Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
49/16.1T8MDL-B - G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: TÍTULO CAMBIÁRIO
AVAL
FIANÇA
PRESCRIÇÃO DO TÍTULO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: O fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário.
O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos.
Este tem a sua razão de ser no título cambiário e cessa quando este título desaparece do mundo jurídico o que acontece quando prescrita a obrigação cartular o titulo cambiário é dado à execução como mero quirografo.
A prestação de um aval ao aceitante de uma letra pode ter subjacente uma fiança que visa garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o aceitante da letra do negócio jurídico subjacente ao aceite.
Todavia para assim se entender, necessário se torna a alegação e prova, por parte da exequente, de que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, i.e., que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental.
Decisão Texto Integral: - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I.RELATÓRIO

Executada/Oponente /Recorrente:
L, melhor identificada nos autos supra identificados.
**
Exequente/Oponido /Recorrido:
B, melhor identificado nos autos supra identificados


Nos autos supra identificados apresentou a executada oposição mediante embargos à execução que lhe foi movida pelo B.
Alega para tanto que a presente execução para pagamento da quantia certa, foi instaurada no dia 21/01/2016 e que a data de vencimento da livrança aposta no título é de 03/01/2013, verificando-se assim que o prazo de três anos, referido no artigo 70.º da LULL, se encontra decorrido.
Mais refere que o Exequente refere na enunciação dos factos que “. constam exclusivamente do titulo ora dado à execução” sendo que, do próprio titulo, consta apenas a menção a “titulação de contrato credito pessoal … 2212899812”.
Assim, considera aquela que as duas frases reproduzidas abrangem toda a alegação vertida pelo Oponido no seu requerimento relativamente à relação subjacente à livrança que ofereceu à execução, sendo que aquela não engloba a ora Oponente, respeitando somente à executada M.
Alega ainda que o Oponido concedeu o empréstimo apenas à Executada M e a vinculação da Oponente L funda-se exclusivamente na prestação de aval, e que para que o título dado à execução avocasse força executiva contra a avalista, a declaração, por esta, aposta no seu verso teria que incorporar um sentido de constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, o que considera não ter sido feito e como tal conclui pela procedência da excepção invocada e consequentemente peticiona extinção da execução por falta de título.
Por sua vez o Exequente/oponido reconhece a prescrição, mas refere que tal não impede que a mesma seja válida não enquanto título cambiário, mas enquanto mero quirógrafo.
Alega ainda que é totalmente falso que do próprio título consta apenas a menção titulação de contrato de crédito pessoal ILS 2212899812; refere assim que para além da titulação do contrato, do título se extrai que o mesmo foi emitido em Mirandela em 02.03.2007, assim como a data do seu vencimento em 03.01.2013, data em que a quantia em dívida para com o Banco Exequente ascendia ao valor de € 16.037,07. Acresce ainda que, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 724º do CPC, o Exequente, no requerimento executivo, dirigido ao Tribunal de execução, “expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo” requisito este que o Oponido considera estar preenchido pois o pedido consiste na cobrança da importância correspondente à quantia exequenda, assim como os factos que fundamentam o pedido encontram-se sinteticamente descritos no próprio título, dispondo este de toda a informação necessária (local e data de emissão, quantia em dívida, data do respectivo vencimento, bem como a identificação do contrato de crédito subjacente).
Conclui peticionando a improcedência da excepção.

Em sede de audiência prévia e após tentativa de conciliação que se revelou infrutífera foi proferido despacho saneador no qual se afirmou que o tribunal é o competente, o processo encontra-se isento de nulidades, as partes têm personalidade, capacidade e legitimidade, estando devidamente representadas.
Seguiu-se a apreciação da invocada excepção de prescrição considerando-a procedente. Quando à alegada falta de titulo executivo foi a mesma considerada improcedente. Fixou-se o valor da causa, o objecto em litigio e os temas de prova, admitiu-se a prova indicada e designou-se dia para audiência de julgamento.

Descontente com esta decisão veio a executada/oponente interpor recurso de apelação, o qual foi admitido com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.

