Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3463/16.9T8VCT-E.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: ALTERAÇÃO DO EXERCÍCIO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
NULIDADE DE SENTENÇA
CIRCUNSTÂNCIAS SUPERVENIENTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Homologado o acordo dos pais sobre o exercício das responsabilidades parentais, o regime estabelecido pode ser alterado se estiver a ser incumprido por ambos os pais ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessária a alteração, atendendo aos interesses da criança.
2 – Para o efeito, consideram-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão homologatória do acordo, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
3 – Estando apenas decorridos 6 meses e 13 dias desde que foi homologado o acordo dos pais sobre o exercício das responsabilidades parentais e sem que tenha ocorrido qualquer facto ou alteração relevante, não constitui circunstância superveniente o mero desejo do progenitor de estar mais tempo com o filho mediante a implementação do sistema de residência alternada (residência por períodos alternados com um e outro dos progenitores).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. J. C. intentou ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra F. V., relativamente ao menor S. V., filho de ambos, requerendo que «seja fixada a residência alternada entre ambos os progenitores do menor S. V.» por períodos semanais, a repartição das despesas e o fim da obrigação de prestação mensal de alimentos, alegando, em abreviada síntese, que o regime de visitas em vigor desde 30.04.2020 não acautela o superior interesse da criança, que o tempo que passa com o pai é manifestamente pouco, que é a figura de referência em todos os aspetos inerentes à vida da criança, existindo entre ambos um vínculo muito forte, e que não existe nenhum fundamento bastante para privar o S. V. de uma relação de proximidade com o pai em igual medida daquela que estabelece com a mãe (1).
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Citada, a Requerida, além de argumentar que os factos invocados pelo Requerente se reconduzem ao já anteriormente alegado no pedido de alteração do exercício das responsabilidades parentais do apenso D, manifestou-se contra aquela pretensão, alegando que tudo tem feito para que o S. V. estreite a sua relação com o progenitor, mas que não tem surtido grande efeito, uma vez que o S. V. tem um vínculo afetivo forte e é muito dependente emocionalmente da mãe, não conseguindo passar mais do que um dia afastado dela, mantendo sempre muitas dificuldades em pernoitar na sua ausência, e que o progenitor não adquiriu, até à data, estratégias para pacificá-lo e conferir-lhe segurança.
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1.2. Na conferência de pais não foi possível obter acordo.
Instruídos os autos e realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença a julgar «improcedente a pretendida alteração».
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1.3. Inconformado com aquela decisão, o Requerente interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
«I. O Requerente, aqui Recorrente apresentou contra F. V. a presente acção para alteração do regime das responsabilidades relativamente ao menor, filho comum, S. V.. Tal alteração tinha como pedido a alteração do seguinte modo: “residência do seu filho com ambos os progenitores de forma alternada, por períodos semanais”; a repartição das despesas e o fim da obrigação da prestação mensal de alimentos.
II. A sentença proferida pelo Tribuna a quo, considerou que “(…) apesar de o estabelecimento do regime de exercício das responsabilidades e contactos não gozar de carácter de perpetuidade, não é fundamento bastante para alteração a vontade ou arrependimento de um dos progenitores, desacompanhada dos fundamentos exigidos. Estes correspondem a vicissitudes da vida do menor ou dos progenitores que imponham modificação do regime vigente (pai e filho eram distantes e ganharam laços de afecto, viviam longe e passaram a viver perto, o pai não tinha meios e passou a dispor de rendimentos, passou a ter casa apropriada, etc…). O actual esquema de contactos tem duração que em pouco ultrapassa um ano. Não se detecta fundamento que justifique a visada modificação do estabelecido (art. 42º n.1 RGPTC). Não se atende ao solicitado quanto a audição do menor, relatórios e avaliação psicológica. Consideramos improcedente a pretendida alteração.(….)”
III. A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença, como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – artº 615º, nº 1, al. c) do CPC.
