Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1029/18.8T8CHV.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
OMISSÃO À COMPRADORA DE OBRAS A SUPORTAR PELOS CONDÓMINOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Incorrem em responsabilidade pré-contratual os vendedores de uma fração autónoma que omitem à compradora que o prédio iria ser sujeito a obras e que teriam de ser suportadas pelos condóminos, tendo durante o iter negocial recebido duas convocatórias para reuniões da assembleia de condóminos onde se deliberou tanto a recolha de orçamentos como a sua efetiva execução, sem que tenham dado conhecimento das mesmas à contraparte.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

1.1. E. M. intentou contra C. M. e mulher, M. C., acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que os Réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 8.819,85 € (oito mil, oitocentos e dezanove euros e oitenta e cinco cêntimos), sendo 7.819,92 € correspondentes ao pagamento que efectuou da quota-parte da sua fracção nas obras levadas a cabo pelo condomínio no prédio e despesas associadas, e 1.000,00 € por danos não patrimoniais.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que em 28.09.2015 comprou aos Réus uma fracção autónoma de um prédio urbano, mas que estes lhe omitiram que tinham sido convocados para uma assembleia de condóminos a realizar nesse mesmo dia com a finalidade de ser deliberada a realização de obras e que as mesmas seriam pagas pelos condóminos nas respectivas proporções. Mais alegou que os Réus, desde o mês de Julho de 201,5 tinham conhecimento de que o prédio iria entrar em obras, o que acarretaria uma despesa avultada para o proprietário da fracção.
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Contestaram os Réus, alegando que informaram a Autora que a questão das obras na fachada do edifício se encontrava pendente, sendo que por essa razão aceitaram diminuir substancialmente o preço que pretendiam obter com a venda da fracção.
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Realizada a audiência de julgamento, a Mma. Juiz proferiu sentença a julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou os Réus a pagar à Autora a quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros), a título de responsabilidade pré-contratual, e a quantia de 650,00 € (seiscentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
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1.2. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação da sentença e formularam, a terminar as suas alegações, as seguintes conclusões:

«A. A Douta Sentença enferma de erro no julgamento da matéria de facto, razão pela qual os Réus não se conformam com a mesma e dela recorrem.
B. O presente recurso tem como fundamento a impugnação da Decisão proferida sobre a matéria de facto – pedido de reapreciação da prova gravada.
C. Entendem os Réus que o Tribunal recorrido, cotejados todos os meios probatórios disponíveis e atendendo às regras da experiência comum, errou ao considerar provados os factos ínsitos nos pontos n.ºs 12, 13, 14, 15, 19, 20 e 21 dos factos provados na Sentença;
D. A Decisão deveria ainda ter dado como provados os seguintes factos:

