Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8675/15.0T8VNF-E.G2
Relator: JOSÉ DIAS
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
REFORMA DE DECISÃO QUANTO A CUSTAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Quando o juiz, em sede de decisão final, incumpra com o poder/dever de se pronunciar oficiosamente quanto à dispensa (ou redução) da taxa de justiça remanescente, as partes que entendam que se encontram preenchidos os pressupostos legais para essa dispensa ou redução, têm de interpor recurso dessa decisão final quanto ao segmento de custas, no prazo legal para o efeito (em regra, 30 dias), requerendo, nas alegações de recurso, a reforma da decisão final quanto a custas, ou não admitindo o processo recurso ordinário, têm de requerer a reforma da decisão final quanto a custas junto do próprio tribunal que proferiu a decisão final, no prazo de dez dias a contar da notificação dessa decisão final.
2- Esse entendimento não padece do vício da inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade e dos direitos à igualdade e da tutela jurisdicional efetiva, na dimensão de um processo materialmente justo, conforme acórdão do Tribunal Constitucional n.º 527/16, de 4/01.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
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RELATÓRIO

Nos presentes autos de insolvência, por sentença proferida em 24/11/2015, entretanto transitada em julgado, foi declarada a insolvência de I. C..

Entretanto a administradora de insolvência apresentou a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, a qual foi alvo de impugnação.
Tendo transitado em julgado o acórdão proferido por esta Relação em 17/12/2019, no apenso de reclamação de créditos, devolvidos os autos à 1ª Instância, estes foram remetidos à conta, sem que o tribunal se tivesse debruçado oficiosamente sobre a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.

Notificada via Citius em 06/05/2020, da conta elaborada e remetida a guia para liquidação das custas de parte da sua responsabilidade, veio a insolvente I. C. requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente e, subsidiariamente, reclamar da conta, pretendendo ser dispensada, por essa via, da taxa de justiça remanescente.
Observado o contraditório, os restantes interessados não se pronunciaram quanto ao requerido pela insolvente.
Por sua vez, tendo tido vista nos autos, o Ministério Público, após enunciação de múltipla jurisprudência e dando nota das duas correntes jurisprudências que se têm perfilhado quanto ao momento final para requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, nos casos em que o juiz não se pronuncie sobre essa questão na sentença, promoveu que se indeferisse o pedido principal e o subsidiário deduzidos pela insolvente, o primeiro, por intempestividade, e o último (o subsidiário), por a reclamação da conta não constituir o meio processual para fazer valer a isenção do pagamento da taxa de justiça remanescente, dado tratar-se de meio processual destinado a reagir unicamente quanto a conta elaborado apresente erros materiais, o que não é o caso.

Seguiu-se o despacho recorrido, proferido em 06/07/2020, em que a 1ª Instância indeferiu o pedido principal de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, por intempestividade, bem como o pedido subsidiário de reclamação da conta de custas de parte, por inadmissibilidade legal, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:
“Termos em que, por intempestividade, indefiro o pedido formulado pela insolvente I. C. para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, bem como indefiro, por inadmissibilidade, o pedido subsidiário de reclamação de conta de custas”.

Inconformada com o assim decidido, a insolvente I. C. interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

I. Encontrando-se assente que antes da elaboração da conta e do requerimento apresentado pela Recorrente não foi proferida qualquer decisão pelo Tribunal a apreciar a dispensa que decorre do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP (v. g. quer a título oficioso, quer a pedido das partes) e uma vez que a Recorrente solicitou essa dispensa, quer quanto a si, quer relativamente ao credor/apelado, J. P., através de requerimento autónomo e, subsidiariamente, de reclamação da conta de custas, antes do término do prazo de 10 dias consignado no art. 31.º, n.º 1, do RCP, é manifesta a tempestividade daquele pedido;
II. Ainda que seja entendido que o referido pedido só podia ter lugar até elaboração da conta, a situação em análise nos presentes autos evidencia uma flagrante ou gritante desproporcionalidade entre o montante da taxa de justiça imputada às partes e o serviço de justiça que lhes foi prestado, que justifica a possibilidade de dispensa em momento posterior, de modo a evitar-se “um inaceitável comprometimento do acesso à justiça”, mas essencialmente para garantir o “Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da Constituição, e a que está submetido funcionalmente o relacionamento impositivo do Estado no confronto dos cidadãos”;
III. Em súmula, os fundamentos que, no entender da Recorrente, justificam a dispensa total, ou pelo menos parcial, do remanescente da taxa de justiça relativamente a si e ao credor/apelado, J. P., e que também evidenciam uma desproporção gritante entre a taxa e o serviço prestado, são os seguintes:
a) na situação sub judicie estão apenas em causa os serviços de justiça prestados na instância de recurso do Tribunal da Relação de Guimarães;
b) a complexidade da instância recursiva tem de ser qualificada como relativamente normal para um recurso da decisão de primeira instância que julgou procedente a impugnação da lista de créditos reconhecidos, não tendo, em termos de serviço efetivamente prestado, exigido do Estado uma atividade (muito) para além da que é exigida em processos normais da mesma natureza [v. g. (i) embora a alegação de recurso contenha 46 páginas, a resposta ao recurso tem somente 15 páginas e não existem quaisquer incidentes a registar; (ii) as matérias a apreciar no âmbito deste recurso foram apenas 4 e nenhuma delas exigiu elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importou a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; (iii) a análise destas matérias também não implicou a audição de quaisquer testemunhas, nem tampouco a análise de meios de prova complexos ou, sequer, a realização de várias diligências de produção de prova morosas; e, (iv) o douto acórdão proferido também não revestiu particular dificuldade];
c) os serviços de justiça foram mobilizados a favor das partes apenas durante cerca de 6 meses, pois o recurso deu entrada em 12/06/2019 e o acórdão foi proferido em 17/12/2019, tendo este último transitado em julgado no prazo legal, sem que as partes tenham desenvolvido qualquer atividade judiciária após a sua prolação;
d) a conduta das partes na instância recursiva sempre foi clara, objetiva e colaborante, não tendo introduzido qualquer complexidade ao pleito;
e) considerando os critérios de razoabilidade, proporcionalidade e adequação que devem necessariamente condicionar o juízo aplicativo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, a cobrança do remanescente da taxa de justiça, no valor de 3.798,00€ para cada parte, viola tais princípios e mostra-se manifestamente desproporcionado e intolerável para os serviços de justiça prestados; e,
f) atento o atual contexto de crise e encontrando-se ainda a Recorrente insolvente, o montante de custas no valor total de 9.588,00€ é uma quantia que não está ao alcance generalidade dos cidadãos e ultrapassa largamente aquilo que é razoável e aceitável em recursos similares, mas cujo valor é substancialmente inferior, tanto mais que este concreto recurso não importou para o Tribunal um labor mais intenso e prolongado, do que normalmente tem nos recursos idênticos de valor substancialmente inferior.
