Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
374/19.0T8VVD.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO
EMPREITADA
DESISTÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O tribunal, em regra, não só não pode conhecer senão das questões que lhe tenham sido colocadas pelas partes, como também não pode decidir ultrapassando os limites do pedido que foi formulado, sob pena da decisão ficar afetada de nulidade.
II- A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
III- Contudo é lícito ao tribunal, “através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter”.
IV- A desistência da empreitada pelo dono da obra, prevista no artigo 1229º do Código Civil, é uma faculdade discricionária que não carece de fundamento e nem de qualquer pré-aviso, apresenta-se como insuscetível de apreciação judicial e tem eficácia ex nunc.
V- Em caso de desistência do dono da obra, assiste ao empreiteiro não só o direito a ser indemnizado dos seus gastos e trabalho mas também do proveito que poderia tirar da obra, pretendendo-se permitir que o dono da obra possa obstar à realização da mesma, mas fazendo-o sem prejuízo do empreiteiro.
VI- Destinando-se a cláusula penal a fixar a indemnização pela mora no pagamento (cláusula penal moratória) não pode cumular-se com os juros de mora.
VII- Contudo, uma vez comprovada a validade e exigibilidade da prestação pecuniária em que se consubstancia a cláusula penal, do seu incumprimento (mora) emerge um dano autónomo, não consumido por ela, e, por isso, ressarcível através dos juros de mora.
VIII- O pagamento de juros de mora sobre o montante da cláusula penal não deve ser entendido como “dano excedente” para efeitos do disposto no artigo 811º do Código Civil, devendo a mora no pagamento da cláusula penal conferir ao credor o direito aos juros moratórios.
IX- Contudo, não tendo a Autora formulado na petição inicial pedido de juros de mora sobre a quantia devida a título de cláusula penal mas apenas sobre o capital, não pode o tribunal condenar os Réus no seu pagamento.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

X, S.A., com sede na Estrada Nacional …, n.º …, freguesia de …, concelho de Barcelos, intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra G. A. e esposa M. F., ambos residentes na Rua …, n.º .., freguesia de …, concelho de Vila Verde.

Pede a Autora que:
a) seja judicialmente qualificado o comportamento do Réu marido como de desistência da empreitada e sejam os Réus solidariamente condenados a pagar à Autora a quantia relativa à sua execução no cômputo global de €9.052,94 (nove mil cinquenta e dois euros e noventa e quatro cêntimos);

Subsidiariamente e apenas para o caso da improcedência do pedido anterior,
b) seja judicialmente qualificado o comportamento do Réu marido como mora do credor, seja declarado que assiste justa causa à Autora para a resolução contratual, sendo os Réus solidariamente condenados a pagar à Autora a quantia relativa à sua execução no cômputo global de €9.052,94 (nove mil cinquenta e dois euros e noventa e quatro cêntimos), a título de restituição, ex vi do disposto nos artigos 433º e 289º n.º 1, ambos do Código Civil, por ser impossível a restituição em espécie no caso sub judice.
Peticiona ainda que à quantia que se fixe sejam acrescidos de juros de mora vincendos, à taxa legal fixada para as operações de natureza comercial, sobre a quantia de €6.648,15 até à data do efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto e em síntese que se dedica à atividade de execução de furos para captação de águas e montagem de bombas e que celebrou com os Réus um contrato escrito de execução de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, num prédio propriedade dos Réus.
Mais alega que o preço acordado para a obra foi o que fizeram constar no anexo ao contrato e que em execução do acordado, a Autora fez deslocar para o prédio todo o equipamento de perfuração e o pessoal manobrador necessário à execução da obra e foi realizada perfuração de alargamento e isolamento em tubo PVC de 225 mm x 1.0 Mpa até à profundidade de 16 metros, depois do alargamento, isolamento e encamisamento de 225 mm, foi realizada roto-perfuração de 7” até à profundidade de 197 metros.
Alega ainda que quando a perfuração de 140 mm atingia a profundidade de 197 metros, o Réu solicitou e ordenou à Autora que parasse a execução desse furo não o encamisando, argumentando que o furo não dava água com o caudal que tinha sido garantido pela Autora, recusando a prossecução da obra.
Na sequência dos trabalhos feitos, a Autora emitiu e remeteu ao Réu a Fatura FA 2018/94, na quantia global de €6.648,15, correspondente aos trabalhos e bens prestados, e enviou-a para a morada do Réu, solicitando o respetivo pagamento, o que os Réus não fizeram.
Sustenta ainda que os Réus, ao impedirem a conclusão da obra, causaram à Autora um prejuízo no montante de €985,00, cujo ressarcimento requer.
Peticiona ainda o pagamento da quantia de €1.196,67 a título de cláusula penal e invoca que o Réu G. A. é casado no regime da comunhão de adquiridos com a Ré M. F. e que a dívida foi contraída pelo Réu marido para fazer face aos encargos normais da vida familiar, nomeadamente com vista à realização de sondagem de captação de água no referido terreno, pelo que a Ré mulher deve igualmente ser solidariamente condenada na mesma.
Regularmente citados, vieram os Réus contestar impugnando a matéria alegada pela Autora.
Aceitam que o Réu contratou os serviços da Autora para a execução de um furo de captação de água na sua propriedade, acrescentando que foi acordado verbalmente entre as partes que a Autora furaria até aos 80 metros de profundidade, garantindo a Autora que a esta profundidade já teria água suficiente.

Alegam ainda que o acordado foi que por cada metro furado o preço seria de €25,00, sendo que em nenhum momento a Autora referiu que acrescia o IVA, presumindo-se que este seria o valor final.
Sustentam que a Autora não agiu de boa-fé e seriedade, não tendo aconselhado o Réu em boa-fé, nem exercendo os trabalhos com diligência e prudência.
E que após o descontentamento do Réu, que se sentiu enganado, a Autora comunicou-lhe, contrariamente ao que tinham acordado, que ainda assim teria que pagar todos os metros perfurados, refugiando-se num contrato de empreitada que em momento algum foi lido e explicado ao Réu, antes foi camuflado junto dos vários documentos apresentados para obtenção da licença para pesquisa e captação de água subterrânea.
Mais alega que aderiu inconscientemente ao contrato de empreitada, sendo que o mesmo não corresponde de todo ao acordado nem exprime a sua vontade e que a cláusula penal não lhe foi comunicada e é, por isso, nula.
Deduziram ainda reconvenção, peticionando que se classifique a conduta da Autora como abuso de direito e se reduza a quantia exigida para o equivalente a 100 metros, isto é, €2500,00 por 100 metros perfurados e 16 metros de tubo PVC 225 mm georoscado no valor de €480,00, no total de € 2980, com IVA incluído.
A Autora replicou, mantendo, no essencial o alegado na petição inicial.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno os réus G. A. e esposa M. F. a pagar à autora X, S.A. a quantia €7.844,82 (sete mil, oitocentos e quarenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos).
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Custas pelo decaimento, artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC.
Notifique e registe”.

Inconformado, apelou o Réu da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“III- CONCLUSÕES

1º Por sentença proferida no âmbito do processo supra referenciado, foi decidido julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenar os réus G. A. e esposa M. F. a pagar à autora X, S.A. a quantia de €7.844,82 (sete mil, oitocentos e quarenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), com fundamento no incumprimento da obrigação de pagar o preço pela execução do contrato - ponto nº 3 da parte IV. “O Direito” da sentença.
2º O Tribunal a quo fundamentou ainda que a cláusula penal incluída no contrato de empreitada junto a fls. 15 dos autos era válida, dando como facto provado que o mesmo “foi esclarecido e explicado ao réu marido” – facto F dos Factos Provados.
3º Salvo o devido respeito, que é muito, não pode o Recorrente concordar com a sentença ora recorrida, porquanto a mesma padece de nulidades previstas no CPC, designadamente, o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento e condena em objeto diverso do pedido (al. d) e e), n.º 1 do artigo 615º e 609º, n.º 1), as quais invoca desde já para os devidos e legais efeitos, violando o princípio do dispositivo, da substanciação e da autorresponsabilidade das partes;
4º Caso assim não se entenda, não pode igualmente concordar com o facto provado do ponto F, porquanto não foi feita prova de que a cláusula penal tenha sido informada e esclarecida ao Recorrente.

Senão Vejamos,

I – DA NULIDADE DA SENTENÇA

5º A Autora vem pedir ao Tribunal o seguinte:
“Nestes termos e nos mais de direito, que doutamente não deixarão de ser supridos por V. Exas, deve a presente ação ser considerada totalmente procedente, por provada e, em consequência:
a) sendo judicialmente qualificado o comportamento do R. marido como de desistência da empreitada, serem os RR. Solidariamente condenados a pagar à A. a quantia relativa à sua execução no cômputo global de 9.052,94€ (nove mil cinquenta e dois euros e novena e quatro cêntimos), (negrito nosso)
Subsidiariamente e apenas para o caso da improcedência do pedido anterior, (sublinhado nosso) b) sendo judicialmente qualificado o comportamento do R. marido como mora do credor, ser declarado que assiste justa causa à A. para a resolução contratual, sendo os RR. Solidariamente condenados a pagar à A. a quantia relativa à execução no cômputo global de 9.052,94€ (nove mil cinquenta e dois euros e novena e quatro cêntimos), a título de restituição, ex vi do disposto nos artigos 433º e 289º, nº 1, ambos do Código Civil, por ser impossível a restituição em espécie no caso sub judice, (negrito nosso) quantia esta que, em todos os casos, deve ainda ser acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal fixada para as operações de natureza comercial, sobre a quantia de 6.648,15€ até à data do efetivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências, designadamente quanto a custas e procuradoria”.
6º Para sustentar o efeito juridicamente pretendido, a causa de pedir apresentada pela Autora, isto é, os factos trazidos ao conhecimento do Tribunal para extrair o efeito pretendido pela Autora com a propositura da ação: o pedido de reconhecimento da desistência do contrato ou, subsidiariamente, da justa causa para resolução do contrato, definem o objeto da ação.
7º Sendo que este objeto encerra, ele próprio, os limites da sentença.
8º E a presente sentença extravasa grosseiramente, a nosso ver e salvo o devido respeito, o objeto da ação, condenando em objeto diverso.
9º A Autora pretende com a ação que seja judicialmente reconhecido que o Recorrente desistiu do contrato de empreitada,
10º Com tal reconhecimento, pretende assim fazer valer o previsto no artigo 1229º do Código Civil, isto é, que o Réu indemnize a Autora dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia ter tirado da obra, tal e qual como fundamentou a alegou na causa de pedir.
11º Tendo sido o pedido principal improcedente, o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre o incumprimento de mora do credor (Réu) no sentido de não ter autorizado a conclusão da obra e, consequentemente, a resolução do contrato de empreitada com motivo justificativo, pedido este que tem como efeito a nulidade ou anulabilidade do contrato de empreitada e consequente restituição em dinheiro por a restituição em espécie ser impossível.
12º Pedido este que deveria ter procedido ou improcedido de acordo com os factos invocados e provados ou não provados, o que não aconteceu de todo na presente sentença que condena os R. na quantia peticionada (parcial), não com fundamento na desistência, nem na mora do credor, mas antes com incumprimento do contrato por falta de pagamento de preço quando nem a Autora quis ou colocou essa questão jurídica!
13º Citando o Tribunal da Relação de Lisboa, de26/03/2003: “Assim, não tinha o tribunal o dever de se substituir às partes, nomeadamente na iniciativa processual de conhecer a forma como cessou o contrato de trabalho em questão, pois que o tribunal tem apenas de ocupar-se das questões suscitadas pelas partes”.
14º Sendo que o princípio do dispositivo impede que o tribunal decida para além ou diversamente do que foi pedido – neste sentido, Ac. STJ de 11/02/2015, processo n.º 607/06.2TBCNT.C1.S1 e de 28/09/2006, processo n.º 06A2464.
15º Além disso, é necessário que haja identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar, o que não ocorre no presente caso concreto.
16º In casu, tendo em conta a improcedência do pedido principal da Autora, competia somente ao Tribunal a quo aferir da procedência do pedido subsidiário, nomeadamente se existia ou não fundamento para a resolução do contrato de empreitada celebrado e daí extrair o efeito pretendido pela Autora, isto é a anulabilidade e restituição do que foi prestado.
17º Ao invés, o Tribunal a quo tomou a iniciativa de analisar a existência ou não do incumprimento de uma obrigação normalmente inerente ao respetivo contrato, cujo cumprimento tal e qual não foi feito ou pedido pela Autora,
18º Aliás, a pretensão da Autora era o reconhecimento da desistência do contrato e, caso assim não se entendesse, a possibilidade de o resolver.
19º Como é consabido, e passamos a citar o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/12/2012, processo n.º 971/11BTCTB.C1, “a natureza e o âmbito da decisão está, ex vi dos princípios da substanciação, do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, dependente/condicionada/limitada pelo pedido formulado e pela respetiva causa pretendi” – artigo 3º e 5º do CPC.
20º Sendo que é ao Autor que incumbe formular e definir a sua pretensão. É direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação – total ou parcial – contra si reverte – Ac. STJ de 14/05/2015, processo n.º 1520/04.3TBPBL.
21º Assim, constata-se que o Tribunal a quo decidiu em objeto diverso, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada por ferir de nulidade, ao abrigo do disposto nos artigos 615º e os princípios do dispositivo, substanciação e autorresponsabilidade das partes, e ser substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolva os Réus dos pedidos.

