 importa relacioná-la com o estabelecido também pelo artigo 209.º, n.º 4, que proíbe a existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes».
É abundante a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre este assunto, mas não poderemos deixar de realçar a expressa no Acórdão n.º 614/03 de 12/12/2003, ( Publicado no DR 2.ª Série, n.º 85, de 10/4/2004 e referenciado no estudo elaborado Miguel Nogueira de Brito na revista nº 20 da Julgar.):
«O princípio do “juiz natural”, ou do “juiz legal”, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203º da Constituição).
Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo – em nome da raison d’État – quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto.
«(…) É, pois, ao conjunto das regras, gerais e abstractas mas suficientemente precisas (embora possivelmente com emprego de conceitos indeterminados), que permitem a identificação da concreta formação judiciária que vai apreciar o processo (embora não necessariamente a do relator, a não ser que, como acontece entre nós, da sua determinação possa depender a composição da formação judiciária em causa), que se refere a garantia do “juiz natural”, pois é esse o alcance que é requerido pela sua razão de ser, de evitar a arbitrariedade ou discricionariedade na atribuição de um concreto processo a determinado juiz ou a determinados juízes.
Para além desta dimensão positiva, incluindo o aspecto de organização interna dos tribunais, o princípio tem, igualmente, uma vertente negativa, consistente na proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual – o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal. Afirma-se, assim, a ideia de perpetuatio jurisdictionis, com “proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto, especiais ou excepcionais – a qual deve, aliás, ser relacionada também com a proibição, constante do artigo 209º, n.º 4, da Constituição, de “existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes”, salvo os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (artigo 213º da Constituição).».
Jorge Almeida e Patrícia Brando escreveram, na Revista Julgar nº 2, sobre os “Poderes do Juiz Presidente: o Futuro Face ao Limite Constitucional do Juiz Natural”: «(…) não haverá qualquer violação do princípio constitucional e legal do juiz natural desde que os critérios fixados para a redistribuição de juízes e processos não se baseiem em quaisquer razões arbitrárias ou discriminatórias. Assim, desde que os critérios dessa (re)distribuição ou afectação de processos e/ou juízes pelos juízes-presidentes sejam públicos, fundamentados, objectivos e de aplicação geral e abstracta, encontrar-se-á integralmente respeitado o princípio constitucional e legal do juiz natural.».
Após esta incursão, pode concluir-se, em suma, que a regra do juiz natural ou legal se prende com o exercício independente e imparcial da função jurisdicional (arts. 202º e 203º da CRP), que também se relaciona com a organização dos tribunais e o estatuto dos juízes, com particular incidência nas suas garantias de inamovibilidade (art. 216º da CRP). Com ela se pretende preservar a confiança na administração da justiça, evitando que se possa influir no resultado do processo, através da instauração de tribunais “ad hoc” ou de excepção ou de mudanças arbitrárias do órgão judicial ou da sua constituição. Para tanto, a organização dos tribunais não pode estar sujeita a manipulações de conveniência extrajudicial ( A independência do poder judicial tem que ser garantida tanto face ao poder executivo e às partes, como ao poder legislativo ou a qualquer outra fonte ou tipo de pressão.) e, por isso, só em casos excepcionais essa regra pode ser derrogada e para dar satisfação adequada a outros princípios constitucionais, como é o da própria imparcialidade que a mesma visa garantir ( Mas, para tanto, é preciso que essa imparcialidade esteja realmente em causa, em termos de haver risco sério e grave, adequado a gerar desconfiança (cf. Ac. do STJ de 2/11/2006 e, no mesmo sentido, entre outros, Acs. do STJ de 12/6/2008, de 5/7/2007 e de 8/3/2007).) ou o de optimizar a administração da justiça, mediante uma conjuntural redistribuição de processos, com vista a uma tendencial igualação e maior operacionalidade dos serviços, a qual, ainda assim, por se repercutir na competência do tribunal para julgamento, só pode ser determinada pelo Órgão (CSM) constitucionalmente incumbido dos poderes de gestão relativos aos juízes dos tribunais judiciais, «designadamente em articulação com os juízes presidentes das comarcas» ( Cfr. arts. 217º e 218º da CRP, 136º e 149º a) e h) do EMJ e 155º da Lei 62/2013 (LOSJ). Prescreve, ainda, o art.135º desta última Lei que, «Quando se justifique, o Conselho Superior da Magistratura, ouvido o presidente do tribunal de comarca, designa os juízes necessários à constituição do tribunal coletivo, devendo a designação recair em juiz privativo da mesma comarca, salvo manifesta impossibilidade.».).
É sabido que a regra é a de que os processos (comuns colectivos) submetidos a julgamento devem ser decididos pelo tribunal colectivo composto pelos três juízes que tenham sido previamente colocados na secção em que aqueles tenham sido distribuídos e presididos pelo respectivo titular. Porém, como se viu, nada obsta à sua excepcional derrogação se emergir uma qualquer concreta circunstância ou razão objectiva que o justifique, nomeadamente a que o Conselho Superior da Magistratura, ouvido o presidente da comarca, designe os juízes necessários para esse efeito, com base em critérios transparentes, claramente imunes a quaisquer propósitos de influir no resultado do processo ou a manipulações de conveniência extrajudicial.
Ora, parece-nos completamente evidente que os concretos factos ou as sucessivas incidências apontadas nos recursos, quanto à presidência do Tribunal Colectivo, à comunicação da alteração não substancial de factos e à rectificação do erro material, não violaram o princípio do juiz natural porque tais factos tiveram na sua génese circunstâncias que os legitimaram e não alguma arbitrariedade ou manipulação de conveniência extrajudicial ou, quiçá, capricho, por parte dos juízes intervenientes ou, até, do aludido Órgão de gestão.