a) Os Réus comunicaram à Autora que se encontrava a pendente a apreciação da questão das obras a realizar na fachada.
b) Era de conhecimento público e geral de qualquer pessoa que frequentasse a Quinta ... que a fachada do prédio necessitava de obras.
c) Os Réus aceitaram diminuir o preço de venda pedido inicialmente tendo em conta a necessidade de realização de obras no edifício.
E. O Julgador é livre ao apreciar as provas e sobre elas formular juízos. No entanto, está vinculado a princípios do direito probatório e às regras da experiência comum e da lógica e ainda a regras de natureza científica.
F. O Tribunal a quo considerou provado que “os Réus tinham conhecimento que o edifício iria entrar em obras as quais teriam de ser suportadas pelos condóminos.” (…) “não tendo dado conhecimento à Autora de tal facto, nem que se encontrava designado dia 28 de Setembro de 2015 para a realização da Assembleia de Condóminos” e considerou não provado que “os Réus comunicaram à Autora que se encontrava pendente a apreciação da questão das obras a realizar na fachada.”
G. Sucede que a Meritíssima Juiz a quo, efetuando uma apreciação rigorosa dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, não fundamenta devidamente as razões de facto pelas quais extraiu tais conclusões, nem, em nosso humilde e modesto entender, a elas poderia ter chegado.
H. Foi afirmado pelos Réus que tinham conhecimento, e que disso deram nota à Agente Imobiliária, de que naquele verão souberam que o condomínio não havia obtido ganho de causa na ação que movera contra o construtor, e que, na sequência dessa decisão judicial, foi realizada uma assembleia de condóminos que determinou a recolha de orçamentos a fim de se quantificar o valor das obras e que havia de ser posteriormente marcada uma assembleia de condóminos para decidir relativamente à intervenção a realizar na fachada do edifício.
I. Tal Assembleia de Condóminos veio a ser marcada para dia 28 de Setembro, à noite, coincidentemente, a mesma data em que se realizou a escritura de compra e venda do imóvel, sendo certo que não houve qualquer intervenção ou influência dos Réus na escolha e marcação de qualquer uma das datas.
J. Relevam neste sentido as Declarações de parte do Réu C. M. constantes de 3m38ss a 3m48ss; de 3m59ss a 4m28ss; de 10m00s a 10m55ss e de 16m15ss a 16m17ss e as Declarações de parte da Ré M. C. de 3m42ss a 4m51ss; de 5m34ss a 5m47ss; de 06m36ss a 06m58ss; de 7m22ss a 7m48ss; de 07m55ss a 07m56ss e de 13m09ss a 15m05ss.
K. Sucede, porém, que o Tribunal de Primeira Instância, ora recorrido, não atribuiu credibilidade às declarações de parte dos Réus afirmando na página 11 da Sentença, que “O mesmo já não se pode dizer quanto às declarações de parte dos Réus.”
L. Não obstante avançar na página seguinte, em absoluta contradição, que: “o depoimento de parte do autor em nada convenceu o Tribunal”. (…) “E o mesmo se diga em relação ao depoimento de parte da Autora.”
M. A Meritíssima Juiz a quo considerou o depoimento do Réu marido não credível, invocando contradição no facto deste ter afirmado que tinha estado, pelo menos uma vez, com a Autora na fração, o que foi posto em crise pela Autora e pela agente imobiliária, nas palavras da Meritíssima Juiz, o que é falso.
N. Isto porque, quer a testemunha P. G., quer a funcionária da imobiliária (testemunha A. C.) reconheceram ter estado no imóvel, simultaneamente, pelo menos uma vez, os Réus (marido e mulher), a agente imobiliária e a Autora compradora do imóvel.
O. Neste sentido, o depoimento da testemunha P. G. de 04m54ss a 05m01ss e de 05m05ss a 05m22ss e o Depoimento da testemunha A. C. 18m33ss a 19m02ss.
P. A Decisão recorrida desconsidera ainda o depoimento do Ré alegando que o mesmo afirmou ter entregue à Imobiliária, na pessoa da D. A. C. (agente imobiliária), a convocatória para a assembleia de condóminos que teve lugar a 28 de Setembro, sendo certo que, o que tanto o Réu como a Ré afirmaram, foi que foi esta última quem procedeu com tal entrega, pelo que, não existe qualquer contradição.
Q. Neste sentido, Declarações de parte do Réu de 10m00s a 10m55ss e Declarações de parte da Ré de 13m09ss a 15m05ss.
R. Por sua vez, também no que concerne à Ré, afirma a Sentença que a mesma não podia “deixar de saber que o edifício iria entrar em obras, que as mesmas seriam suportadas pelos condóminos e que o valor que caberia a cada um seria relativamente elevado tendo em conta os comportamentos e normais padrões de vida da classe média em Portugal.”, uma vez que a Ré afirmou que “no momento em que concordaram com a proposta da Autora de 90.000€ desconhecia que o prédio ia entrar em obras”.
S. Ora, com o devido respeito que é muito, parece que a Meritíssima Julgadora não considerou serem coisas distintas saber-se que havia a necessidade de obras ou poder afirmar-se que o prédio iria entrar em obras, quando iria entrar em obras e qual o orçamento de tais obras. O facto de os condóminos Réus já terem conhecimento de que o condomínio não havia obtido ganho de causa na ação contra o construtor, não pode significar que dessem já como adquirido que, em sede de assembleia de condomínio, a maioria dos votos expressos em eventual deliberação seria no sentido de que os condóminos quisessem e aceitassem de imediato avançar com as obras.
T. Saliente-se que a assembleia de condóminos que determinou a recolha de orçamentos foi prévia à venda do apartamento mas que aquela que veio a aprovar, em definitivo, a realização das obras e qual o montante das mesmas ocorreu na noite de 28 de Setembro, ou seja, já após a venda do apartamento.
U. Sem prejuízo do primado da livre convicção do Juiz e valoração da prova, na boa Decisão e na análise de prova contradita impõe-se, também, a formulação de juízos de suficiente probabilidade ou verosimilhança.
V. A Meritíssima Juiz a quo reputou de isento e absolutamente credível o depoimento da agente imobiliária que intermediou a compra (testemunha A. C.), sobrevalorizando-o em detrimento dos demais depoimentos e declarações das partes.
W. Repare-se que no seu depoimento, a agente imobiliária A. C. refere “Não fomos ao terraço. Em nenhuma das vezes fomos ao terraço. É habitual se está mau tempo: ou se está muito calor ou muito frio.” (23m18ss a 23m22ss).
X. Ora, questionamos se é plausível que uma agente imobiliária promova dignamente a venda de um imóvel sem ter percorrido todas as suas divisões, sem o visitar e conhecer atenta e pormenorizadamente. Salvo melhor opinião, tal não é minimamente crível.
Y. O mesmo se diga relativamente a quem pretende, como foi o caso da Autora, comprar um apartamento, fazendo crer que em nenhuma das visitas esteve no terraço do apartamento, precisamente o local onde os Réus afirmaram terem conversado com ambas sobre o condomínio e sobre as obras, apontando os defeitos resultantes da queda dos ladrilhos.
Z. Quando questionada sobre tal facto, a Autora respondeu com um redundante e firme “não” (26m00ss). No entanto, não é de todo expectável que um cidadão medianamente informado e esclarecido não tenha interesse em conhecer uma das mais-valias de qualquer imóvel, como é o caso de um terraço, espaço ao ar livre, que nem todos os apartamentos possuem e que, por esse facto, lhe aumenta o interesse e valor comercial.
AA. Por razões de experiência comum, as negações da Agente Imobiliária e da Autora, mereciam, em nosso entender, um juízo de sentido crítico negativo por parte da Meritíssima Julgadora, uma vez que, decorre da lógica do “homem médio”, suposto pela ordem jurídica, que quem medeia uma venda de imóvel e quem o visita, por mais do que uma vez, no interesse de o comprar, não deixaria de percorrer e avaliar atentamente todas as suas componentes e espaços, interiores e exteriores, pertença da fração autónoma.
BB. Apenas a Meritíssima Juiz a quo achou crível que o único assunto não abordado nas conversas entre as partes foi, precisamente, o das obras e que a única divisão do imóvel a não ter sido objecto de visita foi o terraço, exactamente o espaço onde a queda de azulejos era flagrante e, por isso, o assunto inevitável.
CC. Os Réus alegaram e provaram que prestaram todas as informações relevantes relativas ao condomínio, incluindo as assembleias de condóminos relativas às obras. Além do mais, não estava na sua esfera de possibilidades poderem ocultar tais circunstâncias, uma vez que, a necessidade das referidas obras, por via dos defeitos visíveis no edifício, nunca seria passível de manter ocultada e seria naturalmente questionada, como foi, por qualquer interessado na compra, assim que visitasse o imóvel.
DD. Neste sentido, Depoimento de M. R., vizinha quer da Autora, quer dos Réus de 9m16ss a 9m44ss e 10m56ss a 11m01ss; Depoimento de P. G. de 4m16ss a 4m20ss e de 5m05ss a 6m07ss e Depoimento da testemunha indicada pela Autora, S. M., gerente da empresa de administração de condomínios do imóvel em crise nos autos, de 13m23ss a 14m05ss.
EE. Acresce que, se afigura estranho e surpreendente o alegado desconhecimento da Autora, incompreensível e acriticamente aceite pelo Tribunal a quo, sabendo-se, como se provou em julgamento e decorre da Sentença que, esta, naquele ano de 2015, já há alguns meses (cerca de meio ano), residia no mesmo bairro e edifício, no bloco exactamente ao lado daquele onde veio a adquirir a fração, conforme decorre das suas declarações de 20m38ss a 20m52ss.
FF. Reputando as negações da visita ao terraço e da notoriedade da falta de azulejos/ladrilhos no prédio, manifestadas quer pela Autora, quer pela testemunha A. C., de inverosímeis e pouco credíveis, pelas razões de experiência comum já supra expostas, entendemos que concluir pela sua credibilidade e verdade, como fez a Meritíssima Julgadora, não pode, sem mais, fundar-se no princípio da livre apreciação da prova, o qual não é, como se sabe, um exercício de discricionariedade.
GG. Por sua vez, no que concerne à prova produzida relativamente ao preço da venda da fração e sobre os valores entregues pela Autora aos Réus, considerou a Meritíssima Juiz como não provado que os Réus aceitaram diminuir o preço de venda pedido inicialmente tendo em conta a necessidade de realização de obras no edifício e que o preço de venda da fração autónoma foi de 80.000,00€.
HH. Sucede, porém que, o valor inicialmente pedido pelo imóvel (110.000,00€), o valor acordado para a compra (90.000,00€) e o valor declarado na escritura (80.000,00€) teve que ver, apenas e tão só, com o montante que seria previsível despender nas obras de reparação do edifício.
II. Tanto a Autora como os Réus afirmaram nos seus articulados ter sido de 80.000€ o preço de compra do imóvel, tal como declarado na escritura que titulou o negócio, não obstante, resultou da prova produzida em sede de audiência de julgamento que o preço de custo efectivo para a Autora foi de 85.000,00€, decorrendo esta diferença de 5.000,00€ do pagamento efectuado pelos Réus à Imobiliária, que foi suportado pela Autora, e os demais 5.000,00€ resultantes do desconto efectuado em virtude do previsível custo das obras.
JJ. Neste sentido, Depoimento de parte do Réu de 13m50ss a 14m16ss; de 15m00ss a 15m07ss; de 18m10ss a 18m22ss e de 22m00ss a 22m07ss e Depoimento de parte da Ré de 11m36ss a 11m48ss.
KK. A circunstância de na escritura de compra e venda constar como valor da venda os 80.00,00€ (oitenta mil euros), ao invés dos 90.000€, que constavam da proposta de compra, explicitaram os Réus, veemente, teve em consideração o valor que tinham como referência para pagamento das obras que já sabiam ter existido nos blocos vizinhos. Era uma estimativa do montante que cada proprietário teria que despender com a obra.
LL. Mais uma vez, ao arrepio da razoabilidade e da verosimilhança, a Meritíssima Juiz considerou mais credível que a omissão deliberada de 5.000,00€ na escritura de compra e venda se tenha verificado por razões de evasão fiscal do que tal diferença de preço resultar, como cremos que se provou, do desconto atinente ao montante previsivelmente necessário despender com obras.
MM. No entanto, em sede decisória, o Tribunal acaba por determinar ser esse valor de 5.000,00€ aquele que, em sede condenatória, imputará aos Réus para pagamento à Autora, sendo certo que, resulta dos autos, que o valor que efectivamente coube a cada condómino foi superior a esse montante.
NN. Fundamentou a Meritíssima Juiz a quo nos seguintes termos: “Ora, tendo em conta os concretos encargos que a Autora teve, bem como a posição assumida pelos Réus de que o valor das obras rondaria os 5.000,00€ entende-se, e segundo juízos de equidade, ser esse o valor que os Réus devem indemnizar a Autora pelo seu comportamento pré-contratual”
OO. Com o devido respeito, que é muito, não se alcança onde se funda tal incongruência.
PP. A prova deve ser valorada no seu conjunto, reclamando uma ponderação global, em que, havendo versões contraditórias sobre determinado(s) facto(s), o julgador deve escolher, das diferentes probabilidades, aquela que, perante o acervo dos elementos probatórios, se evidencie como mais provável.
QQ. Expressas e constatadas as desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência e os fundamentos indicados pela Julgadora de 1ª Instância e nos quais baseou a Sentença, deverá o VENERANDO TRIBUNAL AD QUEM considerar provado que:

- Os Réus deram conhecimento à Autora que o edifício iria entrar em obras;
- Mais deram conhecimento que tais obras provavelmente seriam suportadas pelos condóminos, uma vez que o condomínio tinha perdido a ação contra o construtor;
- Os Réus informaram a Autora, através da agente imobiliária, que estava designada a realização de uma assembleia de condóminos para o dia 28 de Setembro de 2015;
- Era do conhecimento público e geral de qualquer pessoa que frequentasse a Quinta ... que a fachada do prédio necessitava de obras;
- A Autora residia no Bloco ao lado daquele em que veio a comprar o apartamento;
- Os Réus aceitaram diminuir o preço de venda pedido inicialmente tendo em conta a necessidade de realização de obras no edifício;
- O preço de venda da fração autónoma foi de 85.000,00€, dos quais os Réus receberam entregaram à imobiliária intermediária na venda o valor de 5.000,00€;
- Os Réus cumpriram com o dever de informação pré-contratual.

