Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3428/23.4T8VCT.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: HOMEBANKING
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O RJSP estabelece um conjunto de obrigações para o prestador de serviços de pagamento e também para o utilizador de serviços de pagamento.
II - O risco inerente à utilização e funcionamento dos serviços digitais de pagamento recai sobre o prestador de serviços, cabendo a este, para se eximir dessa responsabilidade, provar que as operações de pagamento que o utilizador nega ter autorizado foram autenticadas, devidamente registadas e contabilizadas, não tendo sido afetadas por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços de pagamento, e ainda apresentar elementos que demonstrem que o utilizador (ordenante) atuou de forma fraudulenta ou incumpriu de forma deliberada uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 110.º ou atuou com negligência grosseira.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA e BB, instauraram a presente ação declarativa comum contra Banco 1..., S.A., com sede na Rua ..., ... ..., pedindo a condenação da ré a:

a) A restituir a quantia de € 6.277,90, indevidamente retirados da sua conta bancária;
b) A indemnizar a Autora em € 5.000,00, a título de danos morais;
c) Nos juros vencidos e nos juros vincendos à taxa legal acrescida de dez pontos percentuais desde o dia 18-08-2023 até à efetiva restituição da quantia mencionada em a);
d) Que se abstenha de comunicar ao Banco de Portugal qualquer incumprimento derivado do não pagamento do crédito associado a esta conta; e, caso tal venha a suceder;
e) No pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença;
f) Assim como em sanção penal acessória de € 500,00 dia, desde o dia da citação para a presente ação e até à efetiva retirada da informação junto do Banco de Portugal;
g) Nos montantes de abono de família que os Autores não venham conseguir receber, a liquidar em execução de sentença.

Alegaram que a autora é titular da conta n.º ...01 junto do banco réu, conta que tem associada uma plataforma eletrónica que providencia instrumentos de pagamento pelo telemóvel ou pelo computador e que, entre os dias 30 de julho e 8 de agosto de 2023, por intermédio do referido instrumento de pagamentos fornecido pela ré, a conta bancária da autora foi acedida e movimentada de forma irregular e ilegítima, tendo sido ordenados pagamentos não autorizados pela autora e por falha de segurança do serviço prestado pela ré, no valor total de 6.277,90€, transferências e ordens de pagamento que só pararam quando o saldo da conta titulada pela autora já apresentava um valor negativo. Mais alegaram que a autora se apercebeu do sucedido no dia 17-08-2023, tendo de imediato ligado para o canal de comunicação imediato providenciado pela ré, dando conta da situação e assim iniciado o procedimento de bloqueio da conta, deslocando-se, nesse mesmo dia, ao balcão da ré, onde veio a informar por escrito o sucedido; a autora, por não ter dado autorização para tais operações e de ver o seu saldo bancário reduzido a zero, solicitou a imediata restituição do dinheiro em falta, no balcão que a ré tem na ..., ...,  recusando-se aquela instituição bancária a restituir-lhe o remanescente em falta. A autora sente-se angustiada, preocupada e lesada com a resposta dada pelo réu pois ficou sem as suas poupanças, o que lhe causou enormes preocupações, ansiedade e tristeza.
O réu contestou, alegando que todas as transações bancárias em causa foram executadas através da APP EMP01... e concretizadas com autenticação forte na sequência do envio de SMS para o número de telefone da autora, registado no banco com código de autenticação forte (OTP); todas as operações foram devidamente registadas e contabilizadas, não tendo as mesmas sido afetadas por qualquer avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado; após a análise levada a cabo, o banco não detetou qualquer falha de segurança ou de cumprimento dos procedimentos estabelecidos, motivo pelo qual veio, a final, a declinar qualquer responsabilidade ou assunção do risco pelos movimentos em causa, sendo que as transações só ocorreram porque efetuadas com autenticação forte e através de dados bancários e credenciais de acesso pessoais e intransmissíveis, entendendo, por isso, não ter a obrigação de repor os valores. Concluiu, deste modo, pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.
Foi proferido o despacho saneador, no âmbito do qual foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente, absolvendo o réu dos pedidos formulados.

Os autores vieram interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. A decisão de que ora se recorre assenta, numa série de omissões, contradições e numa incorreta aplicação do direito que a final resulta na injusta absolvição da Recorrida.
