Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1188/19.2T8FAF.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MULTA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Litigam de má fé os autores que, combinados com o réu, propuseram uma acção alegando falsamente terem mutuado àquele e esposa, da qual estava a divorciar-se, a quantia de 50.000€, pedindo a condenação de ambos no respectivo pagamento, com o intuito de a prejudicar a ela na partilha, omitindo a sua verdadeira morada comum em França, indicando, para citação e sob falso pretexto de que proximamente eles se deslocariam a Portugal (o que não aconteceu), um domicílio cá na casa da mãe e sogra, e que, quando ouvidos, face à investigação encetada oficiosamente pelo Tribunal perante a citação ali efectuada e a descoberta do verdadeiro domicílio no estrangeiro, porfiaram em alegar que a citação fora correcta, que não foi deduzida oposição e em pedir, por isso, a condenação de preceito, acabando o próprio réu por, munindo-se de documento identificativo por ele subtraído à ré, levantar a carta de citação desta remetida para França e não lhe dar conhecimento da mesma.
2. Continuaram a litigar de má fé quando, na fase final do julgamento, juntaram um documento de transferência bancária da referida quantia do réu para o autor, pedindo a extinção da instância com base na sua alegada inutilidade, com isso tentando conseguir que não fosse apreciada aquela questão.
3. Ajusta-se a tal conduta, face à moldura abstracta prevista na lei (2 a 100 UC´s), à gravidade objectiva e subjetiva dos factos (dolo), às consequências e às necessidades preventivas, a condenação na multa de 50 UC´s e, bem assim, em indemnização de 2.000,00€
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO [1]

Os autores M. D. e esposa C. F., residentes em França, intentaram, em 04-12-2019, no Tribunal de Fafe, uma acção declarativa, na forma de processo comum, contra os réus M. C. (irmão daquele) e esposa M. A. (cunhada), indicando, como sua residência, “quando em Portugal na Rua ... nº … – Fafe”.

Nela formularam o seguinte pedido:
“…deve a presente ação ser julgada procedente por provada, e, em consequência,
a) condenar os Réus a pagarem aos Autores a quantia de 50.000,00€ (cinquenta mil euros) acrescidos de juros desde a sua citação e até efectivo e integral pagamento,
b) Custas e Procuradoria Condigna.”.
Na petição inicial, alegaram, além do mais, o seguinte [2]:
I. Dos Factos:

Os Autores são irmão e cunhada dos RR. respetivamente.

Encontram-se a trabalhar em França, tendo uma vida estável.

Por sua vez o Réu e esposa também se encontram a trabalhar em França, tendo conhecimento que os mesmos se deslocarão a Portugal na época natalícia que se aproxima, daí indicar-se a morada portuguesa.

Sucede que o Réu marido e esposa por volta do ano de 2000, começaram a construir uma habitação sita em ..., actualmente na União de freguesias de ... e ..., sita na morada supra referida.

Certamente, atravessando dificuldades financeiras, porque tinham uma casa em França também que haviam adquirido, começaram a pedir emprestado aos AA.

Tendo os mesmos e por diversas vezes ao longo dos anos de 2000 até 2016 mutuado em várias fases a quantia total de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), os quais se comprometeram a devolver-lhes sem quaisquer juros ou contrapartidas.

Quantia essa, que os RR. até à presente data não devolveram, nem se entende que venham a devolver voluntariamente.

Tanto assim é que os AA. tiveram conhecimento que os RR. se encontravam incompatibilizados e com pretensão de se divorciarem,

O que por si só torna o pagamento de forma voluntária mais difícil.
10º
Ainda assim, em meados de Setembro do corrente ano, o A. entrou em contacto telefónico com o Réu marido, seu irmão para o exigir o montante em dívida.
11º
O mesmo referiu que actualmente não o poderiam fazer, que teriam de aguardar.
12º
Demonstrando, desta forma, o seu intuito de não cumprir o pagamento dos montantes ou de cumprir apenas quando entendesse e conviesse.
13º
Ainda com o intuito de recuperar o montante em dívida, e numa tentativa desesperada, dado os acontecimentos descritos nos artigos anteriores, o A. telefonou à mãe do Réu marido e sua mãe, explicando-lhe a situação, para que intercedesse junto daquele para obter o pagamento.
14º
Até à data, os RR. nada pagaram aos AA.
15º
Os empréstimos, referidos nos artigos anteriores desta Petição Inicial, foram realizados sempre em dinheiro, não possuindo os AA. qualquer documento que titule essa dívida, mas que o RR. reconhecem ter para com os AA.
16º
Tal sucedeu devido à relação familiar entre os intervenientes.

II. Do Direito
17º
Os Autores e os Réus celebraram entre si um contrato de mútuo, nos termos do disposto no art.º 1142, do CC, que prevê “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro do mesmo género e qualidade”.
18º
Tendo em conta, que nenhum dos montantes mutuados, por si só, ascendeu o valor de 10.000,00€, o contrato de mútuo não necessitava de ser celebrado sob forma legal especial, conforme dispõe o art.º 1143, do CC, a contrario.
19º
Conforme prevê o art.º 1148, nº 1, do CC, “na falta de estipulação de prazo, a obrigação do mutuário, tratando-se de mútuo gratuito, só se vence trinta dias após a exigência do seu cumprimento”.
20º
Como já alegado acima, o Autor exigiu restituição das quantias mutuadas, se não antes, pelo menos, quando entrou em contrato telefónico com o Réu, com esse fim, em meados de Setembro do corrente ano.
21º
Uma vez que, desde a data em que o Autor entrou em contacto com o Réu para exigir o cumprimento da obrigação, até ao momento, decorreram mais de 30 dias, a obrigação já se encontra vencida.
22º
Em consequência, a partir dessa data, os Réus encontram-se em incumprimento perante os Autores, num montante mutuado no valor de 50.000,00€, incumprimento que persiste até à presente data.
23º
A obrigação de pagamento pelos devedores é solidária e para tanto respondem cada um dos RR. pela prestação integral nos termos do disposto no art. 512º, 516º e 517º do C.Civil.
24º
Ao montante em dívida acrescem juros de mora legais, desde a data do vencimento da dívida, até à efetivo e integral pagamento, de acordo com os arts.º 559º, 804º, 805º e 806º, todos do Código Civil.
Como meios de prova, indicaram, apenas, três testemunhas, requereram o depoimento de parte, somente, do réu marido e protestaram “juntar declaração de reconhecimento de dívida.” [3]

Face à indicação dada na petição, as duas cartas registadas em 05-12-2019, para citação de cada um dos réus foram endereçadas para “Rua ... Nº … - União de Freguesias de ... e ... FAFE”, tendo sido entregues, em 09-12-2019, a pessoa que assinou ambos os “avisos de recepção” com o nome “J. C.”, motivo porque a cada um dos réus, para o mesmo domicílio, foram remetidos, pela Secretaria Judicial, avisos registados da citação feita em terceira pessoa (artº 233º, CPC).

Por despacho de 04-02-2020, a Mª Juíza titular do processo determinou que se pesquisasse nas Bases de Dados disponibilizadas ao Tribunal se aquele domicílio onde foi realizada a citação correspondia ao dos réus.

Em resultado das pesquisas efectuadas, a Secretaria informou que “foram encontradas moradas diferentes daquelas onde se concretizou a citação dos réus, nomeadamente do réu M. C. que tem morada no estrangeiro - França. Quanto à ré, M. A. apenas o nº de porta não coincide.

Na sequência, por despacho de 06-02-2020, ordenou-se a notificação dos autores “para esclarecerem, em 10 dias, o que tiverem por conveniente quanto à morada por si indicada, sendo que, nada dizendo, se diligenciará pela citação dos Réus nas moradas ora conhecidas.”

Em requerimento de 11-02-2020, os autores alegaram:
A morada indicada pelos AA. para efeitos de citação da presente ação contra os RR. foi a Rua ... nº … União de Freguesias ... e ..., Fafe pois, atendendo à data da interposição da ação (4/12/2019), e o facto dos RR., tal como os AA. serem emigrantes, estavam convictos que os mesmos iriam passar o período de férias (Natal e Ano Novo) em Portugal, daí ter-se indicado para efeitos de citação a casa de morada dos mesmos quando em Portugal.
Contudo, sempre se dirá que, cfr. resulta dos autos, designadamente dos avisos de recepção, as citações dos RR. foram recebidas por M. C. [4], a qual é mãe do Réu marido e sogra da Ré esposa, sua procuradora e representante fiscal.
Citações essas que foram devidamente recebidas nos termos do previsto no artigo 233º do CPC, não tendo os mesmos deduzido contestação no prazo legalmente admissível, devendo considerar-se confessados os factos alegados e ser proferida sentença.”.

Por despacho de 13-02-2020, determinou-se nova citação:

Não obstante o alegado pelos Autores no requerimento que antecede, o certo é que a morada indicada pelos Autores na p.i. como sendo a morada dos Réus em Portugal, não coincide (o nº de porta) com o teor das bases de dados oficiais.
As cartas de citação foram recebidas por pessoa que, segundo os Autores, é mãe e sogra dos Réus e, como tal, igualmente mãe e sogra dos Autores.
Nos termos do art. 566º, CPC, em caso de revelia absoluta, o Tribunal deve verificar a regularidade da citação e, sendo o caso, ordenar a sua repetição.
De acordo com o art. 228º, nº1, CPC, a citação postal é endereçada para a residência ou local de trabalho do citando.
No caso dos autos, não se afigura que a morada indicada pelos Autores (com aquele nº de porta) seja a da residência – ainda que temporária – dos Réus e, como tal, não pode considerar-se válida e regular a citação efetuada e operante a revelia.
Nessa sequência, repita a citação dos Réus, para as moradas conhecidas, em França, onde os mesmos residem, tal como resulta da própria alegação dos Autores.”.

Na sequência disso, foram dirigidas cartas de citação para a morada comum dos réus em França, mostrando-se ambos os “AR´srecebidos por “C.”, o do réu com data de 22-02-2020 e, o da ré, sem data mas com a menção de que fora deixado aviso para a correspondência ser levantada na estação postal, tendo o primeiro retornado ao Tribunal de Fafe em 27-02-2020 e, o segundo, em 16-03-2020.

O réu não contestou.

A ré contestou, dizendo no seu articulado:

1º- São verdadeiros os factos alegados em 1º, 3º parte inicial, 4º e 8º.
2º- São falsos os factos alegados nos artigos 3º, segunda parte, 5º, 6º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º da douta petição.
3º- Repondo a verdade, é totalmente falso que os AA. tenham mutuado qualquer quantia aos RR.
4º- A R. tal como o seu marido sempre trabalharam por forma a suportar todas as suas despesas.
5º- Nunca necessitaram de pedir qualquer empréstimo a quem quer que seja, muito menos aos AA.
6º- Tal ação não passa de um esquema orquestrado entre o R. marido e os AA., seu irmão e cunhada com o intuito de prejudicar a R. em sede de partilhas.
Com efeito,
7º- Os RR. encontram-se em processo de divórcio desde 26 de Agosto de 2019, conforme doc. n.º 1.
8º- Ora, desde logo a indicação da morada para citação dos RR. em Portugal teria como único intuito impedir a que a R. tivesse conhecimento de tal ação e assim não contestar a mesma.
9º- A R. mulher há mais de 30 anos que não reside em Portugal.
10º- Bem sabiam os AA. que a R. mulher não vinha a Portugal no Natal, e que sempre qualquer citação para aquela morada seria recebida pela mãe do seu ainda marido (sua sogra) com quem se encontra de relações cortadas há mais de 2 anos.
11º- Para culminar toda esta situação, na citação efetuada em França, o R. marido por forma a evitar que a R. mulher tivesse conhecimento da presente ação levantou, sem autorização desta, a citação da R. mulher, furtando para o efeito o seu documento de identificação em França, Carte de Si Jour, assim como a comunicação dos serviços dos correios, tudo conforme queixa-crime apresentada junto das autoridades francesas e que se junta como doc. n.º 2.
12º- Assim, a R. mulher só teve conhecimento da presente ação, pelo facto de saber que tinha uma carta para levantar nos correios do Tribunal de Fafe, contudo quando se dirigiu aquela instituição para proceder ao seu levantamento, foi informada pela funcionária que o seu marido teria levantado a sua correspondência no dia anterior- 24 de fevereiro de 2020.
13º- Apesar de ter levantado a sua correspondência, o que é certo, é que este nada lhe entregou, nem nada lhe comunicou.
14º- Pelo que esta ação é uma verdadeira cabala orquestrada pelos AA. e seu marido, também aqui R.
15º- Com efeito, a R. não deve aos AA. a quantia peticionada.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ PROCESSUAL
16º- Razão pela qual os AA. litigam com manifesta má-fé
17º- Os AA. não ignoram serem falsos os fundamentos do pedido que invocam.
18º- Sabem que é totalmente falso que tenham emprestado qualquer quantia aos RR..
19º- Servindo-se da presente ação como expediente para prejudicarem a R. mulher em sede de partilha, na sequência de divórcio com o 1º R.
20º- Fazendo um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de obter um objetivo ilegal, ocultando a verdade e obstruindo a ação da justiça.
21º O comportamento dos AA. reveste-se, assim, de especial gravidade, traduzindo um absoluto desprezo pelos direitos da R.
22º- Tal comportamento é censurável, verificando-se por isso os pressupostos do artigo 542.º n.º 2, alíneas a), b), e d) do CPC.
23º- A má-fé processual poderá ser apreciada oficiosamente, devendo os AA. Serem condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização à R. mulher.
24º- Indemnização que, atendendo às despesas e transtornos com os presentes autos, nunca serão de valor inferior a €5.000,00;
25º- Tanto mais que, tem de pagar as despesas de taxa de justiça, os honorários de Advogado e, ainda, acarretaram-lhe prejuízos pelo transtorno, tristeza, angústia e incómodos causados, prejudicando o seu tempo de descanso e de convívio com os seus familiares e amigos, mas sobretudo colocando em causa também o seu bom nome e honra;
26º- Por isso, devem os AA. serem condenados como litigantes de má-fé, em multa exemplar e em indemnização à R., em quantia nunca inferior a 5.000,00 €, para a ressarcir de todos os gastos que tem com a presente demanda, bem como os danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causa a existência injustificada desta ação.
Nestes termos e melhores de direito, deve a ação ser julgada não provada e improcedente e condenados ainda, como litigantes de má-fé, em multa e indemnização à R. mulher, conforme o alegado.”.