*

Nas alegações de recurso da apelante são formuladas as seguintes conclusões:
1.A apelada apresentou como título executivo a livrança junta aos autos a fls. 10 e 11, (figurando como subscritora a executada M e como avalista a aqui apelante), enquanto titulo cambiário;
2.Acha-se prescrita a obrigação cartular constante da livrança;
3.Não pode o título cambiário prescrito valer como título executivo enquanto mero quirógrafo da obrigação, por ser inadmissível tal alegação em fase ulterior à apresentação do requerimento executivo, designadamente em sede de contestação aos embargos de executado, como é o caso, porque tardia, sob pena de violar o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 703º do CPC;
4.Não tendo relativamente à avalista/embargante sido alegada no requerimento executivo nenhuma relação subjacente à subscrição da livrança prescrita, nem nada constando do título para além da aposição do aval, deverá concluir-se que a livrança prescrita nunca poderá valer como título executivo quanto àquela;
5.A decisão recorrida ao transformar a embargante/avalista em fiadora, realiza uma modificação que não lhe é legalmente permitida e com isso, violou a decisão, por erro de interpretação e aplicação o preceituado nos artigos 77º e 70º da L.U.L.L.
6. A apelante apenas apôs a sua assinatura na livrança, enquanto e na qualidade de avalista, o que resulta do título dado à execução e do contrato de crédito, jamais prestou, ou quis prestar fiança.

Não temos conhecimento de que tenham sido apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como resulta do disposto nos art.°s 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como se extrai das conclusões acima transcritas cumpre:
-. Reapreciar a decisão jurídica da causa, mais precisamente, apreciar se existe titulo executivo relativamente à oponente.

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II.FUNDAMENTAÇÃO
OS Factos:
Com relevância para apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados documentalmente (documentos juntos a estes autos) assim se sanando a nulidade de falta de fundamentação de facto existente na decisão recorrida ao abrigo do disposto no artº 665 nº1 do C.P.C:
- Na execução comum para pagamento de quantia certa de que estes autos são um apenso, instaurada pelo exequente, foi dada à execução uma livrança, que apresenta no seu rosto a menção “Titulação de Contrato Crédito Pessoal ILS 2212899812”, onde consta como subscritora M, no valor facial de €16.037,07 com data de emissão de 2007/03/02 e de vencimento de 2013/01/03, e em cujo verso consta, sob a expressão “Bom para aval” uma rubrica que a executada/embargante L assume como sendo da sua autoria.
- No requerimento executivo a exequente fez constar que:
(..)
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa- Letras, livranças e cheques.
Titulo Executivo: Livrança
Factos:
Os factos constam exclusivamente do titulo dado à execução.

- A livrança supra referida foi emitida e entregue ao exequente, com os espaços reservados à indicação do montante e data de vencimento em branco, para garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas pela respectiva subscritora no âmbito de um contrato de abertura de crédito pessoal com o número 2212899812 celebrado em 02 de Março de 2007 e corporizado no escrito constante de fls. 44 a 48 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
A executada e a avalista autorizaram o exequente a proceder ao preenchimento da aludida livrança livremente, designadamente, quanto à data de emissão, montante em divida, data de vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente ao da divida vencida e não paga, acrescida dos juros até à data fixada para o respectivo vencimento e do imposto devido pelo preenchimento da livrança- cláusula 9ª do contrato supra referido.

O Direito:

Estando processualmente adquirido que a livrança não obedecia aos requisitos indispensáveis para valer como título cambiário, literais e abstractos, - estando nomeadamente a obrigação cambiária há muito prescrita – a questão que se coloca é a de saber se prescrita a acção cambiária, o portador legítimo da livrança pode fazê-la valer como mero quirógrafo relativamente ao avalista?
Como resulta do nº 1 do artigo 45º do Código de Processo Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da execução.
O título executivo pode ser definido como o documento donde resulta a exequibilidade de uma pretensão e, por conseguinte, a possibilidade da realização coactiva da correspondente prestação através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal.
A acção executiva visa, pois, a realização coactiva de uma prestação ou de um seu equivalente pecuniário.
A exequibilidade da pretensão, na qual se contém a faculdade de exigir a prestação, e, portanto, a possibilidade de realização coactiva desta prestação, deve resultar do título, devendo esta incorporar o direito do credor de obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação.
Nos casos em que o documento que serve de suporte ao accionamento executivo não incorpora a faculdade de exigir o cumprimento de uma prestação, o título correspondente é extrinsecamente inexequível.
Por outro lado, a exequibilidade intrínseca diz respeito à obrigação exequenda e às suas características materiais. Esta obrigação tem, desde logo, de subsistir no momento da execução: se tiver sido atingida por qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo que possa ser alegado pelo executado, a sua exequibilidade intrínseca tem-se por excluída.
A inexequibilidade extrínseca - do título - e intrínseca - da obrigação exequenda - constituem idóneo fundamento de oposição à execução.
Estabelece o artigo 703 do CPC (aqui aplicável porque a execução foi instaurada após a entrada em vigor da Lei 41/2013 de 26 de Junho) a regra da tipicidade, ao dispor que à execução apenas podem servir de base os títulos ali enumerados.
De entre os vários títulos previstos no citado normativo, interessa para o caso em análise o mencionado na alínea c), ou seja, os títulos de crédito ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo sob pena de não puderem servir de fundamento à execução (artº 729 al) a segunda parte do CPC).
No caso vertente estamos perante uma livrança que, conjuntamente com outros documentos, nomeadamente um contrato de crédito pessoal celebrado entre a exequente e a executada Maria Manuela Fernandes foram dados à execução como títulos executivos.
No referido titulo a exequente é a sacadora e portadora do mesmo e nele a executada/apelante apôs o respectivo aval.
Estamos, portanto, no domínio das chamadas relações imediatas, porque estabelecidas entre os sujeitos cambiários, isto é, sem intermediação de outros intervenientes cambiários.
Tudo se passa, neste caso, em princípio, como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, passando a relevar o conteúdo da convenção extra-cartular.
Não se questiona nos autos que a obrigação cartular esteja prescrita, atentas as datas do vencimento da livrança e a data da interposição da acção executiva e tendo em consideração o disposto no artigo 70º da LULL.
Tal significa que a livrança dada à execução perdeu a sua natureza cambiária.
Coloca-se, então, a questão de saber se perante o que foi alegado no requerimento executivo pode o título cambiário prescrito valer como título executivo enquanto mero quirógrafo da obrigação?
Considerando que estamos a apreciar esta questão colocados na posição da avalista a nossa resposta não pode deixar de ser negativa.
De efeito, seguimos o entendimento de que nas obrigações abstratas a individualização da obrigação exequenda basta-se com a exibição do documento que serve de título executivo, pois a obrigação exequenda está neste incorporada e decorre da assinatura aposta pelo respectivo signatário na qualidade em que o subscreve, ficando deste modo identificado o negócio cambiário, fonte da obrigação exequenda; diferentemente nas obrigações causais, a individualização desta obrigação só acontece com a indicação dos factos constitutivos do dever de prestar.
Por isso, um titulo executivo relativo a uma obrigação causal, como é o título de crédito quirográfico, exige sempre a indicação dos respectivos factos constitutivos, porque sem estes a obrigação exequenda não fica individualizada. Indicação esta que tem de ser feita no requerimento executivo e não noutra fase processual mormente na contestação dos embargos sob pena de violar o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 703º do CPC.
No caso em apreço e quanto à recorrente consta como causa de obrigação o aval.
É costume definir o aval como o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou livrança garante o pagamento dela por parte de um dos subscritores (art.º s 30 e 77 da LULL).