II. Existe um erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto adiante impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente.
III. A apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo contraria os elementos documentais constantes dos autos e viola a lei.  
IV. Nem estando a conta bancária bloqueada, a recorrida conseguiu impedir a movimentação da mesma.
V. É possível verificar a existência de operações registadas informaticamente, mas sem repercussões na conta.
VI. Há uma errada conclusão sobre os dados pessoais que permitem a movimentação a negativo de uma conta.
VII. A reapreciação da matéria de facto é susceptível, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e ao regime legal aplicável, de ter relevância jurídica, determinando uma decisão em sentido contrário à tomada pelo tribunal a quo.
 VIII. Os recorrentes centram as suas alegações num momento em que a conta já está bloqueada para melhor se compreender que nem mesmo depois do bloqueio (momento em que os recorrentes estão impedidos de movimentar a conta) a recorrida conseguiu impedir a movimentação da conta e terá continuado a mandar SMS.s de autenticação, apesar da conta estar bloqueada, para o telefone da Recorrente mulher, mas que esta não recebeu.
IX. O tribunal devia de ter dado como provado que a A. mulher no dia 11 de Agosto de 2023, ligou para a “...”, dando conta da situação.
X. A data em que se efectuou a chamada, dia 11 de Agosto de 2023, está fixada por acordo entre as partes, tal como se pode confirmar no artigo 42º da contestação apresentada pela Ré em 04/12/2023, com a referência Citius n.º 4249349 e no requerimento dos AA. de 21.12.2023, com a referência Citius n.º 4271318 artigos 2º e 3º desse articulado.
XI. Aliás, tal como decorre da matéria dada como provada em 7, 8 e 9, quando aí se dá como provado que os funcionários da Ré, no seguimento do sucedido, quando se deslocou ao balcão desta na Praça ..., aconselharam-na a apresentar queixa crime, o que veio a suceder no dia 11/08/2023.  
XII. Acresce que, a quando da justificação dos factos dados como provados (pág. 15, paragrafo 2º da sentença) o tribunal a quo esclarece que “A testemunha CC relatou o que sabia quanto à situação aqui em causa, dizendo que a Autora entrou em contacto com a “...”, em 11 de Agosto de 2023 (...)”.
XIII. A fixação desta data é relevante para o objecto do presente processo pois permite constatar que mesmo depois da conta ficar bloqueada, e não tendo os recorrentes acesso à mesma, a conta continuou a ser movimentada sendo feitas diversas transferências para uma entidade estrangeira que os Recorrentes desconhecem. 
 XIV. Acresce ainda, quanto ao Ponto 6 da matéria dada como provada, quando aí se dá como provado que “tendo a A. iniciado o procedimento de bloqueio da conta” tal não corresponde à realidade e à verdade.
XV. A verdade é que a A. deu ordem de bloqueio, o que aconteceu de imediato, logo no dia 11.08.2023.
XVI. O facto dado como provado em 6º deverá passar a ter a seguinte redacção:
“6- Em 11 de Agosto de 2023, a Autora ligou para a “...”, dando conta da situação e de imediato a conta ficou bloqueada;”
XVII. Apesar do bloqueio da conta, a verdade é que a esta continuou a ser movimentada, tal como resulta do extrato bancário, junto aos autos pela recorrida. 
XVIII. Ainda no dia 11.08.2023 foi efectuada uma compra ou transferência no ou para estrangeiro a uma entidade designada de ....
XIX. Resulta ainda do extrato bancário que no dia 14.08.2023, isto é, três dias após o bloqueio, ocorrem mais duas transferências para esta mesma entidade. 
 XX. No dia 18.08.2024 ocorrem ainda mais duas transferências com a designação DD.
XXI. Os Recorrentes, devido ao bloqueio da conta, não tinham acesso à mesma, desde o dia 11.08.2023.  
XXII. Nem mesmo quando a conta foi bloqueada as transferências que os Recorrentes não identificam cessaram.
XXIII. Isto é, num momento em que não deviam ser enviadas SMSs a confirmar transacções ao que se percebe continuaram a ser enviadas SMSs, supostamente para o telemóvel de quem pediu o bloqueio da conta. 