Juntou uma declaração emitida por advogada francesa de que intentara acção de divórcio “contra” o marido (réu) e cópia de queixa policial de que este lhe furtou a “Carte de séjour” para levantar encomenda postal e não lhe deu notícia desta. [5]

Os autores responderam com o seguinte articulado:


Pese embora estar vedado aos AA. responder ao conteúdo dos factos explanados em tal articulado,

Em conjugação com o direito de resposta aos documentos juntos pela Ré dizem:
a) A Ré procede à junção do documento 1 designado como declaração da qual consta que a mesma Ré deu entrada do pedido de divórcio do Réu marido a 26 de Agosto de 2019 para sustentar o alegado no seu articulado Contestação. Ora os AA. desconhecem se tal facto é real, e tratando-se de factos não pessoais, vai o mesmo impugnado, mormente no teor e alcance que a Ré lhe quer atribuir.
b) Procede ainda a Ré à junção do documento 2 referente a um auto de denúncia realizado por aquela Ré contra o Réu marido, por forma a sustentar o alegado em 8º a 15º da Contestação. Ora, quanto a este os AA. desconhecem se os factos nele constantes são reais porquanto não são dirigidos aos aqui AA., não são os AA. parte dos mesmos, desconhecem o seu teor, conteúdo e alcance indo os mesmos impugnados nos termos do artigo 444.º do CPC e 374.º do CC. e consequentemente o alegado em 8º a 15º da Contestação.

Assim e em bom rigor, conforme alegado na Petição Inicial é a pura verdade,

Os RR. devem a quantia peticionada na P.I,

Não se trata de qualquer “esquema orquestrado” (cit. Ré esposa), pois os AA. desconheciam que os mesmos se encontravam em divórcio,

Sendo que os motivos que conduziram à suposta ação de divórcio só aos RR. diz respeito,

Não podendo a Ré esposa vir agora fazer uso astucioso de tal, fugindo às suas responsabilidades, bem como o Réu marido.

Aliás, tanto assim é que o mesmo Réu marido nem tão pouco contestou a acção, pois sabe que deve o montante em litígio nos presentes autos.

Pelo que não existe qualquer litigância de má-fé processual por parte dos aqui AA., uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 542º do CPC.
10º
Por fim sempre se dirá que os AA. indicaram como morada de citação dos RR. a morada de Portugal na séria convicção de que os mesmos iriam passar a quadra natalícia na referida morada, evitando assim a dilação de 30 dias caso a citação fosse efectuada no estrangeiro… Aliás, atente-se que a presente ação só foi autuada a 05/12/2019.
11º
No demais os AA. mantêm tudo o que expuseram na sua Petição Inicial, impugnando tudo o que a Ré expôs em sentido contrário e que contenda com o alegado por estes.”.

De seguida, dispensando-se a audiência prévia, foi fixado o valor da acção, proferido saneador tabelar, identificado o objecto do litígio, enunciados os temas de prova, entre estes a litigância de má fé e a conduta processual dos autores [6], e apreciados os requerimentos.

A audiência de julgamento iniciou-se em 01-07-2021, sessão em que foi tentada mas se frustrou a conciliação das partes e se ouviram os depoimentos de ambos os réus e do autor marido. Continuou em 09-07-2021 com a inquirição de 3 testemunhas arroladas pela ré. Nesta sessão, mandou-se “- notificar autores e réus para juntar aos autos cópia dos extratos bancários relativos às suas principais contas, por referência aos anos entre 2000 e 2016; - notificar os réus para juntarem aos autos, em 10 dias, comprovativos e extratos dos empréstimos que hajam contraído em Portugal e em França entre os anos 2000 e 2016”.

Na sequência, apenas a ré juntou diversos documentos bancários e outros.

Por isso, em 29-09-2021, foi proferido despacho:

Notifique os Autores e o Réu para procederem, em 5 dias, à junção de documentação bancária oportunamente ordenada ou requererem o que tiverem por conveniente, sob pena de condenação em multa, por falta de colaboração com o Tribunal, nos termos do disposto no art. 417º, nº1, CPC, sem prejuízo do disposto nos arts. 417º, nº2, CPC, 344º, nº2, CC.”.

Nada mais estes juntaram, a pretexto de dificuldades comunicadas pelo Banco.

Entretanto, em 05-01-2022, os autores, pela pena do novo advogado seu mandatário forense – Dr. H. G. – no qual o primeiro – Dr. A. M. – substabeleceu sem reserva, requereram nos autos, em 05-01-2022, junção de “comprovativo de transferência da quantia de 50000,00€ (cinquenta mil euros), por parte do R. M. C., referente ao valor peticionado nos presentes autos” e que “Em face do exposto, os AA. prescindem da demais produção de prova, verificando-se a inutilidade superveniente da lide, pelo que se requer a extinção da instância.

O documento refere uma transferência bancária, em 30-10-2021, no montante de 50.000,00€ ordenada pelo réu a favor do autor.

Ordenada a notificação dos réus, apenas a ré reagiu requerendo, em 17-01-2022, que: “No seguimento da desistência do pedido deduzida pelos AA., requer a V. Exª, o prosseguimento dos autos, para apreciação da litigância de má com que estes litigaram na presente demanda e, prolação da respetiva decisão”.

Por isso, no seguimento, em 25-01-2022, foi exarado o seguinte: “Porquanto a invocada inutilidade superveniente da lide não prejudica o conhecimento da litigância de má fé, invocada nos autos, aguarde-se a data agendada para a continuação da audiência de julgamento, devendo os Ilustres Mandatários, querendo, indicar as testemunhas de cujo depoimento pretendem prescindir, em face da restrição do objeto da audiência de julgamento.”.

Em 04-02-2022, os autores expuseram que: “… reiteram o vertido no seu requerimento que antecede a fls...., prescindindo da demais produção de prova – especificamente de todas as testemunhas por si arroladas e ainda não ouvidas – considerando-se ressarcidos do mútuo concedido.
No mais, atendendo que foi ressarcida [sic] do valor peticionado, pugna pela improcedência do pedido de condenação dos AA enquanto litigantes de má fé, verificando-se, efectivamente, que não foram os mesmos a litigar em má fé...”.

Em 29-03-2022, concluiu-se a audiência de julgamento com o depoimento da autora. [7]

Em 13-05-2022, foi proferida a sentença, na qual, quanto ao objecto da causa, foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide face ao requerido pelos autores e, nesta parte, condenado o réu nas custas.

Quanto ao mais, decidiu-se:

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas, condeno os Autores M. D. E C. F. como litigantes de má-fé, em multa no valor de 50 UC’s (€ 5.100,00) e em indemnização à Ré M. A. no valor de € 2.000,00 (dois mil euros).
Custas do incidente pelos Autores, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s (artigo 527.º, n.º 1 e 2, CPC, 7º, nº4, tabela II).
Notifique.
Após trânsito, considerando o que ficou dito quanto à versão apresentada pelos Autores nos autos, sustentada nas declarações dos mesmos e do Réu em audiência de julgamento, extraia certidão da presente decisão e remeta ao Ministério Público, para os efeitos tidos por convenientes.”

Os autores, inconformados, apelaram a que esta Relação revogue tal decisão, apresentando como conclusões (43!) o seguinte texto, flagrantemente violador do ónus de síntese imposto no nº 1, do artº 639º, CPC [8]:

“I. Vem o presente recurso ser interposto da decisão proferida pelo Digno Tribunal a quo, que condenou os Autores M. D. E C. F. como litigantes de má-fé, em multa no valor de 50 UC’s (€ 5.100,00) e em indemnização à Ré M. A. no valor de € 2.000,00 (dois mil euros).
II. Verifica-se erro notório na apreciação das provas, que determinou incorreta decisão de facto e, consequentemente, do decisório, no que concerne aos Pontos 1 a 5 dos Factos Provados:
III. Na douta sentença a quo - com o devido e merecido respeito que, ademais, é muito - andou mal o Digno Tribunal ao dar como provados todos os factos que se reportam à não existência do mútuo celebrado entre as partes e ao conluio entre AA. e o R.
IV. Isto porque, como se explicará adiante, da prova documental e testemunhal produzida nos autos, se extraí de forma evidente que os AA. Recorrentes tinham Direito a ser ressarcidos das quantias mutuadas.
V. No Ponto 1 dos Factos Provados, a douta sentença a quo afirma que os Autores invocam falsamente o mútuo de 50 000,00€ aos RR. e o R., conluiado com aqueles, não apresentou contestação.
VI. Desde logo, o Tribunal “a quo” decidiu ignorar flagrantemente e sem qualquer motivo justificativo, que a quantia reclamada foi liquidada pelo R., após prestar depoimentos nos presentes autos.
VII. Transferência realizada em 30 de Outubro de 2021, cfr. doc. de fls... junto aos autos no requerimento ref.ª 12430307.
VIII. Em abono da verdade, da prova produzida e da leitura atenta da sentença produzida, não se consegue extrair qualquer elemento que permita afirmar – ainda que indiciariamente – qualquer conluio entre as partes!
IX. Ademais, são os próprios AA que, finalmente ressarcidos da elevadíssima quantia mutuada, prescindem da produção de prova testemunhal adicional.
X. No Ponto 2 dos Factos Provados, a douta sentença a quo afirma que os RR se encontravam em processo de divórcio desde Agosto de 2016 e desentendidos por causa das partilhas do património comum.
XI. Do depoimento da própria R., M. A., a mesma esclarece que os bens comuns do casal foram já partilhados e que nenhuma divergência ocorreu com a divisão.
XII. Posição corroborada pelo R., M. C., no seu depoimento, chegando, inclusivamente, a acordo quanto a pagamento de despesas de obras a realizar – sem qualquer conflito.
XIII. No Ponto 3 dos Factos Provados, a douta sentença a quo afirma que a morada fornecida nos autos para citação dos Réus corresponde à morada da mãe do Autor e Réu, com quem a Ré está de relações cortadas.
XIV. No Ponto 4 dos Factos Provados, a douta sentença a quo afirma que o Réu procedeu ao levantamento da carta citação da Ré enviada para França, não lhe dando conhecimento da mesma.
XV. Os AA, em virtude das dificuldades da língua, da relação a Portugal e da maior facilidade de compreensão do sistema judicial Português, deram entrada da presente acção em território nacional, como resulta do depoimento de ambos os AA.
XVI. Competência territorial nunca colocada em causa!
XVII. Os AA. desde o primeiro momento, sempre transmitiram ao Tribunal a sua convicção que os RR estariam em Portugal no mês de Dezembro para passar o Natal, assim podendo receber a correspondência e acelerar o processo judicial – evitando a dilação de 30 dias por citação no estrangeiro.
XVIII. Do depoimento do R. M. C. resulta que o mesmo declarou que sempre entregou todas as cartas de citação endereçadas à Ré M. A., quer a citação inicial em Portugal, quer a subsequente, remetida para França – não podendo negar a sua recepção pois a sua assinatura resulta do aviso de recepção assinado pelo mesmo junto aos autos.
XIX. Verificando-se existir, sim, duas versões opostas quanto aos mesmos factos, assumindo o Réu a sua conduta e mantendo, a R., a posição de ignorância quanto à divida existente e tudo que com a mesma contenda.
XX. Finalmente, no Ponto 5 dos Factos Provados, a douta sentença a quo afirma que, com a instauração da presente acção, os Autores causaram à Ré, além de despesas, transtornos, tristeza e angústia, prejudicando o seu tempo de descanso e lazer, atingindo-a no seu bom nome e reputação.
XXI. Diga-se, a este propósito, quem teve despesas, transtornos, tristeza e angústia, prejudicando o seu tempo de descanso e lazer foram os AA. que, somente com a instauração da presente acção puderem reaver as quantias mutuadas aos RR.
XXII. Despesas, transtornos, tristeza e angústia que ainda não cessaram em face da decisão enviesada do Tribunal “a quo” que obriga à interposição presente recurso, esperando alcançar a Justiça e boa decisão que não se verificou na sentença ora em crise.
XXIII. Foram os AA que se viram privados das suas economias, em benefício de terceiros, sem qualquer lucro ou compensação, durante anos.
XXIV. Felizmente, um dos RR assumiu os compromissos e liquidou a dívida, ao invés da postura de negação e vitimização da R., consciente que nenhum documento foi elaborado e que a prova testemunhal seria sempre parca.
XXV. Ignora-se, porque não alegado ou provado, em que medida, grau ou extensão foi o bom nome e reputação da R. atingido.
XXVI. Verificou-se, outrossim, que só por via da acção judicial, rompendo definitiva e irremediavelmente, laços familiares e de sangue, foi possível reaver as quantias mutuadas.
XXVII. Por conseguinte, a sentença do tribunal a quo fez uma errada apreciação - notória – da prova produzida.
XXVIII. Pugnam os recorrentes pela apreciação da questão da litigância de má-fé, defendendo que não se mostram preenchidos os requisitos contemplados no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil.
XXIX. Os autores não agiram, nunca por nunca, norteados por qualquer fim ou estado de espírito reprovável.
XXX. Afigura-se que a condenação dos autores como litigantes de má-fé se ficou a dever, grosso modo, ao modo em que o Tribunal “a quo” valorou a prova produzida em sede de julgamento, com a qual os autores não concordam, conforme supra se evidenciou, o que por sua vez conduziu a uma errada aplicação direito e prejudicou a boa decisão da causa.
XXXI. Na verdade, os AA., vendo INTEGRALMENTE satisfeita a sua pretensão de serem ressarcidos da quantia mutuada, prescindiram da produção de qualquer outra prova – testemunhal ou documental – conquanto, insistir na produção da mesma violaria, outrossim, os Principios da Colaboração, celeridade e economia processual e conduziria à prática de actos inúteis.
XXXII. Não se podendo confundir a não produção de prova de certos factos com o comportamento típico de quem recorre aos meios processuais para obter um fim avesso ao direito e à justiça.
XXXIII. Os autores apenas se limitaram a peticionar a condenação dos RR. no reconhecimento da dívida para com os mesmos e no seu pagamento!
XXXIV. Lograram alcançar os seus intentos, recuperar os cinquenta mil euros emprestados.
XXXV. Reitera-se, os AA. consideram que não agiram norteados por qualquer fim ou estado de espírito reprovável, tendo-se limitado a peticionar a condenação dos réus decorrente das obrigações violadas pelos réus.
XXXVI. Consideram os autores que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não seguiu a regra da prudência. Os autores desde o primeiro momento e impulso processual estiveram, como ainda estão, convencidos da justiça da sua pretensão!
XXXVII. Sem prescindir, sem conceder tudo quanto supra exposto e só por cautela e mero dever de patrocínio se coloca tal possibilidade,
XXXVIII. Ainda que se pudesse considerar que os AA actuaram com má fé sempre se afigura, como excessivo o montante de 50 UCs em que os autores foram condenados e, bem assim, o montante indemnizatório a pagar à R.
XXXIX. A multa de 50 UC com que a sentença sancionou a conduta dos autores e a quantia indemnizatória afiguram-se desajustadas, por excessivas, não correspondendo a um justo equilíbrio entre o grau de culpa e a censurabilidade do comportamento.
XL. Não se podendo olvidar que nenhum facto foi dado como provado que permita conceder qualquer indemnização à Ré;
XLI. Carecendo de qualquer fundamentação a decisão emanada e, consequentemente, ferida de nulidade, cujo reconhecimento expressamente se requer.
XLII. Impõe-se destarte a sua redução para o montante mais equilibrado e próximo dos mínimos legais.
XLIII. A sentença do tribunal a quo, violou assim, o disposto nos artigos 342.º, n.ºs 1 e 2; 334.º; 406.º; 562.º e seguintes; 798.º; 799.º, n.º 1, todos do Código Civil e 542.º e 543.º do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V/ Excias doutamente suprirão, em face de tudo o que ficou exposto, deverá este Venerando Tribunal dar provimento ao recurso, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Mas V/ Excias. farão, como sempre, JUSTIÇA.”

