Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CRAVO | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO REQUISITOS VERIFICAÇÃO CUMULATIVA DE UM DUPLO REQUISITO RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/13/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO/ RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECLAMADA/ NEGADO PROVIMENTO À RECLAMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – O recurso, constituindo uma forma de impugnação de uma decisão judicial desfavorável, pressupõe a possibilidade de reapreciação da questão jurídica ou de facto por um tribunal de nível superior ao que a proferiu. II – Nenhum sistema comporta em si, realisticamente, a possibilidade ilimitada de interposição de recurso de toda e qualquer decisão judicial. III – Assim, a admissibilidade de recurso está condicionada, através de limites objetivos fixados na lei, derivados, nomeadamente, da natureza dos interesses envolvidos, da menor relevância das causas ou da repercussão económica para a parte vencida (cfr. art. 629º/1 do CPC). IV – Daí que neste particular tal esteja dependente, segundo o dito art. 629º/1 do CPC, da verificação cumulativa de um duplo requisito: a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; b) que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente (sucumbência) em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre. V – No caso vertente - despacho que se traduz no não pagamento à Srª. Administradora de Insolvência, a título de honorários, da quantia de € 1.000,00 -, desde logo manifestamente não se verifica o segundo dos apontados requisitos | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1 – RELATÓRIONos autos(1) de Insolvência de pessoa singular (requerida), em que é devedor e já declarado insolvente H. S. e onde foi nomeada Administradora de Insolvência C. M., foi proferido despacho em Assembleia de Credores de 24-01-2019, aí constando o seguinte parágrafo: “Ao abrigo do disposto no art.º 1,2 da Portaria 51/2005, de 20-1, analogicamente aplicado, uma vez que os presentes autos tiveram uma duração inferior a 6 meses, determina-se a fixação dos honorários devidos em 1000 euros.”. Inconformada com o despacho que fixou em € 1.000 a sua remuneração, a Srª Administradora da Insolvência veio dele interpor recurso. O MP apresentou contra-alegações, pronunciando-se, além do mais, pela rejeição do recurso. Aberta conclusão, foi proferido, em 6-03-2019, o seguinte despacho: “O recurso pretendido interpor diz respeito ao valor da remuneração fixada à Sr.ª AI. Inconformada, recorreu a mesma por entender que a sua remuneração deveria ter sido fixada em 2000 euros. Ou seja, a decisão impugnada é desfavorável ao recorrente no preciso valor de 1000,00 €. Prescreve o artigo 629º, nº 1 do CPC: “O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal…” Decorre deste preceito que a admissibilidade do recurso ordinário está subordinada a uma dupla condição: 1ª- que o valor da causa seja superior à alçada do tribunal de que se recorre; 2ª - que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse Tribunal, não sendo aqui aplicáveis as excepções previstas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 629 CPC. O valor da alçada do tribunal de 1ªinstância é de 5000 euros (cfr. art.º 44,1 da Lei 62/2013, de 26/4). No caso dos autos, o valor da sucumbência da pretensão da recorrente (1000,00 €) não é superior a metade da alçada do tribunal da 1ª instância, pelo que o recurso é inadmissível. Face ao exposto, não admito o recurso pretendido interpor. Notifique.”. Irresignada com essa decisão de não admissão do recurso apresentou a Srª. Administradora da Insolvência reclamação para este Tribunal da Relação nos termos do art. 643º do CPC. Após subida dos autos e concluso o processo, seguiu-se decisão singular proferida pelo relator, com data de 10-04-2019, que indeferiu a reclamação. Dessa nossa decisão singular que indeferiu a reclamação contra a não admissão do recurso interposto do despacho de 6-03-2019, veio a reclamante C. M., nos termos do art. 652º do CPC (2), reclamar para a conferência, rematando o seu requerimento com as seguintes conclusões: Ao reduzir a remuneração legalmente estabelecida a Administrador de Insolvência, o Meritíssimo Juiz a quo viola normas legais imperativas, Não existindo qualquer sucumbência, deve a recorribilidade deste despacho ser aferida pelo valor da Acção Principal. O valor da acção principal ultrapassa o valor da Alçada para efeitos de Recurso para o Tribunal da Relação, Sempre devendo o recurso interposto ser admitido. Acresce que a remuneração do Administrador de Insolvência encontra-se fixada por diploma legal, Sendo a sua fixação decorrente apenas da aplicação de uma fórmula matemática. Assim, a redução da remuneração legalmente prevista configura a aplicação de uma penalidade velada e indirecta. Nos termos do disposto no artigo 27.º do Regulamento das Custas processuais, número 6, é sempre admitido o recurso da decisão que aplica “multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional”. A recorrente não é parte no processo, pelo que não se lhe pode falar da existência de qualquer tipo de sucumbência. Termos em que deve a decisão singular ser revista, antes se substituindo por outra que decida que o recurso da Recorrente deve ser admitido e conhecido nos termos legalmente previstos. Assim se fazendo JUSTIÇA! * Notificado do requerimento, o MP nada disse.* Cumpre, pois, decidir, uma vez que tanto se impõe e a tal nada obsta.* 2 – QUESTÕES A DECIDIRComo resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, a questão a decidir contende com a reapreciação do despacho de 10 de Abril de 2019 que não admitiu a interposição do recurso do despacho de 24-01-2019. * 3 – OS FACTOSOs pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOApreciando, então, a matéria do despacho, começaremos por dizer que a mesma deve ser decidida em conferência (cfr. art. 652º/3 do CPC). E verificam-se os alegados fundamentos? Decidindo, e antecipando desde já o entendimento que perfilhamos, diremos que não. O recurso, constituindo uma forma de impugnação de uma decisão judicial desfavorável, pressupõe a possibilidade de reapreciação da questão jurídica ou de facto por um tribunal de nível superior ao que a proferiu. Nenhum sistema comporta em si, realisticamente, a possibilidade ilimitada de interposição de recurso de toda e qualquer decisão judicial. É necessário estabelecer limites à possibilidade de interposição de recurso, fixando critérios. E, não dispondo o CIRE de norma expressa para o recurso interposto, deve lançar-se mão do disposto das regras do Código Processo Civil. Está, pois, a admissibilidade de recurso condicionada à positiva verificação de pressupostos processuais. Daí decorre que o despacho de rejeição imediata do recurso deve reservar-se para casos em que a mera leitura do requerimento e das alegações torna manifesta a ausência do requisito da recorribilidade da decisão. (3) É este critério que permite cindir a mera admissão ou rejeição liminar do recurso da apreciação dos seus fundamentos materiais, esta última reservada para momento posterior. Sendo que entre os ditos pressupostos processuais – em matéria de recursos ordinários – encontram-se, desde logo, a tempestividade, a legitimidade, o interesse processual e a competência do tribunal ad quem. Nenhum destes pressupostos foi questionado pela decisão reclamada ou se encontra em causa no caso vertente. Já no que concerne ao pressuposto da recorribilidade, os arts. 629º e 630º do CPC definem as condições negativas e positivas a ter para tal efeito em conta. Assim, a admissibilidade de recurso está condicionada, através de limites objectivos fixados na lei, derivados, nomeadamente, da natureza dos interesses envolvidos, da menor relevância das causas ou da repercussão económica para a parte vencida (cfr. art. 629º/1 do CPC). Na linha do mesmo entendimento, e a contrario, é a mesma lei que estabelece quais são os casos que não admitem recurso, fazendo-o no art. 630º do CPC, no qual mais concretamente se preceitua da seguinte forma: “1 — Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. 2 — Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.” O nº 2 deste normativo vindo de citar configura efectivamente uma norma inovadora, sendo que através dela resulta “um reforço efectivo dos poderes do juiz relativamente à condução do processo, especialmente no que concerne a decisões de natureza instrumental relativamente ao fim último do processo que é a justa e célere composição da lide.” (4) Com efeito, a garantia decorrente do acesso ao direito e aos tribunais, constitucionalmente consagrada (cfr. art. 20º/1 da CRP) não implica a generalização do duplo grau de jurisdição em matéria cível, face ao que dispõe o legislador ordinário de ampla liberdade de conformação no estabelecimento de requisitos de admissibilidade dos recursos (5). Daí que neste particular tal esteja dependente, segundo o dito art. 629º/1 do CPC, da verificação cumulativa de um duplo requisito: a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; b) que a decisão impugnada seja desfavorável para o respectivo recorrente (sucumbência) em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre. Ora, no caso vertente, desde logo manifestamente não se verifica o segundo dos apontados requisitos. Na verdade, a Srª. Administradora de Insolvência veio interpor recurso do despacho proferido em 24-01-2019, que lhe fixou os honorários devidos em € 1.000,00. Ora, tal despacho, traduz-se no não pagamento a esta, a título de honorários, da quantia de € 1.000,00, sendo este o valor do decaimento. Preceitua o art. 629º/1 do CPC que só é admissível recurso nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal. A alçada do tribunal de 1ª instância é de € 5.000,00 (cfr. art. 44º/1 da L nº 62/2013, de 26 de Agosto). Ora, in casu, considerando o decaimento da recorrente, inabalavelmente decorre a inadmissibilidade legal do recurso que o mesmo pretendia deduzir, em razão do valor (6). O facto da Srª. Administradora de Insolvência não ser parte, não obsta à aplicação das regras a que estas estão sujeitas. O disposto no art. 629º do CPC não se