XXIV. A Recorrente mulher, a quem pertence o telemóvel indicado não as recebeu tal como não recebeu as SMS.s que ocorreram entre os dias 30 de Julho e 8 de Agosto de 2023.
XXV. O tribunal a quo dá como provado no ponto 26 que todas as operações foram devidamente registadas e contabilizadas, não tendo as mesmas sido afectadas por qualquer avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado;
XXVI. Ora, tendo presente o extrato bancário e o registo informático de transacções desde logo, por comparação dos dois, se percebe que decorre da informação constante do registo informático das operações (junto aos autos pela recorrida em 10/05/2024, com a referência Citius nº 4446774) que entre o dia 19.08.2023 e o dia 26.08.2023 se registam nove saídas de € 200,00 para uma conta aí melhor identificada.
XXVII. Porém, no extrato bancário dos Recorrentes (junto aos autos pela recorrida em 16/05/2024, com a referência Citius nº 4454719) nenhuma destas operações se encontra registada.
XXVIII. Ou seja, do registo informático constam nove saídas de valores (de € 200,00 cada uma) por transferência, mas no extrato da conta não consta nenhum registo de saída, não há a correspondente movimentação a negativo.
XXIX. Em face da discrepância de registos ora relatados terá de ser dado como não provado o vertido em:
26 - Todas as operações foram devidamente registadas e contabilizadas, não tendo as mesmas sido afectadas por qualquer avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado;
29 - Após a análise levada a cabo, o Banco 1..., S.A. não detectou qualquer falha de segurança ou de cumprimento dos procedimentos estabelecidos, motivo pelo qual veio, a final, a declinar qualquer responsabilidade ou assunção do risco pelos movimentos em causa;
30 - E as transacções correspondem a transacções com autenticação forte, efectuadas através de dados bancários e credenciais de acesso pessoais e intransmissíveis;  
32 - Para terem sido concretizadas as operações bancárias/transferências em questão, sempre terão de ter sido ultrapassadas, com sucesso, as barreiras resultantes desses dois factores de autenticação;
33 - No seguimento do relato que a Autora fez, quer junto do Banco, quer junto das autoridades policiais, o Banco Réu tratou de analisar o caso e verificar se, de facto, tinha ocorrido alguma falha de segurança no sistema de pagamento utilizado pelo cliente; 
34- Após análise, o Banco concluiu pela negativa, ou seja, concluiu no sentido de que não houve qualquer falha de segurança;
XXX. Como é bom de ver, mesmo após o bloqueio da conta (i) esta continuou a ser movimentada e supostamente continuaram a ser enviadas sms.s para o telemóvel da Recorrente mulher; sendo ainda certo que (ii) num determinado momento as supostas sms.s enviadas para autorizar as transferências nem tiveram um impacto negativo no saldo da conta embora supostamente “atestem” transferências autorizadas pelos Recorrentes. 
XXXI. Daí que se estranhe a conclusão a que o tribunal a quo chega quanto ao funcionamento da plataforma do banco Recorrido sustentando que não existiu falha de segurança do serviço prestado pelo banco Réu.
XXXII. A verdade é que a Recorrida, mesmo depois de bloqueada a conta, foi incapaz de impedir transferências a débito, tendo para tanto enviado SMS.s comcódigos de validação.
XXXIII. O tribunal a quo deu ainda como provado, em 36, 37 e 43 que:
“36- A Autora recebeu na sua conta de depósitos à ordem verbas de terceiros que depois foram levantadas, precisamente, através das transferências bancárias que a mesma agora vem pôr em causa;”
“37- O Banco questionou a Autora sobre se sabia a origem dos valores que tinham sido creditados na sua conta e que permitiram a realização das transferências e a mesma não soube indicar qual a proveniência desses montantes;”
“43- Os valores que foram transferidos da conta da Autora foram suportados com outras transferências realizadas por terceiros e creditados na conta imediatamente antes dos levantamentos;”
XXXIV. Para tanto, o tribunal a quo sustenta na motivação que “Os factos constantes dos pontos 24- a 44- dos factos provados apuraram-se com base nos documentos juntos com a contestação e com os documentos bancários apresentados após a audiência prévia, conjugados com os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Réu e inquiridas.”