Nestes termos, e nos mais de direito, que V.ªs Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, após reapreciação da matéria de facto, alterada a Decisão recorrida, substituindo--a por outra que, em respeito pelas alegações do presente recurso e com todas as legais consequências, absolva os Réus do pedido».
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A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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1.3. QUESTÕES A DECIDIR

Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial(1). Tal restrição não opera relativamente às questões de conhecimento oficioso, as quais podem ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes - artigo 5º, nº 3, do CPC. Por outro lado, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, são questões a decidir:

i) – Verificar se existiu erro no julgamento da matéria de facto e se devem ser considerados não provados os pontos nºs 12, 13, 14, 15, 19, 20 e 21 da factualidade provada, bem como se devem ser considerados provados os três factos que os Recorrentes indicam na alínea D) das suas conclusões;
ii) – Quanto à matéria de direito, em consonância com a modificação da matéria de facto proposta pelos Recorrentes, saber se a acção deve ser julgada improcedente.
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II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1 – Por procedimento outorgado em Conservatória do Registo Predial de 28 de Setembro de 2015 a Autora e os Réus outorgaram um contrato nos termos do qual a primeira comprou e os segundos venderam a fracção autónoma designada pela letra A, correspondente ao rés-do-chão direito, tipo T3, e garagem nº 1 na cave, que faz parte do prédio constituído em propriedade horizontal conhecido por Quinta ..., Lote .., sito em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., do concelho de Chaves, sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...-A.
2 – Declararam os vendedores que a fracção era alienada livre de ónus e encargos.
3 – O negócio referido em 1 foi antecedido de negociações entre as partes, tendo os Réus contratado para mediar o negócio a agência imobiliária X – .
4 – A Autora tomou conhecimento de que o imóvel se encontrava à venda, através da referida imobiliária, no Verão de 2015.
5 – A fracção estava à venda por 110.000,00 € tendo feito uma proposta de 90.000,00 € a qual acabou por ser aceite pelos Réus.
6 – Para o efeito a Autora recorreu a empréstimo bancário, bem como às suas economias.
7 – O Réu informou a Autora do montante da prestação do condomínio, bem como que se encontravam [regularizados] todos os pagamentos devidos.
8 – Em Novembro de 2015 a Autora foi notificada pela empresa que administra o condomínio – T., Lda. – da acta da assembleia de condóminos que teve lugar a 28 de Setembro, em que foi deliberada a realização de obras de restauro na fachada do edifício.
9 – Na reunião de assembleia de condóminos que teve lugar a 30 de Julho de 2015 foi deliberado reunir orçamentos para a reparação total da fachada do edifício, devendo a administração convocar assembleia extraordinária para o mês de Setembro, onde seriam apresentados os orçamentos aos condóminos.
10 – Os Réus foram convocados para tal reunião mas não estiveram presentes, tendo sido notificados da correspondente acta.
11 – Os Réus foram convocados para a assembleia de condóminos que teve lugar a 28 de Setembro de 2015 com a antecedência de 15 dias, tomando conhecimento que o único ponto da ordem de trabalhos era a reabilitação do edifício.
12 – Os Réus tinham conhecimento que o edifício iria entrar em obras as quais teriam de ser suportadas pelos condóminos.
13 – Não tendo dado conhecimento à Autora de tal facto nem que se encontrava designado dia 28 de Setembro de 2015 para a realização da assembleia de condóminos.
14 – A Autora não celebraria o negócio pelo preço que o fez se tivesse conhecimento que o prédio iria entrar em obras de recuperação da fachada.
15 – Quando tomou conhecimento da deliberação da assembleia de condóminos interpelou os Réus para procederem ao pagamento do valor das obras, o que estes recusaram.
16 – O condomínio do Edifício Quinta ... intentou contra a Autora uma acção executiva que correu termos sob o nº 1700/16.9T8CHV, tendo no seu âmbito a Autora liquidado os seguintes valores:

- 6.023,70 € (que pagou em 8 prestações mensais no valor de 752,96 € cada uma),
- 219,60 € de despesas;
- 661,45 € de juros;
- 889,60 € + 25,50 € de custas.
17 – A Autora despendeu o total de 7.819,92 €.
18 – A Autora fez um grande esforço económico para poder liquidar os montantes enunciados em 16.
19 – Os Réus desde o mês de Julho de 2015 que tinham conhecimento de que o prédio iria entrar em obras, o que acarretaria uma despesa avultada para a proprietária.
20 – Não tendo dado conhecimento de tal facto à Autora.
21 – O recurso a tribunal, a interpelação aos Réus que se recusaram a pagar, indignou a Autora, que passou noites sem dormir, angustiada com a despesa que teve de suportar.
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Factos não provados:

O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

«a) Os Réus comunicaram à Autora que se encontrava a pendente a apreciação da questão das obras a realizar na fachada.
b) Era de conhecimento público e geral de qualquer pessoa que frequentasse a Quinta ... que a fachada do prédio necessitava de obras.
c) Os Réus aceitaram diminuir o preço de venda pedido inicialmente tendo em conta a necessidade de realização de obras no edifício.
d) O preço de venda da fracção autónoma foi de 80.000 €.
e) A Autora sabia que o condomínio era gerido pela empresa T., Lda.
f) Os Réus deram conhecimento à Autora da realização da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 28 de Setembro de 2015 e que tinha sido dirigido para o imóvel quer a convocatória quer a documentação que a acompanhava».
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2.2. Do objecto do recurso

2.2.1. Da impugnação da decisão da matéria de facto

2.2.1.1. Em sede de recurso, a Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância.

Estão efectivamente atribuídos à Relação poderes de reapreciação da matéria de facto no âmbito de recurso interposto, que a transformam num tribunal de instância que também julga a matéria de facto, garantindo um duplo grau de jurisdição.

Para que a Relação possa conhecer da apelação da decisão de facto é necessário que se verifiquem os requisitos previstos no artigo 640º do CPC, que dispõe assim:

«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º».

No fundo, recai sobre o recorrente o ónus de demonstrar o concreto erro de julgamento ocorrido, apontando claramente os pontos da matéria de facto incorrectamente julgados, especificando os meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e indicando a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre a factualidade impugnada.

Em todo o caso importa enfatizar que não se trata de uma repetição de julgamento, foi afastada a admissibilidade de recursos genéricos sobre a decisão da matéria de facto e o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente» (2).

Delimitado pela negativa, segundo Abrantes Geraldes (3) o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto será, total ou parcialmente, rejeitado no caso de se verificar «alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b);
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação».
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Aplicando os aludidos critérios ao caso que agora nos ocupa, verifica-se que os Recorrentes indicam quais os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, especificam os meios probatórios que imporiam decisão diversa e mencionam a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto controvertidas. No que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, procedem à indicação dos elementos que permitem minimamente a sua identificação e localização.

Por isso, podemos concluir que os Recorrentes cumpriram suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640º do CPC e, por outro lado, tendo sido gravada a prova produzida na audiência de julgamento e dispondo dos elementos que serviram de base à decisão sobre os factos em causa, esta Relação pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada.

Quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal, tal matéria encontra-se regulada no artigo 662º do CPC, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”, que preceitua no seu nº 1 que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Por isso, passa-se a reapreciar a matéria de facto impugnada.
*
2.2.1.2. Com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos e à audição integral da gravação das declarações de parte da Autora E. M. e dos Réus C. M. e M. C. e dos depoimentos das testemunhas R. J., ex-marido da Autora, S. M., sócia-gerente da empresa que administrava o condomínio do prédio onde se insere a fracção vendida pelos Réus à Autora, A. C., trabalhadora da empresa de mediação imobiliária que intermediou o negócio entre a Autora e os Réus, M. T., amiga de infância dos Réus por terem crescido no mesmo bairro, M. R., actual vizinha da Autora e que anteriormente foi vizinha dos Réus, com quem mantinha contacto próximo (tanto que tinha a chave da casa destes), P. G., amigo dos Réus “há muitos anos” e vizinho dos mesmos.

Numa apreciação liminar da prova prestada oralmente na audiência final, tendo presente as questões factuais objecto da impugnação, verifica-se que os documentos juntos aos autos pouco contribuem para a decisão da matéria de facto e que os depoimentos das testemunhas M. T. e P. G. são irrelevantes, uma vez que não têm conhecimento directo de nenhum dos factos em discussão, uma vez que aquilo que declararam saber lhes adveio de conversas com os Autores. Os depoimentos de R. J., M. R. e S. M., se bem que tenham alguma relevância, circunscrevem-se a apenas alguns factos. Com relevância decisiva temos o depoimento de A. C., pelo conhecimento que demonstrou e a sua equidistância relativamente à posição das partes.
*

2.2.1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que os Réus/Recorrentes consideram incorrectamente julgados os pontos nºs 12, 13, 14, 15, 19, 20 e 21 da factualidade provada e ainda outros três factos que indicam na conclusão D) das suas alegações.