IV. Por força do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4.º do CPCiv., a dispensa, ou redução, do remanescente da taxa de justiça deve ser concedida à Recorrente e ao credor/apelado J. P., pois, além da Recorrente ter efetuado pedido nesse sentido, os pressupostos legais estatuídos no n.º 7 do art. 6.º do RCP verificam-se para ambas as partes e, como tal, o Tribunal sempre poderia/deveria determinar oficiosamente essa dispensa relativamente ao referido credor, nos mesmos termos em que seja concedida à Recorrente, por forma a dar cumprimento àquele principio legal;
V. Ao indeferir, por intempestividade, o pedido formulado pela Recorrente para dispensa do remanescente da taxa de justiça e, por inadmissibilidade, o seu pedido subsidiário de reclamação da conta de custas, o Tribunal à quo fez uma incorreta aplicação e/ou interpretação do n.º 7 do art. 6.º do RCP;
VI. A correta interpretação e aplicação do preceituado no n.º 7 do art. 6.º do RCP impunha julgar tempestivo o requerimento apresentado pela Recorrente e deferir o mesmo por se verificarem preenchidos os requisitos estabelecidos no mesmo preceito legal;
VII. Subsidiariamente, ainda que se entenda que o referido pedido é extemporâneo, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse dispensado, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça relativamente à Recorrente e ao credor/apelado J. P., por se verificar uma desproporção gritante entre a taxa imputada às partes e o serviço de justiça que efetivamente lhe foi prestado, que impõe o afastamento do regime legal estatuído no n.º 7 do art. 6.º do RCP, para salvaguardar os princípios e direitos constitucionais consagrados nos arts. 18.º n.º 2 e 20.º da CPR;
VIII. Mercê dos evidenciados erros deve revogar-se o despacho recorrido, a qual deverá ser substituída por decisão que defira, total ou parcialmente, o pedido de dispensa, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça relativamente à Recorrente e ao credor/apelado J. P..
Nestes termos, e nos melhores de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso, pelos fundamentos e nos termos explanados nas conclusões acabadas de alinhar.

Apenas o Ministério Público contra-alegou, pugnando no sentido da improcedência da apelação, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos:

1. O momento em que o juiz deverá apreciar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é o da decisão em que julga a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos, conforme o disposto no artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil;
2. O artº 607º, nº 6, refere expressamente que a condenação dos responsáveis pelas custas processuais é um dos segmentos decisórios que deve constar da sentença, sendo, porém, a omissão passível de correção, mesmo por iniciativa do juiz, nos termos do artº 614º, nº 1, ambas as disposições do Código de Processo Civil;
3. Apesar de o juiz poder/dever fazê-lo oficiosamente, essa omissão poderá ser corrigida pelas partes interessadas que irão provocar a apreciação da questão da dispensa do pagamento pedindo a reforma da sentença, por simples requerimento, ou, se for admissível o recurso, incluindo-a nas alegações, como se alcança do artº 616º, nº 1 e nº 3, do Código de Processo Civil;
4. O prazo para requerer a reforma da sentença quanto a custas é o geral, de 10 dias (artº 149º), e, sendo admissível recurso, o prazo é o da sua interposição (artº 638º, nº 1, ambas as disposições do Código de Processo Civil), o que não ocorreu;
5. Como tal, a conta foi elaborada em consonância com o decidido quanto a custas, nos termos do disposto no artº 30º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, e, assim, contado o processo e liquidada a responsabilidade de cada uma das partes pelas custas, afigura-se-como impossível recuar ao momento da decisão para apreciar a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
6. A reclamação da conta apenas poderá ter como objeto a correção de um erro do funcionário que a elaborou, referente às normas legais aplicáveis, às determinações do julgador ou a lapso de escrita/cálculo;
7. É maioritária a jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça no sentido de considerar que o requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas, o que não sucedeu;
8. Segundo o Tribunal Constitucional, a interpretação do artº 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais, no sentido que é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo após a elaboração da conta de custas não viola o princípio da tutela jurisdicional efeiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional;
9. No caso concreto, o processo subiu em recurso e conheceu decisão por um Tribunal Superior, estando a apelante devidamente representada por ilustre causídico (a) e, como tal, com obrigação de conhecer as tabelas anexas ao Regulamento das Custas Processuais e o funcionamento do mecanismo em causa; se o montante concreto a pagar poderá ser uma surpresa, a previsibilidade de tal ocorrer (sendo que a condenação em custas foi conhecida no Tribunal Superior, com decisão transitada em julgado) não o é;