IV. Vejamos, com o merecido aprofundamento, a realidade factual concreta (factualidade provada na sentença que ora se coloca em crise) opõe-se neste concreto aspecto, à decisão recorrida!
V. A factualidade provada implica decisão contrária no sentido da procedência da presente acção
VI. Deste modo, a sentença é nula, nulidade que expressamente se arguí com todas as consequências legais, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea c) do Código Processo Civil.
VII. A possibilidade de alteração é assegurada, desde logo, pela natureza de jurisdição voluntária dos procedimentos tutelares cíveis – artigo 12.º do RGPTC –, jurisdição que se caracteriza determinantemente pela alterabilidade das resoluções – artigo 988.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
VIII. Esta natureza processual adjectiva o regime substantivo que estabelece que a regulação do exercício das responsabilidades parentais é feita de harmonia com os interesses da criança – artigo 40.º, n.º 1, do RGPTC -, visando a promoção do desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos – artigo 1885.º, n.º 1, do Código Civil -, o qual pode exigir a modificação do estabelecido, nomeadamente quando as circunstâncias da criança se alterem.
IX. Se um dos progenitores requerer a alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais, sem invocar qualquer incumprimento ou circunstância superveniente, deve o Tribunal julgar o incidente improcedente, determinando o seu arquivamento – art. 42º, nº 4 do RGPT Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, tem aqui aplicação o critério estabelecido no artigo 988.º, n.º 1 do CPC: «dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso».
X. In casu, o presente incidente por liminarmente deferido, não obstante o Tribunal a quo ter ponderado tal factualidade.
XI. Mormente, o ora recorrente foi convocado para audiência para clarificara sua pretensão, designadamente em 09 de Dezembro de 2021, conforme ata que consta dos presentes autos com referência 47876571. Tendo o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo determinado consequentemente o prosseguimento dos presentes autos.
XII. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/02/2022, Processo n.º 6427/21.7T8LRS.L1-7, relator DIOGO RAVARA, in www.dgsi.pt: “Se um dos progenitores requerer a alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais, sem invocar qualquer incumprimento ou circunstância superveniente, deve o Tribunal julgar o incidente improcedente, determinando o seu arquivamento – art. 42º, nº 4 do RGPTC” O que não sucedeu nos presentes autos, salientando-se que o incidente de alteração de responsabilidades parentais foi liminarmente deferido e o processo seguiu seus tramites até final.
XIII. Em sede de articulado inicial o requerente alegou circunstâncias supervenientes, designadamente:(…) 4. O regime de visitas em vigor desde 30 de Abril de 2020 não acautela o superior interesse do menor S. V.! 5. O menor S. V. completou em Agosto do corrente ano 05(cinco) anos de idade. 6. O tempo que o menor passa o pai é manifestamente pouco! 7. A criança deve beneficiar do maior contacto possível com ambos os progenitores. (…) 13. Sendo certo que o menor já está adaptado a pernoitar em casa do pai, por período superior a uma noite (…) 15. O pai do S. V. demonstra capacidades para o exercício das funções parentais. 16. Denota conhecimento e pretende corresponder às necessidades do filho, é fixado em garantir o seu bem-estar, a sua estabilidade emocional e em lhe proporcionar as condições adequadas ao seu são desenvolvimento. (…) 30. Todavia, é necessário contextualizar, que Pai e filho mantêm uma relação afectiva sólida, e de grande proximidade, sendo que o S. V. cada vez que o pai o visita manifesta uma grande alegria e entusiasmo. (…) 33. O tempo que o menor passa com o pai trata-se de um tempo de qualidade! 34. Pois o pai, aqui requerente quando esta com o menor dedica-se em exclusivo a ele. 35. O pai e o S. V. são cúmplices de brincadeiras. 36. O menor S. V. sente-se calmo e tranquilo na companhia do pai. 37. O pai passeia com ele, brinca, adequa a sua rotina ao menor. 38. Procura realizar com o menor actividades ao ar livre, procura proporcionar ao menor saídas culturais adequadas à sua idade (visita a quintas pedagógicas; visita a jardins zoológicos; parques infantis; exposições, etc). 39. Existem vínculos afetivos sólidos e consistentes entre a criança e o pai. 40. O Requerente é um pai extremoso e carinhoso, sempre preocupado com o bem-estar físico e emocional do menor S. V.. 41. O pai sempre foi um pai permanentemente presente na vida do seu filho, a quem prestava e presta os cuidados ao nível da sua higiene, alimentação, vestuário, educação, saúde, afetivo e emocional. 