XXXV. Porém, a verdade é que o tribunal a quo não identifica uma única transferência no extrato da conta bancária que preencha estas características, isto é, que a Recorrente mulher não consiga identificar quem a efectuou.
XXXVI. Do extrato bancário resulta de forma clara que as quantias que os Recorrentes receberam na conta provieram das contas:
- do irmão da A. (EE), do pai da A. (FF
Cruz) ambos testemunhas no processo;
- da empresa em que a A. era gerente (EMP02..., Lda);
- do actual companheiro da A. (GG);
- do ex-marido do qual se encontrava em processo de divórcio (BB);
- da ... (familiar da Recorrente mulher);
- da HH (amiga e cliente da Recorrente mulher); e
- de dois clientes da loja que a A. geria e que lhe transferiram verbas para a sua
conta, por vendas que não se relacionavam com a loja.
XXXVII. Assim deverá o tribunal a quo vir identificar quais são as transferências que dá como provadas serem estranhas aos Recorrentes e para as quais não tem justificação e que saíram de imediato.
XXXVIII. Não sendo o tribunal a quo capaz de identificar as transferências, então deverá ser dado como não provados os factos constantes de 36, 37 e 43.
XXXIX. Nos pontos 39 e 42 o tribunal a quo dá ainda como provado que:
39 - A Autora confirmou que o número de telemóvel para onde foram enviadas as sms com o OTP para a autenticação forte que viabilizou as operações reclamadas também era o seu número e que não tinha cedido códigos a terceiros;
e
42 - O Banco não permitiu qualquer acesso de terceiros a dados confidenciais da Autora; antes foi esta que os facultou;
XL. O tribunal a quo assentou a sua conclusão no teor da declaração apresentada nos autos pela Autora - fls. 27 dos autos (ponto 35 - dos factos provados) da qual decorre que esta admitiu ter facultado o seu IBAN e o nº de identificação civil a terceiros.
XLI. A posse destes dados por terceiros não permite a movimentação a negativo da conta.
XLII. A posse destes dados pessoais da Recorrente mulher apenas permite a terceiros fazer depósitos e transferências para a conta desta, isto é, movimentações a positivo. 
XLIII. Nenhuma movimentação a negativo poderá ser feita com base na informação que a Recorrente admitiu ter fornecido, o número de identificação civil e o IBAN.
XLIV. O fornecimento do IBAN e de número de contribuinte é algo que consta de qualquer fatura ou nota de honorários, pelo que não se percebe o que é que o número de cidadão terá de tão mágico que permita ultrapassar a autenticação forte.   
XLV. Sendo tais dados irrelevantes, na hora de se movimentar uma conta a negativo, não pode o tribunal a quo concluir que os recorridos actuaram com negligência grosseira ao fornecer o seu número de cartão de cidadão e do seu IBAN.
XLVI. Daí que vertido no ponto 42 terá de ser dado como não provado pois os dados que a Recorrente mulher facultou não permitem o acesso à conta de modo a esta poder ser movimentada a negativo.
XLVII. Ou então alterado para:
42- O Banco não permitiu qualquer acesso de terceiros a dados confidenciais da Autora e esta facultou o seu IBAN e número de cartão de cidadão, dados estes que não permitem a movimentação a negativo da conta;
XLVIII. À presente situação aplica-se o regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 91/2018, publicado em 12 de novembro de 2018, o qual adapta a legislação portuguesa à Diretiva (UE) 2015/2366 (Segunda Diretiva de Serviços de Pagamento).
XLIX. O prestador de serviços de pagamento (PSP) deve reembolsar imediatamente o montante ao ordenante, exceto em casos de negligência grave ou fraude por parte do utilizador.
L. Se o ordenante agiu fraudulentamente ou com negligência grave (por exemplo, partilhando o PIN o equipamento telefónico), ele será inteiramente responsável pelas perdas.
LI. Para existir Autenticação Forte têm de existir duas ou mais das seguintes categorias:
- Conhecimento: Algo que apenas o utilizador sabe (por exemplo, uma palavra-passe ou PIN).
- Posse: Algo que apenas o utilizador possui (por exemplo, um smartphone, token ou cartão de autenticação).