A ré M. A. respondeu, sustentando a bondade da decisão, defendendo a sua confirmação e, para tal argumentando:

“10º- Assim, no caso sub judice, ficou provado que os AA. invocaram falsamente o mútuo de € 50.000,00 aos RR, e o R. marido, conluiado com aqueles, não contestou a presente ação.
11º- E, são muitos os acontecimentos que corroboram tal facto:
12º- Desde logo, a circunstância de os RR. se encontrarem desavindos, e em processo de divórcio e consequente partilha.
13º- Facto que era do conhecimento dos AA. como estes bem confessaram na sua PI, o que, posteriormente, tentaram desmentir.
14º- Acresce que, a morada fornecida para citação dos RR. corresponde à morada da mãe do A. marido e do R. marido em Portugal, quando os AA. sabiam que os RR. têm residência em França.
15º- Além do mais, a mãe do A. marido e R. marido está de relações cortadas com a R. mulher, há vários anos
16º- A desculpa de que os RR. viriam de férias a Portugal, no Natal, cai completamente por terra, pois não faria qualquer sentido, uma vez que o ex-casal estava desavindo e em processo de divórcio, facto que os AA. não desconheciam, como bem confessaram.
17º- O pedido de citação em Portugal, na morada da mãe do R. marido e A. marido, tinha como único objetivo, impedir que a R. mulher tomasse conhecimento da presente ação e contestasse.
18º- E tendo, o tribunal oficiosamente ordenado a citação dos RR. em França, o R. marido, numa última tentativa de que a R. não tomasse conhecimento da ação, procedeu ao levantamento da carta de citação da R., não lhe dando conhecimento da mesma.
19º- A tais factos, acresce, que dos rendimentos declarados por ambos os RR. resulta mais que provado que estes não passam, ou passaram por qualquer dificuldade económica que justificasse os alegados mútuos, tanto é que os RR., durante a pendencia do matrimonio, foram adquirindo ao longo dos anos património imobiliário, em Portugal e em França, com recurso a empréstimos bancários, no entanto, tendo sempre investido capitais próprios.
20º- Ora, se tinham capitais próprios para investir em imóveis em Portugal e em França, qual a justificação para pedir dinheiro emprestado aos AA.!?
21º- Mais, quando as partes foram instadas a juntar informação bancária do período a que se reportava os alegados mútuos, a única parte que juntou tais informações foi a R. mulher, pois nunca teve nada a esconder.
22º- Por sua vez, os AA. após terem “protelado” a audição das suas testemunhas e a junção da informação bancária, vem juntar aos autos comprovativo do alegado pagamento por parte da R. marido.
23º- Pedindo a extinção da lide por inutilidade superveniente da lide.
24º- Pergunta-se, e esta mesma pergunta terá feito o douto Tribunal a quo, porque só agora efetuou o R. a aludida transferência.
25º- Falta de liquidez, ficou mais que provado que não era o motivo.
26º- A questão foi que o plano orquestrado não resultou e decidiram que o melhor seria desistir, alegando para tal o pagamento por parte do R. marido.
27º- Ora, todos estes factos, não podiam ser ignorados, nem foram ignorados pelo douto Tribunal a quo, e que bem andou ao condenar os AA. como litigantes de má fé.
28º- O instituto da litigância de má fé tutela o interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, e visa assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.
29º- Os AA. não ignoram serem falsos os fundamentos do pedido que invocam.
30º- Sabiam e sabem que é totalmente falso que tenham emprestado qualquer quantia aos RR..
31º- Servindo-se da presente ação como expediente para prejudicarem a R. mulher em sede de partilha, na sequência de divórcio com o 1º R.
32º- Fazendo um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de obter um objetivo ilegal, ocultando a verdade e obstruindo a ação da justiça.
33º O comportamento dos AA. reveste-se, assim, de especial gravidade, traduzindo um absoluto desprezo pelos direitos da R.
34º- Tal comportamento é censurável, verificando-se por isso os pressupostos do artigo 542.º n.º 2, alíneas a), b), e d) do CPC.
35º- Assim, não restam dúvidas que do conjunto da prova produzida e dos documentos juntos aos autos que os AA deduziram pretensão a que sabiam não ter direito e alteraram a verdade dos factos na sua petição inicial, omitiram gravemente o seu dever de cooperação, fazendo assim, um uso manifestamente reprovável do processo, procurando um objetivo ilegal e uma decisão injusta.”.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo, em cumprimento do disposto no nº 1, do artº 617º e 641º, CPC, tendo o Tribunal a quo referido:

“No que recurso, ainda que de forma não explícita, é invocada uma nulidade por falta de fundamentação.
Importa, desde logo, chamar à colação o Ac. STJ, de 15/12/2011 (PEREIRA RODRIGUES), onde se pode ler que “a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final”.
Assim, apenas se verificará a nulidade invocada nos casos em que se verifique uma ausência total de fundamentação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida. Já não se verificará a referida nulidade quando a fundamentação seja deficiente ou pouco persuasiva.
O exame crítico das provas deve indicar no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspetiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal 1. 1 Assim, o Ac. TRC, de 20/01/2010 (ESTEVES MARQUES).
Ora, no caso dos autos, entende-se que a decisão proferida se encontra devidamente fundamentada.
Pelo exposto, entendo não se verificar a apontada nulidade.”.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.
Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
O ponto de partida do recurso, por princípio, é sempre a própria decisão recorrida.
Com efeito, no nosso modelo (de reponderação e não de reexame da causa), por meio daquele reapreciam-se questões já julgadas na instância inferior e visa-se alterar o decidido, se e na medida em que afectado por invalidade ou por erro de julgamento.
As que, apesar de invocadas, aí não tenham sido apreciadas permanecerão fora do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem [9]. Tal como as que sejam suscitadas como novidade. [10]
Recordando-se que a litigância de má fé é matéria de conhecimento oficioso e, portanto, sem prejuízo daquilo que, para o efeito, o Tribunal entenda dever adicionalmente pronunciar-se, suscitam os recorrentes, nas conclusões apresentadas, resumindo, as questões seguintes:

a) A decisão é nula por carecer de “qualquer fundamentação” (XLI).
b) Há “erro notório” na “apreciação” da “prova produzida” quanto aos cinco pontos de facto provados (II e XXVII).
c) A decisão é “enviesada”, não segue a “regra da prudência”), viola o elenco de normas legais indicado e deve ser revogada (XXII, XXXVI, XLIII e petitório final).
d) A multa é “desajustada” e “excessiva” (XXXVIII e XXXIX).
e) A indemnização, idem, e sem fundamento.

III. NULIDADE DA SENTENÇA

É patente que a decisão não carece de “qualquer fundamentação”. Não está “ferida de nulidade” – a despeito do aventado na conclusão XLI das alegações de recurso.
De mínima e razoável fundamentação, de facto e de direito, carece flagrantemente, isso sim, é o recurso, nesta parte, dos autores.
Com efeito, buscando-a nas alegações onde deviam expô-la e, por isso, seria expectável encontrá-la, verifica-se que nada referem, além destes três parágrafos finais que mais não traduzem do que discordância em relação ao decidido e não aceitação dos fundamentos, de facto e de direito, constantes na sentença:
A multa de 50 UC com que a sentença sancionou a conduta dos autores e a quantia indemnizatória afiguram-se desajustadas, por excessivas, não correspondendo a um justo equilíbrio entre o grau de culpa e a censurabilidade do comportamento.
Não se podendo olvidar que nenhum facto foi dado como provado que permita conceder qualquer indemnização à Ré;
Carecendo de qualquer fundamentação a decisão emanada e, consequentemente, ferida de nulidade, cujo reconhecimento expressamente se requer.”.
Tão pobre justificação para o vício só poderá explicar-se – o que não significa compreender-se, nem aceitar-se – se não por uma incapacidade notória de distinguir entre invalidade de uma decisão e erro de julgamento, como adesão acrítica a uma certa postura cada vez mais em voga de os interessados imputarem às decisões não satisfatórias vícios a esmo sem a menor sustentação e de, assim, contra elas se rebelarem, posto que, em regra, inconsequentemente. [11]
Tal nulidade está, em abstracto, prevista na alínea b), do artº 615º, e reporta-se aos requisitos aludidos nos nºs 3 e 4, do artº 607º, que constituem emanação do dever geral de fundamentação previsto não só no artº 154º, estes do CPC, mas também no artº 24º, nº 1, da Lei 62/2012, de 26 de Agosto, e no artº 205º, nº 1, da Constituição da República.
Sobre o tema, a título de exemplo, pode ver-se o nosso Acórdão de 24-04-2019 [12].
Melhor ainda e mais recentemente, o de 06-10-2022 [13], onde pode ler-se:
“3.1. Nulidades da sentença versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º, do CPC (4).
Ora, não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar (5), desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133).
*
3.2. Nulidades da sentença
3.2.1. Omissão de fundamentação
Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que «é nula a sentença quando»:
. omissão de fundamentação - «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Enunciando as regras próprias de elaboração da sentença, lê-se no art. 607.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC, que a «sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, e enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer», seguindo-se «os fundamentos de facto», onde o juiz deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final».
Mais se lê, no n.º 4 do mesmo art. 608.º citado, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção»; e «tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência».
Por fim, lê-se no n.º 5 do mesmo art. 607º, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», não abrangendo, porém, aquela livre apreciação «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão da partes».
Reafirma-se, assim, em sede de sentença cível, a obrigação imposta pelo art. 154.º, do CPC, e pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art. 154.º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação (6).
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado: a «motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1) (7).
Logo, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine os factos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza).
Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
Este esforço, exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida, «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
De seguida, e do mesmo modo, o art. 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos.
Dir-se-á mesmo que «é na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença. A importância capital desta parte da sentença reflecte-se claramente no facto de o art. 668º (1, b) [hoje, art. 615.º, n.º 1, l b)] incluir entre as causas de nulidade da sentença a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 666).
Enfatiza-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (8).”
Ora, apesar da displicente arguição da nulidade invocada, vê-se claramente que a sentença ostenta a discriminação dos factos em que se baseou e expõe os motivos por que, interpretando e aplicando as normas jurídicas escolhidas, concluiu no sentido decidido.
Não se percebe a alegação, designadamente, de que “nenhum facto foi dado como provado” quanto à indemnização, muito menos, por totalmente descabida, a de que carece de “qualquer fundamentação”.
Mais não é necessário acrescentar, pois, para negar provimento a tal questão recursiva.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença

Embora questionada no recurso, a decisão desta matéria proferida pelo tribunal a quo seleccionou como factos considerados relevantes e julgou provados os seguintes:

“1. Os Autores invocaram falsamente o mútuo de € 50.000,00 aos Réus e o Réu, conluiado com aqueles, não contestou a presente ação.
2. Os Réus encontram-se em processo de divórcio desde agosto de 2016 e desentendidos por causa das partilhas do património comum.
3. A morada fornecida nos autos para citação dos Réus corresponde à morada da mãe do Autor e Réu, com quem a Ré está de relações cortadas.
4. O Réu procedeu ao levantamento da carta de citação da Ré enviada para França, não lhe dando conhecimento da mesma.
5. Com a instauração da presente ação, os Autores causaram à Ré, além de despesas, transtornos, tristeza e angústia, prejudicando o seu tempo de descanso e lazer, atingindo-a no seu bom nome e reputação.”
Considerou inexistirem outros não provados com relevância.