42. O pai promove a expressão afectiva e o envolvimento emocional, evidenciando elevada disponibilidade afectiva e emocional para as necessidades do menor, sobretudo no que diz respeito às necessidades de afecto e segurança emocional. 43. O pai do menor é, assim, a figura primordial de referência em todos os aspectos inerentes à vida da criança, existindo entre ambos um vínculo muito forte. (…) 44. A criança manifesta sempre desejo de estar com o pai. 45. O menor S. V. em cada visita que o pai lhe faz manifesta e demonstra a sua intenção de permanecer mais tempo com o pai, solicitando e convocando sempre mais tempo de convívio e da sua permanência. 46. O menor quando o pai o vai buscar ao jardim de infância durante a semana, manifesta profundo desejo de ficar a dormir com este e é triste e contrariado que regressa à mãe. 47. O vínculo afectivo estabelecido entre o menor S. V. e o pai, aqui Requerente, com quem o mesmo se habituou a estar, a passear, a brincar, a sair, a tomar as refeições, é, pelo menos, tão forte como aquele estabelecido entre a mãe e o menor. 48. O pai reúne competências parentais. 49. O pai é participativo, preocupado e afectuoso com o menor, fazendo questão de ser um pai plenamente presente em todos os temas da vida do S. V.. 50. O pai aqui requerente apresenta suficientes capacidades e condições emocionais e psíquicas para cuidar do filho e assegurar a guarda do menor. 51. O pai trabalha como C. G., Unipessoal, Lda, aufere mensalmente €665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros). 52. O pai trabalha em regime de isenção de horário, o que permite adaptar a sua vida em prol do menor sem qualquer constrangimento. 53. O pai vive sozinho numa moradia tipologia T4, sita numa aldeia dos arredores de Viana do Castelo, local calmo e tranquilo. 54. A casa do pai é limpa e arrumada. 55. Tendo o menor nessa moradia um quarto devidamente apetrechado para si. 56. Na casa do pai o menor tem brinquedos e material didático (…).
XIV. Ou seja, as circunstâncias supervenientes alegadas pelo aqui Recorrente em sede de articulado inicial foram a idade do menor (mais crescido em relação à data em que o Regime em vigor foi acordado); maior vinculação afectiva entre Pai e Filho e plena adaptação do menor às pernoitas em casa do pai em período superior a uma noite.
XV. Factualidade essa que resultou provada na sua totalidade, atenta a factualidade provada constante da sentença com expressa remissão para a petição inicial. Expressamente, se salienta a factualidade provada na sentença que ora se coloca em crise: “(…)13. Sendo certo que o menor já está adaptado a pernoitar em casa do pai, por período superior a uma noite 30. Todavia, é necessário contextualizar, que Pai e filho mantêm uma relação afectiva sólida, e de grande proximidade, sendo que o S. V. cada vez que o pai o visita manifesta uma grande alegria e entusiasmo. 35. O pai e o S. V. são cúmplices de brincadeiras. 36. O menor S. V. sente-se calmo e tranquilo na companhia do pai. 37. O pai passeia com ele, brinca, adequa a sua rotina ao menor 38. Procura realizar com o menor actividades ao ar livre, procura proporcionar ao menor saídas culturais adequadas à sua idade (visita a quintas pedagógicas; visita a jardins zoológicos; parques infantis; exposições, etc). 39. Existem vínculos afetivos sólidos e consistentes entre a criança e o pai. 40. O Requerente é um pai extremoso e carinhoso, sempre preocupado com o bem-estar físico e emocional do menor S. V.. 41. O pai sempre foi um pai permanentemente presente na vida do seu filho, a quem prestava e presta os cuidados ao nível da sua higiene, alimentação, vestuário, educação, saúde, afetivo e emocional.51. O pai trabalha como C. G., Unipessoal, Lda, aufere mensalmente €665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros). 52. O pai trabalha em regime de isenção de horário, o que permite adaptar a sua vida em prol do menor sem qualquer constrangimento. 53. O pai vive sozinho numa moradia tipologia T4, sita numa aldeia dos arredores de Viana do Castelo, local calmo e tranquilo. 54. A casa do pai é limpa e arrumada. 55. Tendo o menor nessa moradia um quarto devidamente apetrechado par si. 56. Na casa do pai o menor tem brinquedos e material didático. 57. O pai sabe cozinhar e proporciona ao menor uma alimentação saudável. (…)”
XVI. O regime de visitas em vigor desde 30 de Abril de 2020 não acautela o superior interesse do menor S. V.!
XVII. O menor S. V. completou em Agosto do corrente ano 06 (cinco) anos de idade.
XVIII. O tempo que o menor passa o pai é manifestamente pouco!
XIX. A criança deve beneficiar do maior contacto possível com ambos os progenitores.