Com efeito, como resulta da factualidade descrita, a Senhora Juíza a quem competiria presidir ao julgamento, encontrava-se então impedida como adjunta na audiência de um outro PCC, razão pela qual o Conselho Superior da Magistratura, em 14/1/2015, determinou que fosse afectada ao cumprimento dessa incumbência uma outra Senhora Juíza então colocada no Quadro Complementar de Juízes da respectiva área. Ora, à luz do mais elementar senso comum, é cristalinamente atingível a preocupação do CSM em evitar a paralisação dos processos adstritos à Sra. Juíza Dra. Marlene Rodrigues, incluindo o presente, perante a sua impossibilidade de lhes conferir um regular andamento, tendo-se socorrido da chamada bolsa de juízes, o instrumento legalmente previsto para o efeito.
Sucedeu, porém, que, por razões de saúde, como foi do conhecimento dos recorrentes, a Senhora Juíza destacada para aquele efeito apenas pôde cumprir a incumbência que lhe tinha sido cometida até à redacção da deliberação tomada pelo Tribunal Colectivo a que presidira. Por tal motivo, foi um dos Senhores Juízes Adjuntos desse Colectivo quem, em 29/6/2015 procedeu à leitura do acórdão, depois de, previamente, ter comunicado uma alteração não substancial de factos.
Tal acto, expressamente permitido pelo art. 372º nº 3 do CPP, quanto à leitura, também tem como pressuposto que aquele Sr. Juiz procedeu à mera comunicação de uma alteração necessariamente ínsita à deliberação do Tribunal Colectivo, porquanto a imposição e a justificação dessa alteração só no âmbito de tal deliberação poderiam ter sido adquiridas.
Por outro lado, essa comunicação não poderia deixar de ser efectuada pelo Juiz que estava, na circunstância, a presidir à audiência, ao abrigo do art. 358º nº 1 do CPP, em cuja acta teve o cuidado de fazer consignar que «procedeu à leitura do acórdão anunciando ao abrigo do disposto no artigo 372º do CPP que o mesmo se encontra elaborado com a deliberação tomada por todos os elementos do Tribunal Coletivo», conformidade que abarca a referida alteração não substancial de factos, pelas razões expostas.
É claro que, ainda que a alteração dos factos seja não substancial, isto é, que não determine uma alteração do objecto do processo, não deixa de se exigir ao tribunal, desde que essa alteração não derive de factos alegados pela defesa, que conceda ao arguido, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa e, se assim o entender, para apresentar novos meios de prova (art. 358º do CPP) ( Trata-se de assegurar o princípio do contraditório, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que o arguido não seja condenado por factos dos quais não se defendeu, que não seja sujeito de uma decisão/surpresa.). O que, no caso em apreço, não foi feito por qualquer dos arguidos. Pelo contrário: notificado do conteúdo de tal alteração, o mandatário dos arguidos, «ciente das consequências de tal comunicação, declarou prescindir do prazo de defesa», como consta da acta da audiência.
Realmente, se algum dos arguidos tivesse, perante tal comunicação, manifestado a pretensão de requerer o que quer que fosse, a audiência teria que ter sido suspensa até poder ser constituído, de novo, o Tribunal Colectivo a fim de se poder pronunciar sobre esse eventual requerimento. Como tal, realmente, não sucedeu, nenhuma irregularidade com influência na decisão da causa foi cometida e seria um acto inútil – proibido por lei – perder agora mais tempo a discutir, em termos meramente académicos, o que poderia ter sucedido ou o que poderia implicar a hipótese abstracta de a defesa ter formulado um qualquer requerimento, nomeadamente atinente à realização de actos probatórios. Não o fez, portanto não foi coarctada qualquer possibilidade à defesa.
Também é completamente despiciendo o ensaio feito pela Senhora Juíza Dra. Marlene Rodrigues para rectificar um manifesto lapso de escrita de que (apenas) o dispositivo do acórdão enfermava quanto a um dos nomes do arguido Jorge N., sendo certo que tanto o erro como a tentativa para o superar não tiveram a menor influência na decisão da causa: com erro ou sem erro a pessoa daquele arguido (correctamente apresentado no cabeçalho da decisão) era perfeitamente identificável.
Neste caso, não vemos razões de constitucionalidade ou de legalidade para que os actos processuais visados nos recursos sejam reputados como afectados da alegada nulidade insanável.
Mesmo que, quanto às segunda e terceira situações, se admitisse que, atento o princípio da legalidade processual, qualquer desses actos não acatou, estritamente, a tramitação legalmente imposta, estaríamos perante meras irregularidades, nunca previamente suscitadas perante o tribunal que os cometeu, pelo que se deveriam considerar sanadas (art. 118º do CPP).

2. Nulidades do acórdão.
2.1. – Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão [art. 410º nº 2 b) do CPP];
2.2. – Erro notório na apreciação da prova [art. 410º nº 2 c) do CPP];
2.3. – Falta de fundamentação (quanto a indicação e exame crítico das provas, grau da ilicitude, medida da culpa);
2.4. – Omissão de pronúncia sobre a suspensão da execução da pena;
2.5. – Violação do dever de fundamentação (art. 205º da CRP).

O eventual erro (de julgamento) na apreciação da prova não se identifica nem, por regra, emerge como a errónea construção de silogismo judiciário (contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão), ou qualquer outro dos vícios a que alude o art. 410º nº 2 do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou erro notório), necessariamente resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. E o mesmo se deve dizer quanto aos vícios, no plano formal, da falta de fundamentação e da omissão de pronúncia.
Com efeito, a jurisprudência tem considerado tais vícios apenas como os erros que, ponderados os factos provados e não provados, advêm de o tribunal ter retirado uma conclusão ilógica ou arbitrária, à margem duma análise racional ou em violação das regras de experiência comum, e que, por isso, não escapa à análise do homem médio ( Cfr. v. g., o Ac. STJ de 2/2/2011 (p. 308/08.7ECLSB.S1 - Maia Costa): «O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito».).