Para tanto, fundamentou-se na seguinte motivação [14]:
“A convicção do Tribunal fundou-se nas alegações das partes vertidas nos respetivos requerimentos, conjugadas com os elementos documentais juntos aos autos, bem como a análise crítica da prova por declarações e depoimentos produzidos em audiência.
Em termos de prova documental, valorámos, desde logo, as informações constantes das bases de dados a propósito das moradas dos Réus (todas em França e, a única em Portugal com nº de porta que não correspondia com o indicado na petição inicial), sendo que logo ao Tribunal se afigurou irregular a citação dos Réus inicialmente efetuada, na sequência da qual não foi apresentada contestação; valorámos, igualmente, a documentação junta pela Ré, com a contestação, a propósito da pendência da ação de divórcio, desde agosto de 2019, da queixa contra o Réu por se ter apoderado do seu documento de identificação para levantamento da carta de citação, em França, cujo aviso de receção tem aposta a mesma assinatura da citação do Réu, e informação bancária dos anos de 2000 a 2016, após notificação do Tribunal para o efeito.
A este propósito, diga-se que os Autores e o Réu não juntaram qualquer documentação, valorando o Tribunal tal recusa de colaboração, nos termos do art. 417º, nº2, CPC, em conjugação com a demais prova, tal como ficou dito oportunamente, no despacho de 29.9.2021.
Em conjugação com a referida prova documental, valorámos as declarações da Ré, espontâneas, serenas, revelando evidente constrangimento e revolta pela situação processual em que se viu envolvida, descrevendo os desentendimentos com o Réu marido, designadamente por causa das partilhas na sequência de divórcio.
Referiu-se às circunstâncias em que o mesmo se apoderou da sua citação e do seu documento de identificação, o que motivou a queixa que juntou aos autos, e aos termos em que tomou conhecimento do objeto da ação apenas por saber que tinha uma carta do Tribunal e que o marido a levantara, acabando por averiguar do que se tratava.
Acrescentou que nunca previra vir a Portugal no natal de 2019, altura em que já se encontrava em processo de divórcio do Réu, e nunca a sua sogra, com quem não mantinha relação, lhe transmitira qualquer correspondência.
Além de negar o empréstimo por parte dos Autores, a Ré aludiu, de forma concretizada, circunstanciada, à desnecessidade que teriam de tal empréstimo, considerando o rendimento médio mensal do agregado, os empréstimos bancários que foram contraindo, os negócios que foram realizando, que se traduziam na aquisição de casa própria, na realização de viagens de férias, no apoio financeiro aos filhos e a outros familiares, ao que acrescia a relação pouco próxima que tinham com os Autores, resumindo-se a convivência a uma ou duas reuniões por ano.
As declarações da Ré, conjugadas com a informação bancária por si junta, permitem concluir que os Réus tinham, efetivamente, vida financeira relativamente confortável nos anos em causa, auferindo um rendimento mensal médio de € 5.000,00, tendo comprado imóveis com recurso a empréstimos bancários pontualmente pagos e a capitais próprios, tendo depois recebido, em 2020, mais de € 200.000,00 cada um pela venda de uma casa em França.
As testemunhas M. V., N. R. e K. C., respetivamente mãe, irmã e filho da Ré, prestaram depoimentos escorreitos e assertivos e corroboraram as declarações da Ré a propósito dessa vida confortável dos Réus, que sempre trabalharam, emigrados, nunca manifestando dificuldades financeiras no período em causa, sendo que o filho dos Réus trabalhava com o pai e conhecia os orçamentos e faturas, pelo que deu igualmente conta dos rendimentos elevados auferidos pelo mesmo.
As declarações dos Autores e do Réu foram lacónicas e evasivas perante pedidos de concretização e explicitação do Tribunal, revelaram-se contrárias às regras da lógica e da experiência comum e não obtiveram qualquer respaldo em prova, designadamente documental, sendo que, como se disse, notificados para juntarem informação bancária da qual pudesse o Tribunal concluir pela verosimilhança de um empréstimo dos Autores aos Réus do montante do alegado, apesar das prorrogações de prazo, nada juntaram.
O Réu referiu entregas de dinheiro, em envelopes, entre 2005 e 2013, mais concretamente em 2005, 2007, 2010 e 2013, de € 10.000,00, nas primeiras duas vezes, e € 15.000,00, nas duas vezes seguintes, pelo irmão, ora sozinho ora com a mulher C. F., ora em casa de uns ora de outros, ora em casa da mãe, em Portugal.
Não logrou esclarecer cabalmente a razão pela qual precisavam do dinheiro, referindo-se genericamente a trabalhos na casa que se encontravam a construir em Portugal e na casa em França, e a dificuldades financeiras na decorrência de um acidente de trabalho que sofreu, tendo ficado reformado em 2007, apesar de dizer que nesse período auferia, de reforma, mais de € 1.400,00.
O Réu referiu-se aos diversos empréstimos bancários que foram fazendo, quer para compra de apartamento em França, já em 1996, quer para construção da casa em Portugal, em 2002, no valor de cerca de 35.000 contos, pago em 10 anos, tendo sempre investido capitais próprios em tais negócios e tendo, depois, vendido o aludido apartamento por cerca de € 153.000,00, para comprar uma casa, em França, em 2011, no valor de cerca de €300.000,00, contraindo, nessa altura, empréstimo bancário de € 155.000,00, e vindo, depois, recentemente, a vender essa casa de França por quase € 600.000,00.
Confirmou um rendimento médio mensal do agregado, na altura, de cerca de € 5.000,00, com despesas mensais de cerca de € 1.000,00.
A fim de garantir a responsabilização da Ré o Réu proclamava, a cada passo, que aquela “sabe muito bem” da dívida que têm para com os Autores.
Instado pelo Tribunal não logrou o Réu esclarecer por que razão, se admitia a dívida para com o irmão e a cunhada, não tinha ainda procedido ao pagamento de, pelo menos, metade do valor, já que sabia que era demandado nesta ação e, conforme afirmou, recebera há uns meses mais de € 200.000,00 da venda da casa de França.
A resposta de que a Ré também tinha que pagar não foi minimamente lógica nem convincente já que, como se disse, o Réu não diligenciara, sequer, pelo pagamento de metade do valor.
Note-se que só alguns meses depois vieram os Autores informar que o Réu lhes havia pago a totalidade da quantia em dívida.
O Autor confirmou as quatro entregas de dinheiro, ora em casa de uns ora de outros, ora em casa da mãe, em Portugal (depois de inicialmente ter dito que tal entrega, em 2010, ocorrera durante uma visita, em França), após solicitações do irmão, que não concretizou e que justificou genericamente com dificuldades financeiras.
Referiu-se ao rendimento médio do seu agregado, na altura, como variável, de cerca de € 6.000,00, com despesas de cerca de € 2.000,00.
Já a Autora revelou parco conhecimento dos factos, dizendo que o marido é que tratara de tudo com o irmão, embora soubesse dos empréstimos e tivesse chegado a abordar o assunto com a cunhada, aqui Ré. Contudo, a este propósito, quando instada a concretizar, afirmou que teria sido uma breve referência, de segundos, à questão do dinheiro. Chegou a afirmar que não sabiam que os Réus estavam em processo de divórcio quando instauraram a ação, sendo que esse argumento consta, precisamente, da petição inicial.
Ora, do conjunto da prova produzida não ficou o Tribunal com dúvidas sérias, razoáveis, de que a versão da Ré corresponde à verdade e que o empréstimo alegado nos autos, sustentado pelos Autores e pelo Réu em declarações, nunca ocorreu, designadamente nos termos e montantes invocados.
Os Autores e o Réu coincidiram na afirmação de quatro entregas de quantias avultadas, em dinheiro, em 2005, 2007, 2010 e 2013, no valor global de € 50.000,00.
Contudo, tais entregas teriam ocorrido sem que existisse qualquer documento, manuscrito que fosse, de assunção da dívida por parte dos Réus, sem que fosse acordada data para o seu reembolso ou o pagamento de juros, tudo entre dois irmãos que, apesar de emigrados há vários anos em França, a trabalhar na mesma área e a residir a poucos quilómetros de distância, se encontravam e conviviam apenas uma ou duas vezes por ano, não denotando especial relação de proximidade e confiança.
Os Autores, apesar de instados para tal, não demonstraram minimamente ter um património de tal modo abastado e uma situação financeira de tal modo desafogada que lhes permitissem emprestar tais quantias, sem prazo nem juros, sem qualquer comprovativo ou garantia, sem que isso afronte as regras da lógica e da normalidade da atuação humana.
Os rendimentos dos Autores seriam, até, semelhantes aos dos Réus, sendo que estes compraram casas, recorreram a empréstimos bancários, que foram pagando, tinham saldos bancários de alguns milhares de euros durante o período temporal em causa, e não se vislumbra que necessidade teriam de recorrer, também, a um empréstimo junto dos Autores, nem a que título estes financiariam as aquisições e melhoramentos de imóveis dos Réus, entregando novas quantias apesar de, vários anos volvidos, as anteriores não lhes terem sido reembolsadas, para depois as exigirem somente em Tribunal, sem qualquer outra interpelação escrita prévia, 6 anos depois da última entrega de dinheiro e 14 anos depois da primeira.
Além das partes, nenhuma testemunha revelou conhecimento direto sobre os empréstimos em causa.
A tudo acresce que, como se disse, os Autores indicaram para citação morada que sabiam não ser a dos Réus, não ficando minimamente demonstrado que tivessem qualquer razão para crer que, mormente a Ré, receberia a correspondência para ali enviada, e o Réu levantou a citação da Ré em França, sem a sua autorização, não lhe tendo transmitido o seu conteúdo.
Em suma, a versão trazida aos autos pelos Autores não é minimamente crível e foi frontalmente contrariada pela Ré, sendo que não se prefigura outra razão plausível para a descrita atuação dos Autores, em conjugação com o Réu, no sentido de obter uma condenação, de preceito, da Ré, nos presentes autos, que não a falsidade da sua alegação, pelo que resultou suficientemente claro e límpido para o Tribunal o descrito supra, nos factos provados.”

O recurso

Como é sabido, sobre a parte que impugne a decisão da matéria de facto, recaem os ónus previstos no artº 640º, CPC.
Ante a imensa dificuldade no seu cumprimento e até incompreensível resiliência ao que a Doutrina e a Jurisprudência preconizam repetidamente quanto a isso, mormente sobre a forma e grau de observância dos requisitos exigíveis às partes, há um consenso generalizado de que o incumprimento dos ónus primários previstos nas três alíneas do nº 1 dá fatalmente lugar à rejeição imediata do recurso sem que deva dirigir-se ao incumpridor qualquer convite ao aperfeiçoamento e de que o ónus secundário previsto na alínea a), do nº 2, deve ser verificado com flexibilidade e considerar-se satisfeito desde que, caso até a indicação das passagens da gravação não se mostre feita com exactidão, todavia as referências permitam, com facilidade, encontrar e auditar os trechos dos depoimentos invocados como fundamento do recurso.
Considera-se imprescindível, para o efeito, que, nas conclusões, pelo menos, constem especificados os pontos objecto da impugnação. Se não mesmo, também a decisão pretendida sobre eles.
Como se refere no Acórdão do STJ, de 17-11-2021 [15] “I - O art. 640.º, n.º 1, do CPC coloca a cargo do recorrente o ónus de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação.”.
Por isso, contuna ele, “II - Entre os aspectos ou dimensões do ónus de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação está a indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”.
No mesmo sentido, alinha, v.g., o Acórdão de 09-06-2021 [16]: “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se quando (i) falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto (arts. 635.º, n.os 2 e 4, 639.º, n.º 1, 641.º, n.º 2, al. b), do CPC); (ii) quando falte nas conclusões, pelo menos, a menção aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorrectamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)), sendo de admitir que as restantes exigências das als. b) e c) do art. 640.º, n.º 1, em articulação com o respectivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações”.

Ainda mais exigente se mostra o Acórdão do STJ, de 15-09-2022 [17]:
III. Os ónus ínsitos nas als. a) e c) do n.º 1 do artigo 640º do CPC, cuja falta impõe a imediata rejeição do recurso sem necessidade de prévio convite ao recorrente, constituem um ónus primário, o qual deve ser satisfeito, não apenas no corpo das alegações, mas também nas conclusões da alegação.
IV. E pela simples razão de que tais ónus têm por função delimitar o objecto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
V. Assim, sob pena de rejeição da impugnação da matéria de facto, o recorrente tem de delimitar o objecto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, bem assim indicar, de forma clara e precisa, que decisão, em alternativa, entende dever ser proferida sobre esses concretos pontos de facto, para que o tribunal de recurso se possa pronunciar sobre o efectivo objecto do recurso (é que a resposta pretendida deve constar de forma inequívoca na motivação e preferentemente também nas conclusões, já que são estas que delimitam o objecto do recurso).”
Ora, os recorrentes nas 43 conclusões apresentadas, limitam-se a dizer que há “erro notório na apreciação das provas” que tornou “incorrecta a decisão de facto” quanto aos pontos 1 a 5 (todos os provados), isto porque, segundo eles, “da prova documental e testemunhal produzida” resulta que tinham o direito invocado.
Dessa forma, concretizam, portanto, os cinco pontos, a seu ver, incorrectamente julgados.
Sucede que, quanto a cada um deles, além de refutarem, ainda que fragilmente, os argumentos do Tribunal, contrapõem-lhe e salientam outros, notoriamente de reduzida consistência (como depois se verá melhor), que entendem ser mais correctos e pertinentes. Ilustram isso, em parte, com a alusão, apenas indicativa, a certos depoimentos mediante o reporte daquilo que eles entendem resultar dos mesmos (cfr. XI, XII, XVIII).
Não especificam, ali, concretamente os aspectos ou elementos de tais meios probatórios (ou de outros) que “impunham” decisão diversa, nem, aliás, fazem aí indicação exacta das passagens da gravação em que supostamente fundam a impugnação.
Também não especificam qual a decisão que no seu entender deveria ter sido ou deverá ser agora proferida.
Em bom rigor, portanto, as conclusões, que deviam conter, nos termos do nº 1, do artº 639º, além do pedido de impugnação (balizado pelos concretos pontos impugnados e pela decisão pretendida quanto a eles), os respectivos fundamentos sintetizados, não os incluem.