XX. O regime da residência alternada é o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respectivas famílias. Esta opção de exercício das responsabilidades parentais é a que melhor garantirá, à partida e em abstrato, a manutenção plena do convívio dos filhos com os progenitores que vivem separados, bem como uma maior proximidade de cada um dos pais com a vivência quotidiana do filho, aí se incluindo o zelo pela sua educação, pela sua saúde física, psíquica e emocional, bem como a integração harmoniosa e permanente do menor nas famílias de cada um dos progenitores.
XXI. São, por isso, inegáveis as vantagens deste sistema, quer para o menor, que assim se vê mais próximo da vivência que teria caso os progenitores tivessem o mesmo domicílio, quer, igualmente, para os progenitores, que podem com caráter de permanência, orientar o filho, acompanhá-lo no seu crescimento e evolução, participar da vida deste, dar e receber carinho e afeto.
XXII. É de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência em termos de plena igualdade com a mãe e com o pai, sendo, como é o caso, em tudo idênticas as condições afectivas, materiais, culturais e socioecónomicas de ambos os progenitores.
XXIII. Atendendo à idade do menor, rapidamente se adaptará à forma de vida com duas residências.
XXIV. Sendo certo que o menor já está adaptado a pernoitar em casa do pai, por período superior a uma noite.
XXV. Partindo de um conceito indeterminado – interesse da criança – enquanto critério para determinação da residência do menor e dos direitos de visita, o legislador aponta alguns elementos concretizadores de tal conceito: «todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro» (artigo 1906º, nº 5); o interesse da criança de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (artigo 1906º, nº7).
XXVI. O pai do S. V. demonstra capacidades para o exercício das funções parentais.
XXVII. Denota conhecimento e pretende corresponder às necessidades do filho, é fixado em garantir o seu bem-estar, a sua estabilidade emocional e em lhe proporcionar as condições adequadas ao seu são desenvolvimento.
XXVIII. Não obstante a requerida ser a encarregada de educação o pai tem acompanhado o desenvolvimento do menor no jardim de infância.
XXIX. O regime fixado de residência exclusiva com a Mãe não acautela o superior interesse do menor, porquanto faz cessar e dificulta o normal desenvolvimento dos laços de vinculação forte e segura do menor S. V. com o pai.
XXX. Com o regime fixado coloca-se em crise o superior interesse do S. V. a ter presentes na sua vida, em condições de igualdade, Pai e Mãe.
XXXI. A distância não constitui obstáculo, uma vez que o tempo de percurso de casa à creche é igual para os domicílios do Pai e da Mãe.
XXXII. Não existe qualquer obstáculo à fixação de um regime de guarda partilhada.
XXXIII. Não existe, pois, nenhum fundamento bastante para privar o S. V. de uma relação de proximidade com o pai em igual medida daquela que estabelece com a mãe.
XXXIV. Atenta, tal circunstância impõe-se a revisão do regime de responsabilidades parentais, por conta da alteração de vida e das circunstâncias, em pró do bem estar do filho menor, e mercê da insuficiência e desadequação do actual acordo e regime.
XXXV. Pois, o actual regime não acautela contactos regulares e extensos do menor S. V. com o pai, não permitindo que se estabeleça uma relação de vinculação segura entre pai e filho.
XXXVI. O que se pode alcançar por via da residência alternada. O regime da residência alternada é aquele que melhor prossegue a efectivação do princípio da proximidade, definido nos termos do previsto no art. 1906.º, n.º 7 do Código Civil. E, atendendo às condições em tudo idênticas dos progenitores, quer ao nível económico, quer social, tudo demonstra e evidencia que seja promovido o regime de residência alternada.
XXXVII. Pese embora o actual esquema de contactos tem duração que em pouco ultrapassa um ano, o menor é mais crescido, está plenamente adaptado a estar com o pai, está mais próximo do pai e o pai está mais adaptado a tratar do menor e a prestar-lhe cuidados o que não acontecia na data em que o regime em vigor foi fixado.
XXXVIII. Deste modo, atento o superior interesse encontram-se reunidos todos os pressupostos para alteração do regime de responsabilidades parentais do menor S. V.
XXXIX. Por conseguinte, o Tribunal a quo andou mal ao julgar improcedente a presente acção, em consequência deve ser a mesma revogada e substituída por outra que determine a regulação das responsabilidades parentais, nos termos requeridos em sede de articulado inicial.»
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O Ministério Público apresentou resposta, no sentido da manutenção do decidido.
A Requerida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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1.4. Questões a decidir