10. Não foram violados quaisquer preceitos legais.
Termos em que se conclui no sentido supra exposto, julgando-se o recurso improcedente.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a única questão que se encontra submetida à apreciação desta Relação resume-se em saber se a decisão recorrida, ao indeferir, por intempestividade, o pedido formulado pela apelante solicitando a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, por intempestividade e, bem assim, o pedido subsidiário de reclamação de conta de custas, este por inadmissibilidade legal, padece de erro de direito.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a decisão a proferir no âmbito da presente apelação são os que constam do relatório supra elaborado.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Estabelece o art. 1º do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento (n.º 1), considerando-se para esse efeito como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a tributação própria (n.º 2).
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (arts. 3º, n.º 1 do RCP e 529º, n.º 1 do CPC).
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e da complexidade da causa, de acordo com o fixado no RCP, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A do Regulamento (arts. 6º, n.º 1 do RCP e 529º, n.º 2 do CPC).
A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo (art. 11º do RCP).
A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido, nos termos do disposto no RCP (art. 530º, n.º 1 do CPC) e exceto nos casos em que aqueles se encontrem isentos do pagamento de custas nos termos do art. 4º do RCP, ou beneficiem de apoio judiciário que os isente do pagamento de taxa de justiça, ou nas situações excecionais previstas no n.º 5 do art. 552º do CPC, o autor, demandante, requerente, exequente ou recorrente tem de proceder ao prévio pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual, tendo para o efeito de juntar à petição inicial, requerimento com que dá início ao incidente ou à providência cautelar, ao requerimento executivo ou ao requerimento de interposição do recurso, o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida por esse impulso processual, o mesmo se dizendo em relação ao réu, demandando, requerido, executado ou recorrido, que também tem de juntar em anexo, respetivamente, à contestação, oposição ao incidente, incidentes que deduza em sede de execução que lhe foi movida ou contra-alegações de recurso o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida por esse contra impulso (arts. 145º, 552º, n.ºs 3 a 5, 570º, 642º, 724º, n.º 4, al. c) do CPC e 14º do RCP).
Deste modo, de acordo com o regime jurídico que se acaba de enunciar, em todos os processos autónomos, sejam ações, execuções, incidentes, procedimentos cautelares ou recursos, são devidas custas; essas custas compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte; a taxa de justiça é a quantia devida pelo impulso processual e salvo os casos em que a parte esteja isenta do pagamento de custas, beneficie de apoio judiciário que a isente do pagamento de taxa de justiça ou nas situações excecionais do n.º 5 do art. 552º do CPC, aquela encontra-se obrigada a autoliquidar a taxa de justiça devida pelo impulso processual e a juntar ao articulado com que procede a esse impulso o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça.
Conforme referido, de acordo com a regra geral estabelecida no art. 11º do RCP, a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponderá ao valor da causa.
Acontece que o n.º 7 do art. 6 do RCP estabelece que “nas causas de valor superior a 275.000,00 euros, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Como é sabido, esse n.º 7 do art. 6º foi aditado ao RCP pela Lei n.º 7/2012, de 13/02, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15 de julho de 2013, que julgou inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, n.º 2, segunda parte da Constituição, as normas contidas nos artigos 6º e 11º, conjugadas com a tabela I-A anexa, ao Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Deste modo, e não obstante a taxa de justiça até ao valor da causa de 275.000,00 euros, continue a ser fixada por referência, em regra, à tabela I-A anexa ao RCP, carecendo de ser autoliquidada pela parte, que tem de juntar ao articulado com que inicia a ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução, dando assim o seu impulso processual, o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida por esse impulso, procurando o legislador adequar o RCP às mencionadas exigências constitucionais, veio estabelecer que, para além desse valor da causa de 275.000,00 euros, o valor da taxa de justiça acresce, a final (isto é, finda a causa, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução, pelo que neles não há prévio pagamento de taxa de justiça referente ao valor da causa na parte em que exceda os mencionados 275.000,00 euros), por cada 25.000,00 euros ou fração, três UC, no caso da coluna A; 1,5 UC, no caso da coluna B; e 4,5 UC, no caso da coluna C (vide parte final da tabela I-A anexa ao RCP) e conferiu ao juiz o poder-dever de ex officio ou a requerimento das partes, por despacho fundamentado, na decisão final a proferir quanto à ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução, de dispensar ou reduzir o pagamento dessa taxa de justiça remanescente, quando a especificidade da situação o justifique, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
Ao assim proceder o legislador introduziu no RCP um sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite (275.000,00 euros), em que a taxa de justiça é calculada de acordo com as tabelas anexas ao RCP, em regra, a tabela I-A, e em que a taxa de justiça tem de ser autoliquidada pela parte, que tem de comprovar, no momento do impulso, tê-la pago, mediante a junção aos autos, em anexo ao articulado em que procede a esse impulso, do documento comprovativo do prévio pagamento da mesma, e por outro, introduziu mecanismos de graduação prudencial do montante das custas devidas a partir desse limite de 275.000,00 euros, mitigando o valor das custas processuais decorrentes do valor da causa a partir desse limite, ao estabelecer que para além desse limite, não há prévio pagamento da taxa de justiça, mas que aquela taxa de justiça remanescente apenas será paga a final, isto é, finda a ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução, em cuja decisão final o juiz tem o poder/dever de se pronunciar sobre a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, caso este não se pronuncie e as partes, perante essa omissão, não requeiram essa pronuncia, ou quando, fazendo-o, vejam essa pretensão indeferida, situação em que a taxa de justiça remanescente é calculada de acordo com as regras especificas previstas no RCP.