refere expressamente à parte, mas sim ao recorrente e não faz qualquer distinção entre parte principal, parte acessória e pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão, pelo que aplicar-se-á quer o recorrente seja parte quer não seja, pois que a lei não distingue, conforme resulta do confronto do nº 1 do art. 629º do CPC com o art. 631º do CPC. Onde a lei não distingue, vedado está ao intérprete fazê-lo. Como já supra referido, o legislador pretendeu subtrair aos tribunais superiores a apreciação de questões que pelo seu valor não justificam a sua intervenção, e tal razão mantém-se, independentemente da qualidade do recorrente. A reclamante, embora sendo um terceiro não deixa de formular uma pretensão, que poderá ou não ser atendida que é a fixação de honorários, tendo decaído no montante de € 1.000,00. Ora, mesmo que eventualmente se considerasse não estarmos perante um despacho de mero expediente (por contender com antagónicas pretensões, decidindo-se no sentido requerido por uma delas desatendendo a pretensão de outra (7)), subsistiria a questão da sucumbência. Face ao que igualmente falece esta via de argumentação da reclamação em apreciação. Assim, nenhuma censura existe na decisão reclamada. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC) I – O recurso, constituindo uma forma de impugnação de uma decisão judicial desfavorável, pressupõe a possibilidade de reapreciação da questão jurídica ou de facto por um tribunal de nível superior ao que a proferiu. II – Nenhum sistema comporta em si, realisticamente, a possibilidade ilimitada de interposição de recurso de toda e qualquer decisão judicial. III – Assim, a admissibilidade de recurso está condicionada, através de limites objectivos fixados na lei, derivados, nomeadamente, da natureza dos interesses envolvidos, da menor relevância das causas ou da repercussão económica para a parte vencida (cfr. art. 629º/1 do CPC). IV – Daí que neste particular tal esteja dependente, segundo o dito art. 629º/1 do CPC, da verificação cumulativa de um duplo requisito: a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; b) que a decisão impugnada seja desfavorável para o respectivo recorrente (sucumbência) em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre. V – No caso vertente - despacho que se traduz no não pagamento à Srª. Administradora de Insolvência, a título de honorários, da quantia de € 1.000,00 -, desde logo manifestamente não se verifica o segundo dos apontados requisitos. * 6 – DISPOSITIVONada havendo a censurar na decisão reclamada, acordam os Juízes desta secção cível na sua manutenção, negando provimento à reclamação. Custas pela reclamante/recorrente C. M., fixando-se em 2 UC’s a respectiva taxa de justiça a suportar pela mesma. Notifique. * Guimarães, 13-06-2019 (José Cravo) (António Figueiredo de Almeida) (Desª Raquel Baptista Tavares) 1 - Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, V.N.Famalicão – Juízo Comércio – Juiz 1. 2 - Refere o nº 3 do art. 652.º cuja epígrafe é “Função do relator” que: «3 – Salvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.» 3 - Neste sentido, ALBERTO DOS REIS, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, págs. 231. 4 - Citámos ABRANTES GERALDES, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Livª Almedina, Coimbra, a págs. 55. 5 - Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº 496/96, in DR, II Série, de 17-07-1996, a pags. 9761 e segs., perfilhando este entendimento que se tem mantido pacífico. 6 - Neste sentido, vd. o Ac. da RE de 10.09.2015 prolatado no Proc. nº 126/14.3T2ASL.E1 e acessível in www.dgsi.pt, que decidiu que «nos termos do artº 629º, nº 1 do CPC, só é admissível recurso nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal. A alçada do tribunal de 1ª instância (aquela que proferiu a decisão recorrida) é de € 5.000,00, face ao disposto no artº 44º, nº 1 da Lei 62/2013, de 26/8, pelo que a admissibilidade do recurso depende, não só do valor da causa ou incidente ser superior a € 5.000,00, como, também, da sucumbência ser superior a € 2.500,00 - (v. António Santos Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 37). O valor da sucumbência é de € 1.000,00 e, por isso, manifestamente inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância (€ 2.500,00), razão pela qual não se encontram reunidos os requisitos de recorribilidade. (…) Mesmo que se possa defender que a decisão recorrida, o que não temos por inquestionável, “se apresente eivada de erro ou se revele desproporcionada” devemos ter em conta que “as regras de interpretação das leis não são compatíveis com o casuísmo, nem o eventual desacerto de uma concreta solução pode servir para derrubar a regra geral que o legislador, com fundados motivos pretendeu estabelecer.” Não basta assim, a invocação de “um erro decisório ou de um resultado materialmente injusto para ancorar a recorribilidade” - (v. António Santos Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 52).» 7 - Neste sentido, vd. o Ac. desta Relação de 5-04-2018, prolatado no Proc. nº 763/04.4TBCMN-G.G1 e acessível in www.dgsi.pt. |