- Inerência: Algo que o utilizador é (por exemplo, biometria como impressão digital, reconhecimento facial ou voz).
LII. Os elementos utilizados devem ser independentes entre si, ou seja, a violação de um não compromete a segurança dos outros.
LIII. Só poderia haver negligência grave caso a Recorrente mulher tivesse violado pelo menos duas destas categorias, por exemplo ter partilhado a palavra passe ou pin e simultaneamente tivesse permitido a utilização do equipamento por terceiro.
LIV. Nada disto sucedeu e o que foi dado com provado foi que ela facultou o IBAN e o número de identificação civil.
LV. Não podia o tribunal a quo, com base nestes dados vir concluir que a recorrente mulher havia agido com negligência grosseira ao fornecer o IBAN e o número de identificação civil
LVI. Decorre dos artigos 111º a 115º do DL nº 91/2018, essencialmente, que caso o utilizador do serviço negue ter autorizado uma operação, o prestador do serviço só pode exonerar-se de responsabilidade se, cumulativamente, fizer a prova:
i) que a operação foi, sem afetação de avaria técnica ou qualquer deficiência, regular e devidamente autenticada, registada e contabilizada;
ii) que ela se ficou a dever a fraude ou a incumprimento doloso ou gravemente negligente por parte do utilizador das condições de utilização do serviço ou do dever de pronta comunicação de vicissitudes referentes à segurança ou fiabilidade do instrumento de pagamento.
LVII. Não é possível imputar aos Recorrentes um comportamento gravemente negligente com base no facto da Recorrente mulher ter facultado o IBAN e o número de cidadão a um terceiro e consequentemente pelo menos este pressuposto não se verifica.
LVIII. Por outro lado, da movimentação que ocorre na conta após o bloqueio e da comparação que se pode fazer entre o extrato e o registo informático das operações verifica-se que há várias deficiências registadas e contabilizadas.
LIX. Do registo informático constam várias operações de € 200,00 que ocorrem nos dias 19, 20 e 21 de Agosto de 2023, as quais não tiveram qualquer repercussão no saldo da conta.
LX. O tribunal a quo, ao decidir como decidiu, que a Recorrente mulher agiu com negligência grosseira ao facultar os dados pessoais (IBAN e número cartão de cidadão) e ao dar como provado que a plataforma informática não apresentava avaria técnica ou qualquer deficiência violou os artigos 111º a 115º do DL nº 91/2018.
LXI. Cumpre, em especial, ter presente o que é estatuído no artigo 113 nº 3 e 4 dos cais decorre que “3 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, incluindo o prestador do serviço de iniciação do pagamento, se for caso disso, não é necessariamente suficiente, por si só, para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta, ou que não cumpriu, com dolo ou negligência grosseira, uma ou mais obrigações previstas no artigo 110.º” e “4 - Nas situações a que se refere o número anterior, o prestador de serviços de pagamento, incluindo, se for caso disso, o prestador do serviço de iniciação do pagamento, deve apresentar elementos que demonstrem a existência de fraude, de dolo ou de negligência grosseira da parte do utilizador de serviços de pagamento.”

NESTES TERMOS e mais de direito que V. Ex.ªs melhor e doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada, por violar o estatuído nos artigos os artigos 111º a 115º do DL nº 91/2018, e consequentemente ser a ação declarada como provada e procedente.
Como é de inteira JUSTIÇA».