Por um lado, pretende que sejam dados como não provados os seguintes factos:

«12 – Os Réus tinham conhecimento que o edifício iria entrar em obras, as quais teriam de ser suportadas pelos condóminos.
13 – Não tendo dado conhecimento à Autora de tal facto nem que se encontrava designado dia 28 de Setembro de 2015 para a realização da assembleia de condóminos.
14 – A Autora não celebraria o negócio pelo preço que o fez se tivesse conhecimento que o prédio iria entrar em obras de recuperação da fachada.
15 – Quando tomou conhecimento da deliberação da assembleia de condóminos interpelou os Réus para procederem ao pagamento do valor das obras o que estes recusaram.
19 – Os Réus desde o mês de Julho de 2015 que tinham conhecimento de que o prédio iria entrar em obras, o que acarretaria uma despesa avultada para a proprietária.
20 – Não tendo dado conhecimento de tal facto à Autora.
21 – O recurso a tribunal, a interpelação aos Réus que se recusaram a pagar, indignou a Autora, que passou noites sem dormir, angustiada com a despesa que teve de suportar».

Por outro lado, pretendem que se julguem provados os seguintes factos:

«a) Os Réus comunicaram à Autora que se encontrava a pendente a apreciação da questão das obras a realizar na fachada.
b) Era de conhecimento público e geral de qualquer pessoa que frequentasse a Quinta ... que a fachada do prédio necessitava de obras.
c) Os Réus aceitaram diminuir o preço de venda pedido inicialmente tendo em conta a necessidade de realização de obras no edifício».
*
2.2.1.4. O Tribunal a quo exprimiu a motivação da decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:

«Para dar como provada e não provada a matéria de facto nos termos supra enunciados o Tribunal teve desde logo em conta a posição assumida pelas partes, designadamente, no que se refere à celebração do contrato de compra e venda referente ao imóvel, bem como à necessidade de realização de obras na fachada do edifício, bem como as diversas assembleias de condóminos em que tal questão foi apreciada.

Ficou também documentalmente provada a pendência da identificada acção executiva contra a ré bem como os valores que aquela teve de liquidar quer referente ao montante da sua comparticipação nas obras quer das demais despesas e encargos tidos em virtude do mencionado processo executivo.

Há, no entanto, várias questões a considerar.

Desde logo no que tange ao preço acordado.

É certo que a autora, em sede de alegação afirma que liquidou 80.000 €, o que é secundado pelos réus e consta do texto do negócio.

Porém, em sede de declarações de parte a autora afirmou que o preço que efectivamente pagou ascendeu a 90.000 €, sendo 80.000 € no momento da formalização do negócio, 5.000 € em cheque e ainda 5.000 € em dinheiro.

Ora, o réu, por sua vez, nas suas declarações de parte, muito embora tenha afirmado que o preço foi de 80.000 € acabou por reconhecer que a autora pagou, além do mencionado valor 5.000 € à imobiliária.

Nos termos do contrato de mediação celebrado entre os réus e a imobiliária aqueles são os responsáveis pelo pagamento da remuneração à imobiliária, que no caso acordaram ser de 5.000 €.

Logo, a circunstância de ter sido a autora a entregar tal quantia à imobiliária não faz com que seja ela que assuma a responsabilidade pelo pagamento, mas sim, tal montante continua a fazer parte integrante do preço pago.

A este respeito foram ainda relevantes os depoimentos das testemunhas R. J. ex-marido da autora e que lhe emprestou o valor de 5.000 € através de um cheque. O montante foi levantado pelo declarante que para o efeito se deslocou ao banco acompanhado da funcionária da imobiliária – D. A. C..

Também a testemunha C. P funcionária da imobiliária «X » que intermediou o negócio, sendo para o efeito contratada pelos réus.

Tendo conhecimento directo de todo o iter negocial, esta testemunha, esclareceu que, inicialmente, em Fevereiro de 2015, data em que foi outorgado o contrato de mediação, o preço estabelecido foi de 110.000 €.

A autora foi visitar a fracção e fez uma proposta de 90.000 € que os réus acabaram por aceitar.

A autora entregou à imobiliária um cheque de 5.000 € que ficou como reserva. Após a outorga da escritura tal cheque foi levantada e entregue aos réus.

Esclareceu ainda que, no dia da escritura e antes de a mesma ser efectiva, a autora deslocou-se à Caixa ... acompanhada pela testemunha e pelo réu, local onde entregou a este a quantia de 5.000 € em dinheiro, e fez para a conta dos réus uma transferência pelo valor de 80.000 €.

Confirmou as palavras da testemunha anterior no sentido de que o cheque de 5.000 € foi levantado e o dinheiro entregue aos réus.

Ora, esta testemunha acompanhou todo o negócio, contactou com a autora e com os réus, realizou a mediação entre ambas as partes, transmitiu as propostas efectuadas, pelo que se encontra numa situação privilegiada para relatar o que efectivamente aconteceu.

Acresce que depôs de uma forma serena, concisa e sem evidenciar qualquer interesse em favorecer qualquer uma das partes.

O seu depoimento mereceu, por tal razão, plena credibilidade ao Tribunal, ficando assim convencido que o preço acordado e pago pela autora ascendeu a 90.000 €.

A outra questão que dependia de prova era do conhecimento por parte da autora da necessidade de realização de obras na fachada do prédio bem como se a ausência do conhecimento de tal facto influenciou a vontade de contratar da autora.

A autora, em sede de declarações de parte, afirmou que, nunca os réus lhe deram conhecimento da necessidade de realização de obras na fachada do prédio apenas a tendo informado do valor do condomínio a pagar bem como que todas as prestações estavam liquidadas.

Também nada referiram quanto às assembleias de condóminos (nem quanto àquela em que foi deliberado a realização das obras e a apresentação de orçamentos nem da que se realizou no dia da outorga do negócio em que foi escolhido quase o orçamento), sendo que, conforme resulta da documentação junta aos autos e de prova testemunhal a que se fara referência tinham conhecimento quer do teor da primeira quer da data de realização da segunda e da sua ordem de trabalhos.

Disse ainda a autora que se soubesse que tinha de suportar os encargos com as obras, não faria a oferta de 90.000 € uma vez que a não tinha capacidade económica para fazer face às obras.

Assim, celebraria na mesma o negócio mas por um valor inferior.

Esclareceu ainda que, não obstante ao tempo morar num apartamento arrendado desde há cerca de meio ano, na Quinta ... desconhecia a necessidade de realização de obras bem como quem era a entidade responsável pela administração do condomínio.

Foi a imobiliária que lhe deu conhecimento da necessidade de realização das obras, uma vez que teve conhecimento por uma pessoa que adquiriu na mesma altura uma mesma fracção no edifício.

Tendo em conta a forma como prestou as suas declarações, de forma séria e ponderada, o Tribunal acreditou nas suas palavras.

O mesmo já não se pode dizer em relação às declarações de parte dos réus.

Desde logo porque em relação ao preço, entraram em contradição com o valor pago à imobiliária, que foi “desviado” da quantia entregue pela autora.

Referiu ainda o réu que foi entregue uma chave na imobiliária, o que veio a ser infirmado quer pelo depoimento da funcionária da imobiliária – D. A. C. – quer pelo da testemunha M. R. a vizinha a quem a chave ficou confiada.

Afirmou que esteve com a autora na fracção uma vez e que, nessa altura, falara, da necessidade de fazer obras no prédio.

Ora, tal situação, além de ser negada pela autora, foi igualmente posta em crise pela funcionária da imobiliária.
O mesmo se diga em relação à convocatória para a assembleia de condóminos que teve lugar a 28 de Setembro que afirmou ter entregue à imobiliária na pessoa da D. A. C., o que esta negou.

Mais uma vez e no que tange ao preço afirmou que foram retirados 5.000 € em virtude da necessidade da realização de obras sem contudo conseguir justificar como é que chegou a tal valor uma vez que as mesmas ainda não estavam quantificadas.

Assim, mercê de todas as imprecisões e contradições de que o seu depoimento esteve repleto o depoimento de parte do autor em nada convenceu o Tribunal.

E o mesmo se diga em relação ao depoimento de parte da autora, embora em menor grau, sendo que afirmou que a chave ficava confiada a uma vizinha e que quando era necessário proceder a alguma visita a funcionária da imobiliária ia recolher as chaves.

