Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2325/22.5T8VRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
DENÚNCIA DE CONTRATO
CLÁUSULA RESCISÓRIA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Do regime do contrato de trabalho desportivo resulta de alguma forma a impossibilidade de o praticante desportivo/trabalhador denunciar, sem mais, o contrato. Contudo, o regime prevê a possibilidade de denúncia do contrato, desde que o trabalhador/jogador proceda ao pagamento à entidade empregadora de uma indemnização.
II - Perante a cessação ilícita do contrato de trabalho da iniciativa do praticante está em causa o valor da indemnização a pagar ao clube desportivo, o qual deverá ser determinado atendendo ao montante previsto na cláusula de rescisão, que se fez constar do contrato.
III - A cláusula de rescisão não é mais do que verdadeira cláusula liberatória ou desvinculatória, estando-se assim perante um mecanismo que se destina ao incremento da liberdade de desvinculação dos desportistas.
IV - Perante cláusulas de rescisão de valores astronómicos o n.º 2 do art.º 25 do RJCDT permite a redução equitativa do montante pré-estabelecido, se ele for manifestamente excessivo, designadamente tendo em conta o período contratual já decorrido, o montante da retribuição paga ao praticante ou a verba que, eventualmente, o empregador tenha despendido para conseguir a sua contratação, pois parece-nos óbvio que se o empregador que investe na aquisição de um determinado praticante, o montante da cláusula de rescisão deverá ser mais elevado do que a cláusula de rescisão de um praticante que aufira uma retribuição mais modesta e que tenha sido contratado a custo zero.
V – Praticando o 2.º Réu uma actividade desportiva (jogador de futebol), sob a autoridade e direcção do clube 1.º Réu, recebendo deste uma contrapartida monetária (€400,00) e ainda alojamento e alimentação é de concluir estarmos perante um contrato de trabalho, sendo certo que competia ao 1.º Réu ilidir a presunção (nomeadamente alegando e provando que aquele jogador tinha outra fonte de rendimentos, designadamente laboral, que consubstanciava o seu principal meio de subsistência), o que não fez.
VI - Tendo o 1.º Réu/Empregador antes de contratar o jogador se certificado que aquele não se encontrava inscrito a favor de nenhum outro clube, nem havia registo de qualquer contrato outorgado entre o jogador e qualquer outro clube de futebol, tal factualidade é suficiente para afastar a presunção de que o novo empregador interveio na cessação unilateral e sem justa causa do contrato que o jogador mantinha com o anterior empregador desportivo.
VII - Não tendo o 1.º Réu induzido o praticante desportivo/jogador a incumprir os seus compromissos contratuais, uma vez que não teve qualquer participação, nem perturbou, nem inviabilizou o normal desenvolvimento daquela primeira relação jurídica, mostra-se ilidida a presunção a que alude o n.º 1 do art.º 26.º do RJCDT e não há lugar à responsabilidade solidária.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

FUTEBOL CLUBE T..., com sede na Rua ..., ... ... instaurou acção declarativa comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CENTRO DESPORTIVO E CULTURAL DE EMP01..., com sede no Estádio ..., Apartado ...9, ... EMP01... e AA, com domicílio no Estádio ..., Apartado ...9, ... EMP01... e pede:

a) que ser reconhecida a cessação, unilateral e sem justa causa, do contrato por parte do Réu AA     
b) que se condene os Réus a pagar ao Autor a importância de €50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescida de juros moratórios que se vencerem até efectivo e integral pagamento.

Tal como consta da sentença recorrida, alega, em síntese e com interesse, que em 15/12/2021 celebrou com o réu AA um acordo, nos termos do qual este se obrigou a exercer, sob a sua autoridade e direcção, as funções de futebolista, pelo período compreendido entre 01/07/2022 e 30/06/2023, mediante o pagamento de uma remuneração no valor anual líquido de €10.000,00. A partir de 11/07/2022 o réu AA deixou de comparecer no local de trabalho, sem qualquer justificação para a sua ausência, para além de ter apurado que o réu AA foi inscrito como atleta do réu EMP01... para o período compreendido entre 30/08/2022 e 30/06/2023. A conduta do réu AA constitui abandono de trabalho, o que consubstancia uma denúncia ilícita promovida pelo trabalhador, em virtude da qual incorreu o réu AA na obrigação de ressarcir o autor no montante de €50.000,00, a título de indemnização contratualmente prevista pela cessação unilateral e sem justa causa da relação laboral, sendo o réu EMP01... solidariamente responsável enquanto entidade empregadora que contratou o réu AA, nos termos previstos no artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho.
O réu EMP01... apresentou contestação, na qual pugnou pela improcedência das pretensões contra si aduzidas, dizendo que quando firmou com o réu AA um vínculo para a época desportiva 2022/23, desconhecia que este tivesse assinado um contrato de trabalho desportivo com o autor, sendo que se certificou previamente junto da F.P.F. de que o jogador não tinha sido inscrito por nenhum outro clube e que não fora registado um contrato de trabalho desportivo junto daquela entidade. Mais alega que não pode ser considerado entidade empregadora, para efeitos do artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, uma vez que celebrou com o réu AA um contrato amador. O contrato de 15/12/2021 é nulo por não ter sido elaborado em quintuplicado ou pelo menos em triplicado e não terem sido realizadas as comunicações legalmente previstas; em virtude de não ter ocorrido o reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, nem ter sido registado, não tendo o autor comunicado ao I.S.S. a sua celebração; por não ter sido celebrado contrato de seguro de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho que abrangesse o réu AA, como praticante desportivo profissional, com efeitos a partir de 01/07/2022; por o seu objecto ser física e legalmente impossível e contrário aos bons costumes,  em virtude de o autor ter agido com reserva mental; e  por ter sido violado o princípio da liberdade contratual. O autor agiu em abuso de direito, o que obsta à exigência do montante peticionado. Contudo a título subsidiário, defende que o valor da indemnização deve ser reduzido para € 1.000,00, por se afigurar desproporcionado.
O réu AA ofereceu contestação na qual secundou a defesa sufragada pelo réu EMP01....
Os autos prosseguiram os seus trâmites, realizou-se audiência de julgamento e posteriormente foi proferida sentença, a qual culminou com a seguinte decisão:
“Em face do exposto, nos presentes autos de acção declarativa comum, decide-se:
a) Julgar-se reconhecida a cessação, unilateral e sem justa causa, do contrato por parte do Réu AA nos termos supra expostos;
b) Condenar o Réu AA a pagar ao autor FUTEBOL CLUBE T... a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, actualmente de 4 % e contados nos sobreditos termos e até efectivo e integral pagamento;
c) Julgar improcedente o pedido formulado pelo autor FUTEBOL CLUBE T... contra o réu CENTRO DESPORTIVO E CULTURAL DE EMP01..., o qual se absolve em conformidade de tal pretensão;
d) Condenar o autor FUTEBOL CLUBE T... e o réu AA no pagamento das custas da acção, na proporção do respectivo vencimento, que se fixa em 98 % e 2%, respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.
Registe e notifique.”
Inconformada com esta sentença, dela veio o Autor interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
A – Ressalvado o devido respeito, o douto Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito, levando a que também preconizasse uma errada valoração da factualidade dada como assente.
B - Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo.
C - Diz povo, com sabedoria, que “Ao menino e ao borracho, põe-lhes Deus a mão por baixo”. Ora, não sendo os Recorridos infantes ou particularmente vistosos, nem divino o Tribunal a quo, o certo é que a douta sentença recorrida, em lugar de condenar os Recorridos ao pagamento de uma indemnização ajustada aos danos por ambos causados, extrai miraculosamente uma redução da indemnização convencionada, com fundamento em juízo de equidade, praticamente inviabilizando, por ora, a procedência da acção deduzida pelo Autor.
D - Cremos poder afirmar que os incumpridores, no caso os Recorridos, esfregam as mãos de satisfação e, se analisarem introspectivamente as suas condutas de incumpridores, dirão “valeu a pena!”, tão minguada é a indemnização atribuída face às consequências danosas das suas condutas, para o Autor.
E - Isto porque, entendeu o douto Tribunal a quo que o montante acordado pelas partes – €50.000,00 (cinquenta mil euros) - se afigurava manifestamente exagerado, tendo decidido reduzir o montante da indemnização, de acordo com o seu juízo de equidade.
F - Sucede que, para que o Tribunal possa proceder à redução equitativa do montante acordado pelas partes, o Recorrido AA tinha de alegar e provar factos integradores da sua manifesta excessividade, situação a analisar casuisticamente e de acordo com o tipo de cláusula estabelecida, sob pena de inutilização da sua própria função e da razão da sua existência.
G - Com efeito, a qualificação de um determinado montante indemnizatório – previamente acordado pelas partes - como manifestamente excessivo, por forma a que a se proceda à sua redução, assume-se como uma exceção de direito material, pois que o seu objetivo é modificar o direito do Recorrente e, por essa via, obstar à procedência total do pedido.
H - Assim, não ficou minimamente demonstrado nos autos que o montante indemnizatório – previamente acordado pelas partes – que permitia ao Recorrido AA revogar, sem justa causa, o contrato de trabalho celebrado com o Recorrido era manifestamente excessivo.
I - Pelo que, salvo melhor opinião, não poderia o douto Tribunal a quo ter procedido à sua redução, com fundamento na equidade.
J - Mesmo que assim não se entenda, sempre o montante atribuído é manifestamente injusto e premeia a conduta dos Recorridos que, fizeram tábua rasa do acordo existente entre o Recorrente e o Recorrido AA, gerando gritante desequilíbrio entre as partes no contrato.
K - Com efeito, tendo em conta a gravidade da violação contratual, o grau de culpa do Recorrido AA, as vantagens que, para este e para o Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01..., resultaram do incumprimento, o interesse do Recorrente no cumprimento do contrato, a sua boa fé e a índole do contrato, é manifesto que a montante acordado entre as partes não se afigura manifestamente desproporcionado, pelo que inexistem razões objectivas para recorrer à sua redução.
L - O douto Tribunal a quo, interpretou incorretamente o disposto no n.º 2 do art.º 25.º da Lei n.º 54/2017.
M – Isto porque, quanto mais tempo de contrato tiver decorrido, mais valor perde esse montante indemnizatório.
N - Isto é, se um atleta revogar um contrato a escassos dias de o contrato atingir o seu termo, obviamente que o montante indemnizatório, estabelecido no início do contrato, terá que ser muito reduzido, porquanto o “clube” já usufruiu da actividade do atleta pela quase totalidade do período contratado e, bem assim, porque quanto mais nos aproximamos do termo do contrato, menor é a possibilidade de o clube conseguir obter retorno financeiro através de uma “transferência” do atleta para outro “clube”
O -  In casu, o que aconteceu foi precisamente o inverso, na medida em que, o Recorrido AA, revogou unilateralmente e sem justa causa o contrato que celebrou com o Recorrente, escassos dias após o início da sua vigência.
P - Pelo que, como está bom de ver, não existem fundamentos objectivos para que a indemnização atribuída ao Recorrente se afaste significativamente daquela que foi acordada pelas partes aquando da celebração do contrato e expressamente prevista no mesmo.
Q - A indemnização atribuída ao Recorrente (€1.000,00) gera evidente desequilíbrio entre as partes no contrato, porquanto se o Recorrente tivesse cessado o contrato de trabalho sem justa causa teria que pagar ao Recorrido AA a totalidade dos vencimentos acordados, até ao final do contrato, eventualmente acrescido de outros danos que pudesse ter causado. – cfr. art.º 25.º da Lei n.º 54/2017.
R - Aliás, neste sentido, crê-se que o próprio art.º 25.º da Lei n.º 54/2017 estabelece um limite mínimo do montante indemnizatório a pagar pela parte que, sem justa causa, fizer cessar unilateralmente o contrato de trabalho de praticante desportivo.
S - De facto, estipula o art.º 25.º da Lei n.º 54/2017 que, na ausência de qualquer convenção, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente deve indemnizar a contraparte pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.
T - Assim, ao decidir diferentemente, o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, impondo-se a sua revogação.
U - O doutro Tribunal a quo deu como provado que o Recorrido AA (i) exercia a actividade de futebolista ao serviço do Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01... – cfr. n.º 30 do elenco de factos dados como provados -, (ii) actividade que exercia nas instalações do Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01... – cfr. n.º 30 do elenco de factos dados como provados -, (iii) utilizando, para o efeito, equipamentos, bolas, toalhas e fatos de treino pertencentes ao Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01... – cfr. n.º 30 do elenco de factos dados como provados -, (iv) estando adstrito ao cumprimento de horário estabelecido pelo Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01... - cfr. n.º 31 do elenco de factos dados como provados – (v) das ordens da equipa técnica e (vi) das normas do regulamento interno do Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01... - cfr. n.º 31 do elenco de factos dados como provados.
 V - Não obstante terem ficado demonstrados todos estes factos, não logrou o douto Tribunal a quo concluir – como, aliás, se impunha - pela clara existência de subordinação jurídica do Recorrente AA para com o Recorrente Centro Desportivo e Cultural de EMP01....
W - Isto porque, no entender do doutro Tribunal a quo isso seria o que é expectável que possa acontecer no contexto de uma equipa de futebol onde coexistem jogadores ditos amadores e profissionais. Pelo que, o elemento diferenciador deveria ser aferido pelo facto de “... a actividade de futebolista se assuma como profissão exclusiva ou essencial..” e, ainda, “... que o atleta seja pago para além das despesas em que efectivamente incorre pela sua actividade futebolística.”
X - Desde logo, da argumentação expendida pelo doutro Tribunal a quo, este parece afirmar que apenas se poderá concluir pela existência de um contrato de trabalho se o mesmo implicar a prestação de uma actividade a tempo inteiro e em regime de exclusividade, parecendo olimpicamente ignorar a existência de contratos de trabalho a tempo parcial, os quais diga-se tem tanta (ou, mais) dignidade como aqueles.
Y -  Assim, não se consegue acompanhar o raciocínio do douto Tribunal a quo, na medida em que, a eventual existência de um contrato de trabalho não poderá (nem nunca, na doutrina ou na jurisprudência, isso foi admitido ou sequer ponderado) ficar dependente da mera existência de um compromisso a tempo inteiro ou em exclusividade.
Z - Contudo, ainda que assim não se entendesse, da douta sentença recorrida, resulta apenas provado que o Recorrido AA exerceu a actividade de futebolista ao serviço do Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01..., não resultando provado que o Recorrido AA tenha exercido qualquer outra actividade no período em que esteve vinculado ao Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01....
AA - Por outro lado, resultou igualmente provado que o Recorrido AA, auferia, em contrapartida pelo exercício da sua actividade de futebolista ao serviço do Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01..., uma compensação monetária no montante de € 400,00 (quatrocentos euros) por mês, acrescido de alojamento e alimentação.
AB - À luz das regras da ciência, da lógica e das regras da experiência humana, é inequívoco que o custo mensal de um alojamento e alimentação de uma pessoa, aliado ao pagamento de uma compensação monetária no valor de € 400,00 (quatrocentos euros), ultrapassará o valor da retribuição mínima mensal garantida que, no ano de 2022.
AC - É também inequívoco, à luz das regras da ciência, da lógica e das regras da experiência humana que as contrapartidas recebidas pelo Réu AA, em muito ultrapassam as meras “...despesas em que efectivamente incorre pela sua actividade futebolística.”.
AD - Nesta conformidade, deveria o doutro Tribunal a quo ter concluído pela existência de contrato de trabalho entre os Recorridos e, em consequência, ter condenado o Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01... a responder solidariamente pelo pagamento da indemnização devida ao Recorrente, nos termos do art.º 26.º da Lei n.º 54/2017. 
AE - Por tudo, ao decidir diferentemente, o douto Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, impondo-se a revogação da douta sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene os Recorridos AA e Centro Desportivo e Cultural de EMP01... ao pagamento, ao Recorrente, de uma indemnização no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

TERMOS EM QUE,
Deve ser julgado provado e procedente o presente recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, e a sua substituição por outra, que julgue totalmente procedente a acção intentada pelos Autores, com a consequente condenação dos Réus do pedido. Assim se fazendo inteira  JUSTIÇA.
O 2.º Réu, AA, apresentou contra alegação, concluindo pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido douto parecer, no sentido do provimento parcial da apelação, no que respeita à indemnização a atribuir ao Recorrente que deverá ser fixada no valor de €10.000,00 e ser o réu Centro Desportivo e Cultural de EMP01... condenado solidariamente no pagamento de tal indemnização.
Tal parecer mereceu resposta do Recorrido/Jogador a manifestar a sua discordância com o parecer emitido pelo Ministério Público.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), no recurso interposto pela Ré/Apelante sobre a sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Da redução da indemnização convencionada para a denúncia do contrato por iniciativa do praticante desportivo.
- Da responsabilidade solidária.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS:
1. AA possui nacionalidade portuguesa e nasceu em .../.../2000.
2. AA dedica-se à actividade de futebolista, encontrando-se federado na F.P.F.
3. De acordo com o seu “...”, emitido pela F.P.F., o réu AA apresenta o seguinte percurso desportivo:

4. Nas épocas desportivas 2021/22 e 2022/2023, do escalão sénior de futebol masculino, o autor esteve a disputar o Campeonato de Portugal (quarto escalão nacional).
5. Na época desportiva 2022/2023, do escalão sénior de futebol masculino, o réu EMP01... esteve a disputar a Liga 3 (terceiro escalão nacional).
6. O réu AA foi inscrito na F.P.F. como atleta amador do réu EMP01..., a partir de 03/08/2022 e até 30/06/2023, para integrar a sua equipa de futebol sénior.
7. Consta dos autos um documento, datado de 15/12/2021, com a epígrafe “Contrato de Trabalho Desportivo”, no qual figuram como outorgantes o autor e o réu AA (aí identificados como FCT e Jogador), que os representantes da autora e o réu AA subscreveram, nas qualidades em que intervieram, contendo o seguinte teor, no que ora releva:


8. No cabeçalho do documento indicado em 7 consta que o réu AA é residente na Rua ..., ..., ... ....
9. O Sr. Dr. BB, na qualidade de Advogado, portador da cédula ...69-P, outorgou um “termo de reconhecimento de assinatura”, datado de 15/12/2021, com o seguinte teor, no que ora releva:
10. No registo online dos Actos dos Advogados, administrado pela Ordem dos Advogados, referente ao reconhecimento indicado em 9, consta:

11. O documento indicado em 7 não foi outorgado em quintuplicado.
12. O autor não registou o documento indicado em 7 na F.P.F.
13. O autor não inscreveu o réu AA na F.P.F., para exercer a actividade de futebolista federado, na qualidade de profissional, para a época desportiva 2022/23.
14. O autor não comunicou à Segurança Social a outorga do documento indicado em 7.
15. O autor não enviou à LP.F.P., ao S.J.P.F. e à F.P.F. um exemplar do documento indicado em 7, no prazo de 5 dias.
16. O autor não celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho referente ao réu AA, relativamente à época 2022/23.
17. O autor emitiu uma missiva, datada de 17/08/2022, dirigida ao réu AA, na qual consta:


18. A missiva indicada em 17 foi enviada para a morada referida em 8, tendo sido recepcionada por terceira pessoa (que se identificou como CC, portador do C.C. n.º ...), no dia 22/08/2022.
19. O réu AA emitiu uma missiva, dirigida ao autor, contendo o seguinte teor:


               

20. A missiva indicada em 16 foi recepcionada pelo autor.
21. O autor emitiu uma missiva, dirigida ao réu AA, na qual consta:


22. A missiva indicada em 21 foi enviada em 21/07/2022, para a morada referida em 8, tendo sido devolvida ao remetente com a indicação de que não foi reclamada pelo destinatário.
23. Previamente à celebração do compromisso entre os réus, um representante do autor comunicou ao presidente da direcção do réu EMP01... que o autor tinha celebrado um contrato de trabalho desportivo com o réu AA.
24. (…) sem que então o autor tivesse exibido o documento indicado em 7 ao réu EMP01....
25. No dia 20/07/2022, através de mensagem de Whatsapp, o réu AA foi informado por um responsável do autor do teor da missiva indicada em 21.
26. O réu AA não compareceu para fazer os exames médicos agendados pelo autor. 
27. O contrato de seguro de acidentes de trabalho não poderia ser celebrado sem a realização dos exames médicos pelo réu AA, por nenhuma companhia de seguros aceitar contratar sem se certificar de que o atleta estava medicamente apto para praticar desporto de competição.
28. Após 11/07/2022 houve contactos entre o autor e o réu AA para este continuar ao serviço daquele, tendo sido discutida entre as partes a possibilidade de ser celebrado um novo contrato para a época 2022/23, com melhores condições remuneratórias para o réu AA.
29. O réu AA demonstrou perante responsáveis do autor vontade em não voltar a representar o clube, por ter um convite para prestar a sua actividade de futebolista ao serviço do réu EMP01....
30. O réu AA exerce a sua actividade de futebolista no campo de jogos do réu EMP01..., ou nos recintos dos seus adversários, enquanto os instrumentos de trabalho, como equipamentos, bolas, toalhas e fatos de treino, pertencem ao réu EMP01....
31. Ao serviço do réu EMP01... o réu AA tem um horário para cumprir, obedece à equipa técnica e encontra-se sujeito a um regulamento interno.
32. Após o final da época desportiva 2021/2022, o autor autorizou o réu AA a regressar à ilha ..., no dia 21/06/2022, onde este possui residência de família.
33. O réu permaneceu na ilha ... até 16/07/2022, quando regressou ao continente, através do aeroporto ....
34. Quando o réu EMP01... inscreveu o réu AA verificou previamente que este não se encontrava inscrito a favor de nenhum outro clube, nem havia o registo do documento identificado em 7.
35. No âmbito do acordo que celebrou com o réu EMP01..., assiste ao réu AA o direito a receber o valor mensal de € 400,00, a título de contribuição com despesas, para além do réu EMP01... lhe assegurar casa e alimentação.
36. O AA não prestou a sua actividade desportiva em benefício do autor a partir de 01/07/2022 e não auferiu qualquer contrapartida paga pelo autor no mesmo período.

FACTOS NÃO PROVADOS
1. O réu AA teve autorização para se ausentar até ao dia 10/07/2022, sendo que o autor esteve sempre em contacto com o jogador para monitorizar a sua situação.
2. A partir do dia 11/07/2022 o réu AA deixou de comparecer nas instalações do autor, não obstante as diversas solicitações deste para o efeito.
3. (…) sem que o réu AA tivesse apresentado qualquer justificação para a sua ausência.
4. O documento identificado no facto provado n.º 7 foi elaborado em triplicado.
5. O contrato de 15/12/2021 não foi comunicado à Segurança Social por lapso dos serviços administrativos do autor.
6. O Clube ... e a CD ... S.AD., não dispunham de Certificado de Formação emitido pela F.P.F.
7. No escalão em que milita o autor, este goza de grande reputação e visibilidade, o que lhe permite gerar retorno financeiro assinalável com a transferência de jogadores e treinadores.
8. Ao réu AA é reconhecido valor desportivo muito acima da média, para a divisão/escalão competitivo onde o autor milita.
9. O autor viu-se obrigado a contratar, em cima do início da época, um jogador para a posição que o réu AA ocupa, dentro das quatro linhas de jogo.
10. O autor viu gorada a possibilidade de transferir o jogador para uma divisão superior, o que lhe daria retorno assinalável.
11. Na época 2021/2022 o réu AA apenas auferia uma compensação pelas despesas efectivamente incorridas no exercício da sua actividade de futebolista.
12. Quando foi outorgado o documento indicado no facto provado n.º 7 o autor comprometeu-se perante o réu AA a inscrevê-lo no dia 01/07/2022 perante a F.P.F., a registar o contrato e a comunicá-lo à Segurança Social.
13. O réu AA comunicou ao autor que era um jogador livre.
14. O autor nunca deu a conhecer ao réu EMP01... a existência do documento identificado no facto provado n.º 7.
15. O autor nunca quis celebrar um contrato de trabalho desportivo com o réu AA, por não ter condições financeiras para suportar os encargos com a compensação por formação, devida aos clubes que participaram na formação do réu AA.
16. O autor apenas teve a intenção de enganar o réu AA, criando-lhe a aparência da existência de um alegado contrato de trabalho desportivo e com o único objectivo de condicionar, limitar, prejudicar e impedir o exercício da actividade futebolista após a cessação do vínculo que existia entre o autor e o réu AA para a época 2021/22.
17. O réu AA não se encontra filiado no S.J.P.F.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da redução da indemnização convencionada para a denúncia do contrato por iniciativa do praticante desportivo.

No caso em apreço está em causa a aplicação do regime do contrato de trabalho desportivo, designadamente no que respeita à sua cessação por iniciativa do praticante desportivo, já que o Autor sustenta que celebrou com o 2.º Réu um contrato de trabalho desportivo que cessou mediante denúncia ilícita da iniciativa do desportista, pela qual deverá ser indemnizado no montante de €50.000.00.
O regime jurídico aplicável ao contrato de trabalho do praticante desportivo atualmente consta da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, doravante RJCDT.
Deste regime do contrato de trabalho desportivo salientamos a impossibilidade de o praticante desportivo/trabalhador denunciar, sem mais, o contrato. Contudo, o regime prevê a possibilidade de denúncia do contrato, desde que o trabalhador/jogador proceda ao pagamento à entidade empregadora de uma indemnização.
Os factos relevantes para a apreciação da questão são os seguintes:
- O Recorrente e o 2.º Réu AA celebraram um contrato de trabalho desportivo a termo certo, datado de 15.12.2021, com início no dia 1.07.2022 e termo em 30.06.2023.
- Da cláusula 11.ª do mencionado contrato consta o seguinte:
“Se o jogador promover indevidamente a resolução unilateral do contrato, por sua iniciativa, deverá indemnizar o FCT no montante de €50.000,00 (cinquente mil euros)”
- Em 21.07.2022, o Autor/Recorrente enviou ao Réu AA uma missiva a convoca-lo para testes, exames e avaliações médicas em 21, 22, e 30 de julho e para o início dos treinos em 1 de agosto de 2022. Tal missiva foi rececionada pelo Réu AA, via whatsapp, no dia 20.07.2022.
 - Em 17 de agosto de 2022 o Autor envia nova missiva ao Réu AA a comunicar-lhe a cessação do contrato, por abandono, face à sua não comparência desde 11 de Julho de 2022, se que para o efeito tenha apresentado qualquer justificação
- Após 11/07/2022 houve contactos entre o autor e o réu AA para este continuar ao serviço daquele, tendo sido discutida entre as partes a possibilidade de ser celebrado um novo contrato para a época 2022/23, com melhores condições remuneratórias para o réu AA.
- O réu AA demonstrou perante responsáveis do autor vontade em não voltar a representar o clube, por ter um convite para prestar a sua actividade de futebolista ao serviço do réu EMP01....
- O réu AA exerce a sua actividade de futebolista no campo de jogos do réu EMP01..., ou nos recintos dos seus adversários, enquanto os instrumentos de trabalho, como equipamentos, bolas, toalhas e fatos de treino, pertencem ao réu EMP01....
Decorre do prescrito no art.º 25.º do RJCDT o seguinte:
“1 — As partes no contrato de trabalho desportivo podem estipular o direito de o praticante fazer cessar unilateralmente e sem justa causa o contrato em vigor, mediante o pagamento à entidade empregadora de uma indemnização fixada para o efeito.
2 — O montante convencionado pelas partes pode ser objeto de redução pelo tribunal, de acordo com a equidade, se for manifestamente excessivo, designadamente tendo em conta o período de execução contratual já decorrido.”
Cabe-nos agora analisar se a indemnização a ser paga ao recorrente em face da forma como cessou o contrato de trabalho desportivo (abandono do trabalho, o que vale como denuncia por iniciativa do praticante, (cfr. art.º 403 ns.º 1 e 3 do Código do Trabalho), ou seja, o AA denunciou de forma ilícita o contrato que mantinha com o autor), deveria ou não ter sido reduzida nos termos em que o fez o Tribunal a quo.
Na sentença recorrida a este propósito consignou-se o seguinte:
“Deste modo, deve-se concluir que o autor abandonou o seu trabalho, e, ao fazê-lo, denunciou de forma ilícita a relação laboral.
 Resta, porém, determinar quais as consequências de tal conduta.
 O contrato datado de 15/12/2021 prevê que “o jogador pode fazer cessar, unilateralmente e sem justa causa, o contrato em vigor mediante o pagamento (…) de uma indemnização no montante de € 50.000,00 (cinco mil euros)”.
Trata-se, pois, de uma indemnização pré-estabelecida, permitida no âmbito do contrato de trabalho desportivo, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, que consubstancia não uma cláusula penal, mas outrossim uma arra penitencial, que confere o direito à desvinculação sem justa causa mediante o pagamento de uma multa previamente estipulada.
 Antes de mais, os réus advogam que a reclamação pelo autor de tal indemnização é abusiva, face à sua actuação.
 O autor e o réu AA acordaram que este prestaria a sua actividade desportiva em benefício daquele, entre 01/07/2022 e 30/06/2023, mediante o pagamento de uma retribuição no montante global de € 10.000,00, a pagar em 10 prestações mensais.
 No entanto, verifica-se que na prática, esse contrato nunca chegou a ser executado nos seus termos essenciais, pois na época desportiva 2022/23 o réu AA não prestou a sua actividade desportiva em prol do autor, no âmbito da sua organização e sob a sua autoridade e direcção, nem este lhe pagou qualquer retribuição no mesmo período.
Para além disso, há que perspectivar que o autor não assumiu os encargos que seriam expectáveis para poder usufruir do concurso do réu AA, uma vez que não teve de pagar os direitos de formação previstos nos artigos 48.º e 49.º do regulamento relativo ao “Estatuto, Categoria, Inscrição e Transferência de Jogadores”, assim como não teve de pagar os custos associados à inscrição e registo do jogador, com a contratação do seguro de acidentes de trabalho e com as contribuições devidas à Segurança Social.
Contudo, não podemos olvidar que a ausência do réu AA aos exames médicos inviabilizou que este pudesse ser inscrito e o seu contrato ser registado (esses actos pressupõem a realização de exames médicos), assim como impediu que o autor pudesse equacionar contratar o seguro de acidentes de trabalho (o qual dependia da prévia realização de exames médicos), pelo que a inexecução prática do contrato se deveu em grande medida à ausência de cooperação do réu AA relativamente ao autor.
Nesta decorrência, não se afigura que a exigência de uma indemnização pelo autor exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, e, nessa conformidade, não considero que o autor actue com abuso de direito, por reporte ao critério previsto no artigo 334.º do Código Civil.
Resta, assim, indagar se deverá ser reduzido o montante convencionado pelas partes a título de indemnização, como propugnam os réus.
O montante convencionado pelas partes pode ser objecto de redução pelo Tribunal, de acordo com a equidade, se for manifestamente excessivo, designadamente tendo em conta o período de execução contratual já decorrido – cfr. artigo 25.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho. 
Para o efeito, importa atender que:
- nos seus termos essenciais, o contrato não chegou a ser executado;
- o autor não chegou despender a maioria das quantias que envolveriam a execução do contrato (v.g. a inscrição do réu AA e o registo do contrato; não teve de pagar os direitos de formação; não teve pagar os custos associados à contratação do seguro de acidentes de trabalho; não suportou as contribuições devidas à Segurança Social);
- por mês o réu AA auferia somente € 10.000,00 por ano (€ 1.000,00 pagos em dez prestações mensais);
- o contrato vigoraria por 1 época desportiva;
- o autor milita no quarto escalão nacional;
- em 2022 o s.m.n. ascendia a € 705,00;
Perante todas este circunstancialismo afigura-se manifestamente exagerado o montante peticionado, que se impõe reduzir, para o montante de € 1.000,00 (mil euros), a título de equidade, correspondente a uma mensalidade prevista para o contrato celebrado entre o autor e o réu AA, que se mostra mais adequado ao comportamento de ambas as partes – cfr. artigos 25.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho e 4.º, al. b), do Código Civil.”
Perante a cessação ilícita do contrato de trabalho da iniciativa do praticante está em causa o valor da indemnização a pagar ao clube desportivo, o qual deverá ser determinado atendendo ao montante previsto na cláusula de rescisão, que se fez constar do contrato.
Ora, com a atual lei veio o legislador a consagrar as cláusulas de rescisão enquanto multas penitenciais e não como cláusulas penais, inscrevendo tal possibilidade no elenco de modalidades de cessação do contrato de trabalho desportivo (artigo 23º, nº 1, alínea g), e não como um instrumento tendente a afastar as disposições relativas à responsabilidade por cessação contratual. Acresce dizer que o artigo 25.º, nº 1 do RJCDT, veio a consagrar a estipulação destas cláusulas como sendo um “direito” contratualmente atribuído ao praticante para “(…)fazer cessar unilateralmente e sem justa causa o contrato em vigor(…)”, ainda que sempre mediante o pagamento de uma compensação fixada para o efeito à entidade empregadora.
A cláusula de rescisão deve ser entendida como uma vantagem concedida ao atleta, oferecendo-lhe por um lado o caminho para desvinculação e não a sua permissão, e por outro lado é também uma forma de reforçar o cumprimento do contrato, pois o praticante para denunciar livremente o contrato tem de indemnizar o empregador.
A cláusula de rescisão não é mais do que verdadeira cláusula liberatória ou desvinculatória, estando-se assim perante um mecanismo que se destina ao incremento da liberdade de desvinculação dos desportistas.
A cláusula de rescisão confere ao praticante desportista o poder de escolher entre o cumprimento integral do contrato ou a cessação antecipada do mesmo, mediante o pagamento do preço previamente acordado, fortalecendo desta forma a liberdade de trabalho ao serviço do praticante. Por outro lado, do ponto de vista do empregador, a cláusula de rescisão visa garantir que o praticante cumpra integralmente o contrato e visa assegurar de alguma forma a sua participação numa eventual transferência do praticante desportivo que carecerá do seu assentimento para acertar as contrapartidas financeiras com um outro clube.
Na verdade, o prescrito no art.º 23.º n.º 1, al. g) do RJCDT, ao consagrar como forma de cessação do contrato de trabalho desportivo a denúncia por iniciativa do praticante, confere às partes liberdade contratual para fixarem, por acordo, o montante da indemnização, a pagar pelo praticante que se demita sem justa causa, através da cláusula de rescisão.
Como refere Leal Amado em “Contrato e Trabalho Desportivo” em anotação ao art.º 25.º, pág. 154 “…a cláusula confere ao praticante desportivo uma faculdade de livre arrependimento a cujo eventual exercício a contraparte fica sujeito, a troco da multa convencionada. Trata-se aqui, repete-se, do expresso acolhimento, ao nível da lei, da figura das “cláusulas de rescisão”, concebidas esta como autênticas multas penitenciais e não como cláusulas penais. Destrate, sendo contratualmente estipulada, tal cláusula conferirá ao praticante o direito de extinguir o contrato de trabalho, sem justa causa, desde que pague a multa convencionada.”
E mais à frente acrescenta “Em tese, lendo a lei, parece que as “cláusulas de rescisão” surgem como autênticas cláusulas liberatórias, e não propriamente como cláusulas liberticidas. Em qualquer caso, a simples observação empírica atesta que no universo do desporto profissional as “cláusulas de rescisão” possuem na sua grade maioria, um objectivo bem definido; efectuar a chamada (aliás sugestivamente) “blindagem do contrato”, isto é, assegurar a intangibilidade do vínculo contratual, criando um breach-proof contract. Com efeito, as quantias acordadas atingem, não raro, valores astronómicos, da ordem de muitos milhões de euros, valores que se julgariam impensáveis, totalmente desproporcionados em relação aos danos previsíveis resultantes da rescisão do contrato ante tempus por banda do praticante desportivo. Pretende-se isso mesmo: blindar o contrato, garantir que o praticante o cumpra na íntegra (vale dizer, até que ele caduque pelo decurso do prazo), cortar cerce qualquer veleidade deste no sentido de se demitir. Não se trata, pois, de liquidar qualquer dano, de fixar antecipadamente o montante da indemnização, nem propriamente de atribuir um direito ao praticante desportivo; trata-se, isso sim, de incentivar o praticante a cumprir o contrato, de zelar pelo respeito efectivo das obrigações previamente assumidas”
Daí, que perante cláusulas de rescisão de valores astronómicos o n.º 2 do art.º 25.º do RJCTD permita a redução equitativa do montante pré-estabelecido, se ele for manifestamente excessivo, designadamente tendo em conta o período contratual já decorrido, o montante da retribuição paga ao praticante ou a verba que, eventualmente, o empregador tenha despendido para conseguir a sua contratação, pois parece-nos obvio que se o empregador que investe na aquisição de um determinado praticante o montante da cláusula de rescisão deverá ser mais elevado do que a cláusula de rescisão de um praticante que aufira uma retribuição mais modesta e que tenha sido contratado a custo zero.
Retornando ao caso em apreço temos por certo que atenta factualidade provada, o valor da cláusula de rescisão é manifestamente excessiva, em face da vigência e da cessação do contrato, bem como de todo circunstancialismo que o rodeou.
Com efeito, o contrato teve início no dia 1 de Julho de 2022, não tendo o praticante desportivo prestado qualquer actividade ao Autor, pois não compareceu aos exames médicos, nem no primeiro dia de treino, tendo o autor em 17 de Agosto de 2022 considerado o contrato terminado, por abandono do AA. O autor não despendeu qualquer quantia com a aquisição do jogador, nem com a inscrição junto das entidades competentes, sendo certo que a retribuição anual do jogador foi acordada no valor de €10.0000,00, a pagar em 10 prestações mensais, nada lhe tendo sido liquidado.
  Daqui resulta que o Autor não teve qualquer despesa com o jogador, tendo tido conhecimento logo em Agosto da cessação unilateral da iniciativa do jogador, que nem sequer chegou a treinar com a equipa, possibilitando ao Autor realizar nova contratação para a época em causa de 2022/2023.
Por outro lado, importa realçar que foi o Réu AA que depois de ter assumido o compromisso de jogar no T... resolveu incumprir o contrato e passou a jogar num outro clube.
Por fim, importa, ter presente que no valor da indemnização a que haveria lugar caso estivesse em causa o despedimento com justa causa promovido pelo empregador ou a resolução com justa causa da iniciativa do praticante desportivo se viesse a provar que tal havia sido promovido indevidamente a parte que desse causa à cessação teria de indemnizar a contraparte pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo – art.º 24 .º n.º 1 do RJCTD.
Este seria o valor mínimo que o praticante desportivo teria de liquidar ao empregador caso tivesse resolvido o contrato com justa causa, não se vindo esta a provar, ou seja, no caso de ter resolvido o contrato indevidamente.
Apraz dizer que perante os factos provados consideramos que o montante fixado na cláusula rescisória é exagerado, atento o facto de o Autor não ter chegado sequer a poder contar com o jogador, já que este nem sequer chegou a comparecer, quer o facto de não ter sequer assumido os encargos expectáveis com a contratação do jogador, tais como os custos associados à inscrição e registo do jogador, a contratação de seguro de acidentes de trabalho, quer ainda o facto da retribuição acordada com o jogador ser de considerar de modesta, quer por último o facto do autor se ter apercebido praticamente desde o início do contrato da vontade unilateral do jogador fazer cessar o contrato já que nunca compareceu, nem sequer para treinar.
Contudo o valor da indemnização fixado pelo tribunal a quo também se nos afigura de irrisório não sendo ajustado à situação, até por comparação com a indemnização que o autor teria de liquidar, caso tivesse resolvido o contrato com invocação indevida de justa causa. Acresce ainda dizer que foi, sem dúvida, o Réu AA quem incumpriu o contrato, designadamente ao ir jogar numa outra equipa, sem nada dizer ao autor.
Tudo ponderado, tendo em atenção o comportamento de ambas as partes e de acordo com a equidade, consideramos ser ajustada uma indemnização no valor de €12.500,00. Valor este que se afasta ligeiramente do valor mínimo estipulado na lei, caso o jogador tivesse logo no início do contrato resolvido de sua iniciativa com invocação indevida de justa causa, mas que em face às circunstâncias relativas ao contrato e sua cessação, à altura em que o contrato cessou (logo no início), ao valor da retribuição acordada, bem como às razões que são o cerne da estipulação da cláusula rescisória, afigura-se-nos ser o valor adequado.

2. Da responsabilidade solidária.

O Tribunal a quo absolveu o 1.º Réu do pedido, por ter entendido que o Autor não logrou provar a existência de um vínculo laboral estabelecido entre os Réus, por forma a que a situação pudesse ser subsumida à previsão do n.º 1 do art.º 26.º do RJCDT, não estando assim provado que o 1.º Réu é a entidade empregadora do 2.º Réu. Ou seja, conclui o tribunal a quo pela inexistência do contrato de trabalho desportivo celebrado entre os Réus.
Atentas as conclusões formuladas pelo Recorrente, no recurso está apenas em causa a questão de saber se a relação mantida entre as partes consubstancia um contrato de trabalho, como é defendido pelo Recorrente.
Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Aqui chegados, importa equacionar se o réu EMP01... deve ser responsabilizado solidariamente pelo pagamento dessa indemnização, como defende o autor.
 Se o praticante fizer cessar o contrato unilateralmente e sem justa causa, presume-se que a nova entidade empregadora desportiva interveio, directa ou indirectamente, na cessação – cfr. artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho.
 É, assim, elemento constitutivo da responsabilização do réu EMP01... que este tenha celebrado um contrato de trabalho com o réu AA, pelo que incumbia ao autor a demonstração de tal relação laboral (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).             
 A inscrição do réu AA como praticante desportivo amador não é impeditiva da existência de um contrato de trabalho entre aquele e o clube para o qual presta a sua actividade de futebolista (o réu EMP01...), como se ressalva no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/12/2017, relatora Paula Leal de Carvalho .
 Importa, ao invés, atender ao modo como em concreto é desenvolvida a actividade do réu AA em benefício do réu EMP01....
 No contexto de uma equipa de futebol que disputa o terceiro escalão nacional (como o réu EMP01...), será expectável que possa acolher no seu seio jogadores amadores e profissionais, e que todos esses atletas possam exercer a sua actividade de futebolista no campo de jogos do clube, ou nos recintos dos seus adversários, enquanto os instrumentos de trabalho, como equipamentos, bolas, toalhas e fatos de treino, pertencem ao clube, para além de haver um horário para cumprir, obedecer à equipa técnica e encontrar-se sujeito a um regulamento interno, conforme ficou evidenciado para o réu AA, pelo que não serão tais factos que se revelam decisivos para determinar se existe um contrato de trabalho.
  Pelo contrário, constituirão elementos diferenciadores que a actividade de futebolista se assuma como profissão exclusiva ou essencial, como demanda a lei de bases aplicável (cfr. artigo 34.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro) e que o atleta seja “(…) pago para além das despesas em que efectivamente incorre pela sua actividade futebolística”, como se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/12/2012, relatora Filomena de Carvalho .
No caso concreto, apurou-se que no âmbito do acordo que celebrou com o réu EMP01..., assiste ao réu AA o direito a receber o valor mensal de € 400,00, a título de contribuição com despesas, para além do réu EMP01... lhe assegurar casa e alimentação.
 Ora, montantes desta ordem de grandeza revelam-se insuficientes para permitirem extrair a conclusão segura de que o réu AA não era apenas ressarcido das despesas que teria de suportar com a sua actividade de futebolista e que se tratava antes de efectiva remuneração.
 Em decorrência, afigura-se que não é possível concluir que o réu EMP01... estabeleceu uma relação laboral com o réu AA, e, em conformidade, não se considera que possa ser responsabilizado solidariamente, por não constituir entidade empregadora do atleta – cfr. artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho.”
Salvo o devido respeito por posição em contrário, não podemos concordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Vejamos assim se a relação existente entre os Réus consubstancia um contrato de trabalho e consequentemente, se o 1.º Réu responde solidariamente pelo pagamento da indemnização devida pela cessação do anterior contrato, caso não se mostre ilidida a presunção prescrita no n.º 1 do art.º 26.º do RJCDT.

Prescreve o artigo 11.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe Noção de contrato de trabalho: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”, semelhante noção também nos é dada pelo código Civil no seu art.º 1152.º, onde se refere expressamente que o trabalho é prestado sob autoridade e direcção da pessoa (individual ou colectiva) que proporciona o emprego.

No art.º 12.º do Código do Trabalho, está consagrada uma presunção de contrato de trabalho, e dela consta o seguinte:
“Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”
Nos termos do art.º 350.º, n.º 1, do CC, “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz”, a qual poderá, porém, ser ilidida mediante prova do contrário pela contra-parte (art. 350 ,n.º 2 do CC).
Com relevo para apreciação desta questão ficou provado que:
- O réu AA foi inscrito na F.P.F. como atleta amador do réu EMP01..., a partir de 03/08/2022 e até 30/06/2023, para integrar a sua equipa de futebol sénior.
- Previamente à celebração do compromisso entre os réus, um representante do autor comunicou ao presidente da direcção do réu EMP01... que o autor tinha celebrado um contrato de trabalho desportivo com o réu AA.
- O réu AA exerce a sua actividade de futebolista no campo de jogos do réu EMP01..., ou nos recintos dos seus adversários, enquanto os instrumentos de trabalho, como equipamentos, bolas, toalhas e fatos de treino, pertencem ao réu EMP01....
- Ao serviço do réu EMP01... o réu AA tem um horário para cumprir, obedece à equipa técnica e encontra-se sujeito a um regulamento interno.
- Quando o réu EMP01... inscreveu o réu AA verificou previamente que este não se encontrava inscrito a favor de nenhum outro clube, nem havia o registo do documento identificado em 7.
- No âmbito do acordo que celebrou com o réu EMP01..., assiste ao réu AA o direito a receber o valor mensal de € 400,00, a título de contribuição com despesas, para além do réu EMP01... lhe assegurar casa e alimentação.
Ora, face a esta matéria teremos de concluir pelo preenchimento dos pressupostos exigidos pelas alíneas a) a d) do art.º 12 do CT, fazendo assim operar a presunção, já que atualmente é uniformemente entendido, que basta a verificação de, pelo menos, dois dos pressupostos, para que a presunção atue. Acresce dizer que está também demonstrada a existência de subordinação jurídica, traduzida esta na sujeição do Réu AA às ordens, direcção e fiscalização do Centro Desportivo e Cultural de EMP01..., designadamente obedecendo à equipa técnica e ao regulamento interno.
Ora, o facto do jogador estar inscrito como amador praticante não é de forma alguma impeditivo do reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, pois o que importa é precisamente o modo em concreto como é desempenhada tal actividade pelo jogador e quanto a esta teremos de concluir pela verificação da presunção, já que os instrumentos de trabalho do jogador pertencem ao 2.º Réu, o jogador tinha um horário para cumprir, obedecia à equipa técnica e encontrava-se sujeito a um regulamento interno, sendo-lhe pagas, as despesas que decorriam da actividade futebolística (recebia €400,00 mensais a título de contribuição para despesas), bem como tinha direito a casa e alimentação.
Ora, é notório que a contribuição monetária liquidada mensalmente pelo 1.º Réu ao 2.º Réu (€400,00) acrescida de alojamento e alimentação (ainda que não se tenha apurado o valor monetário destes encargos) facilmente ultrapassa, o valor da retribuição mínima mensal garantida, que actualmente se cifra em €760,00, e não pode deixar de ser considerada de retribuição, pois como refere o Recorrente na sua alegação de recurso “É também inequívoco, à luz das regras da ciência, da lógica e das regras da experiência humana que as contrapartidas recebidas pelo Réu AA, em muito ultrapassam as meras “…despesas em que efectivamente incorre pela sua actividade futebolisística.” .
Em suma, as contrapartidas auferidas pelo 2.º Réu pela prestação da sua actividade ao 1.º Réu não podem deixar de ser consideradas de retribuição, já que à luz das regras da experiência ultrapassam as meras despesas que o jogador incorre pela prática da sua actividade futebolística.
Ora, praticando o 2.º Réu uma actividade desportiva (jogador de futebol), sob a autoridade e direcção do clube 1.º Réu, recebendo deste uma contrapartida monetária (€400,00) e ainda alojamento e alimentação é de concluir estarmos perante um contrato de trabalho, sendo certo que competia ao 1.º Réu ilidir a presunção (nomeadamente alegando e provando que aquele jogador tinha outra fonte de rendimentos, designadamente laboral, que consubstanciava o seu principal meio de subsistência), o que não fez.
Com o devido respeito por diverso entendimento, o 1.º Réu não provou factos que infirmem que entre ele e o 2.º Réu foi celebrado, e vigorou, um verdadeiro contrato de trabalho.

Prescreve o artigo 26.º do RJCDT, sob a epigrafe “Responsabilidade solidária” que “se o praticante fizer cessar o contrato unilateralmente e sem justa causa, presume-se que a nova entidade empregadora desportiva interveio, direta ou indiretamente na cessação”, estabelecendo o nº. 2 do mesmo artigo, “se a presunção não for ilidida, a nova entidade empregadora responde solidariamente pelo pagamento da indemnização devida pela cessação do anterior contrato”.
Tal como refere Leal Amado na obra citada, pág. 160, em anotação ao art.º 26.º do RJCDT “Ao abrigo da chamada doutrina do terceiro cúmplice, entidade empregadora desportiva beneficia de uma espécie de tutela dupla em caso de incumprimento contratual por parte do praticante de desportivo. Assim, i) ao demitir-se ante tempus, este responderá, naturalmente, perante aquela pela rutura antecipada e sem justa causa do vínculo; ii) porém, se tal demissão ilícita tiver sido instigada por outrem, se o praticante for aliciado por alguém (designadamente por um empregador concorrente) e induzido a desrespeitar os seus compromissos contratuais, então este terceiro responderá também perante a entidade empregadora lesada. À responsabilidade contratual do praticante desportivo somar-se-á, pois, a responsabilidade extracontratual do terceiro cúmplice que perturbou e inviabilizou o normal desenvolvimento daquela relação jurídico-laboral.”
Estando perante um contrato de trabalho desportivo importa apurar se no caso em apreço estamos perante a situação de desvio ou descaminho de um praticante desportivo por parte de um outro empregador merecendo assim acolhimento a doutrina do terceiro cúmplice, fazendo responder este último pelos danos causados pela rutura prematura do contrato por iniciativa do jogador de alguma forma induzida por terceiro (o novo empregador). Como escreve Leal Amado na obra citada, pág. 162, “(…) tendo a referida demissão ilícita resultado de uma atuação censurável de terceiro, que induziu o praticante a desvincular-se ante tempus e com ele celebrou um contrato de trabalho desportivo incompatível com o primeiro, então é razoável (dir-se-ia: é justo) que este terceiro responda cúmplice responda pelos danos resultantes da dissolução antecipada do contrato.”
Em conformidade com o prescrito no citado artigo 26.º sempre que o praticante desportivo faça cessar o contrato unilateralmente e sem justa causa, a responsabilidade indemnizatória é assumida solidariamente pelo praticante e pelo novo empregador que se presume ter tido intervenção na rutura prematura do vínculo contratual desportivo. Existirá, em princípio, sempre que o praticante desportivo faça cessar o contrato unilateralmente e sem justa causa.
Vejamos se no caso o novo empregador – Centro Desportivo e Cultural de EMP01... ilidiu a presunção de que teria tido intervenção na cessação do contrato entre o Recorrente e o jogador.

Os factos com relevo para apreciação da questão são os seguintes:
7-  Consta dos autos um documento, datado de 15/12/2021, com a epígrafe “Contrato de Trabalho Desportivo”, no qual figuram como outorgantes o autor e o réu AA (aí identificados como FCT e Jogador), que os representantes da autora e o réu AA subscreveram, nas qualidades em que intervieram, contendo o seguinte teor, no que ora releva: (…)
- O autor não registou o documento indicado em 7 na F.P.F.
- O autor não inscreveu o réu AA na F.P.F., para exercer a actividade de futebolista federado, na qualidade de profissional, para a época desportiva 2022/23.
-  O autor não comunicou à Segurança Social a outorga do documento indicado em 7.
- O autor não enviou à L.P.F.P., ao S.J.P.F. e à F.P.F. um exemplar do documento indicado em 7, no prazo de 5 dias.
- Previamente à celebração do compromisso entre os réus, um representante do autor comunicou ao presidente da direcção do réu EMP01... que o autor tinha celebrado um contrato de trabalho desportivo com o réu AA.
- (…) sem que então o autor tivesse exibido o documento indicado em 7 ao réu EMP01....
- Quando o réu EMP01... inscreveu o réu AA verificou previamente que este não se encontrava inscrito a favor de nenhum outro clube, nem havia o registo do documento identificado em 7.
Desta factualidade resulta desde logo que que o Réu EMP01... nem sequer  teve condições para confirmar se existia ou não um contrato de trabalho entre o jogador e o autor, porque o autor não registou o contrato de trabalho desportivo na Federação Portuguesa de Futebol, não enviou o exemplar do contrato no prazo de 5 dias a várias entidades, como estava obrigada, nem deu cópia do contrato ao Réu EMP01..., limitando-se numa conversa, que ocorreu em circunstâncias não apuradas, entre o representante do autor e o presidente do Réu EMP01... a comunicar que tinha celebrado um contrato com o jogador. Por outro lado, o Réu EMP01... certificou-se junto das entidades competentes que o jogador não se encontrava inscrito a favor de nenhum clube.
Ora, estando ciente da concorrência que prolifera entre clubes de futebol, que participam nas diversas competições, não sendo de admirar o anúncio de contratos que tantas vezes se vem a apurar que não existem, impor-se-ia que o autor tivesse fornecido outro tipo de elementos, designadamente uma cópia do contrato para que o Réu EMP01... pudesse ter conhecimento dos factos. A conversa entre dirigentes de ambos os clubes sem se ter apurado qualquer outro facto relevante afigura-se-nos de insuficiente para podermos concluir que o EMP01... desviou ou descaminhou o jogador tendo tido alguma intervenção direta ou indireta no sucedido. Ao invés, a restante factualidade provada leva-nos a concluir que o Réu EMP01... ilidiu a presunção, pois fez tudo o que estava ao seu alcance para apurar da situação profissional do jogador, tendo concluído que na data da contratação o jogador não estava vinculado a qualquer clube, pois não estava inscrito na FPF. Acresce ainda dizer que dos factos provados não resulta que o 2.º Réu tivesse informado ou confirmado perante o 1.º Réu que tinha anteriormente celebrado um contrato de trabalho desportivo com o Autor.
A presunção mostra-se assim, ilidida uma vez que a factualidade apurada permite-nos concluir que para além do 2.º Réu/praticante desportivo não ter sequer chegado a jogar ou a treinar no T... na época 2022/2023, nem ter chegado a estar inscrito por este clube na FPF, o Réu EMP01... antes de contratar o jogador verificou previamente que este não se encontrava inscrito a favor de nenhum outro clube, nem havia registo de qualquer contrato celebrado com o jogador, ou seja, o 1.º Réu fez tudo o que esteve ao seu alcance no sentido de apurar se o jogador estava disponível para ser contratado, nada mais lhe sendo exigível.
Tendo o 1.º Réu/Empregador antes de contratar o jogador se certificado que aquele não se encontrava inscrito a favor de nenhum outro clube, nem havia registo de qualquer contrato outorgado entre o jogador e qualquer outro clube de futebol, tal factualidade é suficiente para afastar a presunção de que o novo empregador interveio na cessação unilateral e sem justa causa do contrato que o jogador mantinha com o anterior empregador desportivo.
Em suma, não tendo o 1.º Réu induzido o praticante desportivo/jogador a incumprir os seus compromissos contratuais, uma vez que não teve qualquer participação, nem perturbou, nem inviabilizou o normal desenvolvimento daquela primeira relação jurídica, mostra-se ilidida a presunção a que alude o n.º 1 do art.º 26.º do RJCDT e não há lugar à responsabilidade solidária.
Improcede nesta parte o recurso, sendo de manter a decisão na parte em que absolveu o 1.º Réu do pedido.

V – DECISÃO

Termos em que se acorda em conceder parcial provimento ao recurso de apelação do Autor e consequentemente condena-se o Réu AA a pagar ao autor FUTEBOL CLUBE T... a quantia de €12.500,00, a título de indemnização, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, de 4 % e devidos desde a da prolação desta decisão e até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo de Recorrente e Recorridos na proporção do decaimento.
Notifique.
Guimarães, 23 de Novembro de 2023

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Maria Leonor Barroso (com dispensa de visto)