O réu apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações do recorrente, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da apelação circunscreve-se às seguintes questões:

A) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) aferir se a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito quanto ao mérito da ação.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
1. A Autora é titular da conta n.º ...01, junto da ré;
2. O Autor BB também é titular da conta referida em 1- dos factos provados;
3. A mencionada conta tem associada à mesma, e fornecida pela ré, uma plataforma eletrónica que providencia instrumentos de pagamento pelo telemóvel ou por computador (homebanking);
4. A ré assegura e fornece à autora um instrumento de movimentação da conta destinado a iniciar e processar as operações de pagamento e demais movimentações a débito da conta;
5. Entre os dias 30 de Julho e 8 de Agosto de 2023, foram realizadas as seguintes operações: - no dia 30-07-2023, foi transferida a quantia de € 292,90, com destino para uma outra conta do EMP01... (*2081);- no dia 31-07-2023, foi transferida a quantia de € 1.270,00, com destino para uma outra conta do EMP01... (*2081);- no dia 03-08-2023, foi transferida a quantia de € 1.000,00, com destino para uma outra conta do EMP01... (*2044); - nesse mesmo dia 03-08-2023, foi transferida a quantia de € 1.000,00, com destino para uma outra conta do EMP01... (*2044); - no dia 07-08-2023, foi transferida, novamente, a quantia de € 1.000,00, com destino para uma outra conta do EMP01... (*0190); - no dia 08-08-2023, foi transferida a quantia de € 300,00, com destino para uma outra conta do EMP01... (*7792); - nesse mesmo dia 08-08-2023, foi transferida a quantia de € 117,00, com destino para uma outra conta do EMP01... (*0468); - nesse mesmo dia 08-08-2023, foi transferida, novamente, a quantia de € 298,00, com destino para uma outra conta do EMP01... (*2044);
6. Em agosto de 2023, a autora ligou para a “...”, dando conta da situação e iniciado o procedimento de bloqueio da conta;
7. E deslocou-se ao balcão do réu, situado na Praça ..., onde veio a informar por escrito o sucedido - documento n.º 12 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. Os funcionários do réu disseram-lhe para apresentar participação na PSP e de dar conhecimento da situação, por escrito, ao banco;
9. Em 11 de agosto de 2023, a autora apresentou queixa crime na esquadra da PSP ... - documento n.º 13 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
10. Nos dias que se seguiram a Autora recorreu à sua família (pai e irmão), a quem pediu dinheiro emprestado;
11. No dia 19-08-2023 o seu pai transferiu € 1.000,00, para a conta da autora no Banco 2...- documento n.º 14 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
12. Pediu “emprestado” na ótica para a qual trabalha em: 05-09-2023, a quantia de 705,26 - cf. documento junto sob o n.º 15; 12-09-2023, a quantia de € 260,00 - cf. documento junto sob o n.º 16; 15-09-2023, a quantia de € 890,36 - cf. documento junto sob o n.º 17; 30-09-2023, a quantia de € 200,00 - cf. documento junto sob o n.º 18; 04-10-2023, a quantia de € 210,00 - cf. documento junto sob o n.º 19;
13. O irmão da autora entregou-lhe quantia que não sabe precisar;
14. A autora tem a indicação por parte do réu que terá prestações em atraso, sendo enviadas mensagens para o telemóvel com o seguinte teor. “Caro(a) AA, recordamos que, à data de hoje, o seu crédito CRÉDITO PESSOAL EMP01... - *****...96 mantém um pagamento em atraso no valor de 289,67 €. Pode regularizar o atraso deste pagamento através dos nossos canais digitais - hps://....pt/CP40 - ou em qualquer balcão. Se já regularizou, por favor, não considere esta mensagem. Obrigado, Área de Collecons and Recoveries.”;
15. E recebeu mails a adverti-la das prestações do empréstimo em atraso. - cf. documentos juntos sob os n.ºs 23 e 24;
16. Foi avisada, pelos funcionários do réu, que tal situação de incumprimento será reportada ao Banco de Portugal;
17. A autora não conseguiu receber o abono das suas filhas, por via do bloqueio da conta;
18. No dia 13 de setembro de 2023, o réu veio informar que em resposta à participação efetuada junto do Banco de Portugal no dia 24 de agosto de 2023, havia verificado que “as sete transações foram executadas através da APP EMP01..., e concretizadas com autenticação forte na sequência do envio de SMS para o número de telefone registado no Banco com o código de autenticação (OTP) - ...***670, para cada uma das operações de pagamento em causa, e com os quais as mesmas foram autorizadas e concretizadas.” - cf. documento junto sob o n.º 25;
19. Sem juntar qualquer elemento de prova o réu enjeitava qualquer responsabilidade invocando que “as operações tinham sido devidamente registadas e contabilizadas, e não foram afetadas por avaria técnica ou qualquer outra deficiência técnica do serviço prestado”. - cf. documento junto sob o n.º 25;
20. No dia 21-09-2023, a autora deu entrada de urgência na Unidade Hospitalar ... - cf. documento junto sob o n.º 26;
21. A autora apresentou, em agosto de 2023, uma reclamação junto do Banco réu relativamente a sete transações bancárias, no valor global de 4.979,90 €, realizadas entre os dias 30 de julho e 8 de agosto de 2023, e que entendia serem indevidas por não terem sido por si realizadas ou autorizadas;