Disse ainda que, no momento em que concordaram com a proposta da autora de 90.000 € desconhecia que o prédio iria entrar em obras.

Porém, tal afirmação é incompatível com a circunstância de ter conhecimento que a acção proposta contra o construtor ter naufragado, bem como com a alegação que faz que a necessidade de obras era notória.

Conjugados os enunciados elementos não podia a ré deixar de saber que o edifício iria entrar em obras, que as mesmas seriam suportadas pelos condóminos e que o valor que caberia a cada um seria relativamente elevado tendo em conta os comportamentos e normais padrões de vida da classe média em Portugal.

Afirmou ter entregado à testemunha A. C. a convocatória para a assembleia a realizar a 28 de Setembro o que esta negou rotundamente.

Em relação ao preço, e ao dinheiro que efectivamente recebeu, escuda-se a ré no valor que ficou a constar da escritura de compra e venda, afastando o montante pago à imobiliária bem como os 5.000 € entregues em dinheiro pela autora.

No que se refere à forma como a convocatória para as assembleias de condóminos é efectuada, a testemunha S. F., funcionária da empresa administradora do condomínio referiu que a mesma é feita para a morada que os condóminos indicam, não sendo necessariamente a mesma da fracção inserida no edifício.
Assim, cabia aos réus, uma vez que não residem desde há alguns anos na fracção que acabaram por vender à autora, indicar a morada para a qual pretendiam que as comunicações fossem efectivadas, pelo que, não o tendo feito não podem vir agora alegar qualquer desconhecimento.

Logo, tinham os réus conhecimento (ou pelos tinham obrigação de ter) que iriam ser apresentados orçamentos para a execução das obras na fachada do prédio.

Muito relevante foi o depoimento, a que já se fez referência algumas vezes, da testemunha C. P., funcionária da imobiliária e que mediou o negócio entre a autora e os réus.

Não hesitou em afirmar que na primeira visita que fez ao local com a autora apenas estava presente a ré e não o réu, sendo que, quando queria mostrar o apartamento tinha de ir a uma vizinha buscar as chaves do mesmo. Na última visita já estavam ambos os réus.

No que se refere ao preço, afirmou peremptoriamente que o mesmo foi de 90.000 €.

A autora, inicialmente, entregou um cheque de 5.000 € (titulado pelo seu ex-marido) que ficou na imobiliária de reserva.

No dia da escritura a testemunha deslocou-se à Caixa ..., acompanhada pela autora e pelos réus onde aquela fez uma transferência de 80.000 € para a conta destes e entregou 5.000 € em dinheiro que levantou na altura.

A testemunha de forma categoria afirmou ter presenciado tais transacções não evidenciando qualquer insegurança nas suas afirmações.

Esclareceu ainda que, depois da realização da escritura foi com o ex-marido da autora ao banco, tendo o mesmo levantado o cheque.

Posteriormente, os réus passaram na agência a fim de levantar o dinheiro tendo-o utilizado para efectuarem o pagamento do valor devido à imobiliária acordado em 5.000 €.

No que se refere às obras os réus em nenhum momento fizeram tal referência negando de forma assertiva que a ré, alguma vez, que lhe tenha entregado qualquer convocatória do condomínio.

A imobiliária teve conhecimento da situação relativa às obras através de uma vizinha que estava em circunstâncias semelhantes, ou seja, adquiriu uma fracção no edifício sem saber que, muito em breve teria de despender uma quantia avultada para a realização de obras.

Todas as conversas que tiveram foi apenas sobre o valor do condomínio.
Foi a imobiliária que deu conhecimento à autora da necessidade de realização das obras, sendo que também só teve conhecimento do facto pela outra moradora.
Contactaram os réus que se negaram a efectuar qualquer pagamento.

No que se refere à prova apresentada pelos réus as testemunhas que indicaram, porque nada sabiam quanto ao assunto aqui em crise nada puderam esclarecer.

Assim, a testemunha M. T. nada presenciou apenas relatando o que a ré lhe contou.

A testemunha M. R. confirmou que tinha as chaves da casa dos réus em seu poder e, quando a imobiliária a queria mostrar entregava-a.
Por fim a testemunha P. G. também nada sabe quanto aos factos aqui em discussão.

Em face da prova produzida há a concluir que nenhum dos depoimentos prestados pôs em crise a versão apresentada pela autora, antes pelo contrário, vieram confirmar quer o preço quer o modo de pagamento por si alegados, bem como a ausência de informação quanto à breve necessidade de realização de obras avultadas no edifício.

Uma palavra para a circunstância de, estando no Tribunal uma testemunha arrolada pelos réus que, poderia atento o que se apurou, esclarecer as dúvidas que aqueles entendiam existir sobre tal facto, terem prescindo do seu depoimento, o que não deixa de causar estranheza».
*
2.2.1.5. Há, assim, que verificar se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde à prova realmente obtida ou, ao invés, se a mesma se apresenta de molde a alterar a factualidade impugnada, nos termos invocados pela Recorrente.


Nas acções em que a actividade probatória se alicerça essencialmente na prova testemunhal ou nas declarações das partes produzidas na audiência final, a Relação, ao reponderar as questões de facto em discussão através da reapreciação dos meios probatórios, encontra-se numa situação de manifesta desvantagem em comparação com o tribunal de primeira instância, atentas as perdas significativas que se verificam nos factores da imediação e da oralidade.

Como muito bem salienta Abrantes Geraldes (4), «a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (vídeo) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador».

Se assim é na generalidade das acções, tal desvantagem ainda é maior nas acções em que as testemunhas e partes produzem em audiência depoimentos/declarações substancialmente divergentes sobre a mesma realidade. Em tais casos, como o juiz não pode abster-se de julgar, através do mero recurso ao non liquet, e tem o dever de fazer justiça (e não possui detector de mentiras, para além daquele que resulta da sua experiência, intuição e interpretação racional do que observa durante a produção da prova), a matéria de facto é susceptível de ser decidida com base nos pormenores que a psicologia judiciária tem vindo a sinalizar, como sejam os que se retiram da «percepção do entusiamo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão» (5). No fundo, há todo um conjunto de elementos captáveis directamente no momento da produção da prova testemunhal (ou das declarações das partes) que dificilmente o tribunal superior consegue apreender na gravação, cujo processo de reapreciação pouco mais vai além da mera consideração das palavras proferidas, perdendo-se os elementos subtis e, em geral, o que se designa de comunicação não-verbal.

Sendo assim, à semelhança do que sucede com o recorrente, sobre o qual recai o ónus previsto no artigo 640º, nº 1, al. b), do CPC, de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, também se deve entender que a Relação, para modificar a decisão do juiz de primeira instância sobre determinado facto, tem de conseguir rebater, de forma cabal e sem margem para dúvidas, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo relativamente àquele concreto ponto de facto. Se não consegue afirmar convictamente outra versão ou, nalgumas situações, afastar a versão que prevaleceu com base na existência de dúvida séria e legítima sobre a realidade do ponto de facto impugnado pelo recorrente, não deve a Relação alterar a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto. Não estamos a preconizar que a intervenção da Relação se circunscreva à detecção dos “erros manifestos” na apreciação da prova, pois as situações patológicas são facilmente detectáveis pelos tribunais superiores, mas sim de, para contrariar uma decisão da primeira instância racionalmente motivada, ser necessário uma fundamentação reforçada que revele um erro de julgamento. Uma mera dúvida, não racionalmente fundamentada, é insuficiente para alicerçar uma modificação da matéria de facto, até porque a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se reconduz a uma repetição do julgamento, mas sim, sendo um “recurso”, a uma mera reanálise da matéria sindicada.

Tendo sempre presente a apontada limitação e o objectivo de a conseguir superar até ao limite do admissível, verifica-se que no caso dos autos era impossível ao Tribunal da Relação decidir o recurso em matéria de facto sem ouvir toda a prova gravada e rever todos os demais meios de prova produzidos (6). Isto porque a impugnação dos Recorrentes, embora diga respeito a 10 factos (7 provados e 3 não provados), envolve quase todos os recursos probatórios (por exemplo, tanto os Réus e a Autora como todas as testemunhas pronunciaram-se sobre questões factuais objecto do recurso, além de existirem vários documentos carecidos de análise), pelo que tivemos de proceder à reapreciação de todos os meios de prova, o que fizemos metodologicamente em três fases sucessivas. Numa primeira fase, após leitura dos fundamentos jurídico-factuais invocados pelas partes nos articulados, da sentença e das posições que as partes assumem sobre a decisão da matéria de facto e respectivos fundamentos, analisaram-se os elementos probatórios objectivos constantes dos autos – os documentos. Numa segunda fase, tendo as questões factuais já delimitadas e presente o referido acervo probatório, passou-se à audição das gravações, findas as quais já conseguíamos formar uma livre convicção sobre a prova produzida e concluíamos que não existiam erros manifestos, contradições, incoerências ou implausibilidades na decisão da matéria de facto. Finalmente, na terceira fase, procurou-se aprofundar a análise da prova, com uma ênfase mais dialéctica e de racionalização; dialéctica por exigir o permanente confronto entre os argumentos factuais das partes e aspectos específicos dos meios de prova; de racionalização por a convicção ter pouco valor se não for fundamentada e explicável.