Nesse sentido lê-se no Preâmbulo do RCP que a reforma do regime das custas processuais “pretende instituir um novo sistema de conceção e funcionamento das custas processuais (…). De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação. Constatou-se que o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspetividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa”.
Note-se que ao assim estatuir quanto à taxa de justiça remanescente, é pacifico o entendimento jurisprudencial e doutrinário que a lei impõe ao juiz um verdadeiro poder/dever de, na decisão final que profira quanto à ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução de ter de se pronunciar oficiosamente quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente.
Neste sentido escreve Salvador da Costa (1) que a decisão judicial “de dispensa, excecional”, do remanescente depende “da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade, e a positiva atitude de cooperação das partes. A lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do juiz no referido sentido, pelo que importa concluir que ele o pode fazer a título oficioso ou no despacho final” (destacado nosso).
Com efeito, estando em causa a salvaguarda do direito constitucionalmente tutelado de acesso das partes aos tribunais, bem como da igualdade dos utentes do sistema de justiça e, bem assim os princípios da proporcionalidade, da justeza e da adequação dos valores da taxa de justiça devida pelas partes em cada ação ou procedimento, o comando ínsito no art. 6º, n.º 7 do RCP, carece de ser entendido como um poder-dever (e nunca como um poder discricionário) imposto ao juiz de, nas causas de valor superior a 275.000,00 euros, dever ponderar da proporcionalidade, justeza e adequação do pagamento do remanescente da taxa de justiça, independentemente de qualquer requerimento das partes para que emita essa pronúncia, devendo dispensar ou reduzir esse pagamento da taxa de justiça remanescente, sempre que esse pagamento coloque em crise aqueles direitos e princípios constitucionais, por o valor da taxa de justiça exigido às partes se mostrar desproporcionado ao serviço recebido do sistema de justiça, tudo sem prejuízo de o juiz, nada dizendo, as próprias partes interessadas poderem requerer essa dispensa.
Precise-se que apesar do n.º 7 do art. 6º do RCP apenas prever a dispensa do remanescente da taxa de justiça, é pacífico que “os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação, que estão subjacentes a esta norma flexibilizadora, só serão plenamente alcançados se ao juiz for possível moldar ou modular o valor pecuniário correspondente ao remanescente da taxa de justiça devida nas causas de valor especialmente elevado, ponderando integralmente as especificidades do caso concreto e evitando uma lógica binária de tudo ou nada, segundo a qual apenas seria devido o montante da taxa de justiça já pago ou teria de ser liquidada a totalidade das custas correspondentes ao valor da causa, devendo antes poder dispensar o pagamento, conforme seja mais adequado, da totalidade ou apenas de uma parcela ou fração daquele valor remanescente”, sob pena de se criarem situações de intolerável desproporção de resultados e violadoras do princípio da igualdade entre os litigantes, “ao impossibilitar uma plena consideração e balanceamento das especificidades próprias do caso ou situação processual, obrigando, de forma rígida e injustificada, a parificá-las artificiosamente, apesar das substanciais diferenças que entre elas pudessem verificar-se” (2).
Deste modo, o art. 6º, n.º 7 do RCP confere ao juiz um poder-dever de, na decisão final, ter de se pronunciar oficiosamente no sentido de dispensar, total ou parcialmente, a parte ou partes responsáveis pelo pagamento das custas de parte da taxa de justiça remanescente, atentas as especificidades do caso concreto.
Na ponderação que o juiz terá de efetuar no sentido de dispensar ou não a parte ou partes responsáveis pelo pagamento das custas de parte, total ou parcialmente, do pagamento da taxa de justiça remanescente, conforme resulta da expressão “designadamente” utilizada no n.º 7 do art. 6º do RCP, a enumeração que nele se faz quanto aos critérios a serem considerados nessa ponderação - complexidade da causa e conduta processual das partes -, é meramente exemplificativa, devendo o julgador convocar todos os fatores modeladores e individualizadores do caso concreto e que se mostrem relevantes para aferir do montante das custas a pagar ao Estado pelo serviço de justiça recebido em função dos acima mencionados direitos e princípios constitucionais.
Na verdade, trata-se aqui, a final de apreciar as especificidades próprias do caso concreto e verificar se se justifica ou não dispensar, total ou parcialmente, o remanescente da taxa de justiça atendendo aos comandos constitucionais segundo os quais o montante da taxa de justiça a pagar pelas partes não deve ser de molde a colocar em crise o direito constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais, sequer pode colocar em crise os princípios constitucionais da proibição do excesso (proporcionalidade) e da igualdade, princípios esses dos quais decorre que dos cidadãos deve ser solicitado idêntico grau de taxa de esforço no financiamento do sistema de justiça que utilizam.
Essa ponderação, como referido, deve ser feita pelo juiz, oficiosamente, na decisão final.
No entanto, quando essa ponderação não seja feita pelo juiz em sede de decisão final a proferir na ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução, podem as partes suscitá-la, sendo que a questão que se levanta é a de saber o modo como o terão de fazer e o prazo que dispõem para o efeito.
Deste modo, a questão que se suscita nos autos traduz-se em saber se não tendo esta Relação, em sede de acórdão proferido em 17/12/2019, emitido qualquer pronúncia no sentido de dispensar ou reduzir (ou não) a taxa de justiça remanescente devida pela apelante e se não tendo a 1ª Instância igualmente emitido qualquer pronúncia sobre essa questão e se tendo os autos sido remetidos à conta e tendo esta sido notificada dessa conta, se a apelante, ainda assim, pode requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente e, no caso positivo, qual o mecanismo processual de que se pode prevalecer para o efeito.
Conforme dá nota a 1ª Instância em sede de decisão recorrida e já antes tinha sido acusado pelo Ministério Público na sua douta promoção, essa questão não tem merecido resposta uniforme na jurisprudência, designadamente, ao nível da do Supremo Tribunal de Justiça e, inclusivamente, nesta Relação de Guimarães, podendo-se encontrar não duas, mas antes três correntes jurisprudenciais a propósito dessa concreta questão.
Com efeito, segundo uma primeira corrente, que é largamente a maioritária, o pedido de dispensa da taxa de justiça remanescente tem de ser apreciado e decidido pelo tribunal oficiosamente em sede de decisão final, de modo que quando não o faça, as partes interessadas terão de requerer a reforma da decisão final quanto à decisão nela proferida quanto a custas em sede de recurso a interpor dessa decisão final, nas alegações de recurso, quando o processo admita recurso ordinário; não sendo admitindo recurso ordinário, essa reforma da decisão final quanto a custas tem de ser requerida junto do próprio tribunal que proferiu a decisão final, no prazo de dez dias a contar da notificação dessa decisão final, pedindo a reforma da condenação da decisão nela proferida quanto a custas, por forma a ser dispensada, total ou parcialmente, da taxa de justiça remanescente.
Segundo esta corrente, o trânsito em julgado da decisão final constitui o limite temporal final para as partes requererem a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente quando o tribunal, nessa decisão final, incumpra com o poder/dever de se pronunciar oficiosamente quanto à dispensa (ou não) do pagamento, total ou parcial, da taxa de justiça remanescente.
Essa corrente jurisprudencial filia-se nos ensinamentos de Salvador da Costa, que refere que “o juiz deve apreciar e decidir, na sentença final se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma de decisão quanto a custas” (3), e em que, a fls. 354 a 355, acrescenta: “Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas deverão dele recorrer, nos termos do art. 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no art. 616º, n.º 1, ambos do CPC. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados”.
Destarte, segundo este entendimento maioritário, o pedido de dispensa do remanescente, nos casos em que o juiz, na decisão final, omita qualquer pronúncia sobre essa questão, tem de ser requerido até ao trânsito em julgado dessa decisão final mediante reclamação (quando a decisão final não admita recurso ordinário), ou através de recurso ordinário dessa decisão quanto ao segmento da condenação em custas, quando esse recurso seja admissível.
Sustenta-se que “na decisão final da causa deve o juiz, oficiosamente, apreciar da questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça; na falta de decisão expressa do juiz, podem as partes requerer a reforma (art. 616º, nº 1, do CPC – no prazo de dez dias) ou recorrer (arts. 616º, nº 3 e 627º do CPC – prazo regra de trinta dias) de tal decisão”, concluindo que “o trânsito em julgado da decisão final da causa (com a insuscetibilidade de recurso ordinário e reclamação – art. 627º do CPC) constitui o momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (conhecida a decisão final, a parte tem conhecimento de que a conta final a elaborar, em atenção a tal decisão, não irá contemplar seguramente essa dispensa, cabendo-lhe, por isso, reagir a tal decisão – não o fazendo, os efeitos do trânsito em julgado estendem-se também a essa questão)” (4).
Mais se considera que todas as questões e objeções quanto a custas têm de estar solucionadas quando o processo é remetido à conta, uma vez que nesta, o funcionário responsável pela elaboração da conta, limita-se a realizar a operação material de contagem das custas, tendo em consideração as disposições legais aplicáveis a essa operação material e as decisões que foram tomadas ao longo do processo pelo juiz quanto a custas.
De acordo com esse entendimento, quando o juiz não se pronuncie quanto à dispensa ou à redução da taxa de justiça remanescente, essa pronúncia tem de ser provocada pela parte interessada até ao trânsito em julgado da decisão final, através dos mecanismos processuais acima mencionados – reforma da decisão final quanto a custas, a ser apresentada junto do tribunal que a proferiu, no prazo de dez dias, a contar da notificação da decisão final, quando o processo não admita recurso ordinário, ou, admitindo-o, em sede de recurso, no prazo para a interposição deste, onde a questão tem de ser suscitada em sede de alegações de recurso – uma vez que a conta a elaborar pelo funcionário tem de refletir necessariamente essa decisão do juiz de dispensa ou de redução da taxa de justiça remanescente.
Mais se sustenta que a reclamação da conta não é o meio adequado a fazer valer tal dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, pois que a reclamação da conta constitui o expediente processual que incide exclusivamente sobre os atos materiais de contagem das custas pelo funcionário judicial encarregado da sua elaboração, quando este, nessa elaboração, incorra em vícios, seja por ter desconsiderado disposições legais aplicáveis à operação material de elaboração da conta, seja por ter desconsiderado decisões tomadas pelo julgador ao longo do processo quanto a custas, seja porque na elaboração da conta incorreu em lapsos de escrita ou de cálculo.
Sustenta-se que o incidente de reclamação da conta foi, desde sempre, reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta, não sendo, por isso, instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objeções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas, como é o caso da dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, e não com a enunciação ou materialização prática da conta (5).
Uma segunda corrente, que é minoritária, defende que o requerimento de dispensa ou de redução da taxa de justiça pode ainda ser apresentado pelas partes interessadas, após o trânsito em julgado da decisão final em que o juiz não se pronunciou quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado dessa decisão final.
É o caso do acórdão do STJ. de 11/12/2018, Proc. 1286/14.9TVLSB-A.L1.S2, in base de dados da DGSI, em cujo sumário se lê: “O pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a liquidar na elaboração da conta final, ao abrigo do art. 6º, n.º 7 do RCP, pressupõe que o processo já se mostra transitado em julgado, mas tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta”, concretizando-se, em sede de fundamentação jurídica, que “o prazo para as partes requererem a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente é de dez dias (…), o prazo de dez dias conta-se a partir do momento em que a decisão transita em julgado”.
De acordo com esta corrente, quando o tribunal incumpra com o poder/dever de se pronunciar oficiosamente quanto à dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça, as partes podem requerer, no prazo de dez dias, a contar do trânsito em julgado dessa decisão final, a dispensa, total ou parcial, da taxa de justiça remanescente.
Finalmente, a propósito desta problemática, encontra-se uma terceira corrente, também ela minoritária, que sustenta que as partes interessadas podem requerer a dispensa do pagamento, total ou parcial, da taxa de justiça remanescente, na sequência da notificação da conta, no prazo de dez dias a contar dessa notificação, fixado para a reclamação da conta, e usando precisamente o expediente processual da reclamação da conta.
Essa corrente filia esse seu entendimento no facto de o legislador não ter fixado qualquer prazo para a parte interessada provocar a decisão do juiz sobre a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente quando tenha omitido o poder/dever de, na decisão final, se pronunciar sobre essa questão; na consideração de que só com a notificação da conta a parte consciencializa e tem conhecimento sobre o montante de custas de parte que tem de liquidar e, bem assim na necessidade de corrigir a desproporção entre o valor cobrado a título de taxa de justiça e o serviço prestado às partes na ação pelo sistema de justiça (6).
Analisadas as enunciadas três correntes jurisprudenciais em confronto não podemos deixar de aderir à primeira, que, aliás, é largamente maioritária, ponderando que quando o processo é remetido à conta todas as questões atinentes a custas têm de se encontrar decididas, por decisão transitada em julgado e, bem assim perante a circunstância da lei adjetiva prever meios processuais específicos de reação quando, na decisão final, em sede de custas, o juiz omita o cumprimento desse poder/dever de se pronunciar oficiosamente quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente.
Esses mecanismos específicos, como se viu, resumem-se à interposição de recurso da decisão final, no prazo legal para a interposição de recurso (em regra, 30 dias – art. 638º, n.º do CPC) quando o processo admita recurso ordinário, onde o requerimento de reforma quanto a custas, decorrente do juiz ter incumprido aquele poder/dever de dispensar oficiosamente o recorrente do pagamento, total ou parcial, da taxa de justiça remanescente, tem de ser feito em sede de alegação de recurso (n.º 3 do art. 616º do CPC), ou não admitindo o processo recurso ordinário, por requerimento de reforma a apresentar, no prazo de dez dias, a contar da notificação dessa decisão final, junto do próprio tribunal que proferiu a decisão final (arts. 613º, nºs 2 e 3, 614º, 616º, n.º 2 e 149º do CPC).
Na verdade, com a notificação da decisão final, as partes ficam a conhecer que o tribunal não cumpriu com aquele poder/dever, não se pronunciando sobre a dispensa (ou redução) da taxa de justiça, pelo que caso entendam encontrarem-se preenchidos os requisitos legais que lhes conferem o direito a essa dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente, têm de reagir contra essa decisão final, mediante recurso aos mecanismos legais previstos para o efeito, pelo que o trânsito em julgado da decisão final traça o limite final para as partes reagirem contra essa decisão final que não as dispensou, total ou parcialmente, do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Por outro lado, sendo o princípio regra de que não há lugar a dispensa ou a redução do pagamento da taxa de justiça remanescente, exceto se por decisão fundamentada, nos termos do disposto no art. 6º, n.º 7 do RCP, o juiz decida o contrário, daqui deriva que quando não exista essa pronúncia do juiz em sede de decisão final, os interessados apenas podem concluir que terão de pagar a taxa de justiça remanescente, salvo se reagirem contra o segmento de custas constante da decisão final, mediante os mecanismos processuais que a lei prevê para o efeito e o tribunal que proferiu essa decisão final (no caso de não ser admissível recurso ordinário) ou o tribunal ad quem (no caso desse recurso ser admissível), respetivamente, reforme a anterior decisão que proferiu quanto a custas ou o tribunal de recurso revogue essa decisão, deferindo a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente, cujo montante é determinado pela aplicação ao valor da causa das disposições legais objetivas previstas no RCP, pelo que não colhe a alegação de que só com a notificação da conta, a parte fica a conhecer do montante das custas de parte que terá de pagar e estará assim em condições de reagir.
Finalmente, a reclamação da conta é o meio processual que se destina a reagir contra vícios ocorridos na operação material de elaboração da conta e não a dirimir questões ou objeções que têm a ver com a decisão judicial quanto a custas.
Sustenta o apelante que o entendimento que acabamos de sufragar padece do vício da inconstitucional material, por ser violador dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e do direito à tutela jurisdicional efetiva, mas sem razão.
Na verdade, salvo melhor entendimento, o que está em causa nos autos não é já o de se saber se a quantia reclamada à apelante a título de custas de parte é ou não lesiva dos enunciados princípios e direitos constitucionais, mas antes se perante a eventual lesão desses princípios ou direito, a parte ou o tribunal ainda estão em tempo de atalhar a essa eventual lesão, ou se antes o direito da apelante em obter a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente se encontra, em definitivo, precludido pelo decurso do momento processual em que o tribunal se devia ter debruçado sobre essa questão e não o fez e pelo decurso do prazo preclusivo para aquela provocar essa pronúncia, requerendo ao tribunal que fosse dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente ou requerendo a redução desta, recorrendo aos mecanismos legais que a lei processual civil lhe estipula para o efeito.
A esse respeito diremos que conforme ponderam Jorge Miranda e Rui Medeiros, “o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente, ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente protegidos relevantes – incluindo o próprio interesses de ambas as partes (e não apenas do autor) – e em conformidade, disciplinar o âmbito do processo, a legitimidade, os prazos, os poderes de cognição do tribunal e o processo de execução”, de modo que conforme decidido pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 46/05, “não é, por isso, incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça (sequer com o principio da igualdade ou da proporcionalidade) a imposição de ónus processuais”, incluindo de prazos preclusivos às partes para as mesmas deduzirem as suas pretensões (7).
De resto, incumbe precisar que o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 527/16, de 04/10, já se pronunciou no sentido de “não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”.
Nesse aresto, lê-se que “(…)a norma supra indicada, cuja inconstitucionalidade a Autora pretende ver apreciada, só poderia constituir ratio decidendi de uma decisão que se pronunciasse sobre o “se” da redução das custas por via da dispensa (ou redução) do pagamento do remanescente da taxa de justiça. No entanto, a decisão recorrida pronuncia-se unicamente sobre a questão prévia e formal do “quando” da dedução da respetiva pretensão.
Ao contrário do que a Recorrente referiu, não pode afirmar-se que as normas foram aplicadas, com o sentido apontado, após a elaboração da conta. Tal apenas poderia afirmar-se se o tribunal tivesse considerado que o juiz não tinha a faculdade de dispensar ou reduzir o pagamento, mas não quando, como sucedeu, tal possibilidade foi admitida, apesar de o controlo não se realizar por razões formais. Ora, são essas razões formais – precisamente – que ditam e moldam o sentido da decisão e não o (hipotético) sentido de uma decisão substancial que não chegou a ser proferida (destacado nosso).
Não releva, para concluir em sentido oposto, o argumento, avançado pela Recorrente, de que o resultado prático é o mesmo. Em primeiro lugar, esta conclusão assenta numa falácia argumentativa, que identifica o “resultado” com a obrigação de pagamento das custas sem a redução do remanescente. Só que, admitindo ser esse o resultado prático, não é juridicamente indiferente que esse “resultado” assente na apreciação da pretensão deduzida ou na sua inadmissibilidade formal: esta gera – o que gera – é uma não apreciação. Em segundo lugar, e na mesma linha argumentativa, uma mesma solução jurídica (um “resultado”) pode decorrer da interpretação e aplicação de diferentes normas jurídicas, sendo estas (normas) e não aqueles (resultados) que podem constituir objeto idóneo de um recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade.
Daí que, nessa parte – ou seja, no que respeita à invocada inconstitucionalidade da norma extraída dos artigos 6.º e 11.º do RCP, conjugados com a Tabela I-A anexa ao mesmo diploma, quando interpretados no sentido de poderem conduzir à liquidação de custas processuais exclusivamente em função do valor do processo, fazendo-as variar na proporção direta desse valor e sem qualquer limite máximo, conduzindo ao apuramento de valores manifestamente excessivos relativamente às condições económicas e sociais do país e desproporcionados em relação ao custo efetivo do serviço da justiça – o Tribunal não conheça do objeto do recurso”.
Debruçando-se sobre a questão da eventual inconstitucionalidade da interpretação do art. 6º, n.º 7 do RCP segundo a qual o pedido de dispensa ou de redução da taxa de justiça remanescente tem de ser requerido, sob pena de extemporaneidade, até ao trânsito em julgado da decisão final, mediante recurso aos mecanismos processuais estabelecidos para o efeito, nesse aresto pondera-se que “O Tribunal Constitucional afirmou já, em diversas ocasiões, os termos em que se deve ter por admissível a imposição de ónus processuais associados a efeitos preclusivos. A discussão enquadra-se, desde logo, no âmbito do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, como vem realçado no Acórdão n.º 442/2015 (…). Trata-se, em suma, de verificar se o ónus imposto à parte – ou seja, aqui, apresentar o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP – revela adequação funcional e respeito pela regra da proporcionalidade, uma vez que resultam “[…] constitucionalmente censuráveis os obstáculos que dificultam ou prejudicam, arbitrariamente ou de modo desproporcionado, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva […]” (Acórdão n.º 774/2014). O requisito da adequação funcional visa, precisamente, evitar a imposição de exigências puramente formais, impostas arbitrariamente e destituídas de qualquer sentido útil e razoável (Acórdão n.º 275/1999; no mesmo sentido, v. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I – 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pág. 440).
Para além dos aspetos assinalados, deve ponderar-se, ainda, se existem correntes jurisprudenciais que suportem a interpretação em causa, na medida em que “[…] não poderá considerar-se conforme aos princípios da segurança jurídica e do processo equitativo a imposição de ónus processuais com que a parte, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais então vigentes, não pudesse razoavelmente antecipar” (Acórdão n.º 442/2015)” e conclui ser “evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria caráter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo. Assim, a previsão de um limite temporal para o exercício daquela faculdade não se mostra arbitrária, sendo útil para a realização dos fins de boa cobrança da taxa de justiça. Deve, então, apreciar-se se é excessiva ou de algum modo desproporcionada a fixação de tal efeito momento da elaboração da conta.
Ao contrário do que a Recorrente procurou sustentar, não se reconhece particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao da elaboração da conta, nem a parte vê negado o acesso ao juiz, pois pode – em tempo – suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão.
Não causa dúvida que a interpretação afirmada na decisão recorrida é, genericamente, coerente com a sucessão de atos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional (matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia), a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá refletir a referida dispensa), ou seja – para o que ora interessa apreciar – não se trata de um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual.
Por outro lado, respeitando a interpretação afirmada na decisão recorrida, a parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (que se exprime através de uma declaração que não carece de fundamentação complexa – v., in casu, fls. 78): desde a prolação da decisão final até ao respetivo trânsito em julgado, ou seja, e por referência ao processo civil, nunca menos do que quinze dias (artigo 638.º, n.º 1, do CPC). A este propósito – como, aliás, o Ministério Público sublinha – não é correto afirmar-se que a só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da ação. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais – que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objeto do presente recurso –, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos (destacado nosso).
Acresce que a gravidade da consequência do incumprimento do ónus – que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal.
Não se trata, ao contrário do que a Recorrente alega, de um resultado implícito, “não discernível” a partir do texto da lei. Desde logo, a própria redação do preceito (“[…] o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se…”) – independentemente da melhor interpretação no plano infraconstitucional, aspeto do qual, insiste-se, não cabe cuidar – é indubitavelmente compatível com o sentido afirmado na decisão recorrida, não gerando qualquer desconformidade que suporte a afirmação de um caráter surpreendente do resultado interpretativo.
Ademais, pela aplicação da norma em causa, a parte não fica impedida de “[…] sindicar a legalidade do ato de liquidação operado pela secretaria” nem se vê privada de “[…] questionar a adequação das quantias efetivamente liquidadas às concretas especificidades do processo”, como vem alegado pela Recorrente. Na verdade, se a conta não refletir adequadamente a condenação que a suporta ou não calcular corretamente o valor da taxa de justiça previsto na tabela legal, a parte pode dela reclamar nos termos do artigo 31.º do RCP. Simplesmente, o valor da taxa de justiça correto, para estes efeitos, será considerado na íntegra caso a parte não tenha, em tempo, deduzido o pedido de dispensa ou redução respetivo.
(…) tem vindo a ser decidido, uniformemente, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei (cfr. Acórdãos n.ºs 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros), raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Assim, a interpretação normativa questionada pela Recorrente não traduz qualquer “ónus processual oculto” ou (nas suas palavras) uma “armadilha processual” com a qual a parte não podia contar”.
Em síntese, conclui o Tribunal Constitucional que “As razões que antecedem permitem concluir que a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional, o que conduz à improcedência do recurso”, o que se subscreve.
Resulta do que se vem dizendo, que a decisão recorrida não padece de nenhum dos erros de direito que a apelante lhe assaca, impondo-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
*
Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a presente apelação e, em consequência:
- confirmam o despacho recorrido.
*
Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC e 4º, n.º1, al. a) do RCP).
Notifique.
*
Guimarães, 05 de novembro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)


1. “Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado”, 2012, 4ª ed., Almedina, pág. 236.
2. Ac. STJ. de 12/12/2013, Proc. 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, in base de dados da DGSI.
3. Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais Anotado”, 2013, 5ª ed., Almedina, pág. 201.
4. Ac. RG. de 24/04/2019, Proc. 1118/16.3T8VRL-B.G1, in base de dados da DGSI.
5. Neste sentido Acs. STJ. de 24/10/2019, Proc. 1712/11.9TVLSB-B.L1-2; 26/02/2019, Proc. 3791/14.8TBMTS-Q.P1.S2; 13/07/2017, Proc. 669/10.8TBGDR-B.C1.S1; STA., de 29/01/2014, Proc. 547/14-30; RG. de 27/06/2019, Proc. 523/14.4TBBRG-H.G1; RL de 29/04/2020, Proc. 13200/19.0T8FNC.L1-4; 11/09/2019, Proc. 1245/14.1TVLSB.L3-4; RC. de 19/12/2018, Proc. 1580/12.3TBPBL-F.C1; RE de 23/04/2010, Proc. 664/14.8TVLSB.E2; TCS. de 13/02/2020, Proc. 2163/16.4BELSB, todos in base de dados da DGSI.
6. Neste sentido, a título exemplificativo, Acs. STJ de 14/02/2017, Proc. 1105/13.3T2SNT.L1.S1 e RG de 10/07/2019, Proc. 797/12.5TVPRT-A.G2, in base de dados da DGSI.
7. Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, tomo I, 2ª ed., Wolters Kluwer e Coimbra Editora, págs. 438 e 439.