22. Debitadas na conta de depósitos à ordem n.º ...01, sem o seu consentimento ou autorização;
23. No seguimento da reclamação apresentada pela autora foram analisadas as transferências bancárias detalhadas no documento n.º 1, junto com a contestação, bem como documentos n.º 2 a 8 juntos com a contestação;
24. Apreciando a reclamação apresentada pela autora, o banco réu veio a verificar que todas as transações bancárias em causa foram executadas através da APP EMP01... e concretizadas com autenticação forte na sequência do envio de SMS para o número de telefone da Autora registado no banco com código de autenticação forte (OTP);
25. O número de telemóvel é o que a Autora indica no artigo 3.º da sua petição inicial - ...70;
26. Todas as operações foram devidamente registadas e contabilizadas, não tendo as mesmas sido afetadas por qualquer avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado;
27. Relativamente ao acesso aos canais, o banco pode averiguar que foi solicitada autenticação forte no login;
28. O Banco 1..., S.A. respondeu à reclamação apresentada pela autora, nos termos constantes do documento n.º 25 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
29. Após a análise levada a cabo, o Banco 1..., S.A. não detetou qualquer falha de segurança ou de cumprimento dos procedimentos estabelecidos, motivo pelo qual veio, a final, a declinar qualquer responsabilidade ou assunção do risco pelos movimentos em causa;
30. E as transações correspondem a transações com autenticação forte, efetuadas através de dados bancários e credenciais de acesso pessoais e intransmissíveis;
31. A autenticação do cliente é forte quando o procedimento de autenticação é efetuado com recurso a dois ou mais elementos como, por exemplo, algo que só o utilizador conhece (como uma palavra-passe), algo que só o utilizador tem em sua posse (como o seu telemóvel) ou algo inerente ao utilizador e que o identifica (como uma impressão digital);
32. Para terem sido concretizadas as operações bancárias/transferências em questão, sempre terão de ter sido ultrapassadas, com sucesso, as barreiras resultantes desses dois fatores de autenticação;
33. No seguimento do relato que a autora fez, quer junto do banco, quer junto das autoridades policiais, o banco réu tratou de analisar o caso e verificar se, de facto, tinha ocorrido alguma falha de segurança no sistema de pagamento utilizado pelo cliente;
34. Após análise, o banco concluiu pela negativa, ou seja, concluiu no sentido de que não houve qualquer falha de segurança;
35. Na sequência queixa apresentada pela autora na PSP, foi elaborada declaração, nos termos constantes do documento n.º 13 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
36. A autora recebeu na sua conta de depósitos à ordem verbas de terceiros que depois foram levantadas, precisamente, através das transferências bancárias que a mesma agora vem pôr em causa;
37. O banco questionou a autora sobre se sabia a origem dos valores que tinham sido creditados na sua conta e que permitiram a realização das transferências e a mesma não soube indicar qual a proveniência desses montantes;
38. A autora confirmou que reconhecia e tinha na sua posse, sendo seu, o dispositivo (iPhone 14) onde estava instalada a APP EMP01... onde as operações foram iniciadas;
39. A autora confirmou que o número de telemóvel para onde foram enviadas as sms com o OTP para a autenticação forte que viabilizou as operações reclamadas também era o seu número e que não tinha cedido códigos a terceiros;
40. A queixa feita pela autora na PSP ... deu origem ao processo NUIPC 2359/23.2JABRG;
41. Na página ..., estão publicitados os cuidados a ter com os dados pessoais na internet para um utilizador saber como proteger a sua privacidade na Internet para que mantenha a sua informação segura e, bem assim, proteger os seus dados pessoais e equipamentos;
42. O banco não permitiu qualquer acesso de terceiros a dados confidenciais da autora; antes foi esta que os facultou;
43. Os valores que foram transferidos da conta da autora foram suportados com outras transferências realizadas por terceiros e creditados na conta imediatamente antes dos levantamentos;
44. Terceiros e fundos esses que a autora não soube identificar, nem justificar, não obstante, ter sido questionada para o efeito;
45. A autora é sócio-gerente da sociedade “EMP03..., Lda.”;
46. Na sequência da situação acima relatada, a conta bancária da cliente autora ficou inibida de receber movimentos a crédito, havendo um bloqueio preventivo;
47. Em 6 de setembro de 2023, o banco réu enviou uma missiva à autora, nos termos do documento n.º 10 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
48. Uma vez que a autora também é mutuária num contrato de crédito pessoal, aquando do envio de tal missiva, o banco réu prestou os esclarecimentos para que a autora pudesse continuar a cumprir com as suas obrigações, nomeadamente de pagamento das prestações convencionadas;
49. O banco criou uma conta encerramento, a qual assumiu o n.º ...20 e as suas condições seguiram anexas à carta mencionada em 47- dos factos provados;
50. Consta do anexo “A conta encerramento é uma conta de mero suporte às operações em curso, disponibilizada pelo banco com o fim exclusivo: 1. De lhe permitir continuar a dispor de um meio para cumprimento das obrigações, legais e contratuais, relacionadas com contratos de crédito e/ou seguros em vigor; (…)”. - fls. 60 e 61 dos autos.