Ora, se findas as duas primeiras etapas desse processo de reapreciação dos meios de prova produzidos, em pura sede de livre apreciação da prova, este Tribunal da Relação já chegava ao mesmo resultado probatório do Tribunal de primeira instância, essa convicção ainda mais se reforçou no decurso da terceira fase.

Entendemos que a prova foi exemplarmente apreciada pelo Tribunal a quo, cuja argumentação exaustiva acompanhamos.

O processo de formação da convicção e da sua expressão na decisão está devidamente fundamentado, na medida em que permite seguir racionalmente o respectivo raciocínio e a inerente motivação. Todos os factos se encontram profusamente fundamentados e em termos que qualquer pessoa consegue alcançar.
*

2.2.1.6. Da necessidade de realização de obras no prédio e do seu conhecimento pelos Réus - Pontos de facto 12 e 19

Os Recorrente sustentam que se devem considerar como não provados os pontos 12 e 19 da matéria de facto, mas são eles próprios que na conclusão H afirmam o seguinte:

«Foi afirmado pelos Réus que tinham conhecimento, e que disso deram nota à Agente Imobiliária, de que naquele verão souberam que o condomínio não havia obtido ganho de causa na ação que movera contra o construtor, e que, na sequência dessa decisão judicial, foi realizada uma assembleia de condóminos que determinou a recolha de orçamentos a fim de se quantificar o valor das obras e que havia de ser posteriormente marcada uma assembleia de condóminos para decidir relativamente à intervenção a realizar na fachada do edifício».

Portanto, nas próprias alegações admitem a realidade do facto nº 12, pois, se tinham conhecimento da perda da acção intentada contra o construtor para a realização de obras (na qual o Réu foi testemunha, além de ser uma das três pessoas mais activas do condomínio com vista à resolução da questão, conforme se pode ver em vários extractos das declarações dos Réus e dos depoimentos das testemunhas S. M. e M. R.), se sabiam que tinha sido realizada uma assembleia de condóminos que determinou a recolha de orçamentos para as obras e que seria posteriormente marcada nova assembleia para deliberar sobre a sua execução, então isso representa precisamente o que consta do facto 12, ou seja que «Os Réus tinham conhecimento que o edifício iria entrar em obras, as quais teriam de ser suportadas pelos condóminos».
Em todo o caso esta Relação, depois de ouvida toda a prova gravada, não tem a mínima dúvida sobre a realidade do facto 12.

Para chegar a essa conclusão basta ouvir as declarações de parte do Réu, onde expressamente confessou ter sabido poucos dias após a realização da assembleia de condóminos de finais de Julho de 2015 (30.07.2015) do que foi deliberado nesta (todavia, convenientemente, disse não se lembrar de lhe ter sido enviada a notificação com a acta, mas a testemunha S. M., que trabalha na empresa que administra o condomínio, afirmou ter a certeza que a carta lhe foi enviada, além de o assunto ter sido objecto de conversa), designadamente da perda da acção ([sabíamos que] «tínhamos perdido a acção»), da necessidade de recolha de orçamentos e que o custo das obras seria suportado pelo condomínio («que as obras teriam que ser a nosso cargo»), ou seja, por todos os condóminos. Sobre a necessidade das obras as declarações de parte dos Réus são eloquentes, pois, foi o facto que afirmaram mais vezes, durante a prestação das declarações, com o fito de evidenciarem que qualquer pessoa se aperceberia da necessidade de serem realizadas obras. Que as obras seriam suportadas pelos condóminos é uma evidência, mas também a mesma resulta demonstrada das declarações de ambos os Réus, pois afirmaram ter estimado o seu custo, na parte referente à fracção, em 5.000,00 €.

Consequentemente, também não podia deixar de se dar como provado o facto nº 19, onde se afirma que «Os Réus desde o mês de Julho de 2015 que tinham conhecimento de que o prédio iria entrar em obras o que acarretaria uma despesa avultada para a proprietária».

Isso não só resulta evidenciado do que já expusemos a propósito das declarações de parte dos Réus, mas também da circunstância de a testemunha S. M. ter confirmado tanto a convocação para a assembleia (o que o Réu, de forma algo dúbia, acabou por admitir) como o envio da acta. Em suma: os Réus sabiam que iam ser realizadas obras e que o custo das mesmas era relevante, atentos os danos que invocaram durante as suas declarações e a estimativa que fizeram para as mesmas.
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2.2.1.7. Da não comunicação à Autora da questão das obras - Pontos de facto 13 e 20

A sentença recorrida é inteiramente clara sobre os motivos pelos quais deu como provados os factos 13 e 20. A fundamentação aí expressada está inteiramente em conformidade com a prova produzida, não sendo merecedora de qualquer crítica.

O núcleo factual essencial da causa de pedir consistia precisamente nestes dois factos.

As declarações prestadas pelas partes sobre esta matéria são antagónicas. Se bem que existam cambiantes entre as declarações dos dois Réus, o certo é que estes afirmaram que foi dado conhecimento à Autora da pendência da questão das obras no prédio. O Réu afirmou que esteve com a Autora por duas vezes: a primeira durante a visita que esta fez ao andar, durante a qual foram ao terraço e falaram da necessidade de obras, e a segunda no dia da “escritura” de compra e venda, altura em que abordaram a questão de se realizar nesse dia uma reunião da assembleia de condóminos para tratar da questão das obras e que diligenciaram, através da D. A. C. (segundo a Ré, cerca de uma semana antes da escritura; segundo o Réu, uns dias antes de tal acto), para que fosse entregue à Autora a respectiva convocatória. A Ré afirmou que aquando da visita da Autora ao andar falaram sobre a necessidade das obras, que mais tarde ou mais cedo tinha que haver obras, bem como que foi entregue à D. A. C. a convocatória para a assembleia de 28.09.2015 a fim de ser entregue à Autora. A Autora, pelo contrário, afirmou que os Réus nunca lhe disseram nada sobre obras ou reuniões de condóminos sobre as mesmas, tendo até diligenciado junto da D. A. C. para que fosse emitida pelos Réus uma declaração a atestar que inexistiam dívidas ao condomínio, que o aquecimento central funcionava, entre outros itens, tendo esta a convencido da sua desnecessidade.

Se bem que, pelas razões apontadas na motivação da decisão de facto, se afigurem mais credíveis as declarações da Autora, o certo é que existe o depoimento de uma testemunha que desfaz qualquer dúvida que pudesse existir sobre a realidade dos factos 13 e 20. O negócio foi intermediado por uma imobiliária oficial – a X – e a agente imobiliária que acompanhou o assunto desde o início foi a testemunha A. C..

Segundo esta testemunha, todos os contactos entre a Autora e os Réus foram feitos na sua presença, designadamente as negociações e as visitas ao apartamento. Não existiram quaisquer contactos entre as partes em que não estivesse presente, tal como é habitual nestes casos. Ora, a testemunha é peremptória sobre o facto de nunca os Réus terem informado a Autora sobre qualquer assunto relativo a obras no prédio; nunca tal matéria foi abordada e os Réus não comunicaram à referida imobiliária a pendência da questão das obras, o que afirmou que deveria ter sido feito para confrontar a compradora com a mesma e decidir em conformidade. Além disso, esta testemunha presenciou a reacção de surpresa que Autora teve quando soube que tinha que arcar com o valor das obras. Este depoimento foi prestado por uma pessoa desinteressada e equidistante tanto da Autora como dos Réus, e mostra-se coerente e seguro, pelo que é merecedor de credibilidade. Esta versão factual surge ainda secundada pela testemunha S. M., sócia-gerente da empresa que administra o condomínio, a qual verificou o estado em que ficou a Autora quando soube que tinha que suportar o custo das obras, tendo então afirmado que não pagava porque ninguém lhe tinha dito nada.

Pelas mesmas razões, a versão oposta, que os Recorrente defendem na impugnação da matéria de facto, não pode ser dada como demonstrada, designadamente que:

- a) Os Réus comunicaram à Autora que se encontrava a pendente a apreciação da questão das obras a realizar na fachada.
- Os Réus deram conhecimento à Autora que o edifício iria entrar em obras;
- Mais deram conhecimento que tais obras provavelmente seriam suportadas pelos condóminos, uma vez que o condomínio tinha perdido a ação contra o construtor;
- Os Réus informaram a Autora, através da agente imobiliária, que estava designada a realização de uma assembleia de condóminos para o dia 28 de Setembro de 2015.
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2.2.1.8. Ponto de facto 14

Sobre este ponto temos, por um lado, que a Autora declarou que, se soubesse que tinha de suportar os encargos com as obras, nunca faria a oferta de 90.000 €. E justificou a sua afirmação com o seu circunstancialismo pessoal e económico: estava divorciada, tinha um filho a seu cargo e auferia mensalmente um salário de seiscentos e tal euros; ao fazer a oferta de noventa mil euros já estava até a ultrapassar a suas disponibilidades, uma vez que teve até de recorrer ao ex-marido para poder fazer a reserva do apartamento (o que veio a ser confirmado por este).

Por outro lado, temos o depoimento do ex-marido, R. J., o qual foi consultado previamente para dar o seu conselho sobre o negócio e esclareceu que a Autora não tinha dinheiro para mais, pelo que não aceitaria fazer o negócio se soubesse que ainda tinha que arcar com o valor das obras.

Finalmente, temos o depoimento de A. C., que constatou a reacção da Autora quando foi confrontada com o facto de ter que suportar o custo das obras (e tal confronto foi feito por iniciativa da imobiliária, logo que soube, após a compra e venda, por uma terceira pessoa da existência da questão das obras e da respectiva deliberação da assembleia de condóminos).

Portanto, não existe qualquer erro de julgamento do Tribunal a quo ao dar como provado o ponto de facto nº 14.
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2.2.1.9. Ponto de facto 15

Também não existe qualquer erro no julgamento do facto nº 15.

Desde logo, a Autora afirmou tal facto. Mesmo que essas declarações não pudessem ser consideradas como decisivas, temos outros elementos de prova que o demonstram, como é o caso do depoimento de A. C., uma vez que, logo numa primeira fase, a agência imobiliária promoveu uma reunião com os Réus para ser tentado um acordo. Aliás, na mesma altura tinha ocorrido uma situação semelhante com outra moradora, que havia comprado um T2 no mesmo prédio (em circunstâncias semelhantes às da Autora) e que tinha ido à reunião de condóminos de 28.09.2015, onde ficou a saber das obras e respectivos valores, mas os vendedores assumiram o respectivo valor, tendo chegado a acordo com a compradora, negociação que foi intermediada pela referida agência. Porém, tal como referiu a testemunha, os Réus rejeitaram qualquer responsabilidade. A recusa é tão inequívoca que a própria existência desta acção assim o indicia.
*

2.2.1.10. Ponto de facto 21

Pretendem os Recorrentes que se considere como não provado o ponto de facto nº 21.
Que a Autora recorreu a tribunal, resulta directamente da existência desta acção. A interpelação dos Réus e a recusa destes em suportar o valor das obras, também é um facto inequívoco face ao que se expôs em 2.2.1.9.
Portanto, resta saber se a Autora se indignou com a atitude dos Réus e se passou noites sem dormir, angustiada com a despesa que teve de suportar.
Nesta parte, as declarações da Autora, que nos merecem credibilidade pelos motivos expostos na sentença recorrida, são confirmadas pelos depoimentos das testemunhas A. C. e S. M., que presenciaram a sua reacção quando foi confrontada com a questão de ter que suportar o custo das obras e de os Réus recusarem qualquer negociação a esse respeito. Também o depoimento de R. J. aponta no sentido da realidade deste facto.
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2.2.1.11. Demais pontos de facto

Na alínea D) das conclusões os Recorrentes preconizam que a sentença deveria ter dado como provado que «Os Réus aceitaram diminuir o preço de venda pedido inicialmente tendo em conta a necessidade de realização de obras no edifício». Tal ponto assenta numa versão que, além do mais, alicerçava-se na alegação de que «o preço de venda da fracção autónoma foi de 85.000,00 €, dos quais os Réus receberam e entregaram à imobiliária intermediária na venda o valor de 5.000,00 €»

Tal versão apenas se estriba nas declarações dos Réus e a mesma não resultou, manifestamente, demonstrada.

Por um lado, quanto ao preço, o mesmo não foi de 80.000,00 € nem de 85.000,00 €, mas sim de 90.000,00 €. A Autora afirmou durante as suas declarações de parte que o preço por si pago foi de 90.000,00 €. Tais declarações foram confirmadas por outros elementos de prova, ao contrário das declarações dos Réus.

A Autora afirmou que o preço pago ascendeu a 90.000,00 € e concretizou que entregou 80.000 € na altura da escritura (sendo 50.000,00 € proveniente de empréstimo bancário e os restantes 30.000,00 € de dinheiro que tinha disponível), 5.000 € em cheque e ainda 5.000 € em dinheiro. Por sua vez, o Réu admitiu que a Autora dispôs de 85.000,00 €, sendo que 80.000,00 € era o preço recebido pelos Réus e os restantes 5.000,00 € foram entregues pela Autora à imobiliária. Mais declarou que cinco mil euros eram «para as obras». No fundo, o Réu defendeu que quem pagou a comissão à agência imobiliária foi a Autora, mas está junto aos autos o respectivo contrato de mediação celebrado entre os Réus e aquela imobiliária, nos termos do qual eram os Réus os responsáveis pelo pagamento da respectiva remuneração, pelo que o facto de o cheque de 5.000,00 € ter sido entregue à agência, na altura da reserva (e assim ficou na sua posse até à data da “escritura”), não lhe retira a natureza integrante de preço. Esses cinco mil euros foram disponibilizados pela testemunha R. J., que os emprestou à Autora, tal como esclareceu na audiência final. Num primeiro momento, na altura da reserva, foi entregue o cheque desta testemunha, e num segundo momento, contemporâneo da escritura, o referido R. J. deslocou-se ao Banco ... com a testemunha A. C., onde levantou 5.000,00 €, os quais ficaram à guarda da imobiliária. A testemunha A. C. esclareceu que posteriormente, mediante acordo com os Réus, a comissão foi retirada daquele valor, contas essas que foram feitas pelo chefe da testemunha, C. A., como é habitual na imobiliária.

Quanto aos outros cinco mil euros, a testemunha A. C. descreveu que, no dia da escritura, mas antes desta, se deslocaram os quatro – a testemunha, a Autora e os dois Réus – à agência da Caixa ..., onde a Autora procedeu ao respectivo levantamento e entrega dessa quantia – 5.000,00 € - aos Réus, que os fizeram seus. Nessa mesma altura, a Autora fez uma transferência para os Réus no montante de 80.000,00 €.

Portanto, é seguro que o preço foi de 90.000,00 € e não de 80.000,00 € (como defendiam nos articulados) ou 85.000,00 € (como afirmou o Réu durante as suas declarações). Tal facto põe em causa a veracidade da versão dos Réus sobre a alegada baixa de preço com vista a acautelar «a necessidade de realização de obras no edifício». Tendo a Autora disposto efectivamente de 90.000,00 €, não corresponde à verdade que a Autora tenha retido, desses 90.000,00 €, 5.000,00 para as obras. A Autora entregou aos Réus 80.000,00 € por transferência bancária, 5.000,00 € em dinheiro que levantou na companhia dos Réus na Caixa ..., e 5.000,00 € por empréstimo do ex-marido, entregue no Banco ... por este à funcionária da imobiliária, donde posteriormente, de harmonia com o acordado entre Réus e agência imobiliária, se deu pagamento à comissão pela mediação.

Pelas razões apontadas na sentença, as quais temos por pertinentes face ao que ouvimos nas gravações, as declarações dos Réus não são merecedoras de credibilidade. Aliás, se já é temerário dar por verdadeiros factos apenas declarados por uma parte em tribunal sem que existam outros elementos de prova que os secundem ou corroborem, então já constitui um verdadeiro erro acreditar em declarações de parte que encerram contradições e incongruências e são contraditadas/infirmadas por outros elementos de prova.

Não ocorreu qualquer descida do preço em função da futura realização de obras, cuja necessidade ou pendência dessa questão nunca foi transmitida à Autora. A sentença explica bem esta parte, ao dizer que a testemunha A. C., funcionária da imobiliária “X ”, que intermediou o negócio e tem conhecimento directo de todo o iter negocial, «esclareceu que, inicialmente, em Fevereiro de 2015, data em que foi outorgado o contrato de mediação, o preço estabelecido foi de 110.000 €. A Autora foi visitar a fracção e fez uma proposta de 90.000 € que os Réus acabaram por aceitar».

