Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1046/04-2
Relator: ANÍBAL JERÓNIMO
Descritores: DOAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1ª A impugnação das respostas dadas aos quesitos 3º, 4º, 16º e 18º da base instrutória, referida na 1ª conclusão, carece de qualquer fundamento face à conjugação dos elementos de prova existentes nos autos, e referidos pelo Mmo. Juiz “a quo” na motivação da matéria de facto, com os elementos concretos e decisivos que formaram a sua convicção, segundo o princípio da livre apreciação de prova, da oralidade e da imediação.
2ª Os RR. pretendem no presente recurso demonstrar que têm a posse de todo o prédio urbano em causa, pelo tempo e com as características que os podem ter levado à sua aquisição por usucapião.
3ª Porém, nenhuma testemunha arrolada pelos RR/recorrentes afirmou que a "H" e o A. "A" tivessem doado verbalmente a metade deles do prédio urbano em causa, ao Manuel do N... e à R. "E";
4ª Por outro lado, os RR/recorrentes não impugnaram a resposta de “Não Provado”, ou seja, a resposta negativa dada ao quesito 8º com vista a fazer a prova da inversão do título de posse no prédio em causa, como lhes competia.
5ª O uso do prédio urbano em questão por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tivesse havido inversão de título. (art° 1406°, 2. do Cód. Civil)
6ª A prova documental existente nos autos revela serem AA. e RR. comproprietários do prédio urbano em questão, na proporção de 1/2 para aqueles e 1/2 para estes.( docs. de fls 28 a 33 e 39)
7ª Dos depoimentos gravados resulta que ninguém foi peremptório ou convincente em afirmar que a "H" e o marido tivessem doado a sua parte
8ª Improcedendo a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, também não pode proceder a alteração da decisão recorrida, porque não há elementos para fundamentar tal alteração, não se mostrando violado qualquer preceito legal, designadamente os artºs 653º do Cód. Proc. Civil e 1296º do Cód. Civil.
9ª O Meritíssimo Juiz fundamentou as respostas à base instrutória, indicando todos os elementos concretos e decisivos que formaram a sua convicção, segundo os princípios de livre apreciação de prova, de oralidade e de imediação, dando especial atenção à prova documental.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES


"A", "B", (este representado pelo curador "C") residentes na Rua do ... e "D" e mulher, residentes no lugar das ..., todos de Melgaço, intentaram a presente acção de declaração e condenação, com processo ordinário, contra "E", residente no lugar das ..., Melgaço; "F" e mulher, residentes no lugar de ..., Melgaço; "G" e marido, residentes no lugar do ..., pedindo,
A) Se declare que da herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de "H", faz parte ½ do prédio urbano composto de casa de morada, a confrontar do norte com Conceição I..., sul com caneja, nascente com Rua do C... e poente com muralhas, omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito na respectiva matriz sob o art. ...º, o qual, por isso, sem descriminação de partes, é dos herdeiros da dita "H";
B) Condenarem-se os réus a reconhecerem essa situação.

Alegaram, sumariamente, serem, os únicos herdeiros de "H" e que da herança por óbito desta, ocorrido no dia 8 de Maio de 1988, faz parte a metade do prédio urbano aludido, que acabou, por via hereditária, de entrar na sua posse e detenção.
A totalidade desse prédio foi comprada por António G..., em representação de seus filhos menores, que são a "H" e o seu irmão Manuel do N..., marido e pai dos réus, respectivamente.
Esse prédio ficou a pertencer à "H" e ao Manuel do N..., na proporção de metade para cada um deles, e, nessa condição, se mantiveram na composse, pública pacífica, exclusiva e contínua, durante mais de 40 anos, do mesmo prédio, habitando a casa, ou permitindo que outros o fizessem, melhorando-a e conservando-a, com ânimo de exercerem os poderes correspondentes ao direito de compropriedade.
Essa composse continuou, após o passamento da "H" e do Manuel do N..., a ser exercida pelos respectivos cônjuges e filhos daqueles.
Sucede que os réus deram em propalar que o imóvel em causa lhes pertence na totalidade, pelo que, perante essa atitude, os autores se viram na contingência de recorrer a esta acção de forma a obterem a declaração peticionada.