Nas conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, o Recorrente suscita as seguintes questões:
a) Nulidade da decisão recorrida;
b) Verificação dos pressupostos para a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais.
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto

2.1.1. Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
«1º. S. V. nasceu em - de Agosto de 2016 e é filho de J. C. e de F. V..
2º. O actual regime de contactos data de 30 de Abril de 2021 (ap. D) e resultou de consenso dos progenitores. O teor do mesmo:
1- O menor … continuará à guarda da progenitora …
2- O progenitor continuará a ir buscar … ao infantário às terças-feiras e quintas-feiras, mas agora a partir das 16:00 horas.
3- … às terças-feiras pernoitará com o progenitor, devendo este no dia seguinte entrega-lo no jardim de infância e, às quintas-feiras ficará … até depois do jantar, devendo entregá-lo na casa da progenitora até às 20:00 horas.
4- … com o progenitor aos fins-de-semana, de 15 em 15 dias, desde as 09:30 horas de Sábado até às 17:30 horas de Domingo.
3º. O menor já pernoitou em casa do pai mais que uma noite. (13)
4º. O menor manifestou alegria e tranquilidade com a proximidade do R.te. (30, 36)
5º. O R.te tem passeado e brincado com o menor. (35, 37, 38)
6º. O R.te tem laços de afecto e de carinho com o menor. (39, 40)
7º. E tem providenciado cuidados ao menor. (41)
8º. E trabalha sem horários fixos, vive em moradia limpa com quarto e brinquedos para o menor. Cozinha. (51, 52, 53, 54, 55, 56, 57).»
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2.1.2. Factos não provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
«Desde 11 de Agosto de 2016 o R.te nunca faltou a uma visita e em todas o menor manifestou grande entusiasmo. (30, 31)
Desde então o R.te nunca mais viajou. (32)
O R.te sempre foi um pai permanentemente presente na vida do menor. (41)
O menor tem sempre desejo de estar com o R.te e solicita sempre pernoitar e mais tempo de convívio, retorna contrariado para a mãe. (44, 45, 46)
O rendimento mensal do R.te confinado ao SMN».
Mais considerou que «[e]xtravasa dos factos e carece de relevo para a presente alteração o teor meramente conclusivo ou doutrinário das alegações e a repetição da alteração do ano anterior: o regime não acautela o interesse do menor … o tempo é manifestamente pouco … deve beneficiar do maior contacto possível … alternada é o … mais conforme aos interesses … possibilita … igual proporção … melhor garantirá … em abstracto … convívio … proximidade … inegáveis as vantagens … em tudo idênticas as condições as condições afectivas, materiais, culturais e socioeconómicas … capacidades … conhecimento tem fixação … tem acompanhado o desenvolvimento … o regime fixado … faz cessar/dificulta o normal desenvolvimento de laços de vinculação … é na primeira infância … que se desenvolve … distância … casa à creche é igual … pai e filho mantêm relação sólida e de grande proximidade … tempo de qualidade … dedicação exclusiva … adequa a rotina ao menor … promove expressão afectiva, envolvimento emocional, disponibilidade afectiva e emocional elevada … é a figura primordial … vínculo pelo menos tão forte … competências … plenamente presente …».
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2.2. Do objeto do recurso
2.2.1. Nulidade da decisão

O Recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida por considerar que existe «oposição entre os fundamentos e a decisão – artº 615º, nº 1, al. c) do CPC».

Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c), do CPC, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição. Trata-se de um erro lógico-discursivo nos termos do qual o juiz elegeu determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio mas decide em colisão com tais pressupostos.
No fundo, para se verificar esta nulidade é necessário que a fundamentação aponte num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se. Há uma violação do denominado silogismo judiciário, constituído por três proposições declarativas: a premissa maior, consistente na facti species legal (quadro normativo aplicável), a premissa menor, correspondente ao facto provado, e a conclusão, enquanto resultado lógico deduzido daquelas premissas. Entre as premissas e a conclusão deve existir um nexo lógico de conformidade; se a conclusão é incompatível com as premissas verifica-se a apontada nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Esta nulidade, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.

O Recorrente alicerça a nulidade que aponta à sentença no seguinte argumento: «a factualidade provada implica decisão contrária no sentido da procedência da presente acção».
Ora, uma tal situação não constitui causa de nulidade da sentença: é um alegado erro de julgamento, consistente em saber se os factos provados permitem ou não que se conclua pela procedência da ação.
Repare-se que, enquanto na sentença se afirma que «[n]ão se detecta fundamento que justifique a visada modificação do estabelecido», o Recorrente sustenta precisamente o contrário: que existe fundamento para modificar o regime de exercício das responsabilidades parentais.
Por conseguinte, está unicamente em causa um juízo formulado pelo juiz, aquando da sentença, sobre a necessidade de alteração do regime vigente. Esse é um juízo valorativo, de julgamento, que a lei expressamente prevê como tal – v. artigos 42º, nº 1, do RGPTC e 987º do CPC. Sendo formulado, não representa qualquer nulidade da sentença.
Constitui um erro de julgamento a deficiente subsunção dos factos à norma jurídica ou a errónea interpretação desta. Se o juiz entender que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e isso se mostrar incorreto, seja por errada interpretação dos factos ou da norma aplicável, o que existe é erro de julgamento e não oposição causadora de nulidade da sentença, o que já é uma questão de mérito.
Em suma, não se verifica a causa de nulidade que o Recorrente aponta à decisão recorrida.
Termos em que improcedem as correspondentes conclusões.
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2.2.2. Da alteração do exercício das responsabilidades parentais

O Recorrente termina as suas alegações pedindo que esta Relação, no âmbito do presente recurso, substitua a decisão recorrida «por outra que determine a regulação das responsabilidades parentais, nos termos requeridos em sede de articulado inicial».
Para o efeito, é necessário que esta Relação conclua que a alteração requerida se mostra fundada e necessária, em conformidade com o regime jurídico aplicável.

De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 42º do RGPTC pode ser pedida nova regulação do exercício das responsabilidades parentais se verificada uma de duas situações:
a) Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada;
b) Quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.

É manifesto que a primeira situação prevista na norma não se verifica, na medida em que não está alegado, nem resulta do processo, que ambos os progenitores estejam a incumprir o acordado. Pelo contrário, observa-se um esforço comum no sentido de proporcionar à criança condições adequadas ao seu integral desenvolvimento.
Resta, por isso, apreciar se se verificam circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que está estabelecido quanto à criança S. V..
Mas o que são “circunstâncias supervenientes”?
É o artigo 988º, nº 1, do CPC que define o que se deve entender por circunstâncias supervenientes: «dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso».
Posto isto, pergunta-se: verificam-se circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que está estabelecido?
A resposta há de ser encontrada através da análise do processo, no quadro da factualidade apurada.

