Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
186/21.0T8BRG.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: INVENTÁRIO
DOAÇÃO
REDUÇÃO POR INOFICIOSIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Os efeitos do caso julgado material desdobram-se em duas vertentes: o efeito negativo da inadmissibilidade duma 2ª ação ou a proibição de repetição (exceção do caso julgado) e o efeito positivo de decisão anteriormente proferida como pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito ou a proibição de contradição (autoridade do caso julgado) de forma a que o já decidido não pode ser contraditado ou apontado por alguma das partes em ação posterior.
II - O caso julgado formal assenta no trânsito em julgado da decisão e pressupõe a repetição de qualquer questão, mas sobre a relação processual dentro do mesmo processo, restringindo-se os seus efeitos (ao contrário do caso julgado material) ao próprio processo.
III - Se houver dispensa de colação, relativamente aos donatários herdeiros a respetiva doação será imputada na quota disponível, se exceder essa quota o excesso deverá ser imputado na sua legítima e se exceder a quota disponível e a legitima, está sujeita a redução por inoficiosidade nos termos gerais.
IV - Sendo o valor da herança, para efeitos de cálculo da legítima, de €170.243,30, e sendo a legitima de 2/3 da herança (ou seja de €113.495,53) e a quota disponível de apenas €56.747,76, ao doar à cabeça-de-casal a quantia de €160.500,00, o de cujus excedeu a quota disponível em €103.752,20, devendo aquela repor à herança, para efeitos de redução por inoficiosidade, a quantia de €47.004,44.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA, interessada nos presentes autos de inventário por óbito de BB, deduziu incidente de redução por inoficiosidade contra CC, cabeça-de-casal, peticionando que seja reduzida a doação do montante de €160.500,00, por inoficiosidade, na medida do necessário até à reposição da quota indisponível, sendo o valor da doação imputado na quota disponível e o excesso imputado nas legítimas das herdeiras legitimárias para preenchimento das suas legítimas.
Para tanto alega, em síntese, que a Requerente é filha do inventariado, concorrendo à herança com sua outra irmã, a cabeça-de-casal, como únicas e universais herdeiras do inventariado, pai de ambas.
Que o inventariado faleceu sem testamento ou disposição de última vontade, no dia ../../2015, em ..., no estado de divorciado e que doou à cabeça-de-casal CC o montante de €160.500,00, quantia que esta recebeu; atendendo ao acordado na conferência de interessados, considera que o ativo da herança do inventariado é de €170.233,28, pelo que o valor da doação excede, em muito, a legítima a que a donatária tinha e tem direito, bem como a quota disponível, ofendendo, consequentemente, a legítima da Requerente.
A cabeça-de-casal CC apresentou contestação pugnando pelo indeferimento do incidente e alegando, em síntese, que Requerente não tem razão em virtude de encontrarem-se juntos a estes autos peças processuais produzidas no âmbito do processo n.º 3018/16...., nos quais se decidiu que os saldos das contas bancárias não podem ser objeto de partilha no inventário.
Entende que a questão agora colocada pelo incidente já se encontra decidida, por acolhimento nos termos do artigo 2110º, n.º 2 e 2113º, n.º 3 do Código Civil pelo que o incidente suscitado para além de ofender o caso julgado é extemporâneo.
Em sede de contraditório, a Requerente veio pugnar pela improcedência da exceção de caso julgado e que a doação seja reduzida nos termos requeridos.
Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão:
“Termos em que o Tribunal julga o presente incidente de redução por inoficiosidade totalmente procedente e condena a interessada DD a devolver à herança, para efeitos de reposição por inoficiosidade, o valor de €18.630,56 (arts 2168º, n.º 1, 2169º, 2171º, 2173º, 2174º, n.º 1 do Cód Civil). 
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Custas a final conforme o disposto no art 1130º do Cód Civil.
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Registe e notifique.

Inconformados, apelaram a cabeça-de-casal CC e marido, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“1. Nestes autos de inventário, por despacho da Senhora Notária de 01.06.2017, foi decidido suspender a tramitação do processo e remeter os interessados para os meios comuns, até que ocorra decisão definitiva da reclamação à relação de bens, pela qual a Recorrida, conforme peticiona na ação comum que subsequentemente intentou contra a Recorrente, veio a formular os seguintes pedidos:
a) Reconhecer que a Autora e Ré são as únicas e universais herdeiras dos bens deixados por óbito do seu pai, BB;
b) Reconhecer que as quantias de € 216,61 e de € 158.500,00 existentes nos depósitos à ordem nº 038/10.... e depósitos a prazo nº 038/15.... pertencem àquela herança;
c) Reconhecer que à referida herança, pertence, ainda, a quantia de € 2.000,00 que se traduz na diferença entre os € 160.500,00 que a ré transferiu da conta do seu pai e a quantia de € 158.500,00 que se encontra depositada na sua conta acima referida.
d) Restituir à herança todos os referidos montantes.
e) Inserir na relação de bens, no âmbito do processo de inventário nº ...5 que corre termos pelo Cartório da Srª Notária EE, aqueles montantes de €216,61, €158.500,00 e €2.000,00, para poderem ser partilhados.