Devidamente citados os réus contestaram, começando por impugnar os factos articulados pelos autores, esclarecendo que a metade do prédio em causa nos autos foi doada, verbalmente, pela "H" e marido (o autor "A") ao irmão daquela, marido e pai dos réus, o dito Manuel do N... o que ocorreu por volta de Janeiro de 1978.
Desde esta data, o Manuel do N..., que veio a falecer em 27/03/1983, mulher e filhos estiveram na posse pública, pacífica, contínua, exclusiva, de boa fé e em nome próprio de todo o prédio. No mesmo efectuaram obras de vulto, que consistiram na remoção e reconstrução total do interior, cobertura e acessos, arranjo e aperfeiçoamento das paredes exteriores, uma vez que o dito prédio não tinha as mínimas condições de habitação, estava totalmente degradado.
Estas obras, e outros melhoramentos que, ao longo dos tempos, os réus foram efectuando, custaram aos réus mais de 1.500.000$00 e trouxeram ao prédio um valor actual de cerca de 7.500 a 8.000.000$00, sendo certo que antes das obras, em 1977, o seu valor não ultrapassaria os 20.000$00 e hoje, a manter-se no estado em que estava, não valeria mais de 500.000$00.
Invocando a aquisição originária, por usucapião, formulam pedido reconvencional de reconhecimento e declaração de que, em comum, são donos e legítimos possuidores do prédio em litígio.
De igual modo, na qualidade de reconvintes, e em termos de pedido subsidiário, caso a sua pretensão inicial não proceda, pedem a condenação dos autores no pagamento de metade do valor das benfeitorias realizadas no prédio.

Os autores replicaram, impugnando a matéria de excepção e os factos relativos à matéria da reconvenção.
Concluíram como na petição inicial e pela improcedência dos pedidos reconvencionais.

Entretanto, ocorreu a morte da ré "E" e do interveniente "B", tendo ocorrido os respectivos incidentes de habilitação de herdeiros e declarados habilitados para prosseguirem na acção nos seus lugares, respectivamente, os restantes réus e os autores.

Saneados e condensados os autos, procedeu-se a julgamento, respondeu-se à matéria de facto com reclamação, que foi deferida e depois foi proferida decisão que julgou parcialmente procedentes, por provadas, a presente acção e a reconvenção e, em consequência:

a) Declarou que da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de "H", faz parte metade (1/2) do prédio urbano composto de casa de morada, a confrontar do norte com Conceição I..., sul com caneja, nascente com Rua do C... e poente com muralhas, omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito na respectiva matriz sob o art...., o qual, por isso, sem descriminação de partes, é dos herdeiros da dita "H".
b) Condenou os autores "A", e "D" e mulher, na qualidade de únicos e legais representantes da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de "H", a pagar aos reconvintes "F", e "G", a quantia de 2.500.000$00, ou seja, € 12.469,94, a título de metade do valor das benfeitorias realizadas na casa dos autos.
c) Julgou improcedentes os demais pedidos formulados.

Inconformados com esta decisão, apelaram os Réus e subordinadamente os Autores, vindo estes a desistir do recurso a fls. 307.

Os Réus, nas alegações de recurso, deduzem as seguintes

CONCLUSÕES:

1 – O presente recurso apenas visa alterar a matéria de facto, respeitante ao elemento “animus sibi habendi”, dos RR. sobre o prédio em litígio.
2– Deverão alterar-se as respostas aos quesitos, 3, 4, 16 e 18 da base instrutória, no sentido referido no ponto 2.1, de modo a
3 – Ficar expresso que, quando da projecção e realização das obras pelos RR. e seus pais, se verificou a inversão do título de posse.
4 – Posse que, desde essas obras – 1977 e 1978 – até hoje, sempre foi levada a cabo pelos RR. e seus antecessores, na firme convicção de que toda a casa lhes pertencia, por lhes haver sido doada.
5 – Todos os vizinhos partilham da mesma convicção.
6 – E a prova indiciária aponta no mesmo sentido.
7 – Não só foram os AA. a incentivar o Manuel G... e candidatar-se ao apoio do Fundo de Fomento à Habitação, como foi o A. "D" , quem tratou da parte burocrática.
8 – O qual, apesar de reconhecer que a candidatura ao apoio daquele Fundo se podia fazer como mero ocupante, procedeu à candidatura do Manuel G..., como “dono” do prédio.
9 – E, dos termos da candidatura e do próprio “contrato de concessão de empréstimo”, deduz-se, segura e nitidamente, que se trata de reparação de todo o prédio pertencente (todo) aos RR. “apesar de recuperação no seu prédio”.
10 – De facto, a não existir cedência da ½ da casa, deveria dizer-se no referido contrato, o prédio de que é comproprietário ou compossuidor ou mesmo do prédio que irá ocupar.
11 – Mas não se diria, como realmente se diz: “no seu prédio”.
12 – Os AA. apesar de ricos e poderosos, não lograram arranjar uma única testemunha – que demonstrasse qualquer interesse seu, posse ou qualquer outra manifestação de composse ou de compropriedade sobre aquele prédio.
13 – Os RR. arrolam e inquiriram 7 testemunhas e, se necessário, poderiam arrolar os demais vizinhos, que prestaram os depoimentos transcritos.
14 – As testemunhas dos RR. são seus vizinhos e do prédio em litígio, estão de boas relações com os RR., e não têm qualquer interesse na causa.
15 – São, pois, pessoas credíveis e depuseram com total isenção e demonstrando um perfeito conhecimento dos factos.
16 – As críticas dos AA. referidas nos pontos 15.1 e 16, são totalmente impertinentes, pelas razões já aduzidas.
17 – Deverão alterar-se as respostas aos quesitos referidos, no sentido indicado.
18 – Em consequência, deverá o pedido reconvencional principal proceder inteiramente.
19 – A decisão recorrida violou o disposto no artº.s 653º do CPC e 1.296º do CC.