Tendo o regime de exercício das responsabilidades parentais sido estabelecido, mediante acordo entre os progenitores, em dezembro de 2016 (tinha o S. V. 4 meses de idade), esse regime foi revisto (v. apenso D), em 30.04.2021, igualmente por acordo, o qual alargou substancialmente – e bem – o período em que o ora Requerente tem a criança consigo, em consonância com a evolução desta, então quase a perfazer 5 anos de idade, que veio a completar a -.08.2021.
Em 12.11.2021, decorridos 6 meses e 13 dias desde que havia sido alterado por acordo o regime, o progenitor veio requerer a presente alteração do exercício das responsabilidades parentais (v. apenso E), pedindo que «seja fixada a residência alternada entre ambos os progenitores do menor S. V.» por períodos semanais.
Portanto, importa apurar se nesses 6 meses e 13 dias, que mediaram entre a fixação do regime atualmente em vigor e o pedido de alteração, se verificaram circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que está estabelecido.
A resposta a esta questão é inequivocamente negativa, pois dos factos provados não resulta a ocorrência de qualquer circunstância que possa ser qualificada de superveniente.
No apontado período tudo decorreu normalmente, dentro do que era expectável que pudesse vir a suceder quando foi estabelecido o novo regime, com a cooperação de ambos os progenitores e a natural evolução do S. V. e do seu relacionamento com os pais. Nem existe objetivamente uma circunstância superveniente, nem os progenitores a criaram de forma artificial, como infelizmente tantas vezes sucede; antes se observa uma postura responsável de ambos, da qual beneficia o S. V. (2).
Nesse circunstancialismo, a pretensão deduzida não poderia ser julgada procedente.

Mas além de inexistirem circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que está estabelecido, verifica-se que o Requerente se limitou a retomar a mesma linha de argumentação que tinha apresentado em outubro de 2020, quando apresentou o primeiro pedido de nova regulação do exercício das responsabilidades parentais, processo que findou precisamente com a homologação do acordo sobre o regime que se encontra atualmente implementado. Tal regulação, resultante de acordo, foi homologada, naquele concreto circunstancialismo factual, por corresponder ao superior interesse da criança. De então para cá a situação mantém o mesmo enquadramento, apenas sofrendo a evolução inerente ao decurso do tempo.
Por isso, afigura-se inteiramente justificada a apreciação realizada pelo Sr. Juiz, ao referir que, aquando do primeiro pedido de alteração, «[j]á então era alegada a dedicação paterna, solidez afectiva, grande proximidade, actividades, presença, disponibilidade e envolvimento, figura primordial de referência, retorno contrariado à mãe, competências, igual ocupação profissional e o SMN como rendimento, isenção de horário, moradia limpa, brinquedos e quarto próprio, casas próximas, vantagens da residência alternada.
A mudança do regime inicial adveio do consenso dos progenitores. E teve como consequência o alargamento das estadias do menor aos cuidados de J. C., fins-de semana alternados, uma tarde e mais uma tarde com pernoita, durante a semana.
Homologado o acordo em Abril de 2021, logo antes de decorridos sete meses veio J. C. retomar as pretensões da alteração então finda.
Apesar de o estabelecimento do regime de exercício das responsabilidades e contactos não gozar de carácter de perpetuidade, não é fundamento bastante para alteração a vontade ou arrependimento de um dos progenitores, desacompanhada dos fundamentos exigidos. Estes correspondem a vicissitudes da vida do menor ou dos progenitores que imponham modificação do regime vigente (pai e filho eram distantes e ganharam laços de afecto, viviam longe e passaram a viver perto, o pai não tinha meios e passou a dispor de rendimentos, passou a ter casa apropriada, etc…).
O actual esquema de contactos tem duração que em pouco ultrapassa um ano. Não se detecta fundamento que justifique a visada modificação do estabelecido (art. 42º n.1 RGPTC)».

Acresce que nenhum elemento fornecido pelos autos evidencia que o atual regime de exercício das responsabilidades parentais não corresponda aos interesses da criança.
Em primeiro lugar, nenhum facto permite afirmar que o atual regime está a prejudicar a criança, seja em que vertente for. Pelo contrário, em virtude do novo regime entretanto implementado, observa-se que o S. V. tem evoluído favoravelmente e que o alargamento dos períodos de contacto com o progenitor está a produzir o resultado que se esperava.
Porém, ressalvada a devida consideração por entendimento contrário, não nos parece que já se mostrem esgotadas as virtualidades do novo regime e alcançados totalmente os objetivos que o mesmo visa. No nosso entender, a pretendida alteração é prematura e a ter lugar agora, quando está em curso o processo de estabelecimento de uma vinculação sólida do S. V. ao pai, até poderia ter efeitos contraproducentes e regressivos.
Parece-nos que nesta fase, atenta a idade do S. V., a situação de que se partiu e aquela que agora foi alcançada, o regime em vigor desde 30.04.2021 é o que melhor corresponde aos seus interesses.