O que significa que só assumem tal natureza os erros constatáveis pela simples leitura do teor da própria decisão da matéria de facto, como já se disse, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para os fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento ( Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2.ª ed., p. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª Edição, pp. 77 e ss.). Apenas será de admitir a conveniência ou a cautela de, ainda assim, sindicar a fundamentação que haja sido feita sobre os factos provados e não provados, para se fazer uma avaliação correcta e poder concluir se, afinal, para um facto em aparente contradição com a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, não foi fornecida naquela fundamentação um qualquer esclarecimento que torne compreensível o julgamento efectuado: por exemplo, se um facto dado como provado (ou não provado) contraria o senso comum, ou seja, a normal e corrente compreensão e interpretação das situações da vida, só a clara explicitação do percurso trilhado para a formação da respectiva convicção e a razoabilidade desta poderão legitimar a sua aquisição processual.
Identicamente, o vício atinente à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – que também tem que resultar do texto da decisão – só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se colher faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada ( Como assinalam os já mencionados autores Simas Santos e Leal Henriques, (ob. cit., p. 69) este vício existe quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final ou, por outras palavras, quando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito (cf. também Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 340).
Também o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena e circunstâncias relevantes para a determinação desta -, e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão (entre outros, cfr. Acs sumariados em Sumários de Acórdãos do STJ - Secções Criminais de: 4/10/2006, Proc. n.º 06P2678, em www.dgsi.pt; de 5/9/2007, Proc. n.º 2078/07; e de 14/11/2007, Proc. n.º3249/07). ). Porém, este vício também não deve ser confundido com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, enquanto questão do âmbito da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP) ( Cfr. Acs. do STJ de 7/1/2004, Proc. n.º 3213/03, e de 29/4/1992, Proc. n.º 42535.).
E o princípio in dubio pro reo, também invocado pelos recorrentes, estabelece a imposição de que, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável: exige-se uma pronúncia favorável ao arguido quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Neste conspecto, o princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos. Ora, como resulta do exposto, a violação desse princípio só se pode verificar quando o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
Porém, normalmente, a imputação de uma alegada violação desse princípio suscita a necessidade de ser demonstrado o erro na apreciação da prova produzida, ou seja cinge-se a um problema de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com vista a evidenciar no recurso a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo. Só assim não seria se da própria decisão recorrida resultasse, de forma evidente, que a 1ª instância decidiu contra o arguido em tal estado de dúvida, o que – convenhamos – é uma hipótese muito extravagante e que, de todo o modo, se reconduziria a um erro notório e ao que sobre este vício já se expendeu.
Em suma, os vícios ora defrontados, apreciados nesta vertente que não na da adequação da decisão proferida, visam o erro na construção do silogismo judiciário, não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável ( Nada tem a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar o objecto em apreço. Poder-se-á discordar da decisão, como, aliás, os recorrentes demonstram ser o caso, mas não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados. A arguição de tais vícios não procede quando fundada em divergências com o decidido, sendo distintos do erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.). O que está verdadeira e unicamente em causa nos recursos é que os recorrentes não se conformam com a circunstância de a sua posição sobre as matérias de facto e de direito não ter sido acolhida no julgamento proferido pela 1ª instância, aí fazendo radicar os aludidos vícios que apontam ao acórdão recorrido.
Ora, no caso em apreço, não se vislumbram, pela simples leitura do teor da decisão recorrida, quaisquer das faltas ou incoerências formais ( Ainda que se reconheça, como adiante se verá, que essa afirmação deva ser feita com uma menor assertividade quanto ao segmento da motivação da decisão sobre a matéria de facto atinente à fundamentação da culpabilidade do arguido Luís C..) e apenas estas relevariam, constitutivos dos vícios ou insuficiências que os recorrentes lhe assacam, com os mencionados contornos que a lei lhes oferece, aliás, incompatíveis com os próprios termos substanciais dos arrazoados recursivos.
E, na verdade, os recorrentes questionam, não o texto do acórdão, mas o modo como o tribunal colectivo procedeu à apreciação da prova e ao enquadramento jurídico dos factos, e atacam a decisão, não no plano dos aludidos vícios, mas no da violação do princípio da livre apreciação da prova e do seu ínsito limite normativo constituído pelo princípio in dubio pro reo, bem como no da inadequada subsunção dos factos ao direito. Porém, como se disse, nada tem a ver com os aludidos vícios ou erros de procedimento a adequação da fundamentação utilizada para emitir um julgamento, tanto sobre a matéria de facto como a de direito, pois não são razões de fundo as que lhes subjazem, não se cuidando, aqui, de saber se o acórdão incorreu nos, também, assacados erros de julgamento sobre qualquer dessas matérias, questão sobre que nos debruçaremos de seguida.

3. Erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto:
3.1. – Deficiente exame e valoração da prova produzida (depoimentos das testemunhas e dos arguidos, particularmente a confissão do arguido Luís C.);
3.2. – Violação do disposto no art. 127º do CPP e dos princípios consignados nos preceitos constitucionais dos art. 1º, 9º al. b), 20º, nº4, 32º, nº 1 e 2 (“in dubio pro reo”), 202º a 204º da CRP e do art. 6º CEDH.

Como é sabido, a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º, nº 1 C. Civil) sendo pacífico que o Tribunal forma a sua convicção com base na apreciação, de forma livre, crítica e à luz das regras da lógica e da experiência comum, das declarações, dos documentos, dos resultados de perícias e dos demais elementos, entre si conjugados, tudo em conformidade com o disposto no art. 127º do CPP.
De acordo com o citado preceito, o Tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta, sem restrições, contra o que os recorrentes parecem defender. Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos ( A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: “(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.).
Porém, como se sabe, os meios de prova nem sempre reproduzem por si directamente a imagem da verdade. Conforme refere G. Marques da Silva ( Curso de Processo Penal, p. 82.), é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável.
Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica da entidade que a afere. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos a inferência feita maior ou menor eficácia probatória.
Conforme refere André Marieta ( La Prueba em Processo Penal, p. 59.), a prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento. A lógica tratará de explicar o correcto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova capacidade de convicção.
A associação que a prova indiciária proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas até leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente a testemunhal, pois que nesta também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade, sendo, por isso, muito mais difícil de determinar a respectiva credibilidade ( Cfr. Mittermaier, Tratado de la Prueba em Matéria Criminal.).
Na ausência de referência na nossa lei a quaisquer requisitos especiais da prova indiciária, dependem da convicção do julgador os respectivos funcionamento e creditação, a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
Conforme refere G. Marques da Silva, o juízo sobre a valoração da prova suscita, num primeiro nível, a credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova, depende substancialmente da imediação e nele intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência ( Ainda sobre o recurso a tal espécie de prova, o STJ em Ac. de 8/11/95 (BMJ 451/86) refere que «Um juízo de acertamento da matéria de facto pertinente para a decisão releva de um conjunto de meios de prova, que pode inclusivamente ser indiciária, contanto que os indícios sejam graves, precisos e concordantes» e acrescenta que as regras da experiência a que alude o art. 127º, têm um importante papel na convicção do Tribunal. E o Ac. da RC de 6/3/96, in CJ 2º/44, que: «A prova pode ser directa ou indiciária; A prova indiciária assenta em dois elementos: a) - o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele estará relacionado; b) - a existência de presunção que é a inferência que, obtida do indício, permite demonstrar um facto distinto; Nada impede que, devidamente valorada a prova indiciária, a mesma por si, na conjugação dos indícios permita fundamentar uma condenação» – doutrina reafirmada no Ac. do mesmo Tribunal de 9/2/2000, também in CJ, 1º/51. Também sobre prova directa, prova indiciária e regras da experiência, os Acs. Do STJ de 25/2/99 (BMJ 484/288) e de 3/3/99 (BMJ 485/248).).
Nada impedirá, pois, que devidamente valorada, a prova indiciária, por si, na conjunção dos indícios, permita fundamentar a condenação.
Além disso, a prova não pressupõe uma certeza absoluta, nem, por outro lado, a mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida ( Como dizia Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191.). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» ( Rev. Min. Pub. 19º, 40.).
Por isso, compreende-se que nos casos em que o julgador não logra decidir com segurança com base nas mesmas e permanecendo uma dúvida consistente e razoável não pode desfavorecer a posição do arguido, só lhe restando concluir pela absolvição do mesmo por apelo do princípio in dubio pro reo ( Com efeito, como ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. I, Verbo, 1993, pág. 41, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado». Neste sentido se pronuncia, também, a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como o atestam, v.g., o Ac. da RP, de 21/04/2004, in www.dgsi.pt, no qual se refere: «O princípio “in dubio pro reo” é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ou seja, e dito de outro modo, quando o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal, e porque não pode haver um “non liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido. a favor do arguido é consequente do princípio da presunção de inocência».), pois convém não esquecer que «o arguido beneficia da presunção de inocência: a prova para condenação tem de ser plena (...). Desde que a prova suscite (…) a possibilidade de diferente hipótese que não pode ser afastada, prevalece, por força da lei, a presunção de inocência».
Assim é, porque «a condenação de um inocente afecta muito mais gravemente a justiça, e por isso também o próprio interesse social, do que a não punição de um culpado» ( Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, vol. 2º, 1986, Editora Danúbio, pág. 259.).
E, como é evidente, é na audiência de discussão e julgamento que tais princípios assumem especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374º nº 2, do CPP.
É segundo esta perspectiva que hão-de ser apreciados os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido levou a efeito para sustentar a sua convicção acerca deles; o processo avaliativo que o tribunal levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma apreciação arbitrária, caprichosa ou discricionária da prova produzida.

Os recorrentes apontam para um deficiente exame e valoração da prova produzida em face dos depoimentos das testemunhas e deles próprios, particularmente no que respeita à confissão do arguido Luís C., dizendo que houve violação do disposto no art. 127º do CPP e dos princípios consignados nos preceitos constitucionais dos art. 1º, 9º al. b), 20º, nº4, 32º,nº 1 e 2 (“in dubio pro reo”), 202º a 204º da CRP e do art. 6º CEDH.
Impõem-se assinalar que apenas os arguidos Luís C. e Jorge R. prestaram declarações em audiência, o primeiro logo no início da mesma e o segundo após produção de todos os meios de prova.

Da audição do depoimento do arguido Luís C. retira-se que a frase inicial proferida foi «assumo toda a responsabilidade» e, após lhe terem sido colocadas várias questões, foi dizendo «tomei conta da empresa em Abril de 2010», «sempre dei as ordens na empresa», «quem ia lá de vez em quando era o Sr. Jorge, ia lá fiscalizar».
Ora, contrariamente ao invocado nos recursos, o depoimento do dito arguido não pode ser recebido como “confissão integral e sem reservas”, muito menos com as consequências previstas no art. 344º, nº 2, do CPP, ainda que, perante aquela sua primeira afirmação, em termos de normalidade, a presidente do Tribunal lhe devesse perguntar «se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas», nos termos do nº 1 de tal artigo.
Com efeito, desde logo, o depoimento só poderia assumir uma tal natureza (integral e sem reservas) se o Tribunal, na ponderação que dele fizesse, assim o considerasse, ou seja, como uma assunção por parte do arguido dos factos que lhe eram imputados, sincera e livre de coacção ou qualquer espécie de limitação. Por outro lado, a putativa confissão, desacompanhada da confissão integral, sem reservas e coerente de todos os demais co-arguidos, como no caso sucedeu, não deixaria de continuar sujeita à livre apreciação dos julgadores, sem as consequências previstas nas alíneas a) e b) do nº 2 do preceito citado.
Contudo, como o arguido, não só pelo modo como proferiu tal expressão, mas essencialmente, porque pretendia ir mais além e falar pelos demais arguidos, isentando-os de responsabilidades, o tribunal colectivo, e bem, procurou apurar se a dita afirmação correspondia à realidade, tendo mesmo chegado à conclusão que de facto não passava de uma afirmação gratuita e de que «o mesmo apareceu em julgamento quase como um «testa de ferro» dos outros arguidos – Jorge e José R. – assumindo para si as responsabilidades e isentando os outros».
De facto, foi confrangedor assistir, durante largo período de tempo, às respostas que o arguido foi dando, sem deixar de assinalar que, por vezes, o fez com a ajuda dos Senhores Advogados que, ora prestavam esclarecimentos ao Tribunal, ora, habilmente, faziam perguntas sugerindo ao mesmo tempo as respectivas respostas, o que foi elucidativo, entre outros, o segmento do seu depoimento com que a defesa tentou justificar a razão de todos os cheques se encontrarem assinados pelo arguido Jorge R., sequente a uma pergunta dum Sr. Advogado ao depoente se este não tinha tido um incidente bancário.
É totalmente incompreensível, à luz das regras da experiência e da normalidade da vida que, alguém que sempre esteve ligado aos têxteis, invista meio milhão de euros, supostamente recebidos por herança, numa empresa e não saiba explicar o que comprou, remetendo sempre para a pessoa que lhe propôs o negócio, nem sequer saiba descrever a actividade que a empresa desenvolvia e inclusive identificar o seu maior cliente.
Em suma, na expressão proferida por um dos Srs. Advogados aquando do interrogatório a que se vem aludindo, «até parece que [o arguido Luís C.] confessou integralmente, ficou a sensação de que comprou gato por lebre». Porém, para lá dessa mera aparência, o que facilmente se constata é que o arguido Luís C. nada tinha para confessar, pela simples razão de que, apenas, foi envolvido, por razões que não ressumam dos factos, no esquema engendrado pelo arguido Jorge R. para exercer o seu domínio sobre a empresa ora arguida, de que era, em boa verdade, o único detentor do inerente poder.
A coadjuvar esta convicção sobre a realidade, já adquirida pelo teor do depoimento do próprio arguido, não podemos deixar de ponderar o depoimento, absolutamente isento e coerente, prestado pela testemunha João António Pinheiro Lopes, encarregado de armazém há 33 anos da empresa detida pelo arguido José R. e seu filho, o arguido Jorge R.: a testemunha asseverou, peremptoriamente, nunca ter conhecido o arguido Luís C. e que é o arguido Jorge R. o seu “patrão” e a única pessoa que lhe dá ordens, tal como, antigamente, o fazia o pai do mesmo, o arguido José R., embora sem conseguir precisar a data em que se verificou tal transmissão de poderes, mas esclarecendo, ainda assim, que o segundo desapareceu da empresa, só lá comparecendo sempre o primeiro. Para salientar o valor probatório deste depoimento, note-se que a testemunha trabalhava para a empresa há 33 anos e era o melhor colocado para reportar ao Tribunal os factos em apreço, enquanto empregado qualificado para o efeito (encarregado de armazém) e que sempre exerceu as suas funções nas actuais instalações da arguida.
Ora, não pode deixar de se concordar com as ilações expendidas no acórdão recorrido sobre o depoimento do arguido Luís C., as quais seria fastidioso repetir aqui, mas impressivamente ilustradas com o segmento ou afirmação alusiva à qualidade de “testa de ferro” do mesmo. Porém, entendemos que dessas inferências não foram extraídas todas as reais consequências permitidas pelas regras da lógica e da experiência comum. Com efeito, entendemos que os Julgadores não avaliaram adequadamente a prova produzida, perante a qual não poderiam deixar de ter absolvido o arguido Luís C., porquanto, afinal, apontaram todas as ilações ou razões para se poderem convencer, à luz das apontadas regras, de que esse arguido não tinha praticado qualquer acto de gestão na empresa arguida.
Por conseguinte, ainda que se registe a censurabilidade, porventura até a nível jurídico-penal, do concurso que o arguido Luís C. forneceu à concretização do resultado obtido pelo co-arguido Jorge R., que a factualidade provada permite inferir, impõe-se, pois, a sua absolvição, embora com uma fundamentação diferente da que o mesmo aduziu no recurso.

O recorrente Jorge R. estribou-se na conjecturada confissão do arguido Luís C. – pretensamente corroborada pelos depoimentos das testemunhas António L., António D., Mário M. (TOC), Joaquim O. (TOC), Manuel L. – para alegar que não desempenhava qualquer função relacionada com a administração da empresa arguida. Sustentou que tal assim seria por caber única e exclusivamente ao co-arguido Luís C. a gerência da sociedade arguida a partir da transmissão desta, a que se teria seguido a cessão do próprio capital social. Negócios, a cuja suposta celebração também aludiu a testemunha Joaquim O. (TOC) – contexto em que disse ter conhecido o arguido Luís C. –, mas que a prova produzida revelou terem sido artificialmente engendrados.
Na verdade, essa alegação não tem qualquer apoio no conjunto dos elementos probatórios produzidos, como resulta, a contrario, do que já se disse, designadamente pelas considerações que já se deixaram expressas quanto à alegada confissão do arguido Luís C., bem como pelas razões que constam da fundamentação da decisão recorrida, designadamente quando nela se ponderou que as testemunhas com que se pretendeu sustentar aquela alegação, visando corroborar as declarações prestadas pelo arguido Luís C., denotaram comprometimento e inconsistência.
Assim, nestes autos, após o exame crítico de toda a prova produzida em audiência, designadamente de toda a documentação junta, tem que se considerar que os factos se passaram como se deram como assentes pelo Tribunal recorrido, em relação ao arguido Jorge R., porquanto, nesse sentido, há uma quantidade de indícios sérios, importantes, intensos e precisos ou exactos – e todos concordantes, quer dizer, coincidentes ou direccionados segundo um resultado comum e consequente – colhidos, em primeira linha e essencialmente, do teor do acima mencionado depoimento de João Lopes e da cópia da aludida documentação, dos quais se retira, sem margem para dúvidas, que o recorrente era o único responsável pelo destino da sociedade arguida.
Tudo isto para dizer, em suma, que – em nosso entendimento – contrário às regras da experiência seria que as coisas se não tivessem passado pelo modo como se considerou provado, pois só a essa luz elas são normal e razoavelmente inteligíveis e se compreende a lógica do seu encadeamento bem como da actuação e comportamentos do recorrente, podendo, pois, afirmar-se que, mormente, quanto à prática pelo recorrente dos factos supra descritos (como por provados) e respectivos encadeamento e circunstancialismo de tempo e lugar, a convicção do Tribunal se fundou, e bem, no conjunto de elementos que concretizou. E, sendo o elemento subjectivo, da vida interior do agente, por isso, impossível de apreender directamente, pode deduzir-se ou inferir-se de dados que, com muita probabilidade, o revelem. No caso, atenta a conduta do recorrente, com um significado evidente, mais do que probabilidade séria da vontade e do conhecimento subjectivos, há certeza da sua verificação, posto que manifestamente adquiridos os demais elementos típicos considerados como provados, com o que é evidente a vontade da prática dos factos.
Por isso, relativamente à divergência pelo mesmo apresentada, pode-se afirmar que não lhe assiste razão.

Por fim, no que se refere ao arguido José R., o Tribunal recorrido expendeu que o mesmo «tem que ser considerado responsável pela sociedade arguida e pelas decisões tomadas, pois como disseram os três trabalhadores, ele sempre foi patrão e foi sempre ele que deu ordens, ainda que haja nuances nos depoimentos, mas em suma o seu patrão foi sempre o mesmo». Vejamos.
Da aludida conclusão, retira-se que embora tenha havido “nuances”, que não são explicadas na fundamentação, o Tribunal Colectivo finalizou dizendo que em suma o “patrão” foi sempre o mesmo, optando por o considerar responsável.
Da audição dos depoimentos em causa, resulta que o Tribunal acabou por desconsiderar o depoimento de João A., a testemunha acima referida, tendo conferido maior peso relativo à versão trazida pelas testemunhas António D. e António L., ambos motoristas da empresa. Mas mal, como resulta do que se disse quanto ao salientado valor probatório do depoimento da testemunha encarregado de armazém, que depôs com conhecimento dos factos, isenção a até distanciamento.
Realmente, os Srs. motoristas não tinham contacto regular com as instalações da empresa e somente recebiam indicações por parte do arguido José R. sobre os carregamentos e descarregamentos, fora do normal horário de funcionamento daquela. Ora, deveria o Tribunal ter aprofundado a razão pela qual teria sido este arguido a dar as mencionadas indicações, na medida em que as mesmas, segundo a experiência comum, não eram incompatíveis com as sua qualidades de ex-“patrão” e pai do actual “patrão”, bem como de residente mesmo junto ao local das cargas e descargas que tais funcionários efectuavam, de noite ou de madrugada, sendo por isso normal que o arguido prestasse essa colaboração.
Assim, não tendo essas testemunhas contactos com a empresa dentro do seu normal horário de funcionamento, a pessoa que estaria em melhores condições para dissipar as dúvidas do tribunal seria aquela que estava na empresa há 33 anos, exercendo as funções de encarregado, sem nunca ter saído do mesmo local de trabalho, e que produziu o peremptório depoimento já examinado.
Ora, diante do exame crítico destes depoimentos entre si conjugados, perante a ausência de outros meios de prova documentais ou testemunhais, não se pode retirar a conclusão de que «em suma o seu patrão foi sempre o mesmo», antes permanece a dúvida razoável sobre a data em que o arguido José R. transmitiu a condução da gestão da empresa para o seu filho, o arguido Jorge R., sendo essa dúvida quanto à culpabilidade do arguido José R. decisiva, em abono da verdade, para se optar pela sua absolvição.
É, por isso, fundamentada a afirmada discordância do recorrente José R. relativamente ao modo como foram apreciadas as provas produzidas, com invocação da violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio “in dubio pro reo”, em obediência ao qual se impõe resolver tal dúvida a favor do arguido.

Em conformidade com o exposto, decide-se alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, de modo a considerar que o conteúdo dos pontos 5) a 9), 12) a 17 e 21) a 23) da mesma se reportam apenas ao arguido Jorge R., com exclusão dos demais.

4. Erro quanto ao enquadramento jurídico dos factos (crime continuado).
O recorrente Luís C. sustentou que a sua apurada conduta deveria enquadrar-se na figura do crime continuado. O recorrente Jorge R., ao delimitar o objecto do seu recurso (nas conclusões), não o fez. Porém, atendendo a que o segundo manifestou a sua discordância relativa à comparticipação que lhe vem assacada [cf. art. 402º nº 2 a) do CPP], passamos a analisar a questão, muito resumidamente.
A distinção entre unidade e pluralidade de crimes é determinante para as consequências jurídicas do facto, ou seja, para a punição do agente. A regra é a de que, sendo vários os preceitos violados, ou sendo o mesmo preceito objecto de plúrimas violações, haja uma pluralidade de crimes. Esta pluralidade só fica afastada no caso de concurso aparente, ou nas formas de unificação de condutas como crime continuado, como um único crime ou como crime de trato sucessivo.
Dispõe o nº 1 do art. 30º que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
O nº 2 do mesmo preceito prescreve: “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”
As sucessivas condutas do arguido Jorge R. afectaram o mesmo bem jurídico, preenchendo essencialmente o mesmo tipo legal de crime, e decorreram no contexto de um quadro factual – interno e externo – relativamente homogéneo que, não diminuindo a intensa gravidade do sucedido, não pode deixar de impor a reflexão sobre o número de crimes praticados.
Assim sendo, justificar-se-á, que a conduta do arguido seja reconduzida à figura da continuação criminosa?
Uma vez que, como se disse, não se suscitam dúvidas quanto à identidade do bem jurídico protegido, importa, pois, começar por verificar se se mostram integralmente preenchidos todos os pressupostos da continuação criminosa.
E a resposta parece-nos ser evidentemente negativa.
Desde logo, como já se disse, sobressai no exposto quadro legal a noção de que a figura do crime continuado não pode ser erigida em solução-regra para as situações em que o agente repetiu as condutas delituosas.
Por outro lado, a unificação criminosa, no quadro da continuação criminosa, tem como primeiro pressuposto a renovação da resolução criminosa perante as solicitações externas exercidas sobre o agente – não a unidade de tal resolução – e o seu fundamento reside, não propriamente na execução essencialmente homogénea das violações, mas, sim, na diminuição sensível da culpa do agente, originada pelo “sucumbir” a uma solicitação exterior ( Cf. Ac. do STJ de 23/1/2008 (07P4830- Maia Costa). ). No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa, não só não há diminuição sensível da culpa como, ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.
Contudo, a delimitação num único crime das situações em que uma série de actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime – ou diversos tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico – e que, por serem presididas por diversas resoluções criminosas, deveriam ser, por regra, regulados no quadro da pluralidade de infracções, só se justifica quando se afirme uma diminuição sensível da culpa do agente em face do concurso real de infracções. Mas essa diminuição «só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete, sem que o agente tenha contribuído para essa repetição, isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca» ( Ac. do STJ de 13/7/2011 (451/05.4JABRG.G1.S1 - Raul Borges).). É certo que a homogeneidade da actuação delituosa, num quadro de proximidade temporal das condutas, é um elemento (meramente) indiciário da continuação criminosa. Todavia, esta deverá ser confirmada pela verificação de uma efectiva solicitação exterior mitigadora da culpa.
Retornando aos factos, extrai-se do ponto 7) dos mesmos não só a ausência de reiteração da resolução criminosa, como, pelo contrário, que as plúrimas violações do bem jurídico posto em crise foram presididas por um único propósito formulado no último trimestre de 2010, ainda que tenham sido, depois, executadas de forma essencialmente homogénea.
Ora, esse facto, na apontada dimensão, não foi especificamente objecto de impugnação por parte de qualquer dos recorrentes, embora o arguido Jorge R. tenha procurado demonstrar, genericamente, não haver fundamento para a sua responsabilização pelos actos em questão, por não deter, na data dos mesmos, a gerência da arguida “Comércio de Carnes” e, por isso, não ter incumprido a obrigação de entrega das prestações tributária devidas pelo IVA. E também não lobrigamos, a partir do exame crítico das provas, qualquer fundamento para alterar, nesse conspecto, a decisão sobre a matéria de facto.
Assim sendo, improcedem as conclusões aduzidas a este respeito.

5. A pena (medida e substituição).
O arguido Jorge R. defende que é manifestamente desproporcionada, exagerada e desajustada a pena que lhe foi aplicada pelo tribunal recorrido, alegando que não foram correctamente apreciadas todas as circunstâncias que militam a seu favor na determinação daquela medida.
Nos termos dos arts. 70º e 71º, do C. Penal, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.
E a lei dá preferência às penas não privativas da liberdade, mas apenas de forma fundamentada e criteriosa, ou seja, se realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ( Cf. art. 70º.). Por outro lado, resulta do art. 40º nº 1 do mesmo diploma, tal como salienta F. Dias ( Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 331.), que «são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa...».
Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» ( Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» ( Ibidem, p. 575.). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» ( Ibidem, p. 558.).
Em suma, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que «não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa» (cfr. art. 40º, nº 2, do C. Penal).
«Num Estado de direito, social e democrático, a assunção pelo Estado da realização do bem-estar social, através da concretização de uma democracia económica, social e cultural, com respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, legitima-se pela necessidade de garantir a todos uma existência em condições de dignidade. A realização destas exigências não só confere ao imposto um carácter de meio privilegiado ao dispor de um Estado de direito para assegurar as necessárias prestações sociais como também alarga o âmbito do que é digno de tutela penal ... Compreende-se, assim, que o dever de pagar impostos seja um dever fundamental e que a violação deste dever, essencial para a realização dos fins do Estado, possa ser assegurado através da cominação de sanções criminais» ( Ac. do TC de 20/7/2000 in DR II de 17/10/2000.). Doutrina que vale inteiramente para as prestações em causa nos autos.
Logo, é relativamente acentuada a gravidade objectiva da conduta do arguido Jorge R. já que, com a mesma atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade. Realmente, intensifica-se, progressivamente, a censura ético-social relativamente a comportamentos que inibem o Estado de dar cabal satisfação às incumbências que lhe são cometidas, sobretudo, num quadro em que, perante o agravamento das dificuldades económicas, aos cidadãos, na sua generalidade, foi imposto um enorme aumento dos sacrifícios. Além disso, as condutas da natureza da ora em apreço transcendem o simples valor patrimonial, em si mesmo, das prestações tributárias retidas e não entregues e a inerente evasão fiscal, assumindo esta uma muito relevante danosidade social, para mais quando, entre nós, atinge elevadas proporções, como é sabido.
Este ilícito também viola a fidúcia ou a relação de confiança estabelecida entre o Estado e o devedor tributário, bem jurídico por aquele igualmente tutelado, porquanto «o devedor tributário encontra-se instituído em posição que poderemos aproximar da do fiel depositário» ( Ac do TC citado.). Acresce que, no caso da particular prestação tributária em causa (IVA), o incumpridor não se limita a procurar evitar a tributação e a consequente amputação do seu próprio património, antes utiliza indevida e dolosamente tal prestação, recebida de terceiros, em seu benefício ou de outrem, como na situação em apreço sucedeu.
Por tudo isso e porque, no caso concreto, o arguido se apoderou de uma muito elevada quantia (superior a um milhão de euros), não tendo até ao momento encetado qualquer tentativa de ressarcir o Estado, são intensas as exigências de prevenção geral.
Assim, se depõe contra o arguido a acentuada ilicitude do seu comportamento, atendendo ao montante apropriado e aos valores jurídicos atingidos, a par das particulares garantias de que o Estado reveste os créditos de natureza fiscal, já no que respeita às necessidades de prevenção especial positiva ou de ressocialização, há que ponderar as circunstâncias de o arguido não ter antecedentes criminais e de se mostrar regularmente integrado do ponto de vista profissional e social, embora não possa deixar de se notar que não só não colaborou para a descoberta da verdade dos factos como a procurou, activamente, ocultar com a criação de um esquema destinado a alijar a sua própria responsabilidade em desfavor de um outro arguido, o que, tudo, não abona nada a favor do seu carácter nem permite concluir que tenha interiorizado o desvalor da sua conduta.
Ora, perante o conjunto dos factos apurados quanto à pessoa do arguido Jorge R., temos de reconhecer que a pena de 3 anos e 6 meses que lhe foi imposta em primeira instância, situada acima da média (3 anos) da moldura da pena abstractamente aplicável, é desajustada às particularidades do caso concreto. Neste conspecto, tal factualidade permite concluir que, não obstante a natureza dos valores imprescindíveis à vida em comunidade por ele atingidos com a sua actuação e as consequentes exigências de prevenção já salientadas, não se mostra excessivamente exacerbada a necessidade da pena a aplicar. Na verdade, ponderados todos os enunciados factos e considerações, em especial, as atinentes à necessidade da pena e, sobretudo, à intensidade da culpa, pensamos que as sentidas necessidades de prevenção geral, bem como, a de procurar que o arguido não volte a delinquir serão satisfeitas com uma pena de prisão de 2 anos e 6 anos, correspondente a uma medida situada entre o dobro do mínimo e a média da respectiva moldura abstracta.
Encontrado o quantum da pena a aplicar ao arguido, importa agora averiguar se o sentido pedagógico e ressocializador ínsito ao direito penal se atinge apenas com a efectividade da mesma.
De facto, a questão da suspensão da pena, dado que imposta em medida não superior a cinco anos, tem que ser obrigatoriamente abordada, conforme impõe o art. 50º do C. Penal.
Importa, pois, averiguar se a prognose de ressocialização é favorável: a execução da pena de prisão aplicada é suspensa se, atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A prognose de ressocialização tem por parâmetros a ideia de que, por um lado, a reclusão constitui a última ratio da política criminal, mas, por outro, a de que a comunidade persegue a garantia, a protecção e a promoção dos direitos das pessoas, sem o sentido de missão socializadora através de métodos de coacção próprios do controlo social.
O que significa que deve negar-se a possibilidade de suspensão se os factos provados justificarem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de reinserção que a sociedade lhe oferece, ou seja, se o juiz não estiver convicto desse prognóstico (favorável).
Como se vê do acima exposto, o arguido atingiu gravemente valores fundamentais à vida em comunidade, mas foram recolhidos indicadores de que embora não tenha interiorizado o desvalor da conduta pela qual vai condenado, o certo é que dispõe de condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social e revela a motivação para tanto necessária.
Com efeito, para além de não ter antecedentes criminais, o arguido dispõe de enquadramento e de suporte familiar e mostra-se regularmente inserido profissionalmente, o que vem sucedendo desde os seus dezassete anos de idade, com uma perspectiva de estabilidade e consolidação de competências pessoais e profissionais. Tudo circunstâncias cujo significativo peso já realçámos, mas não está vedada a reavaliação ou reconsideração da factualidade apurada e tida em conta, oportunamente, para efeito da medida da pena, com vista, agora, a averiguar dos pressupostos e finalidades da suspensão da pena de prisão ( V. nesse sentido, o Ac. da R. do Porto de 25/10/2006 (proferido no PCC nº 623/05.1PBMTS).).
Essa factualidade não aponta para que a apurada conduta do arguido seja o seu comportamento padrão e a sua personalidade não fornece qualquer contra-indicação à suspensão. Pelo contrário: a ausência de antecedentes e o seu actual enquadramento são condições que fundam inteiramente a esperança no êxito do seu processo de reinserção social, em liberdade, pois permitem fundear o vaticínio de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição e que estão reunidos os requisitos para a suspensão da execução da pena, que se prolongará pelo respectivo período (2 anos e 6 anos), contado desde o trânsito em julgado desta decisão (cfr. art. 50º, nº 5, do C Penal), sob a condição imposta pelo art. 14º, nº 1, do RGIT, que preceitua: «A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa. ».
Em face do normativo citado, a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido fica sujeita à condição de o arguido comprovar nos autos o pagamento da totalidade da quantia correspondente aos benefícios obtidos (e acréscimos legais), obrigação que se difere até ao prazo máximo de dois anos a contar desta data. Na fixação desta dilação, considerou-se que é significativamente elevado o montante em que se traduz a obrigação, não obstante encontrar-se indevidamente retido no património da arguida sociedade e o arguido ostentar a manutenção de uma condição económica favorecida, advinda de ter iniciado o seu percurso de empresário aos 17 anos de idade, junto do pai, apoiando-o na gestão/orientação da actividade que este, empresário do sector de carnes verdes (…), desenvolve desde há 35 anos, e de se encontrar ligado, nomeadamente, a uma salsicharia e à gerência de uma empresa de prestação de serviços que adquiriu em Fevereiro/2014.
*
Decisão:
Pelo exposto, julga-se serem procedentes os recursos interpostos pelos arguidos Luís F. (o deste com fundamentação diferente da por ele aduzida) e José P. e parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido Jorge N. e, por consequência:
a) absolve-se da acusação os arguidos Luís F. e José P.;
b) condena-se o arguido Jorge N., como autor de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105º, nºs 1, 4 e 5 do RGIT, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período (dois anos e seis meses), sob a condição de o arguido comprovar nos autos, até ao prazo máximo de dois anos a contar desta data, o pagamento da totalidade da quantia correspondente aos benefícios indevidamente obtidos pela arguida sociedade (e acréscimos legais);
c) decide-se manter, no demais, a decisão recorrida.

Sem tributação.
Guimarães, 10/10/2016

Ausenda Gonçalves

Fátima Furtado