2. Os pedidos formulados foram a final julgados improcedentes, por douto acórdão proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão confirmativo de acórdão lavrado pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
3. Em face da improcedência da ação, é negado provimento ao pedido de reconhecimento de que a quantia de € 160.500,00 pertence à herança.
4. Ora, direitos que não pertencem a uma herança não integram a titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução desses bens aos seus sucessores – cf. artº 2024º, C.C..
5. Consequentemente, foi negado provimento ao reconhecimento de que à herança pertence aquela quantia de € 160.500,00 depositada na conta bancária da Recorrente.
6. Em conformidade, foi também julgado improcedente o pedido de restituição à herança do referido montante.
7. O incidente de redução por inoficiosidade foi suscitado pela Recorrida de forma expressa em requerimento apresentado à Senhora Notária FF, à data titular dos autos de processo de inventário, em 19.10.2020 – refª ...21.
8. O incidente suscitado perante a Senhora Notária em 19.10.2020, no qual são formulados três pedidos, “a) - se digne ordenar a notificação da cabeça de casal para proceder ao aditamento à relação de bens da verba correspondente ao valor em dinheiro doado, pelo autor da herança, à mesma, no montante de € 160.500,00, …; b) - proceda à redução por inoficiosidade, da referida liberalidade/doação efetuada pelo autor da herança à interessada CC, na medida necessária para igualar os quinhões hereditários. …; c) Mais requer a Vsa. Exa. que para tanto se ordene a avaliação dos restantes bens…”, foi decidido pelo douto despacho de 31.08.2021 – refª ...75, notificada às partes em 31.08.2021.
9. Está mais que claro pelo decidido pelas instâncias e, daí, o também decidido em sede de apreciação do requerido incidente para redução por inoficiosidade, douto despacho judicial de 31.08.2021 – refª ...75, que a doação efetuada tem-se por manual e, como tal, ante o disposto no artº 2113º, nº 3 do Código Civil, está dispensada da colação.
10. A decisão do incidente para redução da ação por inoficiosidade, de 31.08.2021, transitou em julgado – refª ...75, uma vez que não foi objeto de recurso ordinário - cf. artº628º, CPC, esgotando-se assim o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa – cf. artº 613º, CPC, pelo que a decisão passou a ter força obrigatória – cf. artº 619º, nº 1, CPC.
11. A ora Recorrida, por requerimento posterior de 16.09.2021 volta a insistir e novamente requer que a cabeça de casal relacione a referida quantia, pretensão sucessivamente indeferida desde o falecimento desse pedido na ação comum e na decisão proferida nestes autos, como se vem de expor.
12. Por douta decisão de 04.11.2021 – refª ...95, o tribunal volta a apreciar uma questão já várias vezes decidida, por entender que a questão não estava, de forma clara, ainda decidida.
13. Estava e para conhecer bastava recapitular o histórico dos autos e o que por oficiosidade decorre da ação comum e arrolamento apenso, processos que devem integrar o presente.
14. Para além do mais devia a nova apreciação atender o que anteriormente havia sido requerido em termos de incidente autónomo de redução da doação por inoficiosidade e do aí decidido, sem qualquer recurso relativamente ao peticionado.
15. Na conferência de interessados realizada a 09.05.2023, a interessada AA requer prazo para suscitar o incidente de redução por inoficiosidade da verba doada, tendo sido concedido pelo Senhor Juiz.
16. Assim chegamos à decisão objeto de recurso. A decisão embora acolha a invocação pela Recorrente do caso julgado anteriormente formado, omitiu pronúncia sobre tal matéria….
17. A recorrente AA, na sequência da concessão judicial, veio aos presentes autos deduzir, mais uma vez, incidente de redução por inoficiosidade, para que seja reduzida a doação daquele montante de € 160.500,00, por inoficiosidade na medida do necessário, ou seja, até á reposição da quota indisponível, sendo o valor da doação imputada à quota disponível e o excesso imputado na legítima das duas herdeiras legitimárias, para preenchimento das suas legítimas, mais precisamente reduzida a referida doação, na medida necessária para o preenchimento da legítima da ora requerente que apura no montante de € 50.002,76, por considerar que é nessa medida que a doação ofende a legítima da mesma.
18. Novamente requerido nos autos pela interessada AA para que fossem aditadas à relação de bens as verbas correspondentes ao valor do dinheiro doado pelo de cujus à Recorrida CC, no montante de €160.500,00, a qual foi objeto de decisão proferida em 31/08/2021, com trânsito em julgado – refª ...75.
19. A decisão em mérito viola tudo quanto anteriormente foi decidido pelas instâncias, despachos, sentença e acórdãos transitados em julgado, porque não pode ser julgado procedente o incidente de redução por inoficiosidade da doação do valor que não pertence à herança, assim como nessa procedência condenar à reposição por inoficiosidade do valor de € 18.630,56, enfermando o decidido de erro de julgamento”.
A Requerente AA requereu, termos do disposto nos artigos 2159º n.º 2, 2168º n.º 1, 2169º, 2171º, 2173º, 2174º n.º 1 do Código Civil e dos artigos 613º n.º 2 e 614º n.º 1 do Código de Processo Civil, a correção do lapso e, consequentemente, da decisão proferida, condenando a interessada DD a devolver à herança, para efeitos de reposição por inoficiosidade e para preenchimento da legítima da herdeira legitimária ora requerente, AA, o valor, em dinheiro, que tem em sua posse, correspondente a €51.006,10 (cinquenta e um mil e seis euros e dez cêntimos).
Pelo tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho:
“Uma vez que foi interposto recurso, aguardem os prazos das contra-alegações pois a matéria requerida pode ser conhecida em sede de recurso subordinado”.
A Requerente AA também apelou, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“I. Como resulta da douta sentença de 01 de outubro de 2023, ora recorrida, o incidente de redução por inoficiosidade foi julgado totalmente procedente, incidente que a requerente/ recorrente AA deduziu, por manifesta inoficiosidade, para que a interessada, sua irmã, CC, devolvesse à herança, para efeitos de reposição por inoficiosidade, o valor de €51.006,10 (cinquenta e mil e seis euros e dez cêntimos) (arts. 2168.º, n.º 1, 2169.º, 2171.º, 2173.º, 2174.º, n.º 1 do Cód. Civil);
II. No entanto, por manifesto lapso, a quantia fixada na douta sentença recorrida, a título de legítima da recorrente, é manifestamente inferior ao que, por lei, a mesma tem direito;
III. Está assente que o inventariado deixou, apenas, duas filhas/ descendentes e, por isso, suas únicas e universais herdeiras, a cabeça de casal, CC e a ora recorrente, AA;
IV. O valor da herança é de € 170.243,30 (cento e setenta mil duzentos e quarenta e três euros e trinta cêntimos), correspondente ao valor da deixa à cabeça de casal, no montante de €160.500,00 (cento e sessenta mil e quinhentos euros) e ao valor de €11.483.33 (onze mil quatrocentos e oitenta e três euros e trinta e três cêntimos), respeitante ao valor da quota-parte a que o inventariado tinha direito, relativa a 1/6 (um sexto) indiviso do imóvel descrito na verba n.º 2 da relação de bens junta aos autos a fls…, prédio urbano sito na Rua ..., ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24 e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... (..., ... e ...) sob o n.º ...70, imóvel esse avaliado em € 68.900,00 (sessenta e oito mil e novecentos euros), conforme relatório de avaliação a fls… dos presentes autos;
V. Como consta dos autos, o inventariado deixou passivo no valor de €1.740,05;
VI. Em vida, o inventariado doou à recorrida, CC, aqui cabeça de casal, o referido montante de € 160.500,00 (cento e sessenta mil e quinhentos euros);
VII.A referida doação feita pelo inventariado à interessada CC foi dispensada da colação;
VIII. Mas que, obrigatoriamente, deve levada em consideração para efeitos de partilha e relacionada como bem doado, designadamente, para efeito de cálculo da legítima e de eventual redução por inoficiosidade;
IX. Considerando que por via do valor doado e do valor da herança não era possível o preenchimento da legítima da ora recorrente, por insuficiência de valor existente, foi requerida pela mesma a redução dessa doação, por inoficiosidade, questão essa nunca decidida anteriormente, na diligência de 09 de Maio de 2023, cuja ata tem a ref.ª ...24, tendo sido concedido, para o efeito, o prazo de dez dias e igual prazo à cabeça de casal, ora recorrida, para se pronunciar;
X. Como consta dos autos, dessa decisão, despacho que concedeu prazo à ora recorrente para deduzir o incidente de redução da mencionada doação por inoficiosidade, e igual prazo da cabeça de casal para se pronunciar, ninguém interpôs recurso, o qual, por isso, transitou em julgado;
XI. Também nessa diligência/ conferência de interessados ocorrida a 09 de maio de 2023, ficou acordado por ambas as interessadas, aqui recorrente e recorrida, que lhes ficará a caber, em partes iguais, o valor do passivo deixado pelo de cujus deixou passivo,
XII. Assim como adjudicar, em partes iguais, a cada uma, a única verba a partilhar, quota-parte a que o inventariado tinha direito, na proporção de 1/6 (um sexto) indiviso do imóvel descrito na verba n.º 2 da relação de bens junta aos autos a fls…, imóvel esse avaliado em € 68.900,00 (sessenta e oito mil e novecentos euros), ou seja, 1/12 (um doze avos) desse prédio, correspondente ao montante de € 5.741,66 (cinco mil setecentos e quarenta e um euros e sessenta e seis), a cada uma delas;
XIII. Ora, como é consabido, as liberalidades inoficiosas são, obrigatoriamente, redutíveis, em tanto quanto for necessário para que a legítima dos herdeiros legitimários sejam preenchidas, de acordo como disposto no artigo 2169.ºdo Código Civil, como, aliás, é pacífico na doutrina e na jurisprudência, conforme acórdãos supra referidos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos;
XIV. Deste modo, atento o valor da herança ( €170.243,30 ) a quota disponível é de apenas € 56.747,76 (cinquenta e seis mil setecentos e quarenta e sete euros e setenta e seis cêntimos) e a quota indisponível é de € 113.495,50 (cento e treze mil quatrocentos e noventa e cinco euros e cinquenta cêntimos), considerando que ao acervo hereditário concorrem duas herdeiras legitimárias, as irmãs, aqui cabeça de casal e a ora recorrente;
XV. Cabendo, portanto, às herdeiras legitimárias, aqui recorrente e recorrida, receber cada uma delas, a título de legítima, metade dos referidos € 113.495,50 (cento e treze mil quatrocentos e noventa e cinco euros e cinquenta cêntimos), ou seja, € € 56.747,76 (cinquenta e seis mil setecentos e quarenta e sete euros e setenta e seis euros) cada;
XVI. Assim, a cabeça de casal terá que repor à ora recorrente, para preenchimento da legítima a que a ora recorrente tem direito, a quantia de € 51.006,10, considerando o mencionado valor do ativo ( €170.242,30), composto pelo valor da doação e pelo valor do aludido 1/6 (um sexto) do valor da verba n.º 2 da relação de bens, correspondente a € 11.483,33, deduzido o valor de metade desse sexto indiviso ( €5.741,66 ) e o valor do passivo ( €1.740,05 ), como se alegou no requerimento de retificação do lapso, que se dá por reproduzido;
XVII. Pois, conforme consta também na página 9 da douta decisão, mais concretamente no seu terceiro parágrafo, “na medida em que [a cabeça de casal/ interessada CC] dispôs de € 160.500,00, quando só poderia dispor de € 56.747,76, excedeu a quota disponível em 103.752,20”.
XVIII. Na verdade, tratou-se de mero lapso e erro notório, ao considerar-se que à herança concorreu a meeira e descendente do inventariado, e não duas descendentes, como é o caso, o que condicionou o raciocínio e calculo para fixar, erradamente, aqueles €18.630,56;
XIX. Pois, a legítima da donatária não é de metade da herança, mas sim de metade de 2/3 (dois terços), estes correspondentes a € 113.495,50 (cento e treze mil quatrocentos e noventa e cinco euros e cinquenta cêntimos);
XX. Sendo, por isso, a legítima de cada uma das interessadas de € 56.747,76 (cinquenta e seis mil setecentos e quarenta e sete euros e setenta e seis cêntimos), por serem as únicas filhas do de cujus e suas herdeiras legitimárias,
XXI. Pelo que terá de repor a cabeça de casal para preenchimento da legítima da ora recorrente a importância de € 51.006,10, a que a ora requerente tem direito, para preenchimento do seu quinhão hereditário”.
Pugna a Recorrente pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida que entende deve ser retificada na parte em que condenou, por manifesto lapso e erro notório, a interessada DD a devolver à herança, para efeitos de reposição por inoficiosidade, o valor de €18.630,56 quando devia condenar a devolver o montante necessário para preenchimento da legítima da interessada AA, no valor de €51.006,10.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

A) Do recurso interposto pela cabeça-de-casal CC e marido:
1- Saber se a decisão recorrida viola o caso julgado;
B) Do recurso interposto pela Requerente AA:
1- Saber se existe erro na decisão recorrida no cálculo da legitima da donatária e na quantia que a mesma deve repor à herança.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
1. Resulta dos autos n.º 3018/16...., transitados em julgado, a seguinte matéria de facto:
a. O de cujus era titular de uma conta sediada na Banco 1..., balcão de ..., ..., com o n.º ...00....