1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
Só o telemóvel da Autora, com o número ...70, permitia fazer as movimentações e pagamentos.
Desde que tomaram a resolução de se divorciarem, em janeiro de 2023, logo acordaram que seria a autora a ficar só nesta conta, aliás como desde sempre se processou.
O BB só aparece como segundo titular da conta porque o banco réu assim o exigiu por em tempos ter sido pedido um crédito para obras associado a esta conta.
O autor BB não tem nem nunca teve acesso à conta, não a conseguindo movimentar.
O acesso e movimentação da conta entre os dias 30 de julho e 8 de agosto de 2023, por intermédio do referido instrumento de pagamentos fornecido pela ré, foi feito de forma irregular e ilegítima, tendo sido realizadas sete operações de pagamento e de transferência, sem o consentimento e contra a vontade da autora que nunca as autorizou.
Entre os dias 30 de julho e 8 de agosto de 2023, foram realizadas, sem a autorização ou consentimento da autora, por mau funcionamento da plataforma da Ré, as operações mencionadas no artigo 10.º da petição inicial.
Entre os dias 30 de julho e 8 de agosto de 2023, foram efetuados pagamentos no valor de € 6.277,90, não autorizados pela autora e por falha de segurança do serviço prestado pelo réu.
As transferências e ordens de pagamento só pararam quando o saldo da conta titulada pela autora já apresentava um valor negativo.
A autora, atento no facto de não ter dado autorização aquelas operações e de ver o seu saldo bancário reduzido a zero, solicitou a imediata restituição do dinheiro em falta, no balcão que o réu tem na ..., em ....
Os funcionários da ré, em vez de cumprirem com a obrigação de reporem a quantia, começaram a divagar se o telemóvel não estaria clonado, se não teria emprestado a um terceiro, se não estaria com vírus e baboseiras semelhantes, tendo até “aconselhado” a fazer um “reset” ao telemóvel.
Após este momento “Sherlock Holmes” dos funcionários da ré, a autora tentou ainda explicar que estava sem dinheiro para pagar as contas do dia a dia, por causa do mau funcionamento do serviço prestado e que era obrigação deles reporem o dinheiro.
Os funcionários da ré limitaram-se a lamentar o sucedido com a conta da autora e, perante o burburinho que se gerou no balcão, ameaçaram chamar a polícia caso a autora não se fosse embora, pois estava a incomodá-los, assim como aos demais clientes, com o problema dela e a exigência de reposição do saldo.
A Autora teve ainda de se socorrer de terceiros para assegurar o pagamento da conta de eletricidade, Fatura n.º ...17, de 19 de setembro 2023.
Dinheiro esse que ainda não conseguiu devolver ou repor por via da omissão ilícita por parte da Ré, a qual não restitui o saldo da conta no dia a que estava obrigada, isto é, no dia 18 de agosto de 2023, primeiro dia útil após a participação.
Não fora essa omissão da ré e a autora não se teria incomodado nem teria andado a incomodar e a passar a vergonha a pedir a terceiros o dinