Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
734/10.8PBVCT.G1
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Descritores: ACIDENTE
CONDUÇÃO DESATENTA
NEGLIGÊNCIA
ARTºS 13º
15º
AL. B) E 148. Nº 1
DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. O que se espera de qualquer condutor – sempre – é que não embata com o seu veículo nos outros veículos, nos peões ou em qualquer obstáculo da via, sendo, para tanto, essencial o respeito pelas distâncias de segurança, de reação e de travagem que cada momento da condução reclama.

2. Se apesar do cumprimento dos limites de velocidade fixados para um local, um condutor embate no veículo que o precede e que se imobiliza junto de uma passadeira de peões, sem outra justificação que não a desatenção, deixando no local rastos de travagem de 9,33m, é forçoso concluir que circulava distraído e em excesso de velocidade, qualquer que ela fosse.

3. A negligência consciente não representa em relação à inconsciente, necessariamente, uma forma mais grave de realização do facto. As mais das vezes – e com especial acuidade na circulação rodoviária – é exatamente o contrário.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I.

No processo 734/10.8PBVCT foi o arguido A. N. condenado pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos arts. 13º, 15º, al. b) e 148º, n.° 1 do C. Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de 6 (seis) euros, por cada um dos crimes.

Operado o cúmulo das penas de multa aplicadas, nos termos do disposto no art° 77º do Código Penal foi o arguido condenado na pena única de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária 6 (seis) euros, no montante global de 420 (quatrocentos e vinte) euros.

Foi ainda condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 (três) meses, por cada um dos crimes - art° 69º, nº1, a), do C.P.

Operado o cúmulo jurídico das penas acessórias aplicadas, foi condenado o arguido na pena acessória única de proibição de conduzir veículos motorizados, por 4 (quatro) meses.

Mais foi condenado o arguido nas custas e encargos do processo, sem prejuízo do apoio judiciário.
(..)

Inconformado com a condenação, recorreu para este Tribunal da Relação concluindo o recurso do modo que a seguir se transcreve:

1. O recorrente não se conforma com a decisão proferida quanto à parte crime, que é a que lhe diz respeito, e
2. que o condenou, pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de ofensas à integridade física por negligência, p. p. pelos artigos 13°, 15º, al. b), e 148º n° 1 e 77º do Código Penal, na pena única de multa, em cúmulo jurídico, de setenta dias, à taxa diária de seis euros, no montante global de quatrocentos e vinte euros,
3. e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, em cúmulo jurídico, por quatro meses, nos termos dos artigos 69º, n° 1 al. a) e 77° n° 1 do Cód. Penal.
4. Entende o recorrente que existe insuficiência da matéria dada como provada, em desfavor do arguido, bem como uma errada apreciação da prova e uma errada interpretação e aplicação da lei.

Da Matéria de Facto,

5. Da matéria dada como provada não resulta qual a velocidade a que seguia o veículo automóvel do recorrente;
6. Atendendo ao que consta no documento de fls. 94 dos autos, conjugado com o depoimento da testemunha José, agente da PSP, referido na sentença, que procedeu à investigação do acidente, o tribunal deveria ter considerado como provado, que o veículo automóvel do recorrente seguia a uma velocidade entre os 39,208 e 47,921 km/h;
7. Sendo que, em respeito do princípio geral do processo penal, in dubio pro reo, nunca se poderia considerar que o veículo automóvel do recorrente seguisse a velocidade superior a 39,208 km/h, o que poderá ter relevância para a decisão final, em favor do recorrente;
8. O tribunal a quo omitiu o exame crítico do documento de fis. 94, quando a consideração global da prova o exigia.
9. Ademais, o tribunal a quo ignorou igualmente o registo individual de condutor, do recorrente, de fis, 131, o qual demonstra que este não tem antecedentes ao nível de infrações rodoviárias.
10. Pelo que, na matéria dada como provada deveria ser acrescentado um novo ponto com a seguinte factualidade: "O veiculo automóvel do arguido seguia no mínimo a 39,208 km/h e no máximo a 47,921 km/h".
11. Assim como, no ponto 17, da matéria dada como provada, onde consta "O arguido não tem antecedentes criminais" deveria ser acrescentado "nem rodoviários".
12. Tais alterações à matéria dada como provada, no entender do recorrente, poderão juntamente com uma nova análise e valoração da prova no seu conjunto, ter relevância para o recorrente.

Do Erro na Apreciação da Prova;

13. O recorrente defende que a factualidade apurada deveria ser suficiente para suportar a sua absolvição e não a sua condenação,
14. O recorrente baseia-se em quatro pontos da prova para fundamentar que, naquela situação, efetuou todos os comportamentos necessários e adequados, e que qualquer pessoa colocada na sua posição adotaria exatamente os mesmos comportamentos, e que nada mais lhe era exigível fazer.
15. Primeiro: A sinalização luminosa no local estar a funcionar com anomalia, designadamente, a luz vermelha;
16. Se as entidades que estudam, avaliam e determinam a colocação de semáforos nas estradas, se ali decidiram colocar dois semáforos em simultâneo, um vertical e um horizontal, é porque entenderam que os utilizadores daquela via, para o fazerem em condições de total segurança necessitavam de receber os alertas desses dois semáforos.
17. Ora, se num deles não funcionava a luz vermelha, então a função desse semáforo deixa de auxiliar e alertar devida e completamente os condutores, tal como se idealizou, e isso poderá ter tido alguma influência e contribuído para o acidente.
18. Não terá sido tal situação, por si só, que provocou o acidente mas poderá ter sido mais um fator, junto com outros a contribuir para o acidente, o que sempre abonaria favor do arguido, situação esta que o tribunal a quo não quis valorar.
19. Na verdade, não obstante tal avaria estar comprovada (ponto 4 da matéria dada corno provada) em nada serviu a mesma para abonar a favor do arguido, o que manifestamente é um erro na apreciação e na valoração da prova.
20. Segundo: A velocidade a que seguia o veiculo automóvel do recorrente;
21. Como já se defendeu, se o tribunal a quo tivesse valorado e dado como provado que o veiculo do recorrente seguia a uma velocidade entre os 39,208 e 47,921km/h, em respeito do principio in dubio pro reo, nunca se poderia considerar que o veículo automóvel do arguido seguia a velocidade superior a 39,208 km/h.
22. o que estaria bem abaixo da velocidade permitida no local, de 50 km/h, em consequência tal não poderia ser considerado, pelo tribunal a quo, como falta de moderação especial da velocidade, e como tal também não teria sido devido esse factor que se deu o acidente e, assim, deixaria de ser um fator de fundamentação da negligência do recorrente.
23. Terceiro: Rasto de travagem de 9,33 metros;
24. Tendo sido dado como provado, que o veículo do recorrente deixou rasto de travagem, no local do acidente, de 9,33 metros, tem de se concluir que pelo menos a 9,33 metros o recorrente se apercebeu do veículo imobilizado à sua frente.
25. Sendo certo que, de acordo com as regras da experiência e também de alguns estudos rodoviários, que desde o momento em que o condutor se apercebe do obstáculo à sua frente até ao momento de reação, ou seja, até ao acionamento dos travões, ainda decorrem alguns metros, dai que pelo menos a cerca de 13, 14 ou 15 metros antes, o recorrente terá visto o veículo dos ofendidos parado à sua frente.
26. Portanto, não poderia o tribunal a quo concluir, sem qualquer dúvida razoável, e decidir que o recorrente conduzia de forma totalmente distraída.
27. Pois, se avistou o veículo à sua frente, a cerca de 15 metros antes, ou pelo menos a 9,33 metros, que é a distância do rasto de travagem, é exagerado concluir que o recorrente seguia de forma totalmente distraído e que foi tal situação decisiva para o acidente, e assim mais um dos fundamentos da negligência do recorrente ficaria sem efeito.
28. Quarto: A não imobilização do veículo automóvel do recorrente;
29. O tribunal a quo na fundamentação da decisão concluiu, que: “...o arguido não moderou especialmente a velocidade à aproximação da passadeira, nem levava a distância necessária do veículo que o precedia e assim não logrou parar o veículo e evitar o embate, o que podia e devia ter feito. Em face do exposto, formou-se no tribunal, a convicção serena e segura, para além de qualquer dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que resultaram provados.”
30. E deu como provados os factos constantes de 12 a 16 da matéria provada.
31. Ora, se atentarmos, em respeito do principio in dubio pro reo, que o tribunal a quo somente poderá considerar como certo que o veículo automóvel do recorrente seguia no mínimo a 39,208 km/h,
32. e, atento o constante dos autos, donde resulta que na data e local dos factos as condições climatéricas e de visibilidade eram boas e o piso estava seco, e que existia ainda uni rastro de travagem de 9,33 metros,
33. a pergunta que se deve colocar é: se com aquelas condições, à velocidade de 39,208 km/h, uma travagem com um rasto de 9,33 metros, não seria mais do que suficiente para o veículo automóvel do recorrente, ou qualquer outro, se ter imobilizado antes do embate?
34. A resposta a tal questão, salvo melhor interpretação, é no entendimento do recorrente um facto notório (artigo 412º n° 1 do CPC), um facto que não carece de prova, de cálculos ou fórmulas matemáticas, uma vez que é do conhecimento de todos, pelo menos de todas as pessoas que conduzem veículos automóveis!
35. Qualquer cidadão comum sabe ou tem experiência que um veículo automóvel a unia velocidade de 39,208 km/h, com piso seco, não necessita de 9 metros para imobilizar o seu veículo automóvel, bastando-lhe 4 ou 5 metros para o fazer e sem ter que efetuar qualquer travagem brusca.
36. Dai que, a não imobilização do veículo automóvel, nestas circunstâncias deveu-se a qualquer outro fator, não apurado é certo, mas nunca a distração do recorrente, a falta de moderação de velocidade, nem tão pouco à falta de distância de segurança do veículo à sua frente.
37. Na realidade, da análise conjugada destes quatro pontos, o tribunal a quo, podia e deveria ter concluído de outra forma, pois tais situações, atrás descritas, deixam muitas dúvidas de qual o verdadeiro motivo do acidente.
38. A decisão do tribunal a quo, aparenta ter sido baseada num único facto, que foi o do veículo do recorrente ter embatido na traseira do outro veículo e daí ter concluído que o recorrente podia e devia tê-lo evitado.
39. Ora, o recorrente não se conforma com uma análise e valoração da prova tão simples e redutora.
40. Isto porque, toda a prova, atrás referida, analisada em conjunto e de forma dinâmica, parece demonstrar que o recorrente não seguia distraído, que seguia a uma velocidade adequada para o local e a uma distância do veículo à sua frente mais do que suficiente para imobilizar de forma segura e tranquila o seu veículo automóvel.
41. No Comentário Conimbricense ao Código Penal, Torno 1, da Coimbra Editora, relativamente ao artigo 148º do Código Penal, refere a Dr. Paula Ribeiro de Faria, que neste tipo de crime:

- é necessário a violação de um dever objetivo de cuidado (pág. 261);
- Qual a medida de cuidado exigível? Será o necessário para evitar a ocorrência do resultado típico. A afirmação de um tal dever de cuidado far-se-á, caso a caso, cm função das particulares circunstâncias da atuação do agente (pág. 261)
- no âmbito da circulação rodoviária, onde este tipo legal encontra um vasto âmbito de aplicação, não só se deverá partir como referência do condutor medianamente cauteloso (...) como terão que se ter presente os particulares conhecimentos do agente (pág. 264);
- É necessário ainda que ao agente fosse possível atuar de outro modo (pág. 269).
42. Assim, pergunta-se: qual o dever objetivo de cuidado violado? O que poderia o recorrente, ou qualquer outra pessoa colocada no seu lugar, mais fazer para evitar o acidente?
43. Ora, o recorrente, que conduz diariamente e não tem antecedentes rodoviários, seguia em velocidade moderada, avistou o veículo à sua frente com distância e tempo suficiente para imobilizar o seu veículo e em consequência travou.
44. Não obstante, o fator perturbador da existência de um semáforo com a luz vermelha avariada!
45. O recorrente atentos os quatro pontos atrás referidos e analisados de forma global, não se conforma com a decisão condenatória do tribunal a quo, pois continua convencido que tomou todos os cuidados necessários e exigíveis para evitar o acidente, e que qualquer pessoa no seu lugar não faria melhor que ele.
46. E desta forma, é que o recorrente, atentos os quatro pontos atrás referidos e analisados de forma global, não se conforma com a decisão condenatória do tribunal a quo.
47. Entende o recorrente, que existiu erro notório na apreciação e valoração da prova e que o tribunal a quo não podia de forma serena e segura, para além de qualquer dúvida razoável ter dado como provado os pontos 12 a 16 da matéria dada como provada.
48. Em consequência, a fundamentação para a negligência do recorrente pelo tribunal a quo não pode ser aceite.
49. Pelo que, o tribunal a quo, ao ter decidido pela condenação do recorrente violou ou fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, 15º, al. b), 148º n° 1, 69º n° 1 al. a) e 77º n° 1 do Código Penal, artigo 410º n° 2 al. c), 127 do Código de Processo Penal.
50. Assim sendo, não existe fundamento para a condenação do recorrente, devendo a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra que absolva o recorrente dos crimes pelos quais foi condenado.

Assim decidindo V. Exas. farão, como sempre, Justiça.
*
O assistente e o Ministério Público, junto da primeira defenderam a justeza da sentença recorrida.
*
Remetidos os autos a esta Relação, de novo o Ministério Público pugnou pela manutenção do decidido.
*
Após os vistos, prosseguiram os autos para Conferência.
*
II

Cumpre agora decidir, tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente (artigo 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal quando resultem do texto da decisão recorrida só por si ou em conjugação com as regras da experiência comum (Ac. STJ 7/95 in DR, I, Série de 28/12/95) e, bem assim, das nulidades principais como tal tipificadas na lei.

As questões que o recorrente traz à apreciação deste Tribunal são três:

A- Insuficiência da matéria de facto dada como provada;
B-Errada apreciação da prova; e
C-Errada interpretação e aplicação da lei.

Os dois primeiros pontos têm, ainda, subdivisões, como infra se detalhará.

É a seguinte a matéria de facto fixada em primeira instância e respetiva fundamentação.

1. Em 28/04/2016, pelas 09h35m, na Avenida (…), na (...), em Viana do Castelo, o arguido A. N. conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula MR, no sentido (...)/Viana do Castelo.
2. À frente deste veículo e no mesmo sentido, seguia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula AO, conduzido por R. S. e seguindo como passageiro, no lugar ao lado do condutor, João.
3. O troço em questão comporta dois sentidos de marcha, sem separador.
4. Existe sinalização luminosa no local, destinada a regular o trânsito de veículos, estando o sinal vermelho a funcionar com anomalia junto à passagem de peões.
5. À data as condições climatéricas e de visibilidade eram boas e o piso encontrava-se seco.
6. A velocidade permitida no local é de 50 Km/hora.
7. Sucede que o veículo AO parou junto à passagem de peões, sendo embatido por trás pelo veículo MR, conduzido pelo arguido
8. O veículo conduzido pelo arguido embateu com a parte frontal na parte posterior central do veículo AO, projetando-o para a frente, ficando imobilizado alguns metros após a passadeira.
9. O veículo MR, conduzido pelo arguido, deixou rastos de travagem, em que o maior tinha uma extensão de 9,33 metros.
10. Na sequência da conduta do arguido resultaram dores e lesões nos 2 ofendidos, ocupantes do veículo AO:

a. para o ofendido R. S.: «dorso lombalgias», que determinaram 169 (cento e sessenta e nove) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e com afectação da capacidade de trabalho profissional 30 (trinta) dias; e
b. para o ofendido João: «estiramento lombar, com lombalgia incapacitante», que determinaram 169 (cento e sessenta e nove) dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho geral (5 dias) e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.
11. Mais resultaram estragos nos veículos envolvidos.
12. O arguido, nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, conduzia de forma totalmente distraída.
13. Não moderando especialmente a velocidade à aproximação da passadeira nem deixando a distância necessária do veículo que o precedia e desse modo não logrando parar o veículo por si conduzido no espaço livre e visível à sua frente.
14. O arguido tinha a obrigação e a capacidade individual de evitar o embate, que nem representou como possível.
15. Com a sua conduta distraída o arguido colocou em risco os demais utentes daquela via de trânsito e em concreto causando as dores e lesões dos dois ofendidos.
16. Infringiu assim o arguido os deveres de zelo, cuidado e diligência que impendem sobre todos os condutores de veículos, bem como o disposto nos artigos 181, n.° 1 e 2, 241, n.° 1 e 25º, n.° 1, al. a), do Cód. da Estrada.
17. O arguido não tem antecedentes criminais.
18. É trolha no que aufere cerca de 650 euros e reside com a esposa que aufere o salário mínimo e uma filha de 25 anos, desempregada, em casa própria por cuja aquisição pagam mensalmente cerca de 123 euros.
19.Tem ainda como despesa mais relevante a quantia mensal de 200 euros referente à prestação de um crédito para aquisição de um veículo automóvel.
20.Conduz diariamente no exercício da sua atividade profissional.
21. Por contrato titulado pela apólice no 90.0115701 7, foi transferida para a demandada X Seguros, incorporada por fusão na Companhia de Seguros T. S.A. a responsabilidade civil por danos causados a terceiros em virtude da circulação do veículo MR.
22. Em consequência do acidente o demandante R. S. foi transportado para a ULSAM EPE onde lhe foram prestados os primeiros socorros, feitos exames radiológicos e prescritos analgésicos e anti inflamatórios.
23. Após alta hospitalar regressou à sua residência onde esteve em convalescença 4 dias e posteriormente dirigiu-se ao Centro de Saúde de Caminha.
24. Em consequência do acidente o demandante R. S. que à data dos factos contava 40 anos de idade e era uma pessoa saudável, sofreu incómodos, enorme susto e sofreu dores intensas ao nível da coluna lombar, dorsal e vertical durante mais de 2 meses e que ocasionalmente ainda sente quando permanece na posição de sentado prolongada.
25. Em consequência do acidente o demandante R. S. que auferia a quantia diária de 20 euros deixou de ganhar a quantia de 80 euros referente aos dias em que esteve em convalescença.
26. Em consequência do acidente o demandante R. S. despendeu a quantia global de 161,35 euros em deslocações.
27. Em consequência do acidente o demandante João foi transportado para a ULSAM EPE onde lhe foram prestados os primeiros socorros, feitos exames radiológicos e prescritos analgésicos e anti inflamatórios.
28.Após alta hospitalar regressou à sua residência onde esteve em convalescença 1 semana e posteriormente dirigiu-se ao Centro de Saúde de Caminha e efetuou 20 sessões de fisioterapia.
29. Em consequência do acidente o demandante João despendeu a quantia global de 255 euros em deslocações.
30. Em consequência do acidente o demandante João, que à data dos factos contava 68 anos de idade, e era uma pessoa saudável, sofreu incómodos, enorme susto e sofreu dores intensas ao nível da coluna lombar, dorsal e vertical durante mais de 2 meses.

2- Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:

1. Que o arguido sabia que as suas condutas são proibidas e punidas por lei como crimes.
2. Que o arguido foi induzido em erro visto que o semáforo vertical do lado direito da via atento o seu sentido de marcha estava avariado.
3. Que em consequência da conduta do arguido os ofendidos tenham sofrido traumatismo da coluna lombar, dorsal e vertical.
4. Que em consequência da conduta do arguido, o ofendido R. S. apresente dores e dificuldades na condução automóvel, em permanecer na posição prolongada de pé e dores e dificuldades no transporte de objetos pesados.
5. Que as lesões e sequelas resultantes para o ofendido R. S. representem o quantum doloris de 3 numa escala de 0 a 7 e determinem incapacidade parcial permanente para o trabalho.
6. Que as lesões e sequelas resultantes para o ofendido João representem o quantum doloris de 3 numa escala de 0 a 7 e determinem incapacidade parcial permanente para o trabalho de 2 pontos.
7. Que não obstante estar já reformado à data dos factos o demandante João dedicava-se a pequenos trabalhos na construção civil no regime de biscates.
8. Que em consequência da conduta do arguido, o ofendido João apresente dores e dificuldades na condução automóvel, em permanecer na posição prolongada de sentado e de pé e dores e dificuldades no transporte de objetos pesados.
9. Que os demandantes sofreram os efeitos perniciosos do RX a que se submeteram e que vão sofrer ao logo de toda a vida dos malefícios inerentes à ingestão de medicação analgésica e anti inflamatória.
10. Que no momento do acidente os demandantes temeram pela vida.
11. Que em consequência do acidente os demandantes vão necessitar de medicação, fisioterapia e necessidade de se submeterem a consultas médicas por toda a vida.

Motivação:

A convicção do tribunal sobre a factualidade provada e não provada formou-se na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, atendendo-se à prova documental, à prova pericial e à prova pessoal produzida, que foram as declarações do arguido, declarações do assistente João e depoimentos prestados de forma isenta, objetiva e credível por todas as testemunhas inquiridas.

Assim, o tribunal atendeu:

- a todos os documentos constantes dos autos e assim nomeadamente os constantes de fls. 3, 81 9, 24, 33 a 37, 38 a 39, 74 a 76, CRC de fls. 474;
- aos relatórios médico legais constantes de fls. 107 a 109, 122 a 133 e de fls. 444 a 446 e 453a 455;
-às declarações do arguido A. N., o qual admitiu parcialmente os factos, nomeadamente quanto à condução no dia hora e local em causa e à ocorrência do embate nos termos referidos na acusação, mas alegou que ia com atenção e embora se tenha apercebido do veículo a travar e a parar à sua frente, não conseguiu parar o dele (não sabe porquê).

Quanto à sua situação económica esclareceu que aufere 650 euros. A esposa ganha o salário mínimo, tem uma filha de 25 anos, desempregada. Paga 123 euros de prestação de casa. Tem um crédito de um carro de cerca de 200 euros.

Conduz diariamente no exercício da sua atividade profissional.

- às declarações do ofendido João, ofendido, que seguia como ocupante no veículo e contou como foi embatido por trás. Questionado respondeu que os semáforos estavam os dois a funcionar, via-se a luz vermelha nos dois. Não ouviu barulho de travagem.

Sobre as consequências do acidente respondeu que foi assistido no hospital e depois foi medicado no Centro de Saúde de Caminha. Fez fisioterapia em Cerveira, 20 sessões. Foi ao Porto, ia de comboio e depois lá de táxi. Pediu recibos. Teve dores naquele momento e depois, durante meses. O sobrinho (R. S.) foi uma vez com ele de comboio para os tratamentos ao Porto.

-ao depoimento da testemunha R. S., ofendido nos autos, que era o condutor do veículo embatido onde seguia como ocupante ao seu lado o tio.

Questionado respondeu que os sinais luminosos estavam a funcionar normalmente, mudaram os dois ao mesmo tempo. Viu o amarelo mas quando parou já estava vermelho. Sentiu o embate por trás. O embate foi violento (o banco partiu com o embate). Não se apercebeu de travagem.

Sobre as consequências do embate respondeu que teve bastantes dores nas costas, que se prolongaram durante semanas. Ainda hoje se estiver muito tempo sentado doem-lhe as costas. Tomou medicamentos. O tio fez fisioterapia. Foi ao Porto a consultas, de táxi ou comboio. Ganhava 20 euros por dia a recibos verdes, esteve 5 dias sem trabalhar.

- ao depoimento da testemunha A. R., agente da PSP que se deslocou ao local na sequência do acidente e confirmou todos os factos que fez constar da participação

Questionado respondeu que existia uma anomalia no sinal vermelho luminoso de baixo (o que confirmou e tinha-lhe sido relatado por um dos intervenientes).

- ao depoimento da testemunha Maria, que é mãe do ofendido R. S. e irmã do assistente João e que contou ao tribunal que eles ficaram com dores que se prolongaram por dias. Foram ao Centro de Saúde, onde foram receitados medicamentos. O João fez 20 sessões de fisioterapia. Sabe que foram a consultas ao Porto, em dias diferentes. Iam de táxi ou de comboio, pagaram as viagens. O filho ainda hoje tem dores, não consegue estar sentado muito tempo.
- ao depoimento da testemunha D. R., que é sócio da bomba de combustíveis onde trabalha o ofendido R. S., que esteve uns dias sem trabalhar. Regressou ao serviço com dores.
- ao depoimento da testemunha M. R., que é colega de trabalho do ofendido R. S., a quem substituiu durante 5 dias após o acidente. Ele trabalhava a recibos verdes. Quando regressou teve dificuldades, por causa de dores, prolongou-se durante algumas semanas. Ainda hoje se queixa de dores.
- ao depoimento da testemunha Rosa, irmã do ofendido R. S., que contou ao tribunal que ele e o tio queixavam-se de bastantes dores em todo o corpo, depois sobretudo nas costas. O irmão ainda hoje se queixa. Foram depois medicados, fizeram exames e o João fez 20 sessões de fisioterapia. Foram receber assistência ao Porto, só uma vez foram no mesmo dia, o R. S. foi 2 vezes e o tio 3. O R. S. esteve 5 dias sem trabalhar, estava a recibos verdes, ganhava 20 euros por dia.
- ao depoimento da testemunha José, agente da PSP, que foi quem fez a investigação. Não foi o local no dia do acidente e tomou em conta a participação. De acordo com os cálculos que efetuou o arguido seguiria a velocidade inferior a 50 km/h (entre 39 e 47) e está convencionado que a 50 km/h o veículo precisa de 13,88 metros para se imobilizar em condições ótimas. O condutor não fez menção a qualquer falha do veículo. Face à travagem de travagem de 9,33 metros, o arguido apercebeu-se do veículo, a 10/10,50 metros do veículo e a essa velocidade era impossível parar, daí que foi impossível evitar o embate.
- ao depoimento da testemunha João, que seguia com o arguido no veículo e que referiu que ao chegar ao semáforo ele travou e a carrinha deslizou, ocorrendo o embate. Iam a 9, 10 metros do carro da frente.

Assim, fazendo o necessário correlacionamento da prova produzida, o tribunal atendeu à prova documental conjugada com as declarações do arguido, declarações do assistente e depoimentos das testemunhas que seguiam em ambos os veículos quanto ao local e contexto dos factos (sendo que não obstante a negação do assistente e do ofendido R. S. se formou a convicção de que o sinal vermelho lateral estava a funcionar com anomalia em face do depoimento da testemunha A. R., que ouviu verificou esse facto no local e fez constar da participação).

Quanto à dinâmica do acidente o tribunal atendeu às declarações do arguido conjugadas com as declarações do assistente e das testemunhas que os acompanhavam, sendo que na ausência de qualquer outra explicação (que o arguido não foi capaz de dar e o sinal vermelho lateral avariado- e apenas o vermelho- não consubstancia, até porque o sinal vertical superior estava em funcionamento e assim em condições de ser visto pelos condutores de ambos os veículos) manifestamente o arguido, ainda que circulasse dentro dos limites de velocidade, não moderou especialmente a velocidade à aproximação da passadeira, nem levava a distância necessária do veículo que o precedia e assim não logrou parar o veículo e evitar o embate, o que podia e devia ter feito.

Em face do exposto, formou-se no tribunal, a convicção serena e segura, para além de qualquer dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que resultaram provados.

No mais, nomeadamente quanto às consequências que do embate advieram para os ofendidos, atendeu-se à prova documental e pericial já referida (salientando-se que se considerou os relatórios de fls. 444 a 446 e 453 a 455; as declarações do assistente e do ofendido R. S. e os depoimentos objetivos das testemunhas que revelaram conhecimento dessa factualidade quanto aos factos alegados no p.i.c. que resultaram provados.

Valorou-se o CRC junto aos autos.
Consideraram-se as declarações do arguido quanto à sua situação sócio económica.
No mais, a factualidade não provada decorreu da ausência de prova da sua verificação (ou quanto ao facto alegado na acusação do próprio enquadramento jurídico ali efetuado).
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Face à factualidade apurada vejamos, então, se ocorrem os invocados vícios, que agora se recordam: a insuficiência da matéria dada como provada, a errada apreciação da prova e a errada interpretação e aplicação da lei.
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A- Insuficiência da matéria dada como provada.

Entende o recorrente que a matéria fixada como provada é insuficiente porque, por um lado, dela não resulta qual a velocidade a que seguia o veículo automóvel – que no seu entender oscilaria entre 39, 208 e 47, 921 km/hora – sendo que em respeito do princípio geral do processo penal, in dubio pro reo, nunca se poderia considerar que o veículo automóvel seguisse a velocidade superior a 39, 208 km/h, o que teria relevância para a decisão em favor do recorrente e, por outro lado, o tribunal omitiu o exame crítico do documento de fls 94 e ignorou o registo individual e de condutor constante de fls 131.

Requer, assim, que seja acrescentado um novo facto cuja redação deverá ser “o veículo automóvel do arguido seguia no mínimo a 39,208km/hora e no máximo a 47,92km/h” e, bem assim, que ao ponto 17 da matéria de facto onde consta que o arguido não tem antecedentes criminais seja acrescentado “nem rodoviários”.

O vício de insuficiência da matéria de facto, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal ocorre quando os factos apurados e constantes da sentença impugnada são insuficientes para a aplicação do direito, - segundo as várias soluções plausíveis para a decisão – apesar de terem sido alegados pela acusação, pela defesa, ou resultarem da discussão da causa.

Pode ocorrer ainda insuficiência da matéria de facto quando devesse o tribunal ter indagado em audiência factos necessários à decisão, designadamente para escolha ou fixação da medida da pena e não o tenha feito.

A primeira questão que se impõe é, pois, a de saber se o apuramento da velocidade a que seguia o veículo conduzido pelo recorrente é, na concreta situação em apreço, imprescindível para a decisão, ou, dito de outro modo se outra poderia ser a decisão se tivesse sido apurada a velocidade a que seguia o recorrente.

A resposta é negativa. De facto, apurada e incontroversa que foi a dinâmica do acidente é manifesto que, mesmo que a velocidade fosse de 39,208km ou até inferior, tendo o embate ocorrido nas circunstâncias apuradas, sempre o Tribunal a quo teria de concluir, como o fez, que o arguido ora recorrente, não circulou a velocidade tal, nem manteve em relação ao veículo que o precedia uma distância de segurança, que lhe permitisse parar, se necessário, sem embater. Nestas circunstâncias indiferente se tornava apurar se o arguido conduzia a 5, 10, 20 ou a 40 km/hora.

É que dispõe o artigo 18º do Código Estrada com a epígrafe “Distância entre veículos” que o condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu e o que o que o precede distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste (…) Esta norma é complementada pelo, artigo 24º do mesmo código, com o qual se inicia a secção III respeitante à “Velocidade” que prescreve que o condutor deve regular a velocidade de modo a que atendendo à presença de outros utilizadores (…) às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

Também o artigo 25º, nº 1 alínea a) do mesmo Código estipula que sem prejuízo dos limites máximos fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade à aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões e ou velocípedes.

Na acusação e subsequente submissão do arguido a julgamento foram estas três as normas indicadas, como tendo sido violadas pelo recorrente. Em nenhum momento foi dito que o arguido ultrapassou a velocidade máxima fixada para o local. Assim sendo, não se impunha, como imprescindível, a quantificação pretendida pelo recorrente, uma vez que, qualquer que fosse a velocidade a que seguia, não tendo conseguido parar no espaço livre e visível à sua frente, sem que ocorresse um qualquer fator impeditivo de tal paragem, forçoso seria concluir que transitava em velocidade não adequada e, portanto, excessiva e, nessa medida, com omissão do cuidado exigido naquele concreto momento da circulação rodoviária em análise.

A esta questão voltaremos, porque o recorrente a renova adiante, como veremos.

Diz ainda o recorrente que o Tribunal a quo não atentou no facto de não ter antecedentes rodoviários.

Tal não corresponde à verdade, porque se é certo que tal menção não ficou a constar expressamente da matéria de facto, ela foi tida em conta pelo Tribunal, quer na referência aos documentos tidos em conta para a decisão (embora por lapso apenas se identifique os relatórios médicos de fls 122 a 133 ,sendo que o RIC se encontra de fls 129 a131 e, portanto, dentro dos documentos analisados), quer olhando para as penas concretamente aplicadas.

Não ocorreu, pois, omissão que possa qualificar-se como insuficiência da matéria de facto para a decisão.

B- Errada apreciação da prova.

O erro- que a lei exige que seja notório- na apreciação da prova ( art. 410 nº 2 c) do CPP) é o erro que é facilmente detetado pelo homem médio, sendo que este não se move habitualmente no mundo do direito. Isto é, é o erro que evidencia que as regras de experiência e da lógica normal da vida, foram violadas pelo raciocínio exposto no texto da decisão. Mas o vício terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão ou da fundamentação do direito (Ac. STJ de 02.02.2011 in www.dgsi.pt).

Neste segmento do seu recurso é com base em quatro concretos pontos, que o recorrente defende dever ter sido sentenciada a sua absolvição. Vejamos se assim é, a partir de cada um dos quatro pontos de divergência invocados. São eles:

a) a sinalização luminosa no local estar a funcionar com anomalia designadamente, a luz vermelha, o que deveria "abonar em favor do arguido", e não ocorreu;
b) a velocidade a que seguia o veículo do recorrente, sendo que seguindo a velocidade inferior a 50 km/hora não podia o Tribunal concluir pela falta de moderação de velocidade, o que deixaria de ser um fator de fundamentação da negligência;
c)-a existência de um rasto de travagem de 9,33metros, o que no seu entender evidencia que, pelo menos a 9,33metros o recorrente se apercebeu do veículo imobilizado à sua frente, sem prejuízo de poder ser considerado que tal ocorreu ainda a maior distância (13, 14 ou 15 metros), por força do lapso de tempo que decorre até ao momento de reação, o que impedia a conclusão a que chegou o tribunal a quo de que o recorrente conduzia de forma distraída; e
d)- a não imobilização do veículo automóvel do recorrente. Neste concreto ponto da alegação entende o recorrente que é um facto notório que um veículo automóvel a uma velocidade de 39,208Km, com piso seco não necessita de 9 metros se imobilizar. Assim, bastando-lhe 4 ou 5 metros sem ter de efetuar travagem brusca, entende que um qualquer outro fator, não apurado, foi causal do embate, mas nunca a distração do recorrente, a falta de moderação de velocidade, ou a falta de distância de segurança do veículo da frente.

Portanto, defende, assim, o recorrente que a conjugação destes quatro fatores deveria ter levado a que o tribunal a quo não desse como provados os pontos 12 a 16 da matéria de facto provada, pugnando pela sua absolvição.

Passemos, então, a analisar, ponto por ponto, cada um destes quatro argumentos.

a) A sinalização luminosa no local estar a funcionar com anomalias.

No ponto 4 dos factos provados ficou fixado que existe sinalização luminosa no local, destinada a regular o trânsito de veículos, estando o sinal vermelho a funcionar com a anomalia junto à passagem de peões.

O Tribunal a quo não ignorou este facto, ao avaliar a dinâmica do acidente. Não retirou dele, contudo, as consequências pretendidas pelo recorrente. De facto, ficou a constar da fundamentação da matéria de facto o seguinte: "Quanto à dinâmica do acidente o tribunal atendeu às declarações do arguido conjugadas com as declarações do assistente e das testemunhas que os acompanhavam, sendo que na ausência de qualquer outra explicação (que o arguido não foi capaz de dar e o sinal vermelho lateral avariado - e apenas o vermelho - não consubstancia, até porque o sinal vertical superior estava em funcionamento e assim em condições de ser visto pelos condutores de ambos os veículos) manifestamente o arguido, ainda que circulasse dentro dos limites de velocidade, não moderou especialmente a velocidade à aproximação da passadeira, nem levava a distância necessária do veículo que o precedia e assim não logrou parar o veículo e evitar o embate, o que podia e devia ter feito”.

Nas suas declarações o arguido alegou que ia com atenção e que, embora se tenha apercebido do veículo a travar e a parar à sua frente, não conseguiu parar o dele (não sabe porquê). Esta descrição que o arguido fez do embate, não permite a conclusão de que a avaria do sinal junto à paragem dos peões, teve qualquer influência no acidente. Até porque o sinal vertical estava a funcionar e podia ser visto por quem circulava no local, como disse o Tribunal a quo.

Portanto, o comportamento do arguido não foi condicionado pela anomalia do sinal luminoso existente junto à paragem dos peões. Mas sempre se diga que, se constatável por quem por ali circulava, seria exigível aos condutores e, portanto, também ao recorrente, a adoção de um cuidado acrescido na circulação rodoviária no local, o que não se verificou.

b) - A velocidade a que seguia o recorrente

O Tribunal a quo não apurou a velocidade imprimida ao veículo pelo recorrente, no momento em que embateu no veículo que o precedia.

Entende o recorrente que tal velocidade rondaria os39km/hora.

Como já atrás se disse, a velocidade concreta a que seguia o recorrente é irrelevante. E isto porque, de qualquer condutor, o que se espera – sempre- é que não embata com o seu veículo nos outros veículos, nos peões ou em qualquer outro obstáculo da via. Se o fizer, de nada serve o cumprimento dos limites formais de velocidade.

Não é por acaso que se exige a todos os condutores que não descurem a distância de segurança (espaço que o condutor deve deixar livre entre o seu veículo e o que segue à sua frente, por forma a que possa parar o veículo sem embater no da frente), nem a distância de reação (distância percorrida pelo veículo desde que o condutor vê o obstáculo ou perigo até reagir - até acionar o travão -, a qual varia com a velocidade, mas também com o tempo de reação do próprio condutor (dependente do seu nível de atenção e do seu estado físico), nem a distância de travagem (distância percorrida desde o momento em que o condutor começa a travar, até que o veículo pára, variando esta com fatores externos ao próprio condutor (as condições da via, do piso seco ou molhado, ou estado dos pneus e travões…).

De acordo com o cálculo das distâncias médias de paragem disponibilizado pelo IMTT a uma velocidade de 30Km/hora corresponde uma distância de reação de 9 m e uma distância de travagem de 4,5m o que dá uma distância de paragem de 13,5m.

Se a velocidade fôr de 50Km/hora a distância de reação já sobe para 15m, a distância de travagem para 12,5m, sendo portanto a distância de paragem de 27,5m.

Ora, o documento de fls 94 a que o recorrente faz apelo não contém todos os elementos necessários para, com segurança, fixar a velocidade. Essa fixação varia em função de fatores não apurados, pelo que não há que censurar a sentença recorrida por não o ter referido. Mas mesmo que a conclusão do mesmo documento esteja correta, repise-se, qualquer que fosse a velocidade a que seguia o recorrente, ela não foi adequada a evitar o embate e é, nesta realidade, que se encontra o cerne da questão em apreço.

Veja-se, por exemplo, o caso dos "choques em cadeia". A velocidade imprimida nestas situações é, com frequência, baixa, mas é o desrespeito pela distância de segurança que provoca os acidentes.

E assim é de tal forma que até com o veículo parado numa fila, por exemplo, é, imprescindível garantir uma distância de segurança (para poder, se necessário, sair do local caso o veículo da frente esteja impossibilitado de o fazer, para evitar ser embatido, caso "descaia", para evitar embater no veículo da frente, caso seja embatido por trás,etc ….).

Ora, no caso sub iudice o que está em causa é que o veículo do recorrente não parou no espaço livre e visível à sua frente, portanto, a distância a que seguia do veículo que o precedia, conjugada com a velocidade a que circulava, qualquer que ela fosse, não foram adequadas a evitar o embate. Irreleva, portanto, quantificar, traduzindo em quilómetros por hora, a velocidade a que seguia o recorrente.

c)- O rasto da travagem

Entende o recorrente que tendo-se apurado um rasto de travagem de 9,33m se lhe for somado o tempo de reação, forçoso seria concluir que pelo menos a cerca de 15m o recorrente teria visto o veículo que o precedia e, portanto, não se poderia concluir, como o fez o Tribunal a quo que seguia totalmente distraído.

De facto, o Tribunal a quo deu como provado no facto 12 que o arguido, nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritos, conduzia de forma totalmente distraída, densificando o conteúdo desta afirmação nos factos que se seguem.

Antes de mais, diga-se que o termo distração, não tem, na circulação rodoviária, o significado comum de diversão ou recreio.

A expressão distração faz apelo à etimologia da palavra de raiz latina que aponta para uma separação/desvio na atenção. Isto é, afirmar-se que um condutor circulava distraído significa dizer que desviou a atenção necessária ao ato de conduzir.

A dinâmica provada do embate em apreço, a que já atrás se fez alusão, aponta, claramente, para a existência de um hiato na atenção do recorrente, pelo que não merece censura a afirmação de que o recorrente seguia distraído.

Isto mesmo é sublinhado pelos rastos de travagem.

Só ficam visíveis no pavimento rastos de travagem, quando acontece uma travagem a fundo. E só ocorre uma travagem a fundo quando o condutor, inesperadamente, se dá conta da necessidade de imobilizar o veículo imediata e rapidamente.

Na condução, em regra, o controlo do veículo faz-se sem ser necessário travar a fundo, ao ponto de ficarem marcas no pavimento. A existência destas marcas, reveladora da força imprimida nos travões, é por si mesma claramente indicadora de que o condutor foi apanhado de surpresa pela necessidade de parar, por não contar com aquele obstáculo. Ora, sendo o veículo que precedia o recorrente visível para este e estando na imediação de uma passadeira para peões, só um deficit de atenção permite explicar a necessidade de acionar bruscamente os travões. Portanto, a existência de rastos de travagem, contrariamente ao alegado pelo recorrente, aponta para a distração que lhe foi imputada não merecendo, nesta parte, censura a sentença recorrida.

d)- A não imobilização do veículo do recorrente.

Entende o recorrente que da conjugação da velocidade (dentro dos limites legais), com os rastos da travagem (9,33m), com o estado do piso (seco) o Tribunal a quo teria necessariamente de concluir que um outro qualquer fator não apurado, interveio na produção do acidente, mas nunca a distração do recorrente, a falta de moderação de velocidade, ou de distância de segurança.

Isto é, o Tribunal a quo, no entender do recorrente, devia ter ficado na dúvida sobre o motivo do acidente e nessa medida absolvido o recorrente, até porque, resumindo a sua opinião, não foi violado nenhum dever objetivo de cuidado, nem o arguido poderia ter agido de outro modo, já que nada mais podia ter feito para evitar o acidente.

Ora, do texto da decisão não se retira a invocada dúvida. A decisão parte dos dados objetivos que possui, aliás, não contrariados pelo arguido, e deles retira a conclusão de forma lógica e juridicamente sustentada.