Pede que seja revogada a douta decisão recorrida e que seja substituída por outra que julgue procedente a acção.

Houve contra alegações a pugnar pela decisão recorrida.

Colhidos os VISTOS, cumpre decidir.

FACTOS DADOS COMO PROVADOS

1º Do matrimónio composto por António G... e Maria J..., já falecidos, nasceram "H", falecida em 8 de Maio de 1988, e Manuel do N..., falecido em 27 de Março de 1983
2º A "H" casou, em 2 de Março de 1948, com o autor "A", em primeiras e únicas núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral de bens.
3º Desse casamento nasceram os seguintes filhos: o autor "D", nascido a 5 de Fevereiro de 1948, casado com a autora Maria E..., em primeiras e únicas núpcias de ambos e sob o regime da comunhão de adquiridos, por casamento datado de 11 de Agosto de 1973; e o interveniente "B", nascido a 6 de Agosto de 1953 (falecido na pendência do processo, em 24 de Dezembro de 2002).
4º Os bens pertencentes à herança aberta por óbito de "H" não foram ainda partilhados pelos seus herdeiros, os autores "A", "D" e o "B".
5º Manuel do N... casou em 1 de Outubro de 1967 com a ré "E" (entretanto falecida na pendência do processo, em 17 de Março de 2002), em primeiras e únicas núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral de bens.
6º Desse casamento nasceram os seguintes filhos: os réus "F" e mulher de "G".
7º Os laços de amizade que ligavam a "H" e o seu irmão eram muito fortes, como eram estreitas as relações dos autores "A" e "D" com o Manuel do N....
8º Existe na Rua do ..., Melgaço, um prédio urbano composto de casa de morada, a confrontar do norte com Conceição I..., sul com caneja, nascente com Rua do ... e poente com muralhas, omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito na respectiva matriz sob o art. ....
9º Em 28 de Julho de 1943, António G..., em representação dos seus filhos "H" e Manuel do N..., então menores, comprou esse prédio aos seus legítimos donos e possuidores, Manuel G... e Florinda R..., pagando o imposto de sisa correspondente, pese embora não tenha sido celebrada a respectiva escritura.
10º Em 1977, esse mesmo prédio estava degradado, não tinha condições de habitabilidade, já que dentro das paredes de pedra, sujas e deterioradas, apresentava apenas uma espécie de barracão, de rés-do-chão e andar, funcionando no andar uma minúscula cozinha, um quarto de dormir e uma sanita, que lançava os dejectos para o rés-do-chão, onde eram cobertos com palha ou mato.
11º Manuel do N... candidatou-se junto do Fundo de Fomento da Habitação a empréstimo para recuperação de prédios degradados, amortizável em 12 anos e com juros baixos, com vista à recuperação do prédio descrito, empréstimo que lhe foi concedido em 1978, pelo valor de 200.000$00, conforme contrato de fls. 80 e 81, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
12º Tal empréstimo foi tramitado em grande parte pelo autor "A".
13º O dinheiro do empréstimo foi aplicado pelo Manuel G... na recuperação do imóvel.
14º Nesse imóvel, a partir de 1978, foram realizadas, pelo menos, as seguintes obras: as paredes exteriores foram limpas, picadas, com juntas tomadas a cimento e nelas foram abertas 3 janelas, uma a nível do 1º andar e duas ao nível do rés-do-chão; foram colocadas placas de cimento, no rés-do-chão, andar e suporte do telhado, em substituição da madeira podre existente; no rés-do-chão foi construída uma cozinha, uma casa de banho, um quarto e um pequeno hall de entrada; no andar foram construídos dois quartos e uma sala; foram construídas escadas de acesso interior do rés-do-chão para o andar, e também escadas exteriores de acesso ao andar, sobre as quais foi construído um quarto de arrumos.
15º A ré "E" habitou no imóvel descrito, pelo menos, desde 1978 e durante cerca de 10 anos.
16º Da relação de bens apresentada por "E", na Repartição de Finanças de Melgaço, por óbito de seu marido Manuel do N..., fazia parte metade (1/2) do imóvel descrito.
17º Nos autos de inventário com o n.º 8/83, que correram termos neste Tribunal de Melgaço por óbito do referido Manuel do N..., fazia também parte metade do mesmo imóvel, que foi adjudicado aos seus únicos herdeiros; à viúva na proporção de metade (1/2), e a cada um dos filhos na proporção de um quarto (1/4).
18º Da relação de bens apresentada na Repartição de Finanças de Melgaço, por óbito de "H", fazia parte metade (1/2) do dito imóvel.

O DIREITO

Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões das alegações do recorrente fixam o objecto e âmbito do recurso, o que tem sido entendido, de uma maneira geral, pela Doutrina e pela Jurisprudência (CJ-Ac.- STJ- ano III- 1995, pág. 63; CJ- 1993, Tomo V- 107).
O presente recurso tem como escopo principal a alteração da matéria de facto das respostas aos quesitos 3º,4º, 16º e 18º, com as necessárias consequências, designadamente, a falta do elemento “animus sibi habendi”, dos RR. sobre o prédio em litígio.
Pergunta-se nestes quesitos:
3º E com ânimo de sobre o imóvel exercerem os poderes de compropriedade?
4º Após os falecimentos de "H" e Manuel do N..., os seus cônjuges e filhos continuaram a praticar os actos supra descritos?
16º Como únicos donos e sem pagar qualquer renda ou prestar quaisquer contas a quem quer que seja?
18º Agindo na convicção de exercerem direito próprio, sobre todo o prédio?
Foram as seguintes as respostas:
3º - Provado.
4º- Provado apenas que, após o falecimento do Manuel N..., o seu cônjuge e filhos continuaram a praticar esses actos.
16º - Provado, com excepção de “ como únicos donos”
18 – Provado o que consta da resposta ao quesito 3º.
Dadas as respostas positivas, com as pequenas restrições referidas haverá fundamento para a alteração dessas respostas no sentido pretendido?
Vejamos:
Os elementos existentes nos autos e referidos na motivação da matéria de facto a fls. 264 e seguintes relativamente a estas respostas são pertinentes e tornam inconsistentes as ilações tiradas da prova indiciária.
De harmonia com o princípio da prova livre consagrado no art.º 655º do C.P.C., o tribunal aprecia livremente as provas e responde aos quesitos em sintonia com a convicção que tenha formado acerca de cada facto quesitado, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta formalidade não pode ser dispensada.
Decorre deste princípio o regime geral da imodificabilidade das respostas aos quesitos por parte da Relação, só sendo lícito alterar tais respostas nas hipóteses taxativamente enumeradas no n.º 1 do art.º 712º do C.P.C..
Como mostra a acta da audiência de julgamento de fls.255 e segs. encontram-se gravados os depoimentos das testemunhas aí inquiridas.
O Meritíssimo Juiz fundamentou as suas respostas à base instrutória, apresentando uma motivação de matéria de facto, à qual nenhum reparo há a fazer, indicando todos os elementos, concretos e decisivos, que formaram a sua convicção, segundo o princípio de livre apreciação de prova, de oralidade, e da imediação.
A prova documental foi relevante. Além disso, nos TRIBUNAIS SUPERIORES, vem-se decidindo no sentido de valorar também a imediação e a oralidade, onde intervêm inúmeros elementos imponderáveis, resultantes da impressão colhida pelo julgador no contacto directo que com eles estabeleça, elementos esses insusceptíveis de explicação racional e de fixação num relato escrito que das provas se faça (comentário do Prof. Alberto dos Reis, in. Cód. Proc. Civil Anotado Vol. IV, pág. 566).