Extintas as respectivas obrigações cambiárias pela prescrição, há que apurar se subsiste algum tipo de obrigação causal a partir da aludida formulação.
Afigura-se-nos que não.
E dizemo-lo sem qualquer dúvida porque o aval é um tipo de vinculação que se esgota no título cambiário, não sobrevivendo a este se a obrigação do avalista estiver ferida de morte, como é o caso de ter sido declarada prescrita nos termos dos artºs 71 e 77 da LULL.
Escreve o Professor Ferrer Correia, (“Letra de Câmbio", pág. 196), que "o fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário".
Com efeito, o aval é uma forma de obrigação única ou específica do título cambiário, a ele não se sobrepondo uma qualquer fiança do respectivo dador, como relação jurídica subjacente.
Como bem anota a recorrente não há nenhuma relação fundamental ou causal do aval. Este tem a sua razão de ser no título cambiário e cessa quando este título desaparece do mundo jurídico.
Não se ignora que já se produziu alguma jurisprudência e mesmo doutrina que propendeu a ver no aval uma figura decalcada da fiança do direito civil, sustentando que aquele se apresentava essencialmente como uma fiança, aplicando-se-lhe os princípios reguladoras desta “desde que disposições cambiárias da lei cambiária os não afastem de modo explícito”.
Este decalque foi, todavia, desmontado pelo Prof. Ferrer Correia Lições de Direito Comercial, Lex, ed. de 1994, p. 522 e seguintes do seguinte modo:
“Mas tão pouco a teoria da fiança (a qual se pode dizer que é latina, enquanto a anterior é germânica) justifica cabalmente o regime jurídico do aval. Ela não explica porque é que nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica à do avalista (art.º 32 da LULL); a este só aproveita aquela nulidade que proceder de um vício de forma. Não assim na fiança: na fiança, a nulidade da obrigação principal aproveita ao fiador. É a doutrina do art.º 632 do Cód. Civil, que só conhece uma excepção: o caso de incapacidade do obrigado. Também a teoria da fiança não nos explica o direito de regresso do avalista contra os signatários anteriores ao avalizado. (…). Temos, portanto, de concluir que o aval, sendo uma garantia, não é rigorosamente uma fiança (…)”.
E não podendo sobejar do aval uma fiança, como negócio jurídico que lhe estaria subjacente, nenhuma relação obrigacional ou reconhecimento de dívida se pode extrair da fórmula “Bom para aval”, a qual não é passível de comportar um reconhecimento de dívida fora da vinculação e significação que lhe é emprestada pela Lei Uniforme, mais precisamente nos respectivos art.º 30 a 32.
Como se afirma no douto Acórdão da Relação de Lisboa de 29.09.2011 relatado pela Desembargadora Teresa Prazeres Pais, proferido no processo nº 2161/06.6 TCSNT-A.L1-8 a propósito da distinção entre fiança e o aval “ a mera descrição exemplificativa de alguma das fontes das obrigações garantidas e a remissão genérica para todas as operações permitidas em direito pode vir a traduzir-se numa obrigação ilimitada deixando o fiador à inteira mercê do afiançado e do beneficiário da fiança, já o mesmo não se passa no aval, garantia cambiária cuja responsabilidade é determinada pelo próprio título e, se tal for o caso, e pelo pacto de preenchimento acordado pelas partes”.
É certo que a prestação de um aval ao aceitante de uma letra pode ter subjacente uma fiança que visa garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o aceitante da letra do negócio jurídico subjacente ao aceite.
Nos termos do art. 627º CC o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
A fiança implica que haja um segundo património, o património de um terceiro (fiador), que vai, cumulativamente com o património do devedor, responder pelo pagamento da dívida. Deste modo, acresce à garantia patrimonial que incide sobre os bens do devedor uma outra garantia patrimonial sobre os bens do fiador; o credor passa a ter como garantia de cumprimento dois patrimónios: o do devedor e o do fiador.
Todavia para assim se entender, necessário se torna a alegação e prova, por parte da exequente, de que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, i.e., que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental – v. neste sentido Acs. R. P. de 28.05.2009 (Pº 3093/07.6TBSTS), de 10.05.2010 (Pº 1137/06.8TBPMS-A. P1) e de 20.03.2012 (Pº 2590/09.3 TBVLG-A. P1) e Ac. R.L. de 29.09.2011 (Pº 2161/06.6TCSNT-A. L1-8), todos acessíveis no mencionado sítio da Internet.
No caso vertente, e pese embora a exequente haja alegado e provado a celebração de um contrato de crédito pessoal com a executada Maria Manuela Fernandes a verdade é que nada resulta da factualidade alegada, quanto à vontade da executada/oponente Luísa Maria de se obrigar como fiadora, o que significa, em suma, que não está demonstrado, por falta de alegação, que a relação causal do aval radica na existência de uma fiança dada à obrigação assumida pela executada Maria Manuela, alegação e prova essa que se impunha, atenta a extinção da obrigação meramente cartular como a que resulta do aval tanto mais que a vontade de prestar fiança tem de ser expressamente declarada (artº 628º nº1 do CCIV).