Não se impõe aqui repetir as considerações já expendidas quanto à velocidade, aos rastos de travagem, à (parcial) anomalia na sinalização luminosa, porque os argumentos utilizados neste segmento pelo recorrente são os mesmos já atrás escalpelizados, pelo que se passará a tecer uma consideração final sobre a atuação negligente do recorrente, consubstanciada na violação do dever objetivo de cuidado e na possibilidade e obrigação que o recorrente tinha de agir de outro modo e evitar o acidente, porque é com estas duas questões que o recorrente conclui o seu recurso, ao defender, a final, ter havido erro na interpretação e aplicação da lei.

C- Errada interpretação e aplicação da lei

A definição legal da negligência encontra-se no artigo 15º do Código Penal. Esta norma começa por definir a negligência de modo unitário "quem não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz" e, de seguida, bifurca para a forma de negligência consciente - na alínea a) - quando o agente representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas atua sem se conformar com essa realização e para a forma de negligência inconsciente -na alínea b) - quando o agente não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto.

A distinção entre negligência consciente e inconsciente deve-se a Feuerbach, ao utilizar como critério de diferenciação as categorias de previsão e previsibilidade, mas a letra da lei aproxima-se dos ensinamentos de Cavaleiro de Ferreira quando distingue as duas modalidades com base no elemento cognoscitivo: ou o agente tem consciência, prevê, “representa” a realização do facto ilícito e estamos perante a negligência consciente, ou o agente não a prevê, não tem consciência, não a “representa” e deparamo-nos com a negligência inconsciente.

Impõe-se, desde já, dizer que a negligência consciente não representa, relativamente à inconsciente, necessariamente, uma forma mais grave de realização do facto. As mais das vezes -e com especial acuidade na circulação rodoviária- é exatamente o contrário. Como refere Mir Puig in Derecho Penal, 270- citado por Maria Joana Oliveira in A imputação Objetiva na Perspetiva do Homicídio Negligente – Coimbra Editora, fls. 81 nota 142-“ a negligência inconsciente poderá ser tão ou mais grave que a consciente, se a violação do dever objetivo de cuidado que pressupõe é maior do que a realizada com negligência consciente”. Também Stratenwerth, aí igualmente citado, refere “ a maior falta de respeito pelo outro reside, precisamente, na negligência inconsciente”.

Ultrapassando estas questões doutrinais ( a que fizemos apelo porque o recorrente foi condenado por negligência inconsciente ) voltemo-nos para a essência da definição que se encontra no proémio da norma. É aí que nos deparamos com o tipo de ilícito (violação do cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado, portanto a violação do cuidado objetivamente devido) e com o tipo de culpa (violação do cuidado que o agente é capaz de prestar de acordo com os seus conhecimentos e aptidões pessoais).

De que é que se fala quando se afirma a violação do cuidado objetivamente devido? A resposta é esta: fala-se da violação de exigências de comportamento tipicamente específicas, cujo cumprimento o direito requer, na situação concreta respetiva, para evitar o preenchimento de um certo tipo objetivo de ilícito (neste sentido F. Dias citando Burgstaller in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 359).

Mas ao lado do cuidado que o agente deve ter, impõe-se a análise do cuidado que o agente pode ter.

Usando as palavras de Eduardo Correia pode dizer-se que o dever cuja violação a negligência supõe, consiste em não ter o agente utilizado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas do caso, atendendo à sua capacidade para o utilizar, evitando dessa forma a produção do resultado proibido (Eduardo Correia, Direito Criminal, 425).

É nesta dupla perspetiva que a doutrina vem falando em cuidado interno e cuidado externo. O cuidado interno é o dever que o agente tem de prever ou representar o perigo; o cuidado externo é o dever de praticar um comportamento correto com vista a evitar a produção do resultado típico, o dever de agir por forma a evitar que o resultado ocorra.

Ora, se há domínio da vida onde é premente uma atuação prudente -dada a perigosidade que lhe está inerente – e onde mais se justifica a necessidade de uma intervenção do direito na criação de normas de segurança, é o do tráfego rodoviário.

É, talvez, das atividades de risco permitido (aquelas em que a perigosidade e a utilidade surgem conciliáveis) em que é maior o número de ofensas à integridade física e vida.

É por isso que há quem defenda que a perigosidade da condução automóvel eleva o dever de cuidado até à adoção de um comportamento tal, que tenha por modelo comparativo não o homo medius em termos de diligência e prudência, mas o rigorosamente meticuloso e perito.

Mas mesmo que se exija apenas uma conduta própria de um homem prudente o certo é que, como diz a legislação estradal francesa, todo o condutor, deve, constantemente, rester maître de sa voiture ou, usando a expressão de Georges Pascal in Infracode, 7, citado no Ac. RP de 26.05.2009 in wwwdgsi.pt, deve rester maître de sa vitesse.

Aqui chegados, e analisada a dinâmica do acidente facilmente se conclui que o recorrente não foi senhor da sua velocidade, do seu veículo, desde logo, porque, sem qualquer outra justificação que não a desatenção à condução, não parou no espaço livre e visível à sua frente, não obstante as boas condições climatéricas, de visibilidade e de piso, vindo a embater no carro que o precedia, embate este com consequências previsíveis, e evitáveis se adotado o comportamento lícito alternativo; depois, porque no local havia uma passagem de peões, que tornava igualmente previsível a necessidade de parar e, por isso, impunha, só por si, um cuidado acrescido, que não foi adotado e, finalmente, porque conduzindo o recorrente diariamente no exercício da sua atividade profissional (ponto 20 dos factos provados) tinha, seguramente, pelo menos, a perícia exigida a qualquer condutor para evitar um acidente.

A dinâmica provada do acidente é, pois, claramente, reveladora de ter ocorrido violação do dever de cuidado imposto pelas normas estradais desrespeitadas e já referidas (artigo 18º, nº 3, 24º, nº 3 e 25, nº 2, do Código da Estrada), violação esta que o recorrente podia e devia ter evitado e que foi causal das ofensas sofridas, na integridade física, pelos dois ofendidos.

Bem andou, portanto, o Tribunal a quo ao considerar negligente a atuação do recorrente e ao condená-lo nos termos em que o fez.
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III - DECISÃO.

Em face do exposto decide-se julgar improcedente o recurso interposto e manter a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3Ucs taxa de justiça, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique.
Guimarães, 08 de outubro de 2018

(Maria Teresa Coimbra)
(Cândida Martinho)