Em segundo lugar, o pedido de alteração baseava-se, sobretudo, na afirmação de que o tempo que o S. V. «passa com o pai é manifestamente pouco».
É inequívoco, em face do disposto no artigo 1906º, nº 7, do Código Civil, que o exercício das responsabilidades parentais deve promover «amplas oportunidades de contacto com ambos» os progenitores e a manutenção de «uma relação de grande proximidade com os dois progenitores».
Porém, isso não significa que o tempo que a criança passa com cada um dos progenitores tenha de ser rigorosamente igual, em idêntica proporção, pois, também não se pode ignorar que o objetivo fundamental é sempre o de proporcionar condições para o menor se desenvolver de forma harmoniosa, segura e saudável, mais do que dividir salomonicamente o tempo disponível da criança entre os pais.
Acima de tudo, é uma questão de bom senso e de as oportunidades de contacto conduzirem ao bem-estar da criança. O que se deve evitar é, sobretudo, o espartilhar do relacionamento da criança com um dos progenitores. Não é preciso que o tempo de que beneficia cada progenitor seja proporcionalmente idêntico, mas sim que os contactos permitam a proximidade da criança aos dois progenitores.
Dito isto, sendo verdade que o S. V. não passa com o pai um período de tempo quantitativamente idêntico àquele que passa com a mãe, não corresponde à realidade que seja “manifestamente pouco” o tempo em que está com o progenitor. Além dos fins de semana alternados, o S. V. está com o pai duas tardes em cada semana (às terças e quintas-feiras), sendo uma delas com pernoita (às terças-feiras), tendo como pano de fundo que durante o período diurno dos dias úteis desenvolve a atividade inerente à sua idade (que à data em que se estabeleceu o regime vigente era a frequência do infantário e já então era expectável a sua futura inserção escolar) e que não está propriamente com a mãe nessa altura.

Em terceiro lugar, o Requerente firma o seu recurso na afirmação de que a factualidade por si alegada «resultou provada na sua totalidade».
Sucede que essa alegação não corresponde inteiramente à realidade, pois a factualidade provada é apenas a que se mostra discriminada em 2.1.1. e que não se demonstraram os factos indicados em 2.1.2.
Por exemplo, com relevo para a questão ora em apreciação, o ora Recorrente não logrou demonstrar que «o menor tem sempre desejo de estar com o Requerente e solicita sempre pernoitar e mais tempo de convívio, retorna contrariado para a mãe». Esse era um facto estruturante da tese defendida pelo Requerente, segundo a qual é a figura de referência em todos os aspetos inerentes à vida da criança.
Há, por isso, uma diferença significativa entre o quadro factual dado por provado e aquele que é pressuposto nas conclusões da apelação.
Em conformidade com os factos dados por provados, o atual regime assegura a realização dos interesses do S. V.. Sendo assim, carece de fundamento a pretendida alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais.

Termos em que improcede a apelação.
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2.3. Sumário

1 – Homologado o acordo dos pais sobre o exercício das responsabilidades parentais, o regime estabelecido pode ser alterado se estiver a ser incumprido por ambos os pais ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessária a alteração, atendendo aos interesses da criança.
2 – Para o efeito, consideram-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão homologatória do acordo, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
3 – Estando apenas decorridos 6 meses e 13 dias desde que foi homologado o acordo dos pais sobre o exercício das responsabilidades parentais e sem que tenha ocorrido qualquer facto ou alteração relevante, não constitui circunstância superveniente o mero desejo do progenitor de estar mais tempo com o filho mediante a implementação do sistema de residência alternada (residência por períodos alternados com um e outro dos progenitores).
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a suportar pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
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Guimarães, 10.11.2022
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Paulo Reis
Maria Luísa Duarte Ramos


1. Não se enunciam desenvolvidamente os fundamentos alegados na petição, na medida em que o Recorrente os transcreve nas conclusões, evitando-se assim a repetição.
2. Apesar das divergências entre os progenitores sobre o grau de preparação de cada um deles para o adequado exercício das responsabilidades parentais e quanto ao que consideram ser melhor para o filho, também não se detetam indícios de instrumentalização da criança, o que depõe a favor de ambos.