Por isso, nenhum dos restantes factos apontados pelos Recorrentes pode ser considerado provado.
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2.2.2. Da reapreciação de Direito

O quadro factual relevante com vista à sua subsunção jurídica é exactamente o mesmo que serviu de base à prolação da sentença recorrida.

A eventual alteração da solução jurídica alcançada na decisão impugnada, quanto à defendida improcedência da acção, dependia, na sua totalidade, da modificação da matéria de facto, o que não sucedeu, pelo que se considera necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido de alteração do decidido naquela decisão, objecto do recurso interposto pelos Réus, o que aqui se declara, nos termos do artigo 608º, nº 2, do CPC ex vi do artigo 663º, nº 2, in fine, do mesmo diploma.

Em todo o caso, sempre se dirá, esclarecendo, que nos autos está em causa a apreciação da conduta dos Recorrentes no âmbito das relações pré-contratuais que estabeleceram com a Autora, das quais resultou a venda, por aqueles a esta, de um apartamento.

Na sentença entendeu-se que os Réus sonegaram à Autora informação relevante na formação da vontade negocial, ou seja, na decisão de contratar e como contratar. Concluiu-se que a Autora, em virtude da omissão, celebrou um contrato diferente daquele que teria celebrado se tivesse conhecimento que, a breve trecho, teria de arcar com o custo de obras na ordem dos sete mil euros.

Para tanto, invocou-se o instituto da responsabilidade pré-contratual, consagrado no artigo 227º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual «Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».

No nº 1 do artigo citado o legislador sanciona, em termos gerais, a responsabilidade por culpa na formação dos contratos - culpa in contrahendo. Assim, nas fases anteriores à celebração do contrato, isto é, na fase negociatória e na fase decisória, o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade; apontam-se, pois, aos negociadores certos deveres recíprocos e, ao lado destes, ainda em certos casos, o de contratar ou prosseguir as negociações iniciadas com vista à celebração de um acto jurídico (7). Trata-se de uma responsabilidade pré-contratual, devendo ser tomada a palavra «formação» num sentido amplo, de maneira a abranger todo o processo genético do acordo.

Durante as negociações e no momento da formação do contrato as partes estão submetidas ao princípio da boa fé objectiva (8). Há todo um conjunto de obrigações pré-contratuais, mas uma das mais importantes é a obrigação de informar, cujo conteúdo e extensão depende das concretas circunstâncias que rodeiam a formação do contrato e a natureza deste. O dever pré-contratual de informação consiste na obrigação jurídica de proceder, espontaneamente, à comunicação à contraparte sobre todas as circunstâncias relevantes, relativas ao negócio em causa e que esta desconheça. No âmbito desse dever, incumbe à parte informar a outra, com exactidão, sobre os factos essenciais para a determinação da sua vontade, mas também de omitir a comunicação de informações inexactas sobre factos essenciais.

Todavia, não é qualquer falta de informação que conduz à responsabilidade pré-contratual: o dever de informação pré-contratual pressupõe a essencialidade da informação, isto é, que se trate de circunstâncias factuais de informação essencial para a parte não informada, por serem susceptíveis de influenciar a decisão de contratar ou não e os termos em que o faz.

Para que alguém incorra em responsabilidade pré-contratual é necessário que se verifique um facto ilícito, consubstanciado no não cumprimento de uma obrigação pré-contratual, mas ainda outros pressupostos: culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo.

O dano a ser ressarcido pela responsabilidade pré-contratual é o dano da confiança, resultante do interesse contratual negativo – deve colocar-se o lesado na situação em que estaria, se não tem chegado a depositar uma confiança, afinal frustrada, na contraparte. No fundo, cobre o prejuízo que o lesado evitaria se não tem confiado que a contraparte cumpriria os específicos deveres inerentes a uma actuação de boa fé. A indemnização abrange não só os danos patrimoniais – danos emergentes e lucros cessantes – mas também danos não patrimoniais, sendo necessário que exista nexo causal entre os danos e o facto gerador da violação.

Nos autos está em causa um contrato de compra e venda de uma fracção autónoma de um prédio urbano onde a Autora pretendia fixar a sua residência.

Como bem salienta a sentença, a aquisição de uma casa para habitação pressupõe para a generalidade das pessoas o apuramento dos respectivos custos presentes e futuros, os quais determinam a decisão de contratar ou não e por que preço. Um dos elementos a considerar são os encargos com o condomínio.

No caso em apreciação, demonstrou-se que os Réus apenas informaram a Autora do montante da prestação do condomínio e que o respectivo pagamento se encontrava regularizado.

Porém, durante as negociações, omitiram à Autora que tinham conhecimento que o edifício iria entrar em obras, as quais teriam de ser suportadas pelos condóminos. Desde logo, não informaram a Autora que tinha decorrido uma reunião de assembleia de condóminos, para a qual foram devidamente convocados, em 30.07.2015, onde foi deliberado reunir orçamentos para a reparação total da fachada do edifício, devendo a administração convocar assembleia extraordinária para o mês de Setembro, onde seriam apresentados os orçamentos aos condóminos. Depois, omitiram que tinham sido convocados para a assembleia de condóminos que teve lugar a 28.09.2015 com a antecedência de 15 dias, tomando conhecimento que o único ponto da ordem de trabalhos era a reabilitação do edifício.

Ou seja, os Réus não informaram a Autora que esta teria de, a curto prazo, assumir uma despesa avultada, uma vez que, enquanto futura condómina, necessariamente teria de comparticipar nas despesas com a realização de obras de reparação do prédio onde iria adquirir uma fracção autónoma.

As aludidas informações, que se reputam de essenciais para qualquer pessoa que pretenda comprar uma casa, não poderiam ser sonegadas à Autora. A sua omissão traduz uma inequívoca violação do dever de boa fé no decurso da formação do contrato. Além de constituir um comportamento ilícito, reveste natureza culposa e danosa, dado que a Autora não celebraria o negócio pelo preço que o fez se tivesse conhecimento que o prédio iria entrar em obras de recuperação da fachada.

Além disso, existe nexo causal entre os danos e o facto gerador da violação.

Embora a sentença pudesse até ter fixado um valor superior para os danos patrimoniais, equivalente ao efectivo custo da comparticipação da Autora, enquanto condómina, nas obras realizadas no prédio, que importou em 6.023,70 €, não pode deixar de se aceitar, em virtude de não ter sido objecto de recurso subordinado, a sua fixação no montante de 5.000 €.

Nenhuma crítica merece a fixação dos danos não patrimoniais em 650,00 €, uma vez que a sentença ponderou devidamente a indignação, preocupação, angústia e as noites sem dormir que a situação gerou à Autora, atenta a recusa dos Réus em pagar e o confronto com uma despesa com que não contava.

Termos em que improcede a apelação.
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2.3. Sumário

Incorrem em responsabilidade pré-contratual os vendedores de uma fracção autónoma que omitem à compradora que o prédio iria ser sujeito a obras e que teriam de ser suportadas pelos condóminos, tendo durante o iter negocial recebido duas convocatórias para reuniões da assembleia de condóminos onde se deliberou tanto a recolha de orçamentos como a sua efectiva execução, sem que tenham dado conhecimento das mesmas à contraparte.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
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Guimarães, 28.03.2019
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida (relator)
P Reis (1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar (2º adjunto)


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 115.
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 163. No mesmo sentido Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, 2015, pág. 463.
3. Ob. cit., págs. 168 e 169.
4. Recurso no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, págs. 298 e 299.
5. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 299.
6. Estão manifestamente desfasadas da realidade as teses de alguns ilustres processualistas que partem da pressuposição de que para decidir um recurso em matéria de facto é, em regra, suficiente ouvir os concretos extractos das gravações que as partes indicam nas alegações.
7. Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Almedina, págs. 221 a 224.
8. Segundo João Baptista Machado, Obra Dispersa, vol. I, págs. 526 a 528, «quem participa numa interacção negocial em que os parceiros se expõem a riscos ao porem em jogo interesses económicos e planos de vida, adopta uma conduta (ou assume um papel) particularmente responsabilizante, acompanhada da consciência da responsabilidade pela expectativa formada no plano da comunicação interpessoal e pelo risco de dano a que essa expectativa pode induzir. Por isso mesmo, para viabilizar o tráfico negocial, exige-se esse tipo de responsabilização por essa conduta comunicativa e pelas expectativas por esta geradas». A protecção da confiança assenta «basicamente em critérios de razoabilidade e de boa fé, faz moldura funcional à actividade e à relação negocial» e envolve «desde logo em tecido normativo a conduta comunicativa das partes na fase de formação do negócio».