b. O de cujus e a ré CC abriram em 17/09/2007 uma conta bancária sediada na Banco 2..., balcão de ..., ..., com o n.º ....
c. Nesse ato, foi depositada na conta referida em b) a quantia de €173.691,95, titulada pelo cheque n.º ...47, emitido pelo de cujus à ordem de si próprio e sacado sobre a conta referida em a).
d. Ficou acordado entre o de cujus e a ré CC que da quantia referida no ponto anterior, €165.000,00 ficariam a pertencer à ré e o remanescente ao de cujus.
e. Em 24/04/2015, a ré CC transferiu da conta referida em b) a quantia de €160.500,00 para a conta à ordem sediada na Banco 2..., balcão de ..., ..., com o n.º 038.10...., titulada por si e pela sua filha GG.
f. A quantia referida em e) foi oferecida à ré CC pelo de cujus como forma de a compensar pela falta de assistência que lhe recusou.
g. A ré CC aceitou a doação referida em f).  
2. Mais resulta dos autos n.º 3018/16...., transitados em julgado, que o STJ não conheceu da questão da sujeição da dita doação à colação e à correspondente doação por inoficiosidade por constituírem questões novas, insuscetíveis de apreciação naqueles autos. 
3. Resulta do despacho do Mmª Juiz que tramitou anteriormente estes autos com refª ...75 (31/08/2021), transitado em julgado, que a doação referida em 1, e)) não se encontra sujeita à colação mas não poderá deixar de ser levada em conta, para efeitos de partilha. 
4. Resulta do despacho da Mmª Juiz que tramitou anteriormente estes autos com refª ...95 (04/11/2021) que a doação referida em 1, e)) deverá ser relacionada, com a indicação de que foi doada e não está sujeita a colação. 
5. Ficou assente na conferência de interessados a seguinte relação de bens:
a. Ativo
i. Verba 1 – eliminada;
ii. Verba 2: 1/6 do prédio urbano sito na Rua ..., ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24 e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... (..., ... e ...) sob o n.º ...70, com o valor de €68.900,00;
b. Passivo;
i. Verba 3 - Dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira, processo de execução fiscal nº ...78 com o valor de €443,85;
ii. Verba 4 - Dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira, processo de execução fiscal nº ...89 com o valor de €447,67;
iii. Verba 5 - Dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira, processo de execução fiscal nº ...08 com o valor de €427,52;
iv. Verba 5 - Dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira, processo de execução fiscal nº ...08 com o valor de €427,52;
v. Verba 6 - Dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira, processo de execução fiscal nº ...16 com o valor de €421,01;
c. As verbas 2 a 6 serão a partilhar em partes iguais entre as interessadas.
d. O de cujus só deixou dois herdeiros, as interessadas DD e a interessada AA, ambas descendentes do inventariado. 
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3.2. Do recurso interposto pela cabeça-de-casal CC e marido
3.2.1. Da violação do caso julgado

Sustentam os Recorrentes que a decisão recorrida “viola tudo quanto anteriormente foi decidido pelas instâncias, despachos, sentença e acórdãos transitados em julgado”, não podendo ser julgado procedente o incidente de redução por inoficiosidade da doação do valor que não pertence à herança, e nem a Recorrente ser condenar à reposição por inoficiosidade do valor de €18.630,56, enfermando o decidido de erro de julgamento.
Os Recorrentes colocam, dessa forma, a questão da violação do caso julgado decorrente do decidido na ação n.º 3018/16...., contra si instaurada pela Requerente AA, invocando os acórdãos aí proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça e por este Tribunal da Relação de Guimarães, mas também dos despachos proferidos nos presentes autos em 31/08/2021 (refª ...75) e de 04/11/2021 (refª ...95).
Vejamos se lhes assiste razão.
Como é consabido, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decide do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º, conforme decorre expressamente do disposto no artigo 619º do CPC.
O caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, venha a contrariar na decisão posterior o sentido de decisão anterior.
O caso julgado pretende, por isso, obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa, o caso julgado consubstancia-se “na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª Edição, 1997, p. 567).
A lei distingue nos artigos 619º n.º 1 e 620º n.º 1, ambos do CPC, entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua força se estenda ou não a outros processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos.
Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Reimpressão, 1993, p. 306) define o caso julgado material como consistindo no facto de a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais, tendo por isso força obrigatória dentro e fora do processo e competindo às decisões que versem sobre o fundo da causa, que estatuam sobre a pretensão do autor ou definam a situação jurídica deduzida em juízo; o seu fundamento está “no prestígio dos Tribunais e na segurança ou certeza jurídicas.”
Os efeitos do caso julgado material desdobram-se em duas vertentes: o efeito negativo da inadmissibilidade duma 2ª ação ou a proibição de repetição [exceção do caso julgado, que é uma das exceções dilatórias expressamente elencadas no artigo 577º do CPC, concretamente na alínea i)] e o efeito positivo de decisão anteriormente proferida como pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito ou a proibição de contradição (autoridade do caso julgado) de forma a que o já decidido não pode ser contraditado ou apontado por alguma das partes em ação posterior.
O caso julgado formal assenta também no trânsito em julgado da decisão e pressupõe a repetição de qualquer questão, mas sobre a relação processual dentro do mesmo processo, restringindo-se os seus efeitos (ao contrário do caso julgado material) ao próprio processo. Também aqui, com o caso julgado formal e com a força atribuída à decisão transitada em julgado, ainda que verse sobre a relação processual, se pretende evitar que a questão já decidida possa vir a ser validamente definida em moldes diferentes pelo mesmo tribunal (v. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, p. 309, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, p. 680 a 682 e 693, Castro Mendes, Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 34).
Assim, o caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 745): enquanto efeito negativo, resulta da decisão transitada a insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que a proferiu, se voltar a pronunciar sobre ela, como efeito positivo, resulta da decisão transitada a vinculação do tribunal que a proferiu (e de outros) ao que nela foi definido ou estabelecido (Miguel Teixeira de Sousa, ob cit. p. 572); uma vez transitado despacho que decidiu determinada questão torna-se inadmissível no mesmo processo que venha a ser proferida nova decisão sobre a mesma questão, consagrando o artigo 625º do CPC que havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que primeiro transitou em julgado, o que vale também para as decisões de natureza adjetiva proferidas no mesmo processo (n.º 2 do referido preceito). Neste caso, se a mesma questão vier a ser objeto de nova decisão, esta deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal.
Apreciemos, então, se a decisão recorrida violou o caso julgado, conhecendo de questão já anteriormente apreciada por decisão transitada em julgado, seja na ação n.º 3018/16...., seja nos despachos proferidos nos presentes autos em 31/08/2021 e 04/11/2021.
A este propósito consta da mesma que:
“Por despacho do Mmº Juiz que tramitou anteriormente estes autos, com refª ...75 (31/08/2021), a doação que pretende a requerida ver relacionada foi dispensada da colação; contudo, conforme se lê no despacho do Mmª Juíza que tramitou anteriormente estes autos com refª ...24 (09/05/2023),  fica sempre ressalvado o direito à redução, no caso de inoficiosidade, conforme prescreve o art 2168º do Cód Civil (dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários).
Com efeito, em dadas situações, é irrelevante que o donatário esteja ou não obrigado a conferir a doação, i.e: que esteja ou não sujeito a colação.
Se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros determina o art 2108º, nº 2 do Cód Civil que a doação deve ser reduzida »se houver inoficiosidade«.
No caso concreto, não há lugar à colação mas pode haver eventual redução das doações motivada pela sua inoficiosidade”.
Vejamos.
Conforme decorre da matéria de facto provada (ponto 2) resulta dos autos n.º 3018/16...., transitados em julgado, que o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu da questão da sujeição da doação (da quantia de €160.500,00 a CC) à colação e à correspondente doação por inoficiosidade por constituírem questões novas, insuscetíveis de apreciação naqueles autos. 
Mais resulta do despacho proferido em 31/08/2021 que a referida doação não se encontra sujeita à colação, mas não poderá deixar de ser levada em conta, para efeitos de partilha, e do despacho proferido em 04/11/2021 que a doação deverá ser relacionada, com a indicação de que foi doada e não está sujeita a colação (pontos 3 e 4 dos factos provados). 
Da matéria de facto provada concluímos facilmente que a questão da redução por inoficiosidade não foi anteriormente apreciada e nem decidida.
Analisado o acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, verificamos que julgou a doação válida e, consequentemente, revogou a sentença proferida em primeira instância considerando improcedentes os pedidos da Autora AA.
Tais pedidos eram os seguintes:
“a) Reconhecer que a Autora e Ré são as únicas e universais herdeiras dos bens deixados por óbito do seu pai, BB;
b) Reconhecer que as quantias de € 216,61 e de € 158.500,00 existentes nos depósitos à ordem nº 038/10.... e depósitos a prazo nº 038/15.... pertencem àquela herança;
c) Reconhecer que à referida herança, pertence, ainda, a quantia de € 2.000,00 que se traduz na diferença entre os € 160.500,00 que a ré transferiu da conta do seu pai e a quantia de € 158.500,00 que se encontra depositada na sua conta acima referida.
d) Restituir à herança todos os referidos montantes.
e) Inserir na relação de bens, no âmbito do processo de inventário nº ...5 que corre termos pelo Cartório da Srª Notária EE, aqueles montantes de €216,61, €158.500,00 e €2.000,00, para poderem ser partilhados”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é expressamente referido que as questões da dispensa de colação e da eventual inoficiosidade não podiam ser submetidas à apreciação do tribunal por serem questões novas, de conhecimento não oficioso, que o tribunal não tinha e nem podia conhecer (sob pena de nulidade por excesso de pronuncia) (sublinhado nosso).
Veja-se ainda que AA requereu a reforma do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça alegando que o pedido de fazer incluir o bem doado na relação de bens para efeitos da sua sujeição à colação e eventual inoficiosidade teria de ser um pedido subsidiário, carecendo de ser julgado de forma autónoma tendo incorrido o Tribunal da Relação em omissão de pronuncia; o pedido de reforma foi indeferido por decisão de 16 de outubro de 2028 que considerou não ter sido cometida qualquer nulidade uma vez que as referidas questões constituíam questões novas de conhecimento não oficioso.
Ou seja, na ação n.º 3018/16.... apenas foi decidido que a doação era válida, concluindo-se do mesmo que o valor em causa não pertencia à herança e nem era para partilhar entre as herdeiras, não devendo ser, com tal fundamento, relacionado no processo de inventário.
Tal não se confunde com a questão da eventual sujeição da doação à colação e nem com a questão da eventual redução por inoficiosidade.
Sobre a questão da sujeição à colação pronunciou-se o referido despacho de 31/08/2021 que considerou que a doação efetuada se tem por manual e, como tal, dispensada da colação; concretizando-se no despacho proferido em 04/11/2021 que, apesar disso, e de acordo com o principio da intangibilidade da legitima, a doação deve ser relacionada para possibilitar o calculo da legitima mas com a indicação de que foi doada e não está sujeita a colação, consignando que tal questão (da relacionação da doação) não estava ainda, de forma clara, decidida. 
Do exposto decorre que a questão da redução por inoficiosidade não se mostrava ainda apreciada e decidida nem na ação n.º 3018/16...., nem nos despachos anteriormente proferidos nos presentes autos em 31/08/2021 e 04/11/2021, inexistindo a invocada violação do caso julgado material e formal.
De facto, não se pode confundir a questão de o valor em causa não pertencer e não ser para partilhar entre as herdeiras (não sendo com esse fundamento, relacionado no processo de inventário), não podendo, por isso, ser objeto de partilha conforme afirmam os Recorrentes (o que foi objeto da ação n.º 3018/16....), nem a questão da doação estar ou não sujeita à colação (como vimos foi decidido estar dispensada da colação por despacho proferido em 31/08/2021) ou a necessidade do valor da doação ser relacionado (com a menção da doação não estar sujeita à colação) de forma a possibilitar o cálculo da legitima (o que foi decidido no despacho de  04/11/2021), com a questão da redução por inoficiosidade, o que apenas foi apreciado na decisão recorrida, após ter sido determinada a avaliação das verbas 1 e 2 da relação de bens (cfr. despacho proferido em 6/12/2021).
Improcede, por isso, na íntegra, o recurso da cabeça-de-casal CC e marido.
As custas são da responsabilidade dos Recorrentes atento o seu integral decaimento (artigo 527º do CPC).
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3.3. Do recurso interposto pela Requerente AA
3.3.1. Da existência de erro no cálculo da legitima da donatária e na quantia a devolver à herança para efeitos de redução por inoficiosidade
O recurso interposto pela Requerente versa apenas sobre a existência de erro no cálculo da legitima e, consequentemente, no cálculo da quantia a repor à herança por força da redução por inoficiosidade.
Na decisão recorrida foi determinado que a interessada DD deve devolver à herança, para efeitos de reposição por inoficiosidade, o valor de €18.630,56.
Sustenta a Recorrente que, atento o valor da herança de €170.243,30, a quota disponível é de apenas €56.747,76 e a quota indisponível é de € 113.495,50, cabendo às herdeiras legitimárias receber cada uma delas, a título de legítima, metade dos referidos €113.495,50, ou seja €56.747,76 cada, pelo que a cabeça-de-casal terá que repor à Recorrente, para preenchimento da legítima a que tem direito, a quantia de €51.006,10.
Alega, por isso, a existência de mero lapso e erro notório na decisão recorrida uma vez que a legítima da donatária não é de metade da herança, mas sim de metade de 2/3 (dois terços), estes correspondentes a €113.495,50, sendo a legítima de cada uma das interessadas de €56.747,76, por serem as únicas filhas do de cujus e suas herdeiras legitimárias.
Adiantamos desde já que, ainda que não possa afirmar-se estarmos perante um mero lapso de escrita, é manifesta a existência de lapso/erro no cálculo da legitima, considerando os valores e as normas constantes da própria decisão recorrida.
Quanto à doação, importa atender ao preceituado no artigo 2114º do Código Civil) que estabelece que não havendo lugar à colação, como ocorre no caso concreto, a doação é imputada na quota disponível.
Relativamente à donatária herdeira, tal como se afirma na decisão recorrida, a doação será imputada na quota disponível, e o excesso deverá ser imputado na legítima da donatária e, excedendo a quota disponível e a legítima, está sujeita a redução por inoficiosidade nos termos gerais (v. acórdão desta Relação de Guimarães de 19/03/2020, Processo n.º 184/19.4T8AMR.G1, Relator Eduardo Azevedo, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Estabelece o n.º 1 do artigo 2168º do Código Civil que são inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários, sendo as liberalidades inoficiosas redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (cfr. artigo 2169º do Código Civil).

Dispõe ainda o artigo 2171º que a redução abrange em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão e, sendo necessário recorrer às liberalidades feitas em vida, começar-se-á pela última, no todo ou em parte, se isso não bastar, passar-se-á à imediata, e assim sucessivamente (artigo 2173º n.º 1 do Código Civil).
Quanto aos termos em que se efetua a redução determina o artigo 2174º do Código Civil que, quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima (n.º 1); sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução (n.º 2). A reposição de aquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita igualmente em dinheiro (n.º 3).
Importa ainda considerar que não havendo cônjuge sobrevivo, a legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais (artigo 2159º do Código Civil) e que para o cálculo da legitima deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança (artigo 2162º do Código Civil).

Vejamos então.

Resulta demonstrado nos autos, e não vem questionado no presente recurso, que:
· O inventariado deixou duas filhas, suas únicas e universais herdeiras, a cabeça-de-casal, CC e AA;
· A legítima é de 2/3 da herança;
· O valor da herança, para efeitos de cálculo da legítima, é de €170.243,30, correspondente à soma de €11.483,33 (1/6 do valor do prédio descrito na verba 2), com a quantia de €160.500,00 doada, a que deve subtrair-se a quantia de €1740,05 referente ao passivo;
· A doação feita pelo inventariado à interessada CC foi dispensada da colação.

Assim, sendo a legitima de 2/3 da herança, ou seja, de €113.495,53, a quota disponível é apenas de €56.747,76, pelo que, tal como bem se refere na decisão recorrida “na medida em que dispôs de €160.500,00, quando só poderia dispor de €56.747,76, excedeu a quota disponível em €103.752,20”.
Porém, o Tribunal a quo incorre efetivamente em erro ao considerar que a legítima da donatária é de 1/2 (metade) da herança e que, por isso, sendo esta no valor de €170.243,30, a interessada donatária teria direito a metade, a €85.121,64 e que, uma vez que o excesso (€103.752,20) ultrapassa este valor em €18.630,56, deverá repor este valor. 
Na verdade, como já vimos (e consta também da decisão recorrida) no caso concreto a legitima da donatária não é de metade da herança, mas de metade de 2/3 da herança (que constitui a legitima uma vez que existem duas filhas); assim, a legitima da donatária é de €56.747,76 e não de €85.121,64, pelo que uma vez que o excesso de €103.752,20 ultrapassa aquele valor em €47.004,44, é este o valor que a donatária CC deve repor à herança, para efeitos de redução por inoficiosidade (e não o valor de €51.006,10 referido pela Recorrente).
Desta forma, reposta tal quantia, e considerando o valor da verba 2 de €11.483,33 (e deduzindo o valor do passivo) poderá ser preenchida a legitima da Recorrente.
Em face do exposto, procede, por isso, ainda que parcialmente o recurso, e, consequentemente, impõe-se alterar a decisão recorrida no sentido de que a interessada DD deverá devolver à herança, para efeitos de redução por inoficiosidade, o valor de €47.004,44 e não de €18.630,56.
As custas deste recurso são da responsabilidade da Recorrente e dos Recorridos na proporção do decaimento (artigo 527º do CPC).
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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:

A) Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela cabeça-de-casal CC e marido;
B) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Requerente AA e, consequentemente, alterar a decisão recorrida no sentido de que a interessada DD deverá devolver à herança, para efeitos de redução por inoficiosidade, o valor de €47.004,44.
As custas do recurso interposto pela cabeça-de-casal CC e marido são da sua inteira responsabilidade; as custas do recurso interposto pela Requerente AA são da sua responsabilidade e da responsabilidade dos Recorridos na proporção do decaimento.
Guimarães, 07 de março de 2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Afonso Cabral de Andrade (1º Adjunto)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira (2ª Adjunta)