II – DA CLÁUSULA PENAL

Mas caso assim não se entenda, o que não se concebe nem aceita, sempre se dirá que,
22º Entende o Recorrente que o facto dado como provado no ponto F foi erradamente julgado pelo Tribunal a quo face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
23º Ficou provado, por corresponder à verdade, que o contrato de empreitada celebrado trata-se de um contrato de adesão, constituído por cláusulas contratuais gerais que devem ser comunicadas e informadas previamente e de forma clara e simples ao contraente/consumidor.
24º Contudo, o mesmo não foi comunicado nem foi o Réu informado de todo o seu conteúdo, nomeadamente a cláusula penal prevista na cláusula 10ª do contrato.
25º O tribunal a quo fundamentou a sua decisão na prova documental, nomeadamente o referido contrato, e nas declarações de parte do representante legal da Autora, o qual, salvo melhor entendimento, não merece qualquer credibilidade neste ponto.
26º Para além de ter interesse direto na procedência desta ação e, consequentemente, ter conhecimento do que deve ser dito para assim conseguir o sucesso da sua pretensão,
27º O mesmo, nas suas declarações, não foi claro e não provou, sem dúvidas, que tenha comunicado tal cláusula ao Réu, alegando vários momentos diferentes, contraditórios e pouco detalhados sobre tal comunicação e assinatura do contrato e requerimento de pedido de licença.
28º Não basta a comunicação da cláusula penal, antes deve ser comunicada atempadamente, de forma a que o consumidor tenha tempo e conhecimento efetivo para decidir pela aceitação ou não daquela contratação, o que não foi o caso.
29º Assim, não logrou a Autora provar que a cláusula penal foi comunicada atempadamente, nem que o Recorrente tinha perfeito conhecimento da sua existência ou sentido.
30º A cláusula penal prevista no contrato junto aos autos deve ser excluída do contrato de empreitada por ser nula, ao abrigo do artigo 5º e 6º da LCCG, sendo os Réus absolvidos do pedido.”
Pugna o Réu pela integral procedência do recurso, e pela revogação da sentença e sua substituição por outra que julgue a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolva os Réus do pedido.

A Autora veio apresentar contra-alegações ao recurso do Réu e veio também interpor recurso subordinado apresentando as seguintes conclusões:

“EM CONCLUSÃO:
1. Os RR. em 16/12/2020 vieram interpor recurso de apelação a fls... abrangendo o mesmo matéria de facto e de direito e, cuja resposta foi oportunamente apresentada.
2. Neste sentido, vem a A. apresentar o presente recurso subordinado de apelação que tem por objecto a parte da decisão que lhe foi desfavorável.
3. A douta sentença decidiu julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenar os réus a pagar à autora a quantia 7.844,82 (sete mil, oitocentos e quarenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos).
4. Em 26/11/2020, os aqui recorrentes apresentaram reclamação a fls... em razão da douta sentença não se ter pronunciado sobre os peticionados juros de mora vencidos e vincendos até à data do efectivo e integral pagamento que incluía a quantia estabelecida a título de cláusula penal.
5. Por meras razões de economia processual se dão aqui como integrados e reproduzidos para todos os legais os fundamentos apresentados na reclamação apresentada a fls... dos presentes autos (requerimento de 26/11/2020 ref.ª citius 37293240).
6. A mora no pagamento da cláusula penal, traduzida numa prestação pecuniária, confere ao credor o direito aos juros de mora, nos termos do artigo 806.º do Código Civil.
7. A douta sentença padece de nulidade, por omissão de pronúncia, na falta de condenação dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento da quantia a título de cláusula penal, que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC ex vi artigo 615.º, n.º 4 do referido diploma legal.
8. A sentença a quo sendo omissa quanto à condenação dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento da quantia a título de cláusula penal, violou o artigo 607.º do CPC e está ferida de nulidade nos termos do art. 615º n.º 1), alínea d), do mesmo Código, porque deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, nulidade esta que expressamente se invoca e requer seja reconhecida com as devidas consequências legais.
9. A título subsidiário, a douta decisão violou frontalmente o princípio do dispositivo, condenando os RR. em objecto diverso do pedido, na justa medida em que não condenou nos juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia estabelecida a título de cláusula penal, que esta peticionou e que a douta sentença fundamenta que não foi peticionado no pedido formulado.
10. Sem prescindir, o alegado supra, subsidiariamente, a douta sentença incorreu em erro na qualificação jurídica dos factos e na determinação da norma aplicável, uma vez que os juros foram peticionados “(...) em todos os casos, deve ainda ser acrescida de juros de mora vincendos(...)” isto é, em todas as quantias peticionadas pela A., incluindo a título de cláusula penal, razão pela qual se impõe a reforma da douta sentença, ao abrigo do disposto no artigo 806.º do CC.
11. A A. expressamente peticionou os juros sobre todo o capital peticionado, incluindo a título de cláusula penal, consequentemente se impõe a reforma da sentença nos termos do artigo 616.º, n.º 2, alínea a) do CPC.
12. Por último, sem prescindir o alegado supra que se dá aqui como integrado e reproduzido por meras razões de economia processual, subsidiariamente, à que admitir a retificação da inexactidão/lapso manifesto da fundamentação e decisão da douta sentença em ter considerado que a A. teria direito aos juros vencidos e vincendos sobre a quantia estabelecida a título de cláusula penal, mas que alegadamente não peticionou no pedido formulado (incorrendo tal alegação em lapso/erro manifesto), ao abrigo do disposto no artigo 614.º do CPC.
13. A A. peticionou juros de mora vencidos e vincendos sobre todas as quantias peticionadas, incorrendo a fundamentação e decisão da douta sentença em inexactidão/ lapso, uma vez que admite a A. ter direito aos juros vencidos e vincendos sobre a quantia estabelecida a título de cláusula penal, mas não condenou os RR..
14. A douta sentença deu como provado no ponto J o seguinte: “Sucede que quando a perfuração de 140 mm atingia já a profundidade de 197 metros, o R. solicitou e ordenou à A. que parasse a execução desse furo não o encamisando, argumentando que o furo não dava água com o caudal que tinha sido garantido pela A..”.
15. Com a decida vénia, o ponto J dado como provado na douta sentença e a fundamentação e conclusão constante da douta sentença que não houve desistência pelo dono da obra R. marido, apresenta-se contraditória e, em consequência a mesma nesta parte deverá ser anulada, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) da CPC.
16. A douta sentença concluiu pela inexistência da desistência da empreitada pelo R. marido, apesar de paradoxalmente a douta sentença no ponto J dado como provado referir que: “(...) o R. solicitou e ordenou à A. que parasse a execução desse furo não o encamisando, argumentando que o furo não dava água com o caudal que tinha sido garantido pela A.”.
17. Igualmente a douta sentença é contraditória e ambígua se conjugaremos o referido supra com o ponto B) da douta sentença dado como provado em que: “No exercício da respetiva atividade, a A., no início do mês de Outubro de 2018, negociou com o R. marido a execução pela autora de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, num prédio de sua propriedade, sito na freguesia de ..., concelho de Vila Verde”.
18. A douta sentença padeceu de ambiguidade entre o ponto J) dado como provado (e, diga-se bem) e a alegada inexistência da desistência da empreitada pelo R. marido, apesar de no ponto N) dado como provado concluir pela “Face à não conclusão do furo”.
19. O contrato in casu dado como provado no ponto B. dos factos provados da douta sentença concluiu que o negócio versava a pesquisa e ainda quando as condições hidrogeológicas o aconselhassem à eventual transformação em captação de água, isto é, a um conjunto de obras e procedimentos técnicos tendentes à exploração, exemplo, a instalação da electrobomba e demais acessórios, nos termos do artigo 41.º do Decreto-lei n.º 226-A/2007 de 31 de Maio.
20. No ponto J. dado como provado pela douta sentença é possível verificar que no caso concreto não foram as condições hidrogeológicas que impediram e justificaram a falta de captação, mas sim a desistência do R. marido (dado como provada no ponto J) da douta sentença) que ordenou que a A. parasse a execução e que o furo não fosse encamisado (Ponto J dado como provado).
21. Conjugada a produção de prova, mormente, prova testemunhal e as declarações de parte dos A. e do R. marido e a prova documental de suporte e referida supra é possível verificar que a obra se encontrava inacabada.
22. O referido ponto J dado como provado na douta sentença é ambíguo e contraditório, pois concluiu pela desistência do contrato pelo dono da obra, quando o mesmo nem sequer se encontrava encamisado e paradoxalmente dá como não provado o ponto 1. que o furo se encontrava inacabado.
23. Paradoxalmente a douta sentença na alínea N) dada como provada entendeu que “face à não conclusão do furo” a A. abateu na emissão da factura o valor de 5,00 por metro linear do tubo de 140 mm PVC.
24. Existe manifesta contradição entre o ponto N dado como provado na douta sentença e o ponto 1. dado como não provado, em consequência deverá ser alterada nos termos do artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CPC.
25. Contradição essa geradora de nulidade, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1.º, alínea c) do CPC.
26. Face ao exposto merece prova positiva o ponto 1. dado como não provado na douta sentença, sendo dado como provado no ponto J) passando a constar o seguinte: “Sucede que quando a perfuração de 140 mm atingia já a profundidade de 197 metros, o R. solicitou e ordenou à A. que parasse a execução desse furo não o encamisando, argumentando que o furo não dava água com o caudal que tinha sido garantido pela A., em consequência o mesmo ficou inacabado”.
27. Para além do referido supra, sem prescindir, a A./recorrente a título de lucro cessante teve um prejuízo, que no caso concreto, o preço da obra foi fixado no contrato firmado entre as partes.
28. Sucedeu, porém que resultou provado que “Face à não conclusão do furo, na emissão da fatura referida em L), a autora decidiu abater 5,00 por metro linear do tubo de 140 mm PVC.”- Facto Provado N).
29. A autora peticionou um valor mais baixo pela execução do serviço efectuada, que em razão da desistência do contrato pelo R. marido, ou subsidiariamente da resolução contratual, com justa causa pela A. e consequente mora, incorrem os RR. Na obrigação de indemnizar a recorrente pelo interesse contratual positivo ou pelo dano de confiança (não está limitada ao interesse contratual negativo, podendo ainda abranger, em certos casos, os danos positivos, o interesse contratual positivo), ou seja, o ressarcimento do prejuízo, in casu do valor de 985,00 de prejuízo (correspondente a 5,00 * 197 metros de tubo descontado pela não conclusão da obra).
30. Quer a prova documental dos presentes autos e valorada, quer a prova testemunhal, nomeadamente do L. F., quer do I. S., quer das declarações de parte do representante legal da A., foram credíveis e como tal de acordo com a livre apreciação da prova deve a factualidade do referido prejuízo ser dada como provada.
31. Face ao exposto, deverá a douta sentença ser alterada, merendo prova positiva o ponto 2. dado como não provado na douta sentença, em que refere o seguinte: “Ao impedir a conclusão da obra, o R. causou-lhe um prejuízo que, na presente data, se cifra no montante de 985,00 (correspondente a 5,00 * 197 metros de tubo descontado pela não conclusão da obra)”.
32. Sem prescindir, o tribunal a quo violou também normas jurídicas e fez uma interpretação incorrecta e incompleta do direito que igualmente justificam o presente recurso à douta sentença.
33. Na desistência a indemnização é pelo interesse contratual positivo resultando esta ponderação do disposto no citado artigo 1229.º do Código Civil, que refere expressamente “o proveito que (o empreiteiro) poderia tirar da obra” pelo que a indemnização será correspondente à parte preço acordado que a Autora ainda receberia (ou seja, os 9.052,94 ).
34. Ora, o contrato de empreitada dado como provado nos pontos B) e C) da douta sentença referem para além da pesquisa quando as condições hidrogeológicas o permitam, a A./recorrente deverá proceder a todos os procedimentos necessários à captação dos recursos hídricos.
35. Com a ordem do R. marido para que a A. parasse de proceder à pesquisa desse furo não o encamisando, existiu por parte do dono da obra uma verdadeira desistência do contrato de empreitada, apesar de não existir a obrigação de resultado pela A./recorrente, mas de meios, o certo é que não foi esgotada pela A. a obrigação da conclusão da empreitada em resultado da desistência por parte do R. marido/dono da obra.
36. A douta sentença deverá ser alterada sendo os RR. condenados ao pagamento de 9.052,94 , em razão da desistência do R. marido e pelo interesse contratual positivo da A., quantia esta que acrescem os juros de mora vincendos à taxa legal até integral pagamento.
37. Subsidiariamente, a declaração confessória do R. marido/ dono da obra, isto é, a manifestação do credor da vontade de resolução do contrato de empreitada e comunicada a mesma à parte contrária antes do termo da obra convencionada, é susceptível de gerar o incumprimento contratual dos RR..
38. No caso concreto, existe um contrato de empreitada dado como provado nas alíneas B) e C) na douta sentença, que resultava uma obrigação de meios cumprido pela recorrente até ordem do R. marido (facto provado no ponto J) da douta sentença).
39. A A. procedeu à remoção dos equipamentos na obra, tendo ainda emitido a factura do serviço prestado, não tendo sido paga pelos RR. (factos dados como provados na alínea K) a O) da douta sentença).
40. O contrato de empreitada no que respeita à pesquisa não se encontra cumprido por mora/perda de interesse do credor/ R. marido, a que se reporta o artigo 808º do Código Civil.
41. Resolvido o contrato de empreitada pelo dono da obra, por causa imputável ao R. marido (factos J e K) dados como provados na douta sentença), a A. viu-se confrontada pela impossibilidade de concluir (isto é, nem sequer chegou a aferir existirem ou não condições hidrogeológicas para a captação do recurso hídrico) podendo exigir a indemnização pelo interesse contratual negativo ou dano de confiança.
42. Para além, disso os RR. incumpriram o contrato, incorrendo os mesmos em mora, já que lhes era permitido a todo o tempo o dono da obra desistir da execução do contrato, mas cabia aos mesmos o pagamento do preço a pronto, o que in casu não se verificou, apesar do trabalho de pesquisa ter sido executado até aos 197 metros, pelo R. marido foi ordenado que a A. parasse a execução e que o furo não fosse encamisado (Ponto J dado como provado).
43. A douta sentença entendeu que existiu a conclusão do contrato pela A., ora, o facto é que o mesmo não foi objecto da fase de captação e isso gera um justa causa de resolução contratual, por motivo não imputável à A., razão pela qual os princípios ínsitos como a boa-fé e da confiança da A. foram violados, quer pela ordem do R. marido, quer pela mora no pagamento do preço pelos RR..
44. A douta sentença foi omissa na ordem do R. marido para que a execução do furo fosse parada pela A. e não fosse encamisado o referido furo (ponto J dado como provado na douta sentença) e na mora dos RR., na justa medida que teve como conclusão a justa causa para a resolução contratual pela A., incorrendo em nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
45. A douta sentença recorrida deveria ser alterada e judicialmente devia declarar que o comportamento do R. marido como mora do credor (falta de pagamento do preço) e o direito da, por justa causa à resolução contratual e, consequentemente os RR. fossem condenados ao pagamento da quantia de 9.052,94 , devendo ser também reformada quanto a custas e alterada em conformidade”.
Pugna a Autora pela integral procedência do recurso subordinado e, em consequência, pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente e, em consequência, condene solidariamente os Réus a pagarem à Autora conforme o exposto e peticionado na petição inicial.