Examinando-se, porém, o texto das alegações, dele se colhe que os recorrentes preconizam que:
-quanto ao ponto 1, deve ser “considerado não provado”;
-quanto ao ponto 2, deve ser alterado para “Os Réus encontravam-se em processo de divórcio desde Agosto de 2018”;
-quanto ao ponto 3, deverá ser: “A morada fornecida nos autos para citação dos Réus corresponde à morada da mãe do Autor e Réu”;
-quanto ao ponto 4, deverá ficar: “O Réu procedeu ao levantamento da carta de citação da Ré enviada para França”;
-o ponto 5 deverá ser “considerado não provado”.
De lá se retira também, a propósito dos quatro primeiros pontos, e independentemente agora da conexão com a matéria neles vertida com o teor da gravação sugerido, que:
A começar pelo ponto nº 1, relativamente às passagens da gravação, a única referência que fazem é, não assertivamente a qualquer depoimento oral das partes ou testemunhas, mas antes a uma questão, algo acessória se bem que significativa, que o Tribunal teria curado de indagar no decurso da audiência e com que confrontou o réu ao depôr: “o próprio Tribunal, indagou porque é que o mesmo não havia liquidado a quantia da sua responsabilidade, apontando o erro na sua conduta – minuto 1:03:00 a 1:04:00, do depoimento gravado pelo Sistema H@bilus Media Studio – Referência 20210701105952_5756470_2870580, início da Gravação – 00:00:00; fim da gravação 01:15:56 – 10:59:53 – 12:15:50.”
Todavia, não se sabe sequer a que sessão isto se refere. Não é, com certeza, indicação, ainda que inexacta, de passagem gravada de qualquer depoimento em termos minimamente respeitadores da lei.
Ainda acerca do mesmo ponto, aditam que “Estando, A. e R., desavindos desde 2019, cfr. depoimento prestado pelo A - depoimento gravado pelo Sistema H@bilus Media Studio - Referência 20210701121730_5756470_2870580, início da Gravação – 00:00:00; fim da gravação 00:40:18 – 12:17:31 – 12:57:52 – minuto 39:00 até final.”.
Bem assim que: “as testemunhas ouvidas, mãe1, irmã2 e filho3 da Ré (este desavindo com o Pai, co-réu – minuto 02:10) foram claramente parciais”, limitando-se, porém, nas respectivas notas de rodapé 1, 2 e 3, a mencionar:
1 depoimento gravado pelo Sistema H@bilus Media Studio – Referência 20210709114157_5756470_2870580, início da Gravação – 00:00:00; fim da gravação 00:25:39 – 11:41:58 – 12:07:38
2 depoimento gravado pelo Sistema H@bilus Media Studio – Referência 20210709120830_5756470_2870580, início da Gravação – 00:00:00; fim da gravação 00:19:55 – 12:08:30 – 12:28:27
3 depoimento gravado pelo Sistema H@bilus Media Studio – Referência 20210709141543_5756470_2870580, início da Gravação – 00:00:00; fim da gravação 00:35:12 – 14:15:44 – 14:50:57”.
Sem qualquer passagem recortarem e com exactidão indicarem, portanto.
No que concerne ao ponto 2, consta: “Ora, lançando mão do depoimento da própria R., M. A., – do depoimento gravado pelo Sistema H@bilus Media Studio – Referência 20210701102813_5756470_2870580, início da Gravação – 00:00:00; fim da gravação 00:30:48 – 10:28:14 – 10:59:04, verifica-se que o processo de divórcio remonta a 2018 e não 2016 e, com extrema relevância – a ex. minuto 24:10 a 25:14 - , a mesma esclarece que os bens comuns do casal foram já partilhados e que nenhuma divergência ocorreu com a divisão!”.
Aqui, indica-se uma passagem (24,10 a 25,14).
Sobre os pontos 3 e 4, alude-se ao “depoimento prestado pela própria R.”, mas não se localiza o mesmo nem se identifica qualquer segmento gravado dele que corrobore a impugnação visada.
Bem assim ao do co-réu: “Do depoimento do R. M. C. - minuto 1:11:22 até final - resulta que o mesmo declarou que sempre entregou todas as cartas de citação endereçadas à Ré M. A., quer a citação inicial em Portugal, quer a subsequente, remetida para França – não podendo negar a sua recepção pois a sua assinatura resulta do aviso de recepção assinado pelo mesmo junto aos autos.”.
Pode não ser exacta a indicação, mas ele sempre se refere desde 1 h, 11m e 22 s até final, posto que não seja isso que está em causa mas a correspondência com a verdade daquilo que foi verbalizado e, portanto, a rectidão e fiabilidade das declarações.
A respeito do ponto 5, nenhuma alusão a qualquer depoimento é feita, muito menos à gravação.
Por aqui se vê logo, mesmo que se considere não ser de rejeitar liminarmente, quão claudicante, no que tange ao cumprimento dos aludidos ónus (ainda que nas alegações), mas sobretudo quanto ao seu mérito, se nos apresenta a impugnação da decisão da matéria de facto.
Mais.
Se cotejarmos a motivação detalhada, extensa e aprofundada que a sentença exibe, contendo a alusão a todos os meios de prova, conjugando-os e confrontando-os entre si, referindo-se à razão de ciência das testemunhas, à postura e interesses dos declarantes, justificando a credibilidade dada a uns e a outros, examinando e avaliando dialecticamente, em função das versões, todos os argumentos e concluindo que do seu conjunto “não ficou o Tribunal com dúvidas sérias razoáveis, de que a versão da Ré corresponde à verdade e que o empréstimo alegado nos autos […] nunca ocorreu” e que “a versão trazida aos autos pelos Autores não é minimamente crível e foi frontalmente contrariada pela Ré, sendo que não se prefigura outra razão plausível para a descrita atuação dos Autores, em conjugação com o Réu, no sentido de obter uma condenação, de preceito, da Ré, nos presentes autos, que não a falsidade da sua alegação”, assim resultando “suficientemente claro e límpido” o descrito nos pontos provados – se fizermos esse cotejo, dizíamos, com os termos e argumentos contidos nas alegações dos autores, logo nos convencemos da correcção e acerto daquela e da ausência de qualquer fundo de plausibilidade nesta.
Nela não se identifica qualquer “erro notório” ou “enviesamento”, na expressão dos autores, seja quanto à análise seja quanto à apreciação/valoração dos meios seja quanto ao resultado extraído e confluente na convicção da Mª Juíza, que subjaz à decisão de julgar provados os cinco pontos de facto elencados.
Traduz mais uma manifestação de descontentamento e uma tentativa (impossível) de repetição global do julgamento nesta instância do que a detecção, saliência e assertiva invocação fundada de “notórias” desconformidades não cabíveis nos limites da liberdade de julgamento e desconformes às regras legais aplicáveis e critérios jurisprudenciais em uso e cuja correcção se nos imponha.
Tentemos detalhar melhor.
Relativamente ao ponto 1, enfatiza-se que o Tribunal “decidiu ignorar flagrantemente e sem qualquer motivo justificativo que a quantia reclamada foi liquidada pelo R., após prestar depoimento nos autos”.
Tal acusação não é inteiramente correcta, como se colhe lendo-se integralmente a sentença com atenção e objectividade.
Os apelantes referem-se ao facto de, já perto do final do julgamento, em 05-01-20022, terem junto, por intermédio do seu novo advogado, um documento que refere aparente e literalmente uma transferência bancária, datada de 30-10-2021, no montante de 50.000,00€, ordenada pelo réu a favor do autor.
Sucede que o Tribunal a quo se convenceu, pelos motivos que longa e expressamente referiu na motivação, que nenhum mútuo realmente aconteceu.
Logo, é óbvio que, implicitamente, ao mencionar aí que se fundou, além de tudo o mais, nas “alegações das partes vertidas nos respectivos requerimentos”, incluiu também aquele com que foi junto o aludido documento, alegado o pretenso pagamento e pedida a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Simplesmente não lhe conferiu o valor nem os efeitos que os autores pretenderam e pretendem e que era, no âmbito da litigância de má fé sob escrutínio, mostrar que tão verdadeira era a alegação do mútuo que o réu acabou por restituir a quantia alegadamente mutuada.
Tão certo é o documento ter sido apreciado que, na subsunção jurídica, ao resumir a conduta processual dos recorrentes, se incluiu precisamente a alusão àquele acto: “Juntando um comprovativo de transferência por parte do Réu, requereram a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e prescindiram da prova testemunhal indicada”.
Por aí se vê que o Tribunal não “decidiu ignorar flagrantemente e sem qualquer motivo justificativo” tal “liquidação”. Não a considerou foi como traduzindo uma verdadeira restituição nem que tal se referisse realmente ao mútuo alegado como causa de pedir.
Com efeito, face à mesma, é evidente que a razão do documento e da junção não esteve na existência de qualquer mútuo nem na vontade de restituir qualquer montante com base nele devida, muito menos a aqui peticionada.
Temos, tal como o Tribunal a quo teve, por absolutamente certo e seguro – diga-se com toda a franqueza – que tal procedimento se coaduna e se insere na estratégia que norteou a propositura da acção e que, portanto, tal se destinou, uma vez perspectivado o desfecho, maxime quanto à litigância de má fé para que o Tribunal alertara e em cujo controlo, face às peripécias da citação, cedo se mostrou estar empenhado (artº 566º, CPC), a tentar suster a receada e admitida como provável (até face ao andamento da audiência) condenação, por via da requerida extinção da instância, a pretexto de a dizerem inútil e adornada com a dispensa da prova (dispensa esta que agora os autores enfatizam, com óbvio sofisma, como significativa da sua boa fé).
O argumento adrede de que o Tribunal até perguntou ao réu a razão por que, caso realmente devesse, não pagou, nada significa. Pelo contrário. Ouvindo-se a gravação subsequente a 1 h e 3 m, mais robustamente nos convencemos, pelo seu tom e teor, de que nenhum mútuo existiu.
Efectivamente, o Tribunal confrontou o réu, na sessão de 01-07-2021, sobre o motivo, uma vez que tinha vendido a casa em Setembro de 2020 e recebido 250.000,00€ e se acaso realmente devia ao irmão autor, por que não lhe pagou, então, nada e prontamente (a suposta transferência, recorde-se, reporta-se a 30-10-2021).
As respostas gaguejantes e ziguezagueantes que se sucederam mostram o seu desconforto e falta de convicção quanto à verdade do que dizia. No meio delas, percebe-se ter adiantado, como pretensa explicação, que “ela [referindo-se à co-ré] tem direito a pagar metade”, ou seja, que a ré haveria de contribuir nessa proporção. Porém, não explicou porque haveria de ser assim se até dividiram entre os cônjuges o produto da venda da casa em França e, de todo o modo, sempre poderia pagar a parte dele mas não o fez, a este propósito não se revestindo da menor credibilidade a justificação, algo pueril, aventada: “eu estava a ver o que é que isto ia dar”!
Ela deveria pagar …, mas por que é que, então, foi arquitectada, pelos autores, com a conivência e participação activa dele (réu), uma estratégia de citação notoriamente destinada a que ela (ré) não fosse judicialmente interpelada e, por tal via, compelida a cumprir e, ao invés, lhe subtraiu e não deu conhecimento sequer da carta para o efeito remetida para o domicílio em França? Por que razão interessava mais a condenação à revelia (que haveria de resultar da falta de contestação de ambos) do que o conhecimento efectivo por ela da acção e da pretensão dos autores?
Aos autores interessaria mais, para obtenção do pagamento, a citação efectiva, se realmente a ele tivessem direito, do que a sentença condenatória de preceito!
Não contestou, não pagou, “estava a ver…” e, afinal, por que é que, então, não haveria de assim continuar e esperar pelo resultado?
Logicamente, porque o conluio com o autor se foi revelando às escâncaras com o decurso da audiência, sobretudo depois de, por despacho de 29-09-2021, ele e os autores terem sido notificados, novamente, para juntarem documentação bancária ilustrativa das alegadas entregas diversas a título do invocado mútuo e advertidos das consequências, e, assim, a perspectiva de ele ser posto a nu e daí retirados efeitos que teve por certos e, logo, a necessidade de tentar evitá-los.
A “transferência”, a “liquidação”, a abdicação da restante prova e a requerida “inutilidade” justificam-se e compreendem-se, pois, como parte da estratégia que desde início, com a inusitada questão da morada indicada para as citações, se tornou suspeita e que o processo, depois, revelou claramente.
Não colhe, pois, o argumento meramente retórico de que “da prova produzida e da leitura atenta da sentença produzida, não se consegue extrair qualquer elemento que permita afirmar – ainda que indiciariamente – qualquer conluio entre as partes” e que o Tribunal se baseou “em suposições sem qualquer sustentação, em contradição com a prova documental e testemunhal produzida”.
A motivação expõe fartamente, a partir dos diversos meios de prova produzidos e da conduta, activa ou omissiva, das partes no processo, as razões em que o Tribunal se baseou para firmar a sua convicção e adquirir as certezas subjacentes à decisão de facto, mostrando-se estas logicamente coerentes e racionalmente justificadas.
Não releva, no sentido de que os depoimentos de autores e réu são verdadeiros quanto ao mútuo e de que a não restituição gerou até mal-estar entre eles, a esparsa e singela invocação do que o autor marido disse por volta do minuto 39.
Primeiro porque ele não disse estarem “desavindos desde 2019”. Depois, porque apenas admitiu “não falar para ele” (réu) desde essa altura, ou seja, desde que, supostamente, se dirigiu a advogado em 2019. Afirmação esta em tom vacilante, não convincente, obviamente procurando conferir laivos de veracidade à sua tese, no caso reportando à época da propositura da acção (Dezembro de 2019) o que seria uma atitude natural e compreensível se verdadeiro fosse o litígio
É inócua a afirmação de que as testemunhas (mãe, irmã e filho) da ré “foram claramente parciais”. Nada dizem os apelantes que justifique o seu ponto de vista e, muito menos, que contrarie a apreciação feita pelo Tribunal a quo dos respectivos depoimentos e nem sequer indicam, quanto a qualquer deles, passagem alguma da gravação de onde se colha qualquer segmento exacto e apto a conferir plausibilidade à sua crítica.
Também não colhe a alegação, feita para refutar o “desentendimento” entre os réus quanto às partilhas referido no ponto 2, de que a ré, no seu depoimento, “esclarece que os bens comuns do casal foram já partilhados e que nenhuma divergência ocorreu”.
Desde logo, e curiosamente, foram os próprios autores que reconheceram, na petição, ter tido conhecimento (item 8) que os réus “se encontravam incompatibilizados e com pretensão de se divorciarem”.
Além disso, na passagem indicada (24,10 a 25,14) da gravação respectiva, o que a ré refere é que a casa, em França, foi vendida por quase 600.000€, parte entregue ao Banco para pagamento do crédito contraído aquando da sua aquisição (o que mostra que, como ela reiterou sempre recorreram à Banca quando precisaram e não a familiares) e o restante dividido (243.000€ para cada).
Não disse que a partilha dos demais bens comuns foi feita (existe, ainda, a casa em Portugal, pelo menos) nem que nenhuma divergência houve a tal propósito. Pelo contrário, esclareceu, como se pode escutar, que já em 2016 tinha pedido o divórcio mas dele desistido por se terem então reconciliado mas que, porque, depois, “tudo continuou na mesma”, voltou a “pedi-lo” em Agosto de 2018 (o documento da sua advogada em França refere Agosto de 2019), já estava separada desde Maio do ano anterior e, na altura do depoimento, o processo (litigioso) continuava ainda pendente (pendência, aliás, confirmada pelo próprio réu), o que patenteia a subsistência do “desentendimento” e permite perscrutar e entender as respectivas razões.
A tal situação remonta, está claro, a razão de ser deste processo, pelo que o protesto dos apelantes de que “ignora-se qual o interesse dos AA na propositura da presente acção e qual o benefício extraído da mesma” se revela inócuo, posto que evidentemente o interesse e benefício não se lhes destinava mas ao réu com o qual se conluiaram.
Ainda a propósito das citações, não colhe o argumento de que foi intuito dos autores “acelerar o processo” e evitar a dilação caso aquelas se realizassem em França.
De facto, nenhuma explicação existe, a não ser a do esquema congeminado entre autores e réu, para eles terem indicado como seu domicílio o da mãe do autor e do réu em Portugal, apesar de nenhuma certeza haver nem possuírem sobre a sua (arquitectada) deslocação a Portugal no Natal de 2019, nem sequer sobre tal possibilidade (que já não acontecia, nessa quadra, há muitos anos), sendo certo ainda que, mesmo que os réus porventura se deslocassem, não iriam para casa da mãe e sogra, posto que tinham casa própria cá, devendo ser esta, então, logicamente, a indicada caso fosse real a intenção de agilizar a citação e evitar a dilação de 30 dias se o fosse em França.
Acresce que tal vinda, no Natal de 2019, não tinha qualquer plausibilidade nem eles poderiam ter disso “séria convicção” (cfr. articulado de resposta dos autores), pois que, como alegaram na petição, os réus “se encontravam incompatibilizados e com pretensão de se divorciarem”, sendo certo, ainda, que as relações da ré com a família do réu se desvaneceram desde que houve conhecimento da intenção de divórcio, conhecimento este que também não se harmoniza com aquele articulado na parte em que referem, quanto à propositura da acção, que “desconhecem se tal facto é real” e “desconheciam que os mesmos se encontravam em divórcio”, pois, podendo não saber exactamente do processo e data da respectiva entrada, afirmaram, como se salientou, saber da situação de ruptura do casamento e da intenção dos réus.
Se verdadeiro fosse o interesse em obter o pagamento do valor alegadamente mutuado não se vê, aliás, por que haveriam de ter escondido o domicílio em França e proposto a acção em Portugal, sendo certo que todos lá viviam como emigrantes, nem a razão por que, quando confrontados pelo despacho de 04-02-2020, para esclarecerem as divergências logo evidentemente tornadas suspeitas, em vez de reconhecerem, como seria natural e corresponderia a uma postura recta, que afinal os réus não vieram no Natal já passado e não receberam as cartas, porfiaram em referir, no requerimento do dia 11 seguinte, que as citações foram válidas e deveria ser proferida a sentença – esse era o objectivo almejado! – porque recebidas pela “procuradora e representante fiscal” dos réus – procuração e representação de cuja veracidade inexiste qualquer elemento sequer indiciário – recebimento que nem sequer é exacto porque as cartas foram recebidas por “J. C.” e não pela dita senhora –, todos os dados confluindo, ao invés, que os contactos e as relações pessoais, não comportavam essa “confiança” sobretudo quanto à ré.
Não colhe, pois, o argumento, pretensamente justificativo mas solto e desconexo, de que os réus não terão vindo no Natal “por motivos absolutamente alheios aos AA” nem o sofisma de que o Tribunal “andou bem” (não disseram o mesmo no referido requerimento do dia 11 de Fevereiro!) ao citá-los em França, pois que não foi isso que primeiro tentaram, antes quiseram evitar – eles e o réu.
Também não é verdadeiro o argumento de que os réus “somente se separaram em Julho de 2020, muito depois de instaurada a presente acção e de realizadas as devidas citações”. O depoimento da ré é claríssimo no sentido de explicar que não foi assim, mostrando o documento junto com a sua contestação e subscrito pela sua advogada em França que o processo litigioso foi instaurado em Agosto de 2019, pelo que é incorrecto, quanto a esse pormenor, o depoimento do filho, no segmento indicado e a consequente dedução tirada e esgrimida a partir dele de que a separação só se deu naquela data.
De resto, bem significativo do intuito de evitar que esta soubesse do processo, nele se defendesse mas fosse condenada no pagamento está também o facto de a carta de citação que lhe foi remetida para França ter sido levantada pelo marido (como este confirmou, tanto mais que por ele está assinado o AR), de necessariamente este para o efeito se ter munido de documento que junto dos correios o acreditasse e de não lhe ter feito entrega da mesma, só vindo ela a saber porque tomou conhecimento do aviso para levantamento na estação postal: “mandaram-me recibo para eu ir levantar a carta”.
O argumento de que o réu “declarou que sempre entregou todas as cartas de citação endereçadas à Ré M. A.” é totalmente distorcido. O que ele disse, no segmento indicado, foi que “falou” com ela sobre o assunto, “ela sabia, ela sabia”, recebeu uma carta em Dezembro de 2019 porque “o correio foi para Portugal” e “depois a minha mãe mandou para cima pelo correio”. Nada bate certo!
Ou seja: a mãe, indicada para receber as citações, poupar a dilação em França, a contar entregar-lhas pessoalmente quando viessem no Natal, estragou completamente o estratagema, fazendo tudo ao contrário do previsto!
Também isto e tudo mais que se ouve no seu e nos demais depoimentos (que se alongam por mais de 4 horas de gravação) mostra à saciedade que, ao contrário do alegado mas não justificado, ele não “foi espontâneo, directo e escorreito na descrição dos factos, estabelecendo espaços temporais devidamente balizados, limitando-se, linearmente, a Ré a negar os mesmos”.
Como é bem audível na gravação – cujo teor os apelantes não afrontam directamente, dela (como de outras) retirando apenas esparsos pormenores destinados a corroborar meros argumentos retóricos – e consta exposto, analisado e criticamente avaliado na motivação – motivação que também não atacam com frontalidade –, aconteceu o contrário.
Enfim, mesmo que a impugnação por falta de observância estrita dos requisitos legais exigidos não fosse de rejeitar, sempre se apresenta como manifesta a sua improcedência por nenhum erro de julgamento nela fundamentadamente se identificar e apontar.
*
Sem embargo, ao abrigo do artº 662º, nº 2, alínea c), CPC, porque estamos no domínio de questão de conhecimento oficioso, tendo em conta que a “invocação falsa do mútuo” e o “conluio” referidos no ponto provado 1 podem ser considerados matéria conclusiva e, ainda que, no ponto 2 há uma imprecisão relativa à data e, enfim, que importa concretizar e ampliar a matéria de facto, com base nos depoimentos gravados, no que resulta dos documentos juntos e dos actos processuais supra relatados e, enfim, nos termos e pelos fundamentos explanados na motivação a que se adere e para que se remete – de que se destacam as peripécias engendradas para a citação e afastamento da ré do processo, a inusitada inexistência de quaisquer documentos relativos aos mútuos ou movimento (de levantamento, de transferência ou de depósito) das respectivas quantias (apesar de quantias avultadas, diversas, ao longo de cerca de 16 anos, displicência que as alegadas entregas em dinheiro e a confiança familiar não explicam), sequer da anunciada mas jamais junta “declaração de reconhecimento de dívida”–, ter-se-á em conta e como provada a seguinte factualidade:

1. Os autores, ao proporem esta acção, sabiam que não era verdade terem emprestado aos réus a quantia de 50.000,00€ e que nada lhe tinham exigido nem, podiam exigir.
2. Apesar disso, sabiam que o réu marido não a contestaria.
3. Sabiam também que não era verdade a alegação de que tinham conhecimento, quando a propuseram e indicaram para citação de ambos os réus, uma morada em Fafe, que corresponde à da mãe do autor e réu, que aqueles se deslocariam à mesma na época natalícia que se aproximava e que a sua morada era em França, tanto mais que também sabiam que eles (réus) se encontravam incompatibilizados e em processo de divórcio.
4. Os autores ao proporem esta acção, invocarem como seu fundamento o empréstimo e recusa do seu pagamento, ao pedirem a condenação no pagamento da respectiva quantia por ambos os réus e ao indicarem como morada destes, para nele serem citados, a de Fafe, agiram segundo acordo prévio com o réu marido, com o qual combinaram que este não interviria nos autos nem contestaria, como não contestou nem interveio em conformidade com tal acordo, e que não daria, como não deu, conhecimento da citação e do processo à ré para que ela não tivesse oportunidade de contestar e assim fazerem com que fosse proferida sentença condenatória de ambos, tendo aqueles (autores e réu) por finalidade prejudicar esta (ré) na partilha subsequente ao seu divórcio cujo processo estava em curso.
5. A ré separou-se do réu em 2016, passado algum tempo reconciliaram-se mas voltaram a desentender-se e a separar-se em Maio de 2018 e, em Agosto de 2019, ela intentou contra ele acção de divórcio, encontrando-se ainda pendente o litígio e a partilha do património comum.
6. A morada de Fafe indicada pelos autores na petição inicial como sendo a dos réus em Portugal e para nela serem citados corresponde à morada da mãe do autor e réu (irmãos), estando a ré de relações cortadas com esta desde que surgiram os desentendimentos conjugais, sendo que os réus, desde cerca do ano 2000, nem costumavam vir no Natal mas apenas nas férias de Agosto, tendo cá casa própria por eles construída.
7. O réu, exibindo documento de identificação da ré e de que se apoderou, procedeu ao levantamento da carta de citação da ré enviada para França, assinou o respectivo AR e não lha entregou nem lhe deu conhecimento da mesma, só se tendo ela apercebido disto porque lhe chegou às mãos o Aviso para proceder ao seu levantamento nos Correios mas quando se lá dirigiu soube que ele já o tinha feito.
8. Com a instauração da presente acção, os autores causaram à ré despesas relativas à constituição e pagamento de honorários de advogado e pagamento de taxas de justiça, bem como transtornos, tristeza e angústia, prejudicando o seu tempo de descanso e lazer, atingindo o seu nome e reputação.
Considera-se fixada assim a matéria de facto.

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Os autores, nos termos abaixo referidos, não se conformam com a condenação nem com os montantes da multa e da indemnização.
Vejamos.
O artigo 8º, do CPC, acolhe o princípio geral a observar pelas partes quando acedem à jurisdição: devem agir de boa fé.
O artº 542º, nº 1, dispõe que é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, aquela que tenha litigado de má fé.

O nº 2, do mesmo artigo, define em que consiste a conduta litigante de má fé, considerando como tal:
“... quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Na sentença recorrida, reproduzem-se e tecem-se pertinentes considerações jurisprudenciais e doutrinais sobre a matéria.
Sem embargo, aqui nos apropriamos e reproduzimos também as considerações expendidas no Acórdão da Relação do Porto, de 10-12-2019 [18], proferido em, situação algo similar e, por isso, adaptáveis.

Conforme seu sumário:
“I - Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do CPC -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual, estando associada à responsabilidade por litigância de má fé (cfr arts 542º e segs, do CPC) - tipo central de responsabilidade processual - a prática de um ilícito meramente processual.
II - A condenação de uma parte como litigante de má fé traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.
III - Com tipificação das situações objetivas de má fé - nº2, do art. 542º, do CPC -, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave (elemento subjetivo), põe em causa os princípios da cooperação, da boa fé processual, da probidade e adequação formal, que estão subjacentes à boa administração da justiça. Para a sua aplicabilidade, é exigido que resulte demonstrado nos autos que a parte agiu de forma reprovável e conscientemente ao pôr em causa a boa administração da justiça.
IV - Incorre em litigância de má fé a Autora, demonstrada a prática de ilícito processual consciente, de alegação de factos pessoais, cuja verdade bem conhecia, atuação que vai contra a verdade dos factos e que leva a uso manifestamente reprovável do processo, o que é manifestamente censurável (cfr. b) e d) do nº2, do art. 542º, do CPC).
V - A litigância de má fé dá lugar à condenação em multa e, a pedido da parte contrária, lesada, a indemnização. A multa é fixada com a condenação por má fé dentro dos limites estabelecidos pelo art. 27º do Regulamento das Custas Processuais (entre 2 UC e 100 UC). A indemnização por litigância de má fé não é ressarcitória, mas sancionatória e compensatória, e tem o conteúdo consagrado no art. 543º, do CPC.”.

E segundo a respectiva fundamentação:
“Já no Ac RL de 7-1-2002 (CJ ano XXVII, tomo III, p.92) se decidiu que “é necessário que a parte tenha alegado factos contrários à verdade dos factos, sabendo a mesma parte da sua falta de correspondência com a verdade. Pode também essa discrepância entre a verdade e a alegação não ser conhecida pelo alegante, mas ser fortemente censurável a alegação, nomeadamente, por aquele ter podido desconfiar da verdade da alegação e poder verificá-la antes da alegação, sem que o tenha feito. Por outras palavras diremos que essa censurabilidade decorre de a parte não ter observado os deveres de cuidado que todos em princípio observam, observância essa que teria permitido o conhecimento do carácter não verdadeiro da alegação em causa”.
[…]
Segundo o dever da boa-fé processual estabelecido no artigo 8.º do Código de Processo Civil, as partes têm a obrigação de, conscientemente, não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade, não requerer diligências meramente dilatórias.
Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do Código de Processo Civil -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual.
O instituto da má fé processual, regulado nos artigos 542º a 545º, de tal diploma legal, visa sancionar a parte que preencha, com a sua atuação processual, a respetiva previsão.
Ao contrário do que sucedia antes da revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, atualmente as condutas passíveis de integrar má fé não têm de ser, necessariamente, dolosas, já que o instituto passou a abranger, também, a negligência grave. Atingiu-se uma maior responsabilização das partes.
Como resulta do preâmbulo do referido diploma, o atual Código de Processo Civil, com a nova filosofia de colaboração que lhe está ínsita, consagrou "expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos".
Na reforma processual introduzida por este DL houve uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual - quer a substancial quer a instrumental -, tanto na vertente subjetiva como na objetiva. A condenação por litigância de má fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação de dolo já anteriormente prevista.
Alberto dos Reis distinguia, em matéria de conduta processual das partes, quatro tipos de lide: lide cautelosa (aquela em que a parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão (ou oposição)), lide imprudente (aquela em que a parte comete imprudência leve ou levíssima), lide temerária (aquela em que a parte, embora convencida que tem razão, incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas (de facto ou de direito) que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão) e lide dolosa (aquela em que a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão (ou oposição) conscientemente infundada)[2].
Ao sancionar, atualmente, a litigância com negligência grave a lei está a proibir, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro[3].
[…]
Visa entorpecer a ação da justiça a parte que atua usando meios dilatórios”[5] – cfr exemplos citados in ob e pag. cit..
Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão”[6].
Destarte, a lei tipifica as situações objetivas de má fé, exigindo-se, simultaneamente, um elemento subjetivo (dolo ou negligência grave) - cfr. referido nº2 - já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico.
O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo”, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. Litiga de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão[7] ou em que sustenta a defesa.
Distingue-se entre má fé material ou substancial e má fé processual ou instrumental. A primeira tem a ver com o mérito da causa, a segunda com a conduta processual[8]. Na primeira “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo, portanto, o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé” [9].
A má fé a se reportam as supra referidas als. a) e b) é a má fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material[10]; as restantes alíneas contendem com a má fé instrumental[11].
A litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público, com um sistema sancionatório próprio, especialmente regulado, não se tratando de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem através de atuações processuais. A responsabilidade por litigância de má fé está sempre associada à verificação de um ilícito puramente processual e constitui o “tipo central da responsabilidade processual”[12].
Atualmente, “considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa, tal como preconizava A. Reis, in Código de Processo Civil anotado, II volume, pg.280, e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.
Como refere Menezes Cordeiro “alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo.” (in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Colecção Teses, Almedina).
No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380).
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48).
O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 266º-A, do mesmo diploma legal.
Em qualquer caso, a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça”[13].
A questão da má fé material não pode ser vista de forma linear, sob pena de se limitar o direito de defesa que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, com foros de garantia constitucional, tendo de ser feita uma apreciação casuística, não cabendo a análise do dolo ou da negligência grave no processo civil em estereótipos rígidos.
A má fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas tão só no domínio dos factos. A sustentação de posições jurídicas, mesmo que desconformes com a correta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má fé de quem as propugna.
Acresce, também, que, a conclusão no sentido da litigância de má fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se. Na “base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta, pois, o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada"[14].
O que importa é que exista uma intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas imprudência (má fé em sentido ético), não bastando a imprudência, o erro, a falta de justa causa, é necessário o querer e/o saber que se está a actuar contra a verdade ou com propósitos ilegais.
A condenação por litigância de má fé, em qualquer das suas vertentes – material e instrumental – pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave (art. 456º, nº2, do CPC) pelo que se torna necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida”[15].
Emergente dos princípios da cooperação, da boa fé processual e da probidade e adequação formal, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave, põe em causa tais princípios, que a eles tem subjacente a boa administração da justiça.
Quanto à sua aplicabilidade, é quase unânime entre a jurisprudência e a doutrina mais avisada, a exigência de um comportamento doloso e consciente no sentido de pôr em causa a boa administração da justiça, vindo aquela a ser restritiva na admissão da litigância de má fé.
Esta interpretação impõe-se por ser a mais razoável e a que melhor compreende a realidade subjacente a um processo em que as partes estão em desacordo: não é humanamente exigível que elas sejam absolutamente objetivas, pois são elas que sentem os problemas e o litígio. O inadmissível surge apenas quando a parte, sabendo embora não ter razão, recorre ao processo (o que é ainda mais grave tratando-se de factos pessoais): provado isto, haverá litigância de má-fé. Esse é o limite à compreensão e aceitação, relativamente à posição vivida pelas partes.
O ensinamento do Prof. Alberto dos Reis que, quanto a esta matéria, vem incluído no CPC Anotado, é lapidar, assim escrevendo: “Não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes, a litigância de má fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao tribunal ou, melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros. Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, de tal modo que a simples proposição da ação ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que a Autora faça um pedido que conscientemente sabe não ter direito, e que o Réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir[16].
Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes[17].
À litigância de má fé não se basta a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se ainda que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, que soubesse da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição e que se encontrasse numa situação em que se lhe impusesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele. A aplicação do instituto da litigância de má fé, à semelhança do instituto do abuso de direito, traduz uma aplicação do princípio da boa fé no domínio processual civil, tendo de se ter em conta a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, através da análise global dos factos provados e não provados, e não apenas de um segmento dessas factos[18].
Ora, vista a Doutrina e a Jurisprudência tendo-se em atenção a lição assim colhida, que em nosso entender plasma a interpretação mais avisada da figura jurídica do litigante de má fé, e analisando a conduta processual da Autora não podemos deixar de considerar que a mesma atuou com dolo ou, pelo menos, com negligência grave, pondo em causa os seus deveres como litigante, pelo que se justifica plenamente, como bem se decidiu, a sua condenação como litigante de má fé.
Resulta, assim, que a Autora alterou a verdade dos factos, deduziu pretensão parcialmente infundada com base em factos falsos, praticando omissão grave do dever de cooperação e fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável. Altera, pois a Autora a verdade de factos por si bem sabida, já que se trata de factos pessoais, fazendo um uso manifestamente reprovável do processo (cfr facto provado nº 20).
Ora, resultando verificar-se a referida atuação como litigante de má fé, bem foi proferida condenação da mesma como tal.
Como se referiu, a violação dos referidos deveres dá lugar a sanção pecuniária, a multa, e, ainda, a indemnização, se pedida pela parte lesada. Esta, ao contrário daquela reverte para o pleiteante lesado.” [19]

Convocamos, ainda, o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 10-05-2018 [20], no qual se resumiu:
“1 - A inutilidade superveniente da lide não prejudica a apreciação da litigância de má-fé.
2 - Deve ser sancionado como litigante de má de fé, nos termos do disposto no art. 542º, n.ºs 1 e 2, als. a), c) e d) do Código de Processo Civil, a parte que deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, omitiu gravemente os deveres de cooperação e de boa-fé processual (não cuidando de esclarecer o Tribunal e a contraparte de um equívoco por si induzido quanto ao seu estado civil e à identificação do seu cônjuge) e que, com o seu comportamento omissivo, logrou fazer do processo um uso manifestamente reprovável com vista a entorpecer e a retardar a ação da justiça”.
Para a respectiva exposição remetemos, não só quanto à situação também aqui acontecida de os autos terem prosseguido não obstante a requerida inutilidade superveniente mas ainda, a respeito da conduta dos autores, no caso, portanto, activa, e sobre os pressupostos de aplicação das normas legais em causa.

Os recorrentes, estribaram o seu recurso nas seguintes alegações:
“Pugnam os recorrentes pela apreciação da questão da litigância de má-fé, defendendo que não se mostram preenchidos os requisitos contemplados no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil.
Os autores não agiram, nunca por nunca, norteados por qualquer fim ou estado de espírito reprovável.
Afigura-se que a condenação dos autores como litigantes de má-fé se ficou a dever, grosso modo, ao modo em que o Tribunal “a quo” valorou a prova produzida em sede de julgamento, com a qual os autores não concordam, conforme supra se evidenciou, o que por sua vez conduziu a uma errada aplicação direito e prejudicou a boa decisão da causa.
Na verdade, os AA., vendo INTEGRALMENTE satisfeita a sua pretensão de serem ressarcidos da quantia mutuada, prescindiram da produção de qualquer outra prova – testemunhal ou documental – conquanto, insistir na produção da mesma violaria, outrossim, os Princípios da Colaboração, celeridade e economia processual e conduziria à prática de actos inúteis.
Não se podendo confundir a não produção de prova de certos factos com o comportamento típico de quem recorre aos meios processuais para obter um fim avesso ao direito e à justiça.
Os autores apenas se limitaram a peticionar a condenação dos RR. no reconhecimento da dívida para com os mesmos e no seu pagamento!
Lograram alcançar os seus intentos, recuperar os cinquenta mil euros emprestados.
Acresce que, a forma empregue pela o Tribunal que elaborou a sentença se revelou manifestamente tendenciosa. Apelidando e adjetivando negativamente o comportamento dos autores ao mesmo tempo que passava “um manto branco de impunidade” sobre o comportamento da R. quando esta se recusou a reconhecer a dívida que o seu ex-cônjuge não teve coragem de negar.
Ademais: “Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada», de tal modo que a «simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir.” - Alberto dos Reis, in Código do Processo Civil Anotado, 2.ª edição, pág. 263.
Salienta-se, ainda, o que doutamente foi sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 03B3893, com data de 11-12-2003 e disponível para consulta in www.dgsi.pt: “I – A verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecimento dado psico-sociológico. II – Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu. III – Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual.”.
Reitera-se, os AA. consideram que não agiram norteados por qualquer fim ou estado de espírito reprovável, tendo-se limitado a peticionar a condenação dos réus decorrente das obrigações violadas pelos réus.
Consideram os autores que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não seguiu a regra da prudência. Os autores desde o primeiro momento e impulso processual estiveram, como ainda estão, convencidos da justiça da sua pretensão!
E por isso vêm requerer a reapreciação da sentença proferida pugnando pela sua revogação e prolação de outra que faça a necessária justiça ao caso. Por tudo quanto vem supra apontado, não se indicia nos autos a má-fé dos autores, pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada.”.
Os autores depositaram, evidentemente, a sua maior esperança na impugnação da matéria de facto.
Como se viu, não lograram reverter a respectiva decisão. Logo por aí cai por terra uma parte dos seus argumentos.
No mais, é clara a sua falta de razão, em face de tudo quanto emerge dos autos e em especial dos factos dados como provados.

Recorde-se o que na sentença foi dito:
“Nestes autos, conforme se considerou demonstrado supra, os Autores invocaram uma dívida dos Réus para consigo que sabiam não existir e, conluiados com o Réu, tentaram obstar ao efetivo conhecimento, por esta, da pendência da ação e alcançar uma condenação da mesma, por ausência de contestação, cientes de que também o Réu não contestaria, como não contestou.
Aquando da prestação de declarações, confirmaram a alegação inicial e insistiram na veracidade da concessão do empréstimo, nas entregas de dinheiro e na existência da dívida, no conhecimento e vontade da Ré de contrair tal empréstimo junto dos Autores.
Juntando um comprovativo de transferência por parte do Réu, requereram a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e prescindiram da prova testemunhal indicada.
Os Autores deduziram, em suma, pretensão a que sabiam não ter direito e alteraram a verdade dos factos na sua petição inicial, omitiram gravemente o seu dever de cooperação, indicando e reiterando a morada, errada, para citação da Ré, pedindo a sua condenação por falta de contestação, assim fazendo um uso manifestamente reprovável do processo, procurando um objetivo ilegal e uma decisão injusta.
Por ser facto pessoal a inverdade das entregas de dinheiro, não podiam deixar de a conhecer, e por saberem residir a Ré em França e não ter qualquer fundamento a sua citação na morada que indicaram, em Portugal, não pode deixar de se considerar que omitiram de forma grave o seu dever de cooperação com o Tribunal.
Assim, constata-se que o comportamento dos Autores nestes autos é muitíssimo censurável e preenche, nas suas diversas modalidades, a litigância de má-fé, por violar todos os parâmetros de seriedade, lealdade e probidade processuais.
É, pois, de sancionar esta conduta de violação das mais elementares regras processuais, através da aplicação da multa prevista no artigo 27.º, n.º 3, RCP, variável entre 2 UC’s e 100 UC’s.
Dentro daquilo que são as condutas suscetíveis de integrar o conceito, a conduta dos Autores, porque dolosa e destinada a obter condenação de outrem, sem fundamento, no pagamento de quantia avultada, sustentada numa petição inicial com factos falsos, na tentativa de subtrair à visada o conhecimento da ação e com a reiteração da posição ao longo do processo e até à fase de julgamento, é das mais graves e subsume-se, como se disse, às diversas hipóteses previstas no art. 542º, nº2, CPC.
A conduta dos Autores comportou uma instrumentalização da Justiça e dos Tribunais, fazendo correr um processo durante mais de três anos (ainda que tal delonga não lhes seja, em parte, imputável), obrigando à realização de diversas despesas e atos processuais, à realização de uma audiência de julgamento em várias sessões e diligências por meios de comunicação à distância para o estrangeiro, tudo sem qualquer fundamento ou pretensão justa subjacente.
A condenação de uma parte como litigante de má-fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual e tem o marcado intuito de moralizar a atividade judiciária e visa assegurar não só a eficácia como “a moralidade processual”, reforçar a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.
Por tudo quanto ficou dito, impõe-se a condenação dos Autores como litigantes de má-fé e a aplicação de uma multa, que se entende adequada, em face da censurabilidade da conduta e dos comportamentos processuais adotados e suas consequências, na mediana da moldura legalmente prevista, no montante de 50 UC’s (€ 5.100,00).”.
Estão, assim, preenchidos, efectivamente, os pressupostos objectivos e subjectivos da litigância de má fé.
Eles agiram dolosamente, na medida em que conscientes da inveracidade da sua tese vertida na petição, do domicílio indicado para a citação, persistiram nessa conduta até quase ao fim da audiência de julgamento e só na sua parte final engendraram um pretenso pagamento do mútuo inexistente para justificarem a inutilidade superveniente da lide.
Não só, portanto, deduziram pretensão de cuja falta de fundamento tinham conhecimento e, para tanto, alteraram a verdade dos factos fundamentais, como conscientemente manipularam os meios processuais, maxime os elementos indicativos e o pedido de citação com o fim de obstarem a que a ré tivesse conhecimento efectivo da acção, nela se defendesse e assim conseguirem que fosse proferida sentença condenatória dela, de modo a prejudicá-la no contexto do processo de divórcio então em curso – alíneas a), b) e d).
Só da sua conduta podem queixar-se, não tendo qualquer sentido atribuírem o resultado ao “modo” com que o Tribunal investigou os factos, apreciou a prova e julgou, muito menos à alegada “forma tendenciosa” como dizem ter sido elaborada a sentença ou a qualquer “imprudência” da Mª Juíza dela autora.
Não se trata, no caso, de conduta meramente negligente. Bastaria, aliás, ao contrário do que dizem, que ela fosse grosseira ou grave.
Não podem escudar-se no relativismo da verdade judicial. Toda a decisão o comporta e, aliás, pressupõe. A não ser assim, nunca a mentira poderia afirmar-se e sancionar-se, pois que sempre tem de haver um juízo sobre ela.
No caso, os factos são absolutamente claros e patentes. Não se tratou de mera “ousadia”, de imprevista falha da prova nem de risco da actividade judiciária.
Deve, pois, manter-se a condenação.
*
Defendem, depois, os autores que se lhes afigura “desajustado” e “excessivo” o montante da multa.
Concordam que ele depende do grau de culpa.
Apenas referem que há desequilíbrio entre este e a censurabilidade, face à “intensidade da violação do dever de probidade”.
Isto porque acham que nenhuma ou pouca se verificou.
Como lembrou o Tribunal a quo, a moldura abstracta da sanção é de 2 a 100 Uc´s – artº 27º, nº 3, do RCP. Naturalmente pesada, face à gravidade, pressuposta na norma, da conduta em causa, social e judicialmente, e das respectivas consequências não só para as partes mas, ainda, para o sistema de justiça, quanto à sua eficácia e credibilidade, e à forte necessidade de a prevenir.
Nos termos do nº 4, o montante da multa é sempre fixado pelo juiz tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.