Diz-se na decisão recorrida que a prova produzida vai, até, no sentido de que houve da parte dos réus, e do Manuel do N..., a consciência de que a casa não era só deles, tendo-se apurado que a ocuparam com o assentimento da "H" e do "A" e com o ânimo de sobre a mesma exercerem os direitos de comproprietários e, perante a factualidade provada, parecem manifestamente preenchidos os dois elementos da posse: o corpus, uma vez que autores e réus/reconvintes, aqueles por intermédio destes, vêm fruindo e usando o prédio em causa, exercendo certos poderes de facto sobre o mesmo, de forma reiterada, durante algum tempo, mais de 30 anos, por si e antecessores, de forma pública e pacífica, e o animus, uma vez que o fazem na convicção de que o mesmo lhes pertence, que é de sua compropriedade, sendo inquestionável a usucapião.
Salienta também a sentença que “estamos em presença de uma posse titulada, uma vez que os autores e os réus/reconvintes adquiriram o prédio em causa nos autos por via sucessória ou hereditária – forma idónea e legítima para provocar uma aquisição - e já a "H" e o Manuel G... haviam adquirido esse prédio por compra, sendo certo que autores e réus sucederam na posse destes (cfr. art.ºs 1255º e 1259º do C.C.). Também essa posse se apresenta como pacífica, pública e de boa fé, que até se presume (cfr. art.ºs 1260º, 1261 e 1262º do C.C.).”
Por isso conclui que “tendo em atenção os prazos da usucapião previstos nos art.ºs 1294º e 1296º do C.C., não restam quaisquer dúvidas que os autores e os réus/reconvintes adquiriram por via originária o direito de propriedade sobre o prédio aludido, na medida correspondente, isto é, a compropriedade.”, pertencendo a metade indivisa aos Autores e a outra metade aos Réus, pelo que estes estão obrigados a respeitar esse direito (absoluto), abstendo-se da prática de quaisquer actos que de alguma forma o perturbem ou impeçam – art. 1403º, n.º 1 e 1405º, n.º 1, do C.C. – pelo que se não justifica a sua peticionada condenação a reconhecer aquele direito.

Em conclusão:

1ª A impugnação das respostas dadas aos quesitos 3º, 4º, 16º e 18º da base instrutória, referida na 1ª conclusão, carece de qualquer fundamento face à conjugação dos elementos de prova existentes nos autos, e referidos pelo Mmo. Juiz “a quo” na motivação da matéria de facto, com os elementos concretos e decisivos que formaram a sua convicção, segundo o princípio da livre apreciação de prova, da oralidade e da imediação.
2ª Os RR. pretendem no presente recurso demonstrar que têm a posse de todo o prédio urbano em causa, pelo tempo e com as características que os podem ter levado à sua aquisição por usucapião.
3ª Porém, nenhuma testemunha arrolada pelos RR/recorrentes afirmou que a "H" e o A. "A" tivessem doado verbalmente a metade deles do prédio urbano em causa, ao Manuel do N... e à R. "E";
3ª Por outro lado, os RR/recorrentes não impugnaram a resposta de “Não Provado”, ou seja, a resposta negativa dada ao quesito 8º com vista a fazer a prova da inversão do título de posse no prédio em causa, como lhes competia.
4ª O uso do prédio urbano em questão por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tivesse havido inversão de título. (art° 1406°, 2. do Cód. Civil)
5ª A prova documental existente nos autos revela serem AA. e RR. comproprietários do prédio urbano em questão, na proporção de 1/2 para aqueles e 1/2 para estes.( docs. de fls 28 a 33 e 39)
6ª Dos depoimentos gravados resulta que ninguém foi peremptório ou convincente em afirmar que a "H" e o marido tivessem doado a sua parte
7ª Improcedendo a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, também não pode proceder a alteração da decisão recorrida, porque não há elementos para fundamentar tal alteração, não se mostrando violado qualquer preceito legal, designadamente os artºs 653º do Cód. Proc. Civil e 1296º do Cód. Civil.
7ª O Meritíssimo Juiz fundamentou as respostas à base instrutória, indicando todos os elementos concretos e decisivos que formaram a sua convicção, segundo os princípios de livre apreciação de prova, de oralidade e de imediação, dando especial atenção à prova documental.

Não colhem, pois, as conclusões dos recorrentes.

Nestes termos, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao Recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.


Guimarães, 20 de Setembro de 2004