O tribunal a quo pronunciou-se quanto às nulidades arguidas pelos Recorrentes nos seguintes termos:
“1. Recurso principal
Invocam os réus /recorrentes, nas suas alegações de recurso, a existência de nulidades da sentença, impondo-se a este Tribunal, nos termos do disposto no artigo 641º, nº 1 do CPC, dela conhecer.
Assim, sustenta a recorrente a existência de uma nulidade decorrente do facto de o Tribunal ter conhecido de questões de que não poderia conhecer e, bem assim, condenar em objeto diverso do pedido.
Cumpre apreciar.
O artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC estatui que a sentença é nula quando o juiz quando o juiz se pronuncia sobre questões que nenhuma das partes suscitou no processo e de que não podia tomar conhecimento, é o que se designa por excesso de pronúncia.
Esta norma corresponde é a sanção para o desrespeito da norma do artº. 608º, n.º 2, 2ª parte do CPC, que estabelece que o juiz só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso do Tribunal.
No entanto, há que ter em consideração que o Tribuna não está limitado pelas alegações das partes no tocante à matéria de direito, é o dispõe o artigo 5º, nº 3 do CPC.
No caso dos autos, salvo o devido respeito, entendemos que o Tribunal não conheceu de matéria que não podia conhecer, já que, por um lado, a matéria de facto que o Tribunal apurou é estritamente a alegada pelas partes e, por outro lado, o Tribunal não conhece de qualquer questão nova, simplesmente, qualificou juridicamente de forma distinta os factos.
Da mesma forma, não houve qualquer condenação em objeto diverso do pedido já que o que o autor pede é precisamente aquilo que é objeto de condenação pelo Tribunal: o pagamento da fatura pelo trabalho feito no valor de capital de €6.648,15 e o montante devido a título de cláusula penal (veja-se os artigos 30º e 38º da PI e da clausula penal).
Pelo exposto, salvo o devido respeito, entendemos inexistir qualquer nulidade.
V. Exª. porém, melhor decidirão.
**
2. Do recurso subordinado

Invoca o autor a existência de nulidades da sentença que se impõe conhecer.
Em primeiro lugar, defende que se impõe a retificação da sentença proferida, por existir omissão quanto à condenação em juros de mora sobre o capital devido.
Ainda quanto aos juros, defende que peticionou os juros devidos sobre a quantia devida a título de cláusula penal e que não o ter condenado, a decisão proferida incorreu numa nulidade.
Mais defende que existe uma contradição entre os factos julgados como provados.
Cumpre apreciar.
Em primeiro lugar, quanto aos juros.
Analisada a decisão proferida conclui-se que efetivamente existe um lapso no dispositivo que consiste na omissão de condenação em juros de mora quanto ao montante de capital (€6.648,15) peticionado, lapso esse que deverá ser corrigido, impondo-se a condenação nos juros vencidos e vincendos, conforme peticionado.
No entanto, quanto à cláusula penal, salvo o devido respeito, entende-se inexistir qualquer nulidade.
O autor peticiona a condenação dos réus no pagamento da quantia de €9.052,94, sendo €6.648,15, correspondente ao valor da obra feita; €1.196,67 a título de de cláusula penal e €985 “pela não conclusão do furo”.
E termina peticionando: “quantia esta que, em todos os casos, deve ainda ser acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal fixada para as operações de natureza comercial, sobre a quantia de 6.648,15 € até à data do efectivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências, designadamente quanto a custas e procuradoria.”
Ora analisando o pedido, salvo o devido respeito, concluiu o Tribunal e conclui que os juros demora peticionados incidem apenas sobre a quantia de capital, sobre a quantia de €6.648,15 e não sobre a quantia pedida a título de cláusula penal.
É que o autor restringe o seu pedido quando afirma “quantia esta que, em todos os casos, deve ainda ser acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal fixada para as operações de natureza comercial, sobre a quantia de 6.648,15 € (…)”.
Assim sendo, salvo o devido respeito, entende-se inexistir qualquer omissão de pronuncia.
Agora, no que concerne à contradição entre a matéria de facto julgada, salvo o devido respeito, entendemos que inexiste qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Com efeito, conforme se explicou na decisão proferida e conforme se referiu supra aquando do conhecimento da invocada nulidade pelos réus, o Tribunal qualificou juridicamente os factos de forma distinta das partes, no entanto, não se vê que haja qualquer ambiguidade.
Concretamente, resultou provado que “J) Sucede que quando a perfuração de 140 mm atingia já a profundidade de 197 metros, o R. solicitou e ordenou à A. que parasse a execução desse furo não o encamisando, argumentando que o furo não dava água com o caudal que tinha sido garantido pela A..”
Mais se julgou não provado que “1) Nas circunstâncias de facto referidas em J), o furo estivesse inacabado.”
Para cabal esclarecimento da questão impõe-se ainda salientar que resultou igualmente provado que “D) Do documento consta ainda “Caderno de Encargos”, onde declaram as partes que “A empreita da a que se refere este Caderno de Encargos consiste na execução de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação definitiva caso as condições hidrogeológicas assim o permitam. (...) O dono da obra poderá mandar parar a perfuração sempre que o desejar, independentemente de haver resultados de pesquisa ou não, tendo que pagar os trabalhos efetuados a pronto.”
Ora, do acordado entre as partes e da matéria de facto apurada resulta as partes acordaram na realização de uma pesquisa de água para eventual posterior encamisamento.
No entanto, tendo sido perfurado 197 metros, não se provou que houvesse água que justificasse o encamisamento do furo, daí que se conclua como manifesto que não se que o furo tivesse “inacabado”.
Assim sendo salvo o devido respeito, entende-se que inexiste qualquer ambiguidade.
V. Exª, porém, melhor decidirão”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

A) Do recurso interposto pelo Réu a título principal
1 – Saber se a sentença é nula por verificação das circunstâncias previstas nas alínea d) e e) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil;
2 – Saber se deve ser rejeitado o recurso na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto;
3 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto;
4 – Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.

B) Do recurso interposto pela Autora a título subordinado
1 – Saber se a sentença é nula por verificação das circunstâncias previstas nas alínea c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil;
2 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto;
3 – Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
(Da petição inicial)
A) A A. é uma sociedade comercial anónima cujo objeto social consiste, entre outros, na atividade de execução de furos para captação de águas, montagem de bombas.
B) No exercício da respetiva atividade, a A., no início do mês de Outubro de 2018, negociou com o R. marido a execução pela autora de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, num prédio de sua propriedade, sito na freguesia de ..., concelho de Vila Verde.
C) E, nessa sequência, por documento escrito, datado de 17 de Outubro de 2018, denominado “Contrato de Empreitada”, no qual intervêm a autora e o réu marido, declaram ambos que celebram “de boa fé, o presente contrato de empreitada para sondagem hidrogeólica com equipamento de roto percussão a ar comprimido que se rege pelo caderno de encargos anexo ao presente contrato e que dele faz parte.”, conforme documento junto aos autos a fls. 15, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
D) Do documento consta ainda “Caderno de Encargos”, onde declaram as partes que “A empreita da a que se refere este Caderno de Encargos consiste na execução de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação definitiva caso as condições hidrogeológicas assim o permitam. (...)
A posição de perfuração no terreno será indicada pelo dono da obra e esta é da sua inteira responsabilidade, pelo que a empresa não tem nenhuma responsabilidade quanto à escolha do local de perfuração. (...)
O dono da obra poderá mandar parar a perfuração sempre que o desejar, independentemente de haver resultados de pesquisa ou não, tendo que pagar os trabalhos efetuados a pronto.
O dono da obra obriga-se a pagar a totalidade dos metros perfurados, independentemente de conseguir revestir a perfuração na sua totalidade (...)
A obrigação do empreiteiro é de meios e não de resultados. (...)
9º Preços e pagamentos
Os preços praticados pela empresa são so da tabela de preços por metros em anexo;
Aos preços acordados acresce IVA à taxa legal em vigor.
Os pagamentos deverão ser efetuados a pronto e na sequência da execução dos trabalhos, exceto se outras condições vierem a ser definidas nas Condições especiais.
10ª Penalidades
O incumprimento do acordo de pagamento superior a 15 dias e até 60 dias, implica uma cláusula penal correspondente a um acréscimo de 12 % do valor da faturação e o incumprimento de valor superior a 60 dias, implica um acréscimo de 18% do valor da faturação. (...)” conforme documento junto aos autos a fls 15, 16 e 19, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
E) Do acordo escrito faz parte ainda um documento denominado “Preço por metro”, do qual consta:
− 30,00 € por metro linear para perfuração de alargamento e encamisamento em Tubo de Isolamento PVC de 225 mm x 1.0 mpa (Leva este tubo enquanto houver terra);
− 50,00 € por metro linear para perfuração de alargamento e encamisamento em Tubo de Isolamento PVC de 280 mm x 1.0 mpa (Leva este tubo enquanto houver terra);
− 30,00 € por metro linear para a roto-perfuração de 7” com revestimento de 140 mm x 0,6 mpa, ao qual acrescia 5,00 €, 10,00 € ou 15,00 €, consoante as características do terreno aconselhassem utilizar tubo de 0,75 mpa, 1,0 mpa ou 1,0 mpa georroscado, respetivamente;
− 100,00 € para a instalação de areão silicioso;
− 100,00 € para a impermeabilização betuminosa,
− e 50,00 € para o relatório final”, conforme documento junto aos autos a fls. 19v, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
F) O acordo descrito em C) a E) foi esclarecido e explicado ao réu marido.
G) Por efeito do acordo descrito em C) a E), a A. fez deslocar para o prédio do R. todo o equipamento de perfuração e o pessoal manobrador necessário à execução da obra.
H) Foi realizada perfuração de alargamento e isolamento em tubo PVC de 225 mm x1.0 Mpa até à profundidade de 16 metros,
I) Depois do alargamento, isolamento e encamisamento de 225 mm, foi realizada roto-perfuração de 7” até à profundidade de 197 metros,
J) Sucede que quando a perfuração de 140 mm atingia já a profundidade de 197 metros, o R. solicitou e ordenou à A. que parasse a execução desse furo não o encamisando, argumentando que o furo não dava água com o caudal que tinha sido garantido pela A..
K) Por efeito dessa ordem, no decurso daquele mês de Outubro de 2018, a A. procedeu à remoção de todos os equipamentos de perfuração.
L) A A. emitiu e remeteu ao réu a Fatura FA 2018/94, datada de 22/10/2018, vencida na mesma data, na quantia global de 6.648,15 €, correspondente aos trabalhos e bens prestados, e enviou-a para a morada do R., solicitando o respetivo pagamento, conforme documento junto aos autos a fls. 20, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
M) A qual veio devolvida com a menção “Não atendeu”, conforme documento junto aos autos a fls. 21 cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
N) Face à não conclusão do furo, na emissão da fatura referida em L), a autora decidiu abater 5,00 € por metro linear do tubo de 140 mm PVC.
O) Em virtude de ter sido enviada pelo correio em carta registada com aviso de receção e a mesma não ter sido rececionada e vir devolvida, conforme combinado entre as partes, a fatura dos serviços prestados pela A. ao R., foi entregue aos sogros daquele em mão no dia 22/10/2018.
P) O R. G. A. casou com a R. M. F. a 4 de Fevereiro de 1995, sem convenção antenupcial, conforme assento de casamento junto aos autos a fls. 27, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

(Da petição inicial)
1) Nas circunstâncias de facto referidas em J), o furo estivesse inacabado.
2) Ao impedir a conclusão da obra, o R. causou-lhe um prejuízo que, na presente data, se cifra no montante de 985,00 € (correspondente a 5,00 € * 197 metros de tubo descontado pela não conclusão da obra).

(Da contestação)
3) Foi acordado verbalmente entre ambas as partes que a Autora furaria até aos 80 metros de profundidade, garantindo que a esta profundidade já teria água suficiente.
4) Assim, a Autora iniciou os trabalhos em 17 de outubro de 2018, garantindo que na próxima sexta-feira (dia 19) já teria água e o poço a funcionar.
5) Acontece que, chegados a sexta-feira e aos 82 metros de profundidade, ainda não tinham encontrado água.
6) E uma vez que o Réu regressaria aos E.U.A. no dia seguinte, perguntou ao funcionário do Autora, cujo nome desconhece, se aconselhava ou não a continuar a furar.
7) Ao que o funcionário aconselhou a continuar, pois teria água aos 100 metros, o qual acedeu por confiar nos técnicos conhecedores da arte.
8) Chegados aos 100 metros de profundidade, não havia sinal de água, apenas de terra seca.
9) Ainda assim, e bem sabendo que o Réu tinha regressado, entretanto aos Estados Unidos da América, a Autora continuou a furar sem consultar o Réu.
10) Apenas aos 160 metros, quando o sogro do Réu e um amigo verificaram o local, pediram à Autora para parar as máquinas pois era notório que só saía pó seco e não haveria água.
11) Ainda assim, continuaram a furar até aos 197 metros, altura em que o representante legal da Autora ordenou efetivamente que parassem de furar.
***
3.2. Da nulidade da sentença

O Réu e a Autora vêm arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento, respectivamente, nas alíneas d) e e) e nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil; por uma questão de coerência e economia processual iremos tratar desta questão conjuntamente.
O artigo 615º do Código de Processo Civil prevê de forma taxativa as causas de nulidade da sentença.

Assim, dispõe o n.º 1 deste preceito que:
“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Começamos por precisar que as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
As causas de nulidade taxativamente enumeradas no artigo 615º não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
Não deve por isso confundir-se o erro de julgamento e muito menos o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa.
Segundo o invocado pelos Recorrentes estão em causa as nulidades previstas nas alíneas c), d) e e) do referido preceito.
Vejamos então se lhes assiste razão analisando a decisão recorrida e a argumentação dos Recorrentes.
Começando por apreciar a nulidade prevista na alínea c) cumpre referir que a mesma pressupõe que os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Esta nulidade está também relacionada com a obrigação imposta pelos artigos 154º e 607º, n.ºs 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil, do juiz fundamentar as suas decisões e com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão final seja a consequência ou conclusão lógica da aplicação da norma legal aos factos.
Por outras palavras, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”. Logo, “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada” (Acórdão da Relação de Guimarães, de 14/05/2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G, disponível em www.dgsi.pt).
Como se escreve no sumário do Acórdão da Relação de Évora de 03/11/2016 (Relator Desembargador Tomé Ramião, também disponível em www.dgsi.pt) “(…) 2. A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. 3. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil”.
A Autora entende verificar-se tal nulidade por existir contradição entre o ponto N) dos factos provados e o ponto 1) dos factos não provados, sustentando ainda que este deve ser alterado e merecer resposta positiva nos termos do artigo 662º n.ºs 1 e 2 alínea c) do Código de Processo Civil.
É pois patente a confusão da Recorrente entre a nulidade da sentença e o erro de julgamento da matéria de facto; este deverá ser apreciado em sede de reapreciação da matéria de facto em conformidade com o disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil, tal como também reconhece a própria Recorrente, mas nada tem a ver com a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º.
E, analisada a decisão recorrida não vemos que a mesma padeça de ambiguidade ou obscuridade, que a torne ininteligível, e nem que os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
No que se refere à alínea d), prende-se a nulidade aí prevista com a omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) ou com o excesso de pronúncia (quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há-de assim resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas, e nem tão pouco com meios de prova, não se confundindo, mais uma vez, com o designado erro de julgamento.
Quanto à nulidade prevista na alínea e), isto é, quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, relaciona-se com o previsto no artigo 609º n.º 1 do Código de Processo Civil onde se estabelece que: “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.
O tribunal, por regra, não só não pode conhecer senão das questões que lhe tenham sido colocadas pelas partes, como também não pode decidir ultrapassando os limites do pedido que foi formulado, sob pena da decisão ficar afectada de nulidade.
A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objecto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, Relator Conselheiro Oliveira Abreu, também disponível em www.dgsi.pt).
Como sustenta Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, página 362, apud o citado Acórdão de 21/03/2019) “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado [art. 668°, n° 1, al. e)]”.
É incontornável que de acordo com o previsto no artigo 609º n.º 1 do Código de Processo Civil a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir) não podendo o juiz condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (v. António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código se Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, página 728).
A decisão que ultrapassar o pedido formulado, passando a abranger matéria distinta, está ferida da nulidade prevista na referida alínea e).
Com efeito, o pedido dos autores, conformando o objecto do processo, irá condicionar a decisão de mérito: o juiz não pode, na sentença, extravasar os pedidos formulados pelas partes, encontrando-se limitado por eles; a sentença terá de manter-se dentro dos limites definidos pela pretensão do autor ou da reconvenção, se deduzida pelo réu, não podendo o juiz transpor os limites do pedido, quer no que respeita à quantidade, quer quanto ao seu próprio objecto.
Ou seja, através do pedido (cfr. artigo 3.º n.º 1 do Código de Processo Civil) as partes “circunscrevem o thema decidendum, isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se perante a real situação conviria, ou não, providência diversa. Trata-se de uma esfera em que domina o princípio do dispositivo, o qual, em termos paralelos, também vigora em sede da sustentação fáctica da pretensão. Em ambos os casos prevalece a estratégia assumida pelo autor, sem que nela se deva imiscuir o juiz. Consequentemente, a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir), não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação que corresponder ao tipo de ação em causa) em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” (v. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Filipe Pires de Sousa, ob. cit., página 728).
Contudo, como salientam estes Autores (ob. cit. páginas 728 a 730), a prática judiciária revelou situações cuja resolução implicou alguma atenuação da rigidez desta regra tendo-se admitido, designadamente, a reconfiguração jurídica do específico efeito peticionado pelo autor considerando-se ser lícito ao tribunal atribuir ao autor, por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter, tendo-se em atenção que essa será por vezes, a única forma de resolver o litígio de forma definitiva.
Conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/04/2016 (Proc. n.º 842/10.9TBPNF.P2.S1, Relator Conselheiro Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt): “1. O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado. 2. Assim, é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o A. procurava obter através da pretensão que efectivamente, na sua estratégia processual, curou de formular”.
Tem vindo ainda a ser entendido que a interpretação do pedido não deve cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, devendo antes ser conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão.
De facto, vem sendo defendida a necessidade de interpretar o princípio do dispositivo em moldes mais flexíveis que, sem violação dos limites expressos no artigo 609º, permita de forma definitiva solucionar o litígio entre as partes, quando o decidido se contenha ainda assim no âmbito da pretensão formulada.
Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/2015 (Proc. n.º 607/06.2TBCNT.C1.S1 Relator Conselheiro Abrantes Geraldes disponível em www.dgsi.pt) “(…) também o art. 609º, nº 1, carece de um esforço interpretativo, contando, além do mais, com os contributos de diversos Assentos e Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência do STJ.
Entre tais arestos, destaca-se o Assento nº 4/95, in D.R. de 17-5, ao admitir que numa acção em que seja deduzida uma pretensão fundada num contrato cuja nulidade seja oficiosamente decretada o réu seja condenado a restituir o que tenha recebido no âmbito desse contrato, por aplicação do art. 289º do CC, desde que do processo constem os factos suficientes.
A conjugação entre o princípio do dispositivo e os limites do pedido encontra também largo desenvolvimento na fundamentação do ACUJ nº 13/96, in D.R., I Série, de 26-11, ainda que no caso se tenha vedado ao tribunal a actualização oficiosa da quantia peticionada.
Outro importante elemento auxiliar da interpretação emerge do ACUJ nº 3/01, in D.R., I Série-A, de 9-2, que firmou a jurisprudência segundo a qual numa acção de impugnação pauliana em que tenha sido erradamente formulado o pedido de declaração de nulidade ou de anulação do acto jurídico impugnado o juiz deve corrigir oficiosamente esse erro e declarar a ineficácia que emerge do direito substantivo. (…)
Na integração do caso não podem ainda descurar-se os objectivos apontados pelas sucessivas reformas processuais, designadamente quando delas emerge a sobreposição de aspectos de ordem material a outros de ordem formal, ou a necessidade de atribuir ao processo a necessária eficácia que permita alcançar uma efectiva e célere resolução de litígios.
Importa ponderar também o que emana da doutrina que, fazendo coro com os referidos objectivos, aponta para a flexibilização do princípio do pedido, como é defendido por Miguel Mesquita, em anotação a um aresto sobre direitos reais, na RLJ, ano 143º, págs. 134 e segs. intitulada precisamente “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”.
Assim, se é verdade que a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido, não podendo o juiz condenar (rectius apreciar) nem em quantidade superior, nem em objecto diverso do que se pedir, tal não dispensa um esforço suplementar que permita apreender realmente o âmbito objectivo do pedido que foi formulado na presente acção (…) Tomando de empréstimo as palavras de Miguel Mesquita na mencionada anotação em torno da necessidade de compreender o princípio do dispositivo de um modo mais flexível, ajustado à realidade social e aos avanços que se têm sentido também no processo civil, se acaso a Relação tivesse adoptado a mesma “postura rígida e inflexível relativamente ao pedido, bem ao estilo oitocentista”, acabaria por absolver os RR. do pedido, “decisão que seria, sem dúvida alguma, do imediato agrado dos RR., mas que redundaria numa vitória de Pirro” (pág. 147).
Ora, como refere o mesmo autor, “o interesse público da boa administração da justiça nem sempre coincide com os interesses egoístas das partes, fazendo, pois, todo o sentido, num processo moderno, a intervenção do juiz destinada a alcançar a efectividade das sentenças” (pág. 150). Desiderato que, com muita razoabilidade e bom senso, foi conseguido pela Relação quando, reconhecendo para o muro uma situação de compropriedade, concluiu que se deveria pôr um esclarecedor ponto final no conflito”.

No caso dos autos, a Autora veio pedir, a título principal, que seja judicialmente qualificado o comportamento do Réu marido como de desistência da empreitada e sejam os Réus solidariamente condenados a pagar à Autora a quantia relativa à sua execução no cômputo global de €9.052,94 (nove mil cinquenta e dois euros e noventa e quatro cêntimos); e a título subsidiário que seja judicialmente qualificado o comportamento do Ré marido como mora do credor, seja declarado que assiste justa causa à Autora para a resolução contratual, e sejam os Réus solidariamente condenados a pagar à Autora a referida quantia a título de restituição, ex vi do disposto nos artigos 433º e 289º n.º 1, ambos do Código Civil, por ser impossível a restituição em espécie no caso sub judice.
Peticiona ainda que à quantia que se fixe sejam acrescidos juros de mora vincendos, à taxa legal fixada para as operações de natureza comercial, sobre a quantia de €6.648,15 até à data do efetivo e integral pagamento.
O tribunal a quo veio a julgar a ação parcialmente procedente e condenou os Réus a pagar à Autora a quantia €7.844,82, correspondente à quantia devida pela execução dos trabalhos no montante de €6.648,15 (valor da fatura 2018/94 de 22/10/2018 que a Autora emitiu) acrescida da cláusula penal no montante de €1.196,67, considerando que a Autora cumpriu a sua obrigação e que os Réus, não tendo procedido ao pagamento do preço devido, incorreram em mora.
O Réu sustenta que o pedido de reconhecimento da desistência da empreitada ou, subsidiariamente, que seja judicialmente qualificado o comportamento do Réu marido como mora do credor e que seja declarado que assiste justa causa à Autora para a resolução contratual, definem o objecto da acção e este encerra os limites da sentença, pelo que ao tribunal a quo se impunha apenas conhecer da desistência da empreitada e, sendo tal pedido improcedente, aferir do pedido subsidiário, isto é se existia ou não fundamento para a resolução do contrato.
Entende, por isso, que a sentença recorrida, ao condenar parcialmente na quantia peticionada, não com fundamento na desistência ou na mora do credor, mas no incumprimento do contrato por falta de pagamento do preço, o que não foi pedido pela Autora, conheceu de questão não colocada pela Autora e decidiu em objecto diverso, o que fere a mesma de nulidade.
In casu, o tribunal a quo entendeu que inexistia desistência do Réu e que tendo a Autora cumprido a sua obrigação, realizando a obra a que se propôs, se gerou para os Réus a obrigação de pagamento do preço devido pela execução dos trabalhos, bem como da quantia devida a título de cláusula penal.
Afirma o tribunal a quo que a matéria de facto que apurou é a alegada pelas partes, tendo qualificado juridicamente de forma distinta os factos, condenando os Réus no que havia sido pedido pela Autora: o pagamento da fatura pelo trabalho feito no valor de capital de €6.648,15 e o montante devido a título de cláusula penal.
De facto, a Autora peticionou, seja a título principal, seja subsidiariamente, a condenação dos Réus solidariamente a pagar à Autora a quantia relativa aos trabalhos que efectuou, à sanção pecuniária e ao prejuízo por si invocado; na sequência, aliás, do por si alegado: “Em face da posição assumida pelo R., a A. emitiu e remeteu-lhe a Fatura FA 2018/94, datada de 22/10/2018, vencida na mesma data, na quantia global de 6.648,15 €, correspondente aos trabalhos e bens prestados, e enviou-a para a morada do R., solicitando o respectivo pagamento” (cfr. artigo 30º da petição inicial).
Conforme já referimos importa interpretar o princípio do dispositivo em moldes flexíveis para que, sem violação dos limites expressos no artigo 609º, permita de forma definitiva solucionar o litígio entre as partes, quando o decidido se contenha ainda assim no âmbito da pretensão formulada.
E o que caracteriza a pretensão do autor, enquanto elemento individualizador da acção, não é a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico (veja-se que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – cfr. artigo 5º n.º 3 do Código de Processo Civil), mas o efeito prático-jurídico por ele pretendido.
Entendemos, por isso, ser lícito ao tribunal, partindo dos factos alegados pelas partes e julgados provados, alterar a qualificação jurídica, e convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado e, procedendo a “uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido” atribuir ao autor o bem jurídico que ele pretendia obter, ainda que por uma via jurídica distinta da que foi invocada como fundamento da pretensão deduzida, sem que tal constitua o julgamento de objecto diverso do peticionado.

No caso concreto a pretensão material da Autora é a de obter a condenação dos Réus no pagamento da quantia global de €9.052,94, correspondente ao preço dos trabalhos que efectuou (da Fatura FA 2018/94, datada de 22/10/2018), à sanção pecuniária e ao prejuízo por si invocado.
É certo que, invocou como fundamento da sua pretensão a desistência da empreitada (subjacente ao pedido principal) e a mora do credor (subjacente ao pedido subsidiário) mas o pedido que deduziu a título principal e subsidiário, baseado naqueles fundamentos, foi efectivamente o da condenação solidária dos Réus a pagar à Autora a quantia global de €9.052,94; e o tribunal a quo, ainda que seguindo um caminho jurídico distinto, qualificando de forma diferente os factos alegados pela Autora, não se pronunciou para além da pretensão da Autora.
Pelo contrário, pronunciou-se sobre a obrigação de pagamento do preço dos trabalhos, da cláusula penal e do prejuízo alegado pela Autora, e, julgando a acção parcialmente procedente condenou os Réus a pagar à Autora a quantia €7.844,82, correspondente à quantia devida pela execução dos trabalhos no montante de €6.648,15, acrescida da cláusula penal no montante de €1.196,67.
Em face do exposto, julgamos ser de concluir que o tribunal a quo não conheceu de questão não suscitada pelas partes e nem extravasou os limites do pedido, não ocorrendo a nulidade da sentença invocada pelo Réu.
A Autora veio também invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por condenar em objecto diverso do pedido.
Sustenta que a sentença recorrida é omissa por não se ter pronunciado sobre a condenação dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento da quantia a título de cláusula penal e que, ao não condenar nos juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia estabelecida a título de cláusula penal condenou os Réus em objecto diverso do pedido.
Conforme decorre da petição inicial a Autora formulou o seguinte pedido a título de juros: “quantia esta que, em todos os casos, deve ainda ser acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal fixada para as operações de natureza comercial, sobre a quantia de 6.648,15 € até à data do efectivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências, designadamente quanto a custas e procuradoria”.
A decisão recorrida, que condenou os Réus a pagar à Autora a quantia €7.844,82 é efectivamente omissa quanto a juros; mas tal significa que haja omissão de pronúncia e padeça de nulidade?
Entendemos que não.
Relativamente aos juros vencidos e vincendos sobre a quantia de €6.648,15 consta da decisão recorrida que não são devidos uma vez que não é cumulável a cláusula penal acordada pelas partes; quanto ao não condenar nos juros de mora sobre a quantia estabelecida a título de cláusula penal considerou o tribunal a quo que os mesmos não foram peticionados.
Conforme se pode ler na sentença recorrida: “Tratando-se de uma cláusula penal moratória, entendemos que a mesma não é cumulável com a atribuição de juros de mora, precisamente porque as partes através da cláusula já fixaram antecipadamente o valor da indemnização pelo atraso no pagamento do preço. (…) Assim sendo, o autor tem direito ao pagamento do capital em dívida pela execução do contrato, acrescida do valor da cláusula penal, no caso de €1.196,67, correspondente a 18% do valor faturado e não aos juros de mora já vencidos ou vincendos, tudo no montante total de €7.844,82 (sete mil, oitocentos e quarenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos).
Quanto a este ponto saliente-se que enquanto prestação pecuniária, a autora teria direito aos juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia estabelecida a título de cláusula penal, no entanto, não o peticiona no pedido formulado, peticionando apenas sobre a quantia de capital”
Não se verifica, por isso, qualquer omissão de pronúncia.
Por último, é também linear que inexiste qualquer condenação em objecto diverso do pedido pelo facto do tribunal a quo não ter condenado em juros de mora sobre a quantia estabelecida a título de cláusula penal.
Sustenta ainda a Autora que a sentença recorrida é “omissa na ordem do R. marido para que a execução do furo fosse parada pela A. e não fosse encamisado o referido furo (…) e na mora dos RR., na justa medida que teve como conclusão a justa causa para a resolução contratual pela A.”, incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia.
Conforme já referimos a resolução das questões suscitadas pelas partes não se confunde com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas, não se confundindo também, com o designado erro de julgamento.
O tribunal a quo conheceu das questões suscitadas pelas partes e considerou a obrigação da Autora cumprida, entendendo inexistir desistência, concluindo que “a autora peticiona o valor devido pela execução do contrato e, tendo havido cumprimento da prestação que incumbia à autora, gerou-se para os réus a obrigação de pagamento do preço acordado, pelo que a circunstância de se concluir não haver desistência da empreitada em nada contende com o mérito do pedido formulado”.
O que ocorrerá, mesmo segundo o ponto de vista da própria Autora atentas as conclusões que apresenta sustentando que existiu uma verdadeira desistência do dono da obra, será um alegado erro de julgamento e uma alegada não conformidade da decisão com o direito aplicável (o que adiante iremos apreciar), o que, como já referimos, não se confunde, contudo, com a nulidade da sentença.
Assim, analisada a sentença proferida em 1ª Instância não se verifica qualquer nulidade, improcedendo desde já e nesta parte ambos os recursos.
***
3.3. Da modificabilidade da decisão de facto

Os recursos interpostos pelo Réu, a título principal, e pela Autora, a título subsidiário, visam a reapreciação da decisão de facto.
Decorre do n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
A Autora nas contra alegações que apresentar sustenta que as conclusões do Recorrente não cumprem o ónus do artigo 639º do Código de Processo Civil.
Dispõe este preceito que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão; estabelece o seu n.º 3 que, quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas, o relator deve convidá-lo a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.
Julgamos não suscitar qualquer dúvida que as conclusões se devem traduzir em enunciar de forma abreviada e concisa os fundamentos ou razões jurídicas por que se pretende obter o provimento do recurso, devendo conter a identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com a decisão que foi proferida pelo tribunal a quo.
A sua função é delimitar o objecto do recurso através da identificação, de forma abreviada, desses fundamentos, os quais se mostram já desenvolvidos no corpo das alegações, devendo as mesmas ser apresentadas, por isso, de forma sintética, concisa e precisa, tendo em vista permitir que o recorrido possa exercer plenamente o contraditório e assegurar uma pronta e eficaz administração da justiça.
Temos, por isso, como certo que a boa arte de alegar dita que as conclusões sejam sintéticas, em regra em número consideravelmente inferior aos artigos das alegações, e que traduzam o esforço de condensar a exposição realizada naquelas.
Contudo, não só este esforço depende muito da arte de quem o realiza, como não resulta da lei processual uma fórmula expressa para proceder à elaboração das conclusões de recurso.
Entendemos, por isso, que deverá considerar-se cumprido pelo recorrente o ónus de formular conclusões (cfr. n.º 1 do artigo 639º do CPC) sempre que as mesmas, não correspondendo integralmente ao corpo das alegações, denotem algum esforço de síntese e permitam delimitar de forma clara o objecto do recurso e identificar o entendimento do recorrente sobre as questões jurídicas que pretende ver apreciadas e as razões onde assenta a sua divergência relativamente à decisão recorrida.
Analisadas as conclusões formuladas pelo Recorrente a primeira nota a considerar é que não constituem a reprodução integral das alegações do recurso propriamente ditas, não coincidindo o teor das conclusões integralmente com o teor do corpo das alegações; por outro lado, das mesmas resulta delimitado o objecto do recurso, mostrando-se identificadas as questões a apreciar e as razões da discordância do Recorrente.
Não vemos que possa dizer-se serem as mesmas deficientes ou obscuras e resulta das mesmas evidenciarem algum esforço de síntese; assim, in casu, não se justifica qualquer convite ao Recorrente, designadamente para sintetizar as suas conclusões.
Sustenta ainda a Autora que o Recorrente também não deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640º do Código de Processo Civil pois não indica os concretos meios de prova que impunham decisão diferente salvo o depoimento de parte do legal representante da Autora, limitando-se a emitir opiniões sobre a convicção do tribunal e a mencionar pequenos excertos da gravação.
Vejamos então se deve rejeitar-se o recurso na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil que dispõe que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

De acordo com este preceito é de exigir ao recorrente que obrigatoriamente especifique:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- Quando a impugnação dos pontos da decisão da matéria de facto se baseie em provas gravadas deverá ainda indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder se o entender à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O legislador impõe de forma expressa ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar e o incumprimento do ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
A este propósito escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, página 133) que “O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)” mas também que importa que “não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” e que, por outro lado, “quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afetados (…)”.
Temos entendido como essencial que das conclusões formuladas pelo recorrente constem efectivamente os pontos da matéria de facto que impugna e o sentido da decisão que pretende seja proferida; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados todos os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar (v. a este propósito, entre vários outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2019, Relator Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem ainda distinguindo, para efeitos do disposto no referido artigo 640º, a previsão constante das alíneas a), b) e c) do n.º 1 (exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir) considerando que constituem um ónus primário “na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, Relatora Conselheira Rosa Tching, também disponível em www.dgsi.pt) da exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere a alínea a) do nº 2 e que constitui um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Como se afirma no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, salientando-se ainda que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso”.
Analisadas as conclusões do recurso conclui-se que as mesmas não padecem da insuficiência que lhes é apontada pela Recorrida, pois que o Recorrente especifica expressamente o concreto ponto da matéria de facto provada que impugna, percebe-se qual o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida, e qual o meio probatório que impõe decisão diversa relativamente à matéria de facto impugnada (o depoimento do legal representante da Autora que entende não merecer credibilidade).
Entendemos por isso que se deverão considerar-se cumpridos pelo Recorrente os ónus impostos pelo artigo 640º n.º 1 do Código de Processo Civil, não sendo de rejeitar o recurso na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto, pelo que iremos conhecer do mesmo.
Questão distinta é se deve ser alterado o ponto F) da matéria de facto provada no sentido pretendido pelo Recorrente; de facto, manifesta o Recorrente, no essencial, ao longo das suas alegações a sua discordância relativamente à valoração da prova e à convicção formada pelo tribunal a quo, contrapondo a sua própria convicção; mas, e diga-se desde já, a prova há-de ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica.
Conforme decorre do disposto no artigo 607º n.º 5 do CPC a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, página 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas”.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, página 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Obra Cit. página 655). O “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
É, por isso, o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, que está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando “tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto” (Acórdão deste Tribunal de 07/04/2016, disponível em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido salienta Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609) que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
De facto, a questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1.ª Instância quer na Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios.
Tendo por base tais considerandos iremos analisar os argumentos dos Recorrentes.
*
A) Do recurso interposto pelo Réu

Sustenta o Recorrente que houve erro no julgamento quanto ao ponto F) dos factos provados o qual tem a seguinte redacção:

“F) O acordo descrito em C) a E) foi esclarecido e explicado ao réu marido”.

Analisemos então os motivos da discordância do Recorrente começando por referir que o que o mesmo pretende, no essencial, é que não devia ter sido dada como provada a versão dos factos apresentada pelo legal representante da Autora de que os termos do contrato foram explicados ao Recorrente, nomeadamente a cláusula 10ª.
Analisando a motivação exposta pelo tribunal a quo, e desde já antecipando a nossa decisão, entendemos não assistir razão ao apelante sendo que as razões invocadas radicam exclusivamente na sua discordância relativamente à credibilidade dada pelo tribunal a quo ao depoimento do legal representante da Autora, em detrimento, aliás, das declarações prestadas pelo próprio Recorrente.
O tribunal a quo, na análise da prova produzida em audiência, equacionou a prova testemunhal produzida, bem como a prova documental e as declarações prestadas pelo legal representante da Autora e pelo Réu.
E fê-lo de forma crítica e fundamentada, esclarecendo através de raciocínio lógico a forma como formou a sua convicção, especificando os fundamentos decisivos para a formação da mesma e justificando os motivos da sua decisão, designadamente porque deu mais credibilidade às declarações prestadas pelo legal representante da Autora do que às declarações prestadas pelo Réu, e esclarecendo de forma fundamentada os motivos da opção tomada; não sem que tenha também salientado que foram estes os únicos intervenientes quer na outorga do acordo em causa, quer na sua negociação.

Conforme se pode ler na motivação da sentença recorrida (que aqui transcrevemos na parte que releva):
“A convicção do Tribunal assentou na apreciação dos documentos juntos aos autos, nas declarações de parte e na prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, todos analisados e valorados de acordo com as regras do ónus da prova e das regras de direito material aplicáveis.
Assim, no que concerne ao contrato firmado entre as partes, matéria de facto provada C) a E), valorou o Tribunal o teor do próprio contrato, junto aos autos a fls. 15 e seguintes.
Por outro lado, no que concerne ao contexto em que o acordo escrito foi assinado e ao que lá foi convencionado, valorou o Tribunal as declarações de partes prestadas pelo legal representante da autora e pelo réu marido.
Assim, atendeu o Tribunal ao depoimento de M. C., que explicou que foi contactado pelo sr. M. G., também conhecido pelo “M.”, para ir a casa dos réus fazer um furo, uma vez que tinha tentado fazer um poço, mas o terreno tinha muita pedra e não conseguia.
Nesse seguimento, deslocou-se ao local e acordou com o réu marido a realização dos trabalhos, asseverando que combinaram quer o preço, e atestando que trabalhavam ao metro, e que “não dão garantia de água”,
Explicou que passados uns dias, voltou à residência do autor já com os documentos para preencher e assinaram o contrato na mesa da sala, asseverando que o réu marido leu o contrato e asseverando ainda que lhe falou da cláusula penal e da necessidade de pagamento a pronto do preço.
Por outro lado, mais se valorou o depoimento do réu marido G. A. que sobre este aspeto defendeu que assinou os documentos todos em branco, negando ter sido informado de qualquer das cláusulas do acordo em causa.
Contrapondo os depoimentos em causa e tendo sido as partes as únicas intervenientes quer na outorga do acordo em causa, quer na sua negociação, dúvida não há em depositar confiança no depoimento do legal representante da autora.
É que, desde logo, em face do próprio aspeto dos documentos em causa, da forma como o texto está organizado, é patente que os mesmos não foram assinados quando o resto do documento estava em branco.
De resto, a própria circunstância de ser pedido ao réu que assinasse dezenas de páginas em branco, seria uma circunstância que faria qualquer pessoa duvidar da bondade de tal pedido e, em consequência, a tal não aceder.
Depois, valora-se ainda o facto de o depoimento do réu, nesta parte, não corresponder sequer à alegação que é feita na contestação, onde se defende que o contrato foi junto com os documentos atinentes à licença e assinado “inconscientemente”, o que, salvo o devido respeito, também não faz sentido em face do documento concreto em causa, já que do cabeçalho do mesmo consta, em letras garrafais “contrato de empreitada”.
Por oposição, o depoimento do legal representante da autora foi mais claro, genuíno e, como tal, credível.
Assim sendo, a versão alegada pelos réus não mereceu qualquer credibilidade para o Tribunal, julgando-se como provada a matéria alegada pela autora atinente ao documento em causa – Matéria de Facto provada C) a F) (…).”
Ouvido o depoimento do legal representante da Autora, mas também as declarações prestadas pelo Réu, e considerado o teor do contrato assinado pelas partes, entendemos que a prova produzida não aponta em sentido diverso ou impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª Instância. Pelo contrário, não vemos como não dar credibilidade ao depoimento do legal representante da Autora, em detrimento das declarações prestadas pelo Recorrente as quais, analisada a prova e considerando o próprio contrato, não se afiguram efectivamente credíveis, assim se compreendendo, aliás, que o Recorrente na sua impugnação omita qualquer referência às suas próprias declarações.
Ora, importa salientar desde logo que a prova tem de ser analisada de forma critica na sua globalidade, não bastando invocar pequenas referências às declarações prestadas; e, ouvido integralmente o depoimento prestado pelo legal representante da Autora, conjugando-o com a prova documental e contrapondo-o com a versão apresentada pelo Réu, entendemos não ser o mesmo passível de ser desvalorizado como pretende o Recorrente, sendo certo que pequenas hesitações ou até mínimas contradições não são sinónimo de falta de credibilidade, tendo em consideração que os factos ocorreram em outubro de 2018 e o depoimento foi prestado em 08 de Setembro de 2020, não tendo sido este, seguramente, o único contrato celebrado pela Autora; estranho seria, e menos credível, se os factos fossem apresentados como uma narrativa previamente elaborada.
E quanto ao facto do legal representante da Autora ter mencionado a cláusula penal de 18%, e não a de 12%, é compreensível uma vez que apenas aquela se encontra em discussão nos autos atenta a mora dos Réus no pagamento do preço; importa ainda referir que o fez de forma absolutamente espontânea e contextualizada, na sequência de ter afirmado que explicou que o pagamento tem de ser a pronto (o que consta também do contrato), esclarecendo os motivos porque assim tem de ser: grande parte do custo é em combustível que a Autora tem também de pagar logo pois ninguém fornece combustível a 30 dias (no máximo consegue a 10 dias).
Inexiste, por isso, qualquer fundamento para alterar o ponto F) dos factos provados.
*
A) Do recurso interposto pela Autora

Sustenta a Recorrente que o ponto J) dado como provado e a fundamentação e conclusão constante da douta sentença de que não houve desistência pelo Réu se apresenta contraditória devendo, nesta parte, deverá ser anulada, ao abrigo do artigo 662º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, que o ponto J) é ambíguo e contraditório e que existe manifesta contradição entre o ponto N) dado como provado e o ponto 1) dado como não provado.
Entende que da conjugação da prova testemunhal, das declarações do legal representante da Autora e do Réu, e da prova documental se deve concluir que a obra se encontrava inacabada, devendo merecer prova positiva o ponto 1) e alterada a redacção do ponto J) para que passe a constar o seguinte: “Sucede que quando a perfuração de 140 mm atingia já a profundidade de 197 metros, o R. solicitou e ordenou à A. que parasse a execução desse furo não o encamisando, argumentando que o furo não dava água com o caudal que tinha sido garantido pela A., em consequência o mesmo ficou inacabado”.
Sustenta ainda Recorrente que teve um prejuízo e que deve ser dado como provado o ponto 2) uma vez que face à não conclusão do furo decidiu abater €5,00 por metro linear do tubo de 140 mm PVC, peticionando um valor mais baixo pela execução do serviço efectuada.
Entende a Autora que com base na prova documental, na prova testemunhal, nomeadamente nas declarações das testemunhas L. F. e I. S., e nas declarações de parte do legal representante da Autora deve ser dada como provada a existência de prejuízo.
Importa começar por referir que o artigo 662º do Código de Processo Civil se reporta à modificabilidade da decisão de facto e que na alínea c) do n.º 2 deste preceito se prevê a possibilidade de anular a decisão proferida na 1ª instância mas apenas quando não constem do processo todos os elementos que permitam alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto quando a Relação considere deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.
Ou seja, relativamente à decisão sobre pontos determinados da matéria de facto que se revelem deficientes, obscuros ou contraditórios, a Relação deve supri-los desde que constem dos autos todos os elementos que o permitam, apenas podendo anular a decisão quando tal não acontecer.
Ora, in casu, nada justifique a anulação da sentença nos termos pretendidos pela Recorrente.
Contudo, entendemos que lhe assiste razão quando sustenta que deve julgar-se provado que o furo se encontrava inacabado.

A este propósito o tribunal a quo consignou na motivação a sentença recorrida que:
“Igualmente se julga não provado que o furo estivesse inacabado, já que, como melhor se exporá mais à frente, tendo as partes acordado na realização de uma pesquisa de água e posterior encamisamento, não tendo resultado que houvesse água que justificasse a finalização do furo, é manifesto que não se ode concluir que o furo tivesse inacabado”.
Porém, o facto do furo se encontrar inacabado não tem a ver com o justificar-se ou não o seu acabamento e nem com o enquadramento jurídico que irá ser considerado; aliás, se é de concluir não se justificar a sua finalização é porque o mesmo não foi concluído [como considerou o tribunal a quo no ponto N)], logo ficou por acabar.

Deve pois eliminar-se o ponto 1) dos factos não provados e altera-se a redacção do ponto J) nos seguintes termos:
“J) Sucede que quando a perfuração de 140 mm atingia já a profundidade de 197 metros, o R. solicitou e ordenou à A. que parasse a execução desse furo não o encamisando, argumentando que o furo não dava água com o caudal que tinha sido garantido pela A., ficando o mesmo inacabado.”
Quanto ao prejuízo invocado pela Autora, o tribunal a quo julgou não provado que ao impedir a conclusão da obra, o Réu tenha causado à Autora um prejuízo no montante de €985,00, correspondente a €5,00x197 metros de tubo, descontado pela não conclusão da obra.
E julgou provado que face à não conclusão do furo, na emissão da fatura referida em L), a Autora decidiu abater €5,00 por metro linear do tubo de 140 mm PVC [cfr. ponto N)].
O prejuízo que a Autora invoca corresponde ao desconto que efectuou ao emitir a factura (o que decorre ainda de forma linear das declarações prestadas pelo legal representante da Autora).
Assim, em face da matéria de facto julgada provada, determinar se a Autora teve prejuízo e se os Réus devem ser condenados no seu pagamento é questão a apreciar e decidir em sede de direito.
Deve, por isso, eliminar-se o ponto 2) dos factos não provados, não sendo de aditar qualquer novo ponto à matéria de facto provada.
*
Pelo exposto, determina-se a alteração do ponto J) dos factos provados e a eliminação dos pontos 1) e 2) dos factos não provados, passando a julgar-se provada e não provada a seguinte matéria de facto:

“Factos provados
(Da petição inicial)
A) A A. é uma sociedade comercial anónima cujo objeto social consiste, entre outros, na atividade de execução de furos para captação de águas, montagem de bombas.
B) No exercício da respetiva atividade, a A., no início do mês de Outubro de 2018, negociou com o R. marido a execução pela autora de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, num prédio de sua propriedade, sito na freguesia de ..., concelho de Vila Verde.
C) E, nessa sequência, por documento escrito, datado de 17 de Outubro de 2018, denominado “Contrato de Empreitada”, no qual intervêm a autora e o réu marido, declaram ambos que celebram “de boa fé, o presente contrato de empreitada para sondagem hidrogeólica com equipamento de roto percussão a ar comprimido que se rege pelo caderno de encargos anexo ao presente contrato e que dele faz parte.”, conforme documento junto aos autos a fls. 15, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
D) Do documento consta ainda “Caderno de Encargos”, onde declaram as partes que “A empreita da a que se refere este Caderno de Encargos consiste na execução de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação definitiva caso as condições hidrogeológicas assim o permitam. (...)
A posição de perfuração no terreno será indicada pelo dono da obra e esta é da sua inteira responsabilidade, pelo que a empresa não tem nenhuma responsabilidade quanto à escolha do local de perfuração. (...)
O dono da obra poderá mandar parar a perfuração sempre que o desejar, independentemente de haver resultados de pesquisa ou não, tendo que pagar os trabalhos efetuados a pronto.
O dono da obra obriga-se a pagar a totalidade dos metros perfurados, independentemente de conseguir revestir a perfuração na sua totalidade (...)
A obrigação do empreiteiro é de meios e não de resultados. (...)
9º Preços e pagamentos
Os preços praticados pela empresa são so da tabela de preços por metros em anexo;
Aos preços acordados acresce IVA à taxa legal em vigor.
Os pagamentos deverão ser efetuados a pronto e na sequência da execução dos trabalhos, exceto se outras condições vierem a ser definidas nas Condições especiais.
10ª Penalidades
O incumprimento do acordo de pagamento superior a 15 dias e até 60 dias, implica uma cláusula penal correspondente a um acréscimo de 12 % do valor da faturação e o incumprimento de valor superior a 60 dias, implica um acréscimo de 18% do valor da faturação. (...)” conforme documento junto aos autos a fls 15, 16 e 19, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
E) Do acordo escrito faz parte ainda um documento denominado “Preço por metro”, do qual consta:
− 30,00 € por metro linear para perfuração de alargamento e encamisamento em Tubo de Isolamento PVC de 225 mm x 1.0 mpa (Leva este tubo enquanto houver terra);
− 50,00 € por metro linear para perfuração de alargamento e encamisamento em Tubo de Isolamento PVC de 280 mm x 1.0 mpa (Leva este tubo enquanto houver terra);
− 30,00 € por metro linear para a roto-perfuração de 7” com revestimento de 140 mm x 0,6 mpa, ao qual acrescia 5,00 €, 10,00 € ou 15,00 €, consoante as características do terreno aconselhassem utilizar tubo de 0,75 mpa, 1,0 mpa ou 1,0 mpa georroscado, respetivamente;
− 100,00 € para a instalação de areão silicioso;
− 100,00 € para a impermeabilização betuminosa,
− e 50,00 € para o relatório final”, conforme documento junto aos autos a fls. 19v, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
F) O acordo descrito em C) a E) foi esclarecido e explicado ao réu marido.
G) Por efeito do acordo descrito em C) a E), a A. fez deslocar para o prédio do R. todo o equipamento de perfuração e o pessoal manobrador necessário à execução da obra.
H) Foi realizada perfuração de alargamento e isolamento em tubo PVC de 225 mm x1.0 Mpa até à profundidade de 16 metros,
I) Depois do alargamento, isolamento e encamisamento de 225 mm, foi realizada roto-perfuração de 7” até à profundidade de 197 metros,
“J) Sucede que quando a perfuração de 140 mm atingia já a profundidade de 197 metros, o R. solicitou e ordenou à A. que parasse a execução desse furo não o encamisando, argumentando que o furo não dava água com o caudal que tinha sido garantido pela A., ficando o mesmo inacabado.”
K) Por efeito dessa ordem, no decurso daquele mês de Outubro de 2018, a A. procedeu à remoção de todos os equipamentos de perfuração.
L) A A. emitiu e remeteu ao réu a Fatura FA 2018/94, datada de 22/10/2018, vencida na mesma data, na quantia global de 6.648,15 €, correspondente aos trabalhos e bens prestados, e enviou-a para a morada do R., solicitando o respetivo pagamento, conforme documento junto aos autos a fls. 20, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
M) A qual veio devolvida com a menção “Não atendeu”, conforme documento junto aos autos a fls. 21 cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
N) Face à não conclusão do furo, na emissão da fatura referida em L), a autora decidiu abater 5,00 € por metro linear do tubo de 140 mm PVC.
O) Em virtude de ter sido enviada pelo correio em carta registada com aviso de receção e a mesma não ter sido rececionada e vir devolvida, conforme combinado entre as partes, a fatura dos serviços prestados pela A. ao R., foi entregue aos sogros daquele em mão no dia 22/10/2018.
P) O R. G. A. casou com a R. M. F. a 4 de Fevereiro de 1995, sem convenção antenupcial, conforme assento de casamento junto aos autos a fls. 27, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
*
Factos não provados
(Da contestação)

1) Foi acordado verbalmente entre ambas as partes que a Autora furaria até aos 80 metros de profundidade, garantindo que a esta profundidade já teria água suficiente.
2) Assim, a Autora iniciou os trabalhos em 17 de outubro de 2018, garantindo que na próxima sexta-feira (dia 19) já teria água e o poço a funcionar.
3) Acontece que, chegados a sexta-feira e aos 82 metros de profundidade, ainda não tinham encontrado água.
4) E uma vez que o Réu regressaria aos E.U.A. no dia seguinte, perguntou ao funcionário do Autora, cujo nome desconhece, se aconselhava ou não a continuar a furar.
5) Ao que o funcionário aconselhou a continuar, pois teria água aos 100 metros, o qual acedeu por confiar nos técnicos conhecedores da arte.
6) Chegados aos 100 metros de profundidade, não havia sinal de água, apenas de terra seca.
7) Ainda assim, e bem sabendo que o Réu tinha regressado, entretanto aos Estados Unidos da América, a Autora continuou a furar sem consultar o Réu.
8) Apenas aos 160 metros, quando o sogro do Réu e um amigo verificaram o local, pediram à Autora para parar as máquinas pois era notório que só saía pó seco e não haveria água.
9) Ainda assim, continuaram a furar até aos 197 metros, altura em que o representante legal da Autora ordenou efetivamente que parassem de furar.
***
3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Mantendo-se inalterado, com exceção da redacção do ponto J) que para o efeito nada releva, o quadro factual julgado provado pelo Tribunal a quo, importa agora apreciar se deve manter-se a decisão jurídica da causa, começando por analisar os demais fundamentos constantes da apelação do Réu.
De facto, tendo improcedido a pretensão do Recorrente quanto à reapreciação da matéria de facto e mantendo-se inalterado o ponto F) é inquestionável que não pode proceder a pretensão do Recorrente quando pretende ver excluída do contrato de empreitada a cláusula penal por ser nula face ao disposto nos artigos 5º e 6º do Regime das Clausulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro).
A sua pretensão dependia essencialmente, mesmo do ponto de vista do próprio Recorrente, que a matéria de facto constante do ponto F) dos factos provados fosse julgada não provada, isto é que se considerasse não provado que o acordo celebrado, em particular a clausula 10ª onde se mostra estabelecida a cláusula penal, foi esclarecido e explicado ao Réu marido.
Não vem questionada no recurso a qualificação do contrato de empreitada efectuada pelo tribunal a quo como um contrato de adesão; foi considerado na sentença recorrida que, atentas as características do contrato, resulta que o mesmo estava previamente redigido pela Autora e que as suas cláusulas estruturais não estão sujeitas a negociação (embora outras cláusulas haja sujeitas a negociação particular).
Assim, pelo tribunal a quo foi convocado o Regime das Clausulas Contratuais Gerais, em particular o disposto nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, normas a que faz apelo o Recorrente.
Conforme decorre do artigo 5º “1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
Estabelece ainda o artigo 6º que “1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”.
Por sua vez, o artigo 8º dispõe que se consideram excluídas dos contratos singulares: a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.
Ora, no caso concreto, considerando a matéria de facto provada, não merece censura a sentença recorrida que concluiu que tendo a Autora logrado provar que “O acordo descrito em C) a E) foi esclarecido e explicado ao réu marido” [cfr. ponto F) dos factos provados] a cláusula em causa se mostra válida.
Improcede, por isso, a pretensão do Recorrente de ver excluída do contrato a clausula 10ª, onde se encontra acordada a cláusula penal.
Em face do exposto, e tendo também decaído a pretensão do Recorrente de ver declarada nula a sentença recorrida, improcede integralmente o recurso da Réu.
As custas deste recurso são da responsabilidade do Réu/Recorrente em face do seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
*
Do recurso subordinado da Autora

O recurso da Autora, tal como por esta delimitado, prende-se com a qualificação jurídica constante da sentença recorrida, que considera ter feito interpretação incorrecta e incompleta do direito, designadamente quanto à apreciação da invocada desistência pelo dono da obra e à indemnização pelo interesse contratual positivo, face ao disposto no artigo 1229º do Código Civil, e quanto à mora/perda do interesse do credor e direito da Autora à resolução do contrato e com a questão dos juros de mora que entende serem devidos relativamente à quantia fixada a título de cláusula penal.
Sustenta a Recorrente que, por qualquer uma das referidas vias, deve a sentença ser alterada e condenados os Réus ao pagamento integral da quantia peticionada pela Autora de €9.052,94.
Vejamos se lhe assiste razão.
Não vem colocada em causa a qualificação do acordo celebrado entre as partes como um contrato de empreitada.
Resulta do preceituado no artigo 1207º do Código Civil que empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.
In casu, estamos perante um acordo celebrado pelas partes, negociado no início do mês de outubro de 2018 e reduzido a escrito em 17 de outubro de 2018, denominado “Contrato de Empreitada”, tendo por objeto a execução pela Autora de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, num prédio propriedade dos Réus, sito na freguesia de ..., concelho de Vila Verde.
Temos, por isso, como certa, a qualificação do contrato como de empreitada.
Do contrato consta ainda que “O dono da obra poderá mandar parar a perfuração sempre que o desejar, independentemente de haver resultados de pesquisa ou não, tendo que pagar os trabalhos efetuados a pronto” e que “O dono da obra obriga-se a pagar a totalidade dos metros perfurados, independentemente de conseguir revestir a perfuração na sua totalidade (...)”.
Por efeito do acordo celebrado a Autora deslocou para o prédio todo o equipamento de perfuração e o pessoal manobrador necessário à execução da obra, realizou perfuração de alargamento e isolamento em tubo PVC de 225 mm x1.0 Mpa até à profundidade de 16 metros, depois do alargamento, isolamento e encamisamento de 225 mm, foi realizada roto-perfuração de 7” até à profundidade de 197 metros.
Quando a perfuração de 140 mm atingia já a profundidade de 197 metros, o Réu solicitou e ordenou à Autora que parasse a execução desse furo não o encamisando, argumentando que o furo não dava água com o caudal que tinha sido garantido pela Autora. Por efeito dessa ordem, no decurso daquele mês de Outubro de 2018, a Autora procedeu à remoção de todos os equipamentos de perfuração e veio a emitir a Fatura FA 2018/94, datada de 22/10/2018, vencida na mesma data, na quantia global de €6.648,15, correspondente aos trabalhos e bens prestados, na qual, face à não conclusão do furo, decidiu abater €5,00 por metro linear do tubo de 140 mm PVC.
O tribunal a quo entendeu como cumprida a obrigação da Autora com a execução do furo, podendo os réus ordenar a interrupção do furo quando assim o entendessem, considerando não haver qualquer desistência.
É contra este entendimento que se insurge a Autora.
A desistência da empreitada pelo dono da obra encontra-se prevista no artigo 1229º do Código Civil que estabelece que “O dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”.
Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume II, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1997, página 908) a “desistência por parte do dono da obra não corresponde a uma revogação ou resolução unilateral, nem, rigorosamente, a uma denúncia do contrato, dados os efeitos prescritos neste artigo (…) Trata-se, pois, de uma situação sui generis, que não corresponde a nenhuma daquelas figuras, e cujo objectivo é apenas o de dar ao dono da obra a possibilidade de não prosseguir com a empreitada, interrompendo a sua execução para o futuro, o que pode ter a sua justificação nas mais variadas causas: mudança de vida, alteração das condições económicas, etc. (…), ou de prosseguir nela, mas com outro empreiteiro, ou de realizar a obra por outra forma (…) A lei não exige forma especial para a desistência. Trata-se de uma declaração negocial que pode ser feita por qualquer dos meios admitidos (cof. art. 217.º). Pelo que respeita, porém, à prova da extinção da empreitada por desistência do dono da obra, há que atender, quanto às testemunhas, ao disposto no artigo 395.º, se o acto tiver sido reduzido a escrito”.
A este propósito escreve Pedro Romano Martinez (Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, página 173), que a “desistência por parte do dono da obra é uma faculdade discricionária, não carece de fundamento, apresenta-se como insusceptível de apreciação judicial e não carece de qualquer pré-aviso” e tem eficácia ex nunc, considerando-a uma situação sui generis, algo intermédio entre a revogação e a denúncia (ob. cit. página 174).
Por outro lado, decorre também do referido artigo 1229º, 2.ª parte, que em caso de desistência do dono da obra, assiste ao empreiteiro não só o direito a ser indemnizado dos seus gastos e trabalho mas também do proveito que poderia tirar da obra.
O que se pretende é permitir ao dono da obra que possa obstar à realização da obra, sem prejuízo do empreiteiro.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit. páginas 908 e 909) “A indemnização devida pelo dono da obra incide, em primeiro lugar, sobre os gastos e trabalho. (…) 6. A determinação do proveito que o empreiteiro poderia tirar da obra terá por base a obra completa e não apenas o que foi executado. É àquela, ou melhor, à parte que falta realizar (visto os gastos do empreiteiro e o seu trabalho já estarem compreendidos na verba anterior: n.º 5) que se refere a parte final do artigo 1229.º. Terá, pois, de se atender, para este efeito, ao custo global da empreitada e ao preço fixado. Da subtracção destas duas verbas resultará o lucro”.

Para a determinação da indemnização devida ao empreiteiro pelo dono da obra desistente “importa ponderar duas vertentes:
(i) Por um lado, os gastos e trabalhos já suportados pelo empreiteiro à data da desistência, independentemente do preço convencionado, sem se atender à utilidade que a parte executada possa ter para o dono;
(ii) Por outro lado, ao proveito que o empreiteiro deixou de tirar com a realização completa da obra, a apurar pela diferença entre o custo global da obra e o preço convencionado” (Acórdão do Sopremo Tribunal de Justiça de 15/04/2015, Processo n.º 2986/08.8TBVCD.P1.S1, Relator Conselheiro Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, resulta demonstrado que a Autora realizou perfuração de alargamento e isolamento até à profundidade de 16 metros, depois do alargamento, isolamento e encamisamento de 225 mm, e roto-perfuração de 7” até à profundidade de 197 metros, e que quando a perfuração de 140 mm atingia já a profundidade de 197 metros, o Réu solicitou e ordenou à Autora que parasse a execução do furo não o encamisando, tendo a Autora procedido à remoção de todos os equipamentos de perfuração.
Conforme havia sido acordado entre as partes, o Réu podia efetivamente mandar parar a perfuração quando o desejasse, independentemente de haver resultados de pesquisa ou não, tendo que pagar os trabalhos efetuados a pronto; tendo-se também obrigado a pagar a totalidade dos metros perfurados, independentemente de conseguir revestir a perfuração na sua totalidade.
Mostra-se, assim, expressamente prevista no contrato de empreitada celebrado entre Autora e Réu a possibilidade de desistência da empreitada pelo dono da obra; na verdade, ainda que a Autora não se tivesse comprometido com a descoberta de água, mas apenas a executar uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, a ordem do Réu (dono da obra) para parar o furo não o encamisando não pode deixar de ser entendida, salvo melhor opinião, como desistência da empreitada, isto é da execução/finalização do furo.
Contudo, e no caso concreto, entendemos também que a qualificação jurídica adotada acaba por não relevar tendo em vista a pretensão da Autora.

Vejamos.

A Autora veio peticionar a condenação dos Réus no pagamento:

i) da quantia de €6.648,15 correspondente aos trabalhos e bens prestados e ao valor da fatura FA 2018/94, datada de 22/10/2018 (cfr. artigo 30 da petição inicial), tendo na emissão da factura, face à não conclusão do furo, decidido “abater” €5,00 por metro linear do tubo de 140 mm PVC (cfr. artigo 31º da petição inicial);
ii) na quantia de €985,00, correspondente a 5,00 € * 197 metros de tubo descontado pela não conclusão da obra, a título de prejuízo causado pelo dono da obra ao impedir a sua conclusão (artigo 48º da petição inicial);
iii) e na quantia de €1.196,67 a título de clausula penal face ao não pagamento superior a 60 dias.
Ora, o tribunal a quo condenou os Réus a pagarem à Autora a quantia de €7.844,82, correspondente à soma da quantia devida pela execução dos trabalhos no montante de €6.648,15 (valor da fatura emitida pela Autora), acrescida da cláusula penal no montante de €1.196,67.
Assim, e na perspectiva da pretensão Autora, apenas está em causa neste momento a quantia de €985,00 que peticionou a título de prejuízo pela não conclusão da obra, e que no presente recurso pretende ver indemnizada, em primeira linha, pelo interesse contratual positivo, face ao disposto no artigo 1229º do Código Civil.
É certo que este preceito prevê que o empreiteiro seja indemnizado dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra, sendo de ponderar na determinação da indemnização os gastos e trabalhos já suportados pelo empreiteiro à data da desistência e também o proveito que o empreiteiro deixou de tirar com a realização completa da obra, a apurar pela diferença entre o custo global da obra e o preço convencionado.
E é certo também, que no contrato de empreitada celebrado se mostra acordado que o Réu, podendo mandar parar a perfuração quando o desejasse, teria que pagar os trabalhos efetuados a pronto.
Porém, o que a Autora pretende não é verdadeiramente obter a condenação dos Réus no pagamento do prejuízo que teve pela não conclusão da obra, mas sim no pagamento da quantia de €985,00 que descontou ao emitir a fatura correspondente aos trabalhos e bens prestados.
Conforme resultou provado face à não conclusão do furo, na emissão da fatura a Autora decidiu abater 5,00 € por metro linear do tubo de 140 mm PVC [ponto N) dos factos provados].
O que está, por isso, em causa, tal como bem refere o tribunal a quo é o desconto que a Autora decidiu aplicar ao preço acordado: “tendo decidido aplicar o desconto, não pode a autora vir depois sustentar ter um prejuízo nessa mesma medida. Ou, de outra forma, esse “prejuízo” só a si é imputável, na medida em que foi quem decidiu pratica-lo”.
Assim, independentemente da qualificação jurídica, não podemos deixar de concordar com o decidido em 1ª instância ao considerar que não é devido o valor de €985,00 peticionado a título de prejuízo.
Não podemos, contudo, deixar de qualificar no mínimo como incompreensível o comportamento da Autora ao vir peticionar tal valor; de facto, ouvidas as declarações do seu legal representante é manifesta a vontade da Autora em aplicar o desconto de €5,00 (faturando a €25,00 e não a €30,00) por não ter encamisado. É, por isso, incompreensível, que tendo decidido proceder ao referido desconto pretenda agora que o mesmo seja considerado prejuízo e obter a condenação dos Réus no seu pagamento.
Por último, importa apreciar a questão dos juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia fixada a título de cláusula penal, que a Autora entende serem devidos.
Conforme já referido (a propósito da análise da questão da nulidade da sentença) a decisão recorrida condenou os Réus a pagar à Autora a quantia €7.844,82 sem qualquer referência a juros de mora, sendo certo que a Autora formulou o seguinte pedido a título de juros: “quantia esta que, em todos os casos, deve ainda ser acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal fixada para as operações de natureza comercial, sobre a quantia de 6.648,15 € até à data do efectivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências, designadamente quanto a custas e procuradoria”.
Quanto aos juros vencidos e vincendos sobre o valor da fatura de €6.648,15 entendeu o tribunal a quo não serem devidos por não serem cumuláveis a cláusula penal acordada pelas partes que considerou, e bem, ter natureza moratória.

Nos termos do artigo 810º n.º 1 do Código Civil as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.
Segundo Pinto Monteiro (Cláusula Penal e Indemnização, Almedina,1990, página 259) este preceito estabelece uma modalidade de cláusula penal, de cláusula de liquidação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização: o objetivo das partes é, neste caso, calcular o montante do dano previsível, aceitando ambas que a indemnização a pagar será a que tiver sido previamente acordada entre si, independentemente da extensão concreta do dano efectivo.
O principal objectivo da cláusula penal “é evitar dúvidas futuras e litígios entre as partes quanto à determinação do montante da indemnização. Muitas vezes, porém, ela é fixada com o carácter de verdadeira penalidade, ou, ao contrário, com o intuito de por um limite à responsabilidade, nos casos em que os danos possam atingir proporções exageradas em relação às previsões normais dos contraentes. Também pode servir para atribuir carácter patrimonial a prestações que o não têm” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição Revista e Atualizada, página 74).
Conforme decorre do preceituado no n.º 1 do referido artigo 810º a cláusula penal é fixada por acordo das partes, o que ocorre segundo o princípio da liberdade contratual (cfr. artigo 405º do Código Civil), estando contudo sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal, sendo nula se for nula esta obrigação (n.º 2 do artigo 810º) e podendo ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade (artigo 812º).
De referir ainda que o conceito amplo de cláusula penal compreende duas modalidades: as cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias.
A cláusula penal, que fixa a indemnização, pode ser ainda compensatória ou moratória. Como ensina Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6ª edição, página 448): “A cláusula penal pode ser estabelecida para o incumprimento (definitivo) do contrato ou para a simples mora. A primeira diz-se cláusula penal compensatória; a segunda cláusula penal moratória”.
No caso dos autos é manifesto que está em causa uma cláusula penal moratória: estabelecida para o incumprimento do acordo de pagamento superior a 15 dias e até 60 dias (cláusula penal correspondente a um acréscimo de 12 % do valor da facturação) e para o incumprimento de valor superior a 60 dias a implicar um acréscimo de 18% do valor da faturação.
Ora, a lei não permite cumular a cláusula penal e a indemnização, segundo as regras gerais, precisamente porque aquela implica fixar a indemnização a forfait.
Por isso, destinando-se a cláusula penal, in casu, a fixar a indemnização pela mora no pagamento não pode cumular-se, tal como decidido em 1ª instância, com os juros de mora.
Questão distinta é a de saber se, não sendo pago o montante da cláusula penal, podem incidir juros de mora sobre essa parte prestação, conforme sustenta a Recorrente.
Uma vez comprovada a validade e exigibilidade da prestação pecuniária em que se consubstancia a cláusula penal, do seu incumprimento (mora) emerge um dano autónomo, não consumido por ela, e, por isso, ressarcível através dos juros de mora, inexistindo razões para afastar o regime do artigo 806º n.º 1 do Código Civil, que estabelece que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Na verdade, a mora do devedor constitui-o na obrigação de reparar os danos causados ao credor (cfr. artigo 804º do Código Civil) e o pagamento dos juros de mora sobre o montante da cláusula penal não pode ser entendido como “dano excedente” para efeitos do disposto no artigo 811º do Código Civil. Segundo dispõe este preceito o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação (n.º 1), obstando o estabelecimento da cláusula penal a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes (n.º 2), não podendo o credor em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal (n.º 3).
Entendemos, contudo, que o pagamento de juros não constitui “dano excedente”, devendo a mora no pagamento da cláusula penal conferir ao credor o direito aos juros moratórios.
Foi este também o entendimento do tribunal a quo que considerou que enquanto prestação pecuniária, a Autora teria direito aos juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia estabelecida a título de cláusula penal; entendeu, no entanto, que a Autora não o peticionou no pedido formulado, mas apenas sobre a quantia de capital.
Conforme decorre da petição inicial, o pedido formulado pela Autora a título de juros foi o seguinte: “quantia esta que, em todos os casos, deve ainda ser acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal fixada para as operações de natureza comercial, sobre a quantia de 6.648,15 € até à data do efetivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências, designadamente quanto a custas e procuradoria”.
É manifesto que a Autora só peticionou juros de mora sobre a quantia de €6.648,15, até à data do efectivo e integral pagamento, e já não sobre a prestação devida a título de cláusula penal.
A referência efetuada a “em todos os casos” invocada pela Autora refere-se às pretensões deduzidas pela Autora, seja a título principal seja a título subsidiário, pois que quanto aos juros de mora apenas os peticiona “sobre a quantia de 6.648,15 € até à data do efetivo e integral pagamento”.
Ora, como já referimos, não pode o tribunal condenar em quantitativo superior ou objecto diverso do pedido (cfr. artigo 609º n.º 1 do Código de Processo Civil); de referir ainda relativamente o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14/05/2015 que uniformizou a jurisprudência nestes termos: “Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros”.
Não tendo a Autora formulado na petição inicial pedido de juros de mora sobre a quantia devida a título de cláusula penal mas apenas sobre o capital de €6.648,15, não podia o tribunal a quo, e nem pode esta Relação, condenar os Réus no seu pagamento.
Improcede, por isso, também integralmente o recurso da Autora.
As custas deste recurso são da responsabilidade da Autora/Recorrente (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º nº. 7 do Código do Processo Civil):

I - O tribunal, em regra, não só não pode conhecer senão das questões que lhe tenham sido colocadas pelas partes, como também não pode decidir ultrapassando os limites do pedido que foi formulado, sob pena da decisão ficar afectada de nulidade.
II - A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objecto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
III - Contudo é lícito ao tribunal, “através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter”.
IV - A desistência da empreitada pelo dono da obra, prevista no artigo 1229º do Código Civil, é uma faculdade discricionária que não carece de fundamento e nem de qualquer pré-aviso, apresenta-se como insusceptível de apreciação judicial e tem eficácia ex nunc.
V - Em caso de desistência do dono da obra, assiste ao empreiteiro não só o direito a ser indemnizado dos seus gastos e trabalho mas também do proveito que poderia tirar da obra, pretendendo-se permitir que o dono da obra possa obstar à realização da mesma, mas fazendo-o sem prejuízo do empreiteiro.
VI - Destinando-se a cláusula penal a fixar a indemnização pela mora no pagamento (cláusula penal moratória) não pode cumular-se com os juros de mora.
VII - Contudo, uma vez comprovada a validade e exigibilidade da prestação pecuniária em que se consubstancia a cláusula penal, do seu incumprimento (mora) emerge um dano autónomo, não consumido por ela, e, por isso, ressarcível através dos juros de mora.
VIII - O pagamento de juros de mora sobre o montante da cláusula penal não deve ser entendido como “dano excedente” para efeitos do disposto no artigo 811º do Código Civil, devendo a mora no pagamento da cláusula penal conferir ao credor o direito aos juros moratórios.
IX – Contudo, não tendo a Autora formulado na petição inicial pedido de juros de mora sobre a quantia devida a título de cláusula penal mas apenas sobre o capital, não pode o tribunal condenar os Réus no seu pagamento.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedentes o recurso do Réu e o recurso subordinado da Autora, confirmando-se a sentença recorrida.
As custas dos recursos são integralmente da responsabilidade dos respectivos Recorrentes.
Guimarães, 29 de abril de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)