Nada referiu a apelada no requerimento executivo a respeito da responsabilidade da oponente pelo cumprimento da obrigação subjacente, mais propriamente, não alegou através de factos concretos que a oponente se assumiu como fiadora pelo cumprimento das obrigações da proponente no contrato de crédito pessoal celebrado com a executada Maria Manuela.
Na contestação aos embargos pretendeu a apelada demonstrar que a oponente teve intervenção no contrato de crédito pessoal que esteve na origem da emissão da livrança.
Referiu para o efeito queSe é verdade que a livrança não se confunde com a obrigação que lhe deu causa, também é verdade que a aqui Opoente, na qualidade de avalista como a própria reconhece no artigo 2º da douta oposição, assinou não só o próprio título cambiário como o contrato de crédito subjacente, motivo pelo qual a própria Opoente juntou o referido documento com a sua oposição (cf. doc. 1 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 18º Dispõe a cláusula 9 do referido contrato que “para titulação do capital emprestado, respectivos juros e demais encargos emergentes deste contrato, o Proponente subscreve uma livrança em branco, avalizada pela pessoa indicada no verso e que abaixo assina, ficando desde já o Banco autorizado a preenchê-la livremente, designadamente quanto à data de emissão, montante em dívida, data de vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente ao da dívida vencida e não paga, acrescida dos juros até à data fixada para o respectivo vencimento e do imposto devido pelo preenchimento da livrança”.
Analisado o teor do contrato conclui-se que a embargante subscreveu o mesmo na qualidade de terceira outorgante, sendo certo que nessa qualidade - terceira outorgante - apenas se assumiu como avalista.
Por isso, é em vão a invocação da intervenção da recorrente no contrato celebrado e no respectivo pacto de preenchimento, ainda que este, como tal, previsse “a faculdade do Exequente, ora Recorrido, em preencher livremente a livrança dada em garantia no referido Contrato” e que “o Banco fica expressamente autorizado a preencher a livrança, nomeadamente no que se refere à data e local de emissão”.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 04.06.2009 (www.dgsi.pt) “Com efeito, o avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos. Sendo, assim, indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento ao preenchimento da livrança, porquanto esse acordo apenas diz respeito ao portador da letra/livrança e ao seu subscritor.”
E no AFJ de 11.12.2012 (DR de 21.01.2013), pelo qual se continua a caracterizar o aval como uma obrigação autónoma e independente em que as “vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária”, definindo-o como “um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, abstracto e com as mesmas características de uma obrigação cambiária”.
Nestes termos, procede a apelação, razão pela qual se revoga a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que se julga procedente a oposição à execução, com as inerentes consequências, maxime, a extinção da execução por falta de titulo quanto á embargante-avalista da livrança.
A apelada será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 542ºº, nºs 1 e 2, do C.P.C.

Sumariando e concluindo:
O fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário.
O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos.
Este tem a sua razão de ser no título cambiário e cessa quando este título desaparece do mundo jurídico o que acontece quando prescrita a obrigação cartular o titulo cambiário é dado à execução como mero quirografo.
A prestação de um aval ao aceitante de uma letra pode ter subjacente uma fiança que visa garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o aceitante da letra do negócio jurídico subjacente ao aceite.
Todavia para assim se entender, necessário se torna a alegação e prova, por parte da exequente, de que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, i.e., que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, que se substitui por outra em que se julga procedente a oposição à execução, com as inerentes consequências, maxime, a extinção da execução por falta de titulo quanto à oponente L avalista da livrança.
Custas pela apelada.


Guimarães, 04 de Abril de 2017
(O presente acórdão compõe-se de dezassete páginas e foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)


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(Maria Purificação Carvalho)
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(Maria dos Anjos Melo Nogueira)

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(José Cravo)

1 - Relator: Maria Purificação Carvalho
Adjuntos: Desembargadora Maria dos Anjos Melo Nogueira
Desembargador José Cravo