A este respeito, ponderou-se, assertivamente, na sentença:
“Dentro daquilo que são as condutas suscetíveis de integrar o conceito, a conduta dos Autores, porque dolosa e destinada a obter condenação de outrem, sem fundamento, no pagamento de quantia avultada, sustentada numa petição inicial com factos falsos, na tentativa de subtrair à visada o conhecimento da ação e com a reiteração da posição ao longo do processo e até à fase de julgamento, é das mais graves e subsume-se, como se disse, às diversas hipóteses previstas no art. 542º, nº2, CPC.
A conduta dos Autores comportou uma instrumentalização da Justiça e dos Tribunais, fazendo correr um processo durante mais de três anos (ainda que tal delonga não lhes seja, em parte, imputável), obrigando à realização de diversas despesas e atos processuais, à realização de uma audiência de julgamento em várias sessões e diligências por meios de comunicação à distância para o estrangeiro, tudo sem qualquer fundamento ou pretensão justa subjacente.
A condenação de uma parte como litigante de má-fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual e tem o marcado intuito de moralizar a atividade judiciária e visa assegurar não só a eficácia como “a moralidade processual”, reforçar a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.
Por tudo quanto ficou dito, impõe-se a condenação dos Autores como litigantes de má-fé e a aplicação de uma multa, que se entende adequada, em face da censurabilidade da conduta e dos comportamentos processuais adotados e suas consequências, na mediana da moldura legalmente prevista, no montante de 50 UC’s (€ 5.100,00).”
Os recorrentes nenhum erro, fundamentada e concretamente, dirigem a este Juízo, a não ser aquelas considerações vagas sobre o “desequilíbrio” de tal quantia em relação à violação do dever de probidade.
Ora, tal violação não se refere apenas a esse dever. Mostra-se, objectivamente (tratou-se de propor uma acção sem fundamento e de procurar evitar, manipulando a citação, que a ré a contestasse para ser condenada) e subjectivamente (dolo reiterado) muito elevada e intensa. Acima, aliás, dos casos mais frequentes de mera instrumentalização processual.
Note-se, por exemplo, que os autores, mesmo quando confrontados pelo Tribunal, no exercício salutar da competência atribuída pelo artº 566º, do CPC, com a irregular citação dos réus que haviam deliberadamente promovido e bem sabiam não ter logrado a sua normal finalidade prevista no artº 229º, nº 2, pelo menos quanto à ré mulher, não arrepiaram caminho, antes porfiaram, apesar de saberem que eles não tinham vindo a Portugal no Natal como pretextaram na petição e que, portanto, não tinham recebido as cartas (até porque pelo menos a ré estava de más relações com os sogros a quem foi dirigida e entregue a correspondência), em alegar que eles não deduziram contestação, deveriam considerar-se confessados os factos e ser proferida a sentença, o que bem mostra a clareza e firmeza do seu intuito, não atribuível, por certo, a qualquer postura menos precavida ou a eventual aconselhamento indevido de que não se queixam.
A boa fé mandava que cooperassem na efectiva e regular citação e não que convocassem o Tribunal a proferir decisão injusta e iníqua.
Considera-se o valor ajustado à conduta, proporcional aos seus efeitos, necessário às necessidades preventivas e, portanto, merecido.

Por fim, quanto à indemnização, limitaram-se os recorrentes a dizer que a consideram também “excessiva” e “desajustada” e “desequilibrada”.

O artº 543º, CPC, dispõe a tal respeito:
“1 - A indemnização pode consistir:
a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.
2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.
3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.
4 - Os honorários são pagos diretamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado.”.

Por seu turno, o artº 545º, prevê:
“Quando se reconheça que o mandatário da parte teve responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se revelou a má-fé na causa, dar-se-á conhecimento do facto à respetiva associação pública profissional, para que esta possa aplicar sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhe parecer justa.”.

Relativamente a tal matéria, justificou-se na sentença:
“No que respeita à indemnização peticionada pela Ré, cumpre referir que a indemnização fixada à parte contrária pode consistir no “reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos”, “reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé”, optando o juiz pela que julgar mais adequada (art. 543º, nº1, a), b), nº2, CPC).
A indemnização por litigância de má-fé, que pode assumir a forma limitada ou alargada, conforme resulta do art. 543º, nº1, CPC, destina-se a ressarcir a parte contrária dos prejuízos e despesas que decorreram, direta ou indiretamente, da lide dolosa ou temerária adotada por aquele que seja condenado como litigante de má-fé.
O critério a utilizar pelo juiz na escolha da forma de ressarcimento mais ajustada ao caso concreto deve partir da apreciação da gravidade do comportamento processual, de maneira que, para condutas dolosas, se justifica, em princípio, a segunda opção, reservando-se a primeira para a litigância negligente, embora com gravidade (Abrantes Geraldes, “Temas Judiciários”, pp. 335 e ss.).
Considerando que a indemnização por litigância de má-fé é uma “especial forma de responsabilidade civil, de base legal, que emerge do incumprimento de deveres processuais erigidos pelo legislador como fomentadores de justa, célere e eficaz composição do litígio” (ob. cit., p 336), no caso dos autos, todos os prejuízos advindos para a Ré com a interposição da mesma decorrem, necessariamente, da má-fé dos Autores e da sua lide dolosa e devem ser ressarcidos.
Apesar de invocar, além dos danos não patrimoniais, prejuízos patrimoniais, a Ré não os demonstrou nem contabilizou nos autos, computando a indemnização no valor global de € 5.000,00.
Como se disse no Ac. TRC 30.10.07, Proc. 1439/04.8 TBCNT-A.C1, in www.dgsi.pt, “[N]a ausência total de elementos fornecidos pela parte contrária à que foi condenada como litigante de má-fé quanto a eventuais despesas ou prejuízos sofridos em consequência directa ou indirecta da litigância de má-fé, torna-se desaconselhável fixar qualquer indemnização por essa litigância, sob risco de imprudência arbitrária no montante a ser atribuído”.
Nessa sequência, não se atribuirá qualquer quantia a título de ressarcimento de prejuízos patrimoniais, optando-se pela fixação, equitativa, de uma indemnização pelos danos não patrimoniais (não excluídos, desde que com a litigância tenham o exigido nexo de causalidade – cfr. Ac. TRP 13.2.2017, Proc. 3006/05).
Na indemnização por responsabilidade civil extracontratual são suscetíveis de compensação os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº1, Cód. Civil), compensando o dano grave, de forma equitativa, devendo ser “proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, p. 501).
No caso dos autos, resultaram apurados danos não patrimoniais para a Ré, afeções dos seus direitos de personalidade que, decorrendo da injusta demanda que os Autores instauraram, se consideram suficientemente graves e sérios para merecerem a tutela do Direito, não se reconduzindo aos normais incómodos da vida em sociedade.
Tudo visto e ponderado, afigura-se inflacionado o valor peticionado, mormente em face do que se disse quanto à prova dos prejuízos patrimoniais e reputa-se justa e adequada a fixação da indemnização devida à Ré pela litigância de má-fé dos Autores em € 2.000,00 (dois mil euros).”
Apesar da discordância, os autores limitaram-se, perante isto, a alegar que “nenhum facto foi dado como provado que permita conceder qualquer indemnização à ré” e que a decisão é nula.
Ora, existindo os factos, sendo válida a decisão, nenhum concreto erro se lhe apontando e tendo presente as consequências que a ré teve de arrostar – ver-se demandada como devedora no processo, alvo da tentativa de que não se defendesse, ter que intervir nele, constituir advogado, prestar depoimento, etc., não se vê onde esteja a aventada desconformidade.
Pelo que também esta questão deverá improceder.
Não se perscrutou, designadamente nos depoimentos dos autores ou do réu, qualquer queixa de que para a sua actuação tivesse concorrido, por qualquer forma, o respectivo mandatário, nem dos autos deflui elemento seguro algum a esse respeito capaz de perspectivar a sua responsabilidade pessoal e profissional, pelo que bem andou o Tribunal recorrido em não lançar mão do mecanismo do artº 545º, CPC, e, portanto, em responsabilizá-los exclusiva e totalmente a eles.
Enfim, o recurso não merece provimento.

VI. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelos recorrentes – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.

Guimarães, 3 de Novembro de 2022

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral
Adjuntos: Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Martins Moreira Dias



1 - Por opção do relator, o texto próprio não segue as regras do novo acordo ortográfico.
2 - Alonga-se a transcrição para melhor se retratar, perceber e ajuizar a questionada conduta processual dos autores. Sublinhados ora apostos, para destacar aspectos mais relevantes.
3 - No artigo 15, havia alegado que não possuem qualquer documento que titule a dívida, designadamente, qualquer “confissão” dela e, de facto, nunca tal juntaram!.
4 - Como se assinalou, os “AR´” contêm assinatura que, em ambos, diz “José Domingos da Costa”.
5 - Na queixa consta que a ré declarou à polícia francesa: “Apresento-me na secretaria da vossa unidade a fim de apresentar queixa por furto do meu documento de identificação francês. Estou em processo de divórcio com o meu marido, e a 24 de fevereiro de 2020 ele furtou-me o meu documento de identificação francês para poder levantar uma carta registada. Desde aí que não o voltei a ver ou tive qualquer novidade. O meu marido chama-se M. C.…”
6 - Conforme consta do despacho: “a) o objeto do presente litígio consiste em aferir da obrigação solidária dos Réus de pagamento aos Autores da quantia de € 50.000,00, bem como da litigância de má-fé dos Autores. b) os temas da prova são: b.1) entregas de dinheiro efetuadas pelos Autores aos Réus e respetivas circunstâncias e condições; b.2) interpelações já efetuadas pelos Autores aos Réus para restituição do dinheiro e resposta dos Autores; b.3) atuação processual dos Autores alegando falsamente o mútuo aos Réus, em conluio com o Réu.”.
7 - Referem os autos dificuldades na tramitação relacionadas com a situação pandémica ma também com a convocação e audição, em França, de diversas testemunhas, por via consular.
8 - Em justificação da observação e sobre os requisitos de elaboração e apresentação das conclusões, função destas e consequência do incumprimento do ónus respectivo, podem ler-se os múltiplos arestos publicados na Base de Dados do ITIJ, designadamente os desta Relação de Guimarães, citando-se, apenas a título exemplificativo, os Acórdãos de 16-03-2017, de 30-03-2017, 20-04-2017, 29-06-2017, 04-04-2019 e 23-04-2020, proferidos nos processos, respectivamente, 425/08.3TBCHV.G1, 6225/13.1TBBRG.G1, 300/15.5T8VPA.G1, 413/15.3T8VRL.G1, 3652/17.9T8VCT.G1, e 109506/18.8YIPRT.G1 – para cuja fundamentação se remete. No caso, o Relator, não obstante, face ao que está em causa, optou por não convidar a aperfeiçoar por, como ensina a experiência quotidiana, geralmente o resultado dessa diligência se revelar de parca utilidade, apenas servir para protelar a decisão e, sobretudo, porque, relendo-se e decantando o prolixo texto, é possível isolar e ordenar as questões queridas suscitar.
9 - Caso não seja arguida a nulidade com base em tal omissão de pronúncia e se não trate de matéria de conhecimento oficioso.
10 - Isto mesmo foi lembrado no Acórdão desta Relação de 07-10-2021, proferido no processo nº 886/19.5T8BRG.G1.
11 - Sobre a inutilidade frequente da invocação de nulidades da sentença, cfr., v.g., o referido em texto do Acórdão da Relação do Porto, de 19-05-2016, processo 9551/15.1T8VNG-A.P1 (Aristides Almeida) e do Acórdão desta Relação de Guimarães, de 23-04-2020, processo 4981/15.1T8VNF-A.G2 (relatado e subscrito pelos 1ª e 2º Adjuntos deste).
12 - Processo nº 236/07.3TCGMR.G3.
13 - Processo nº 1216/22.4T8VRL-A.G1, relatado e subscrito pelos aqui 1ª e 2º Adjuntos, respectivamente.
14 - Sublinham-se passagens que considerámos mais relevantes e com maior peso na apreciação posterior.
15 - Processo nº 391/17.4T8GMR.G1.S1 - 7.ª Secção (Nuno Pinto Oliveira).
16 - Processo n.º 10300/18.8T8SNT.L1.S1 - 6.ª Secção (Ricardo Costa).
17 - Processo nº 556/19.4T8PNF.P1.S1 (Fernando Baptista).
18 - Processo nº 11964/17.5T8PRT.P1 (Eugénia Cunha).
19 - Notas apostas ao texto acima transcrito:
“[1] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol.I, Almedina, pág. 593
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Ed. 1981, p. 262 e seguintes
[3] Ac. do STJ, de 20/3/2014: Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1,in dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703, onde se decidiu que “a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, ou s eja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte, como litigante de má fé, demonstrando-se que o litigante tinha consciência “de não ter razão”, pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”.
[4] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457
[5] Ibidem, pág 457
[6] Ibidem, pág 457
[7] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net, onde se escreve “O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil.
O âmbito da má fé abrange hoje não apenas o dolo, como a “negligência grave“, introduzida com a alteração ao CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12 /12, concebida como erro grosseiro ou culpa grave, sem que seja exigível a prova da consciência da ilicitude da actuação do agente.
Por conseguinte, a lei tipifica as situações objectivas de má fé, exigindo-se simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico. (…) Importa ter presente que actua de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado. Além disso, o dever de verdade processual (alínea b)) pressupõe que a parte tem a obrigação de indagar a realidade em que funda a sua pretensão (dever de pré-indagação)”.
[8] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2008, p. 220/221
[9] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 457
[10] Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 3ª ed., p. 264).
[11] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net
[12] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 461
[13] Ac. da Relação de Guimarães de 10/11/2011, Processo 387645/09.9YIPRT.G1, in dgsi.net
[14] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1982, pag. 263.
[15] Ac. do STJ, de 3/2/2011, Ver. 351/2000: Sumários, 2011, p. 77, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703
[16] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 2º, Coimbra Editora, pag. 263
[17] Ac. da Relação de Guimarães de 15/10/2015, processo 3030/11.3TJVNF.G1, in dgsi.net”.
20 - Processo nº 27/15.8T8TMC.G1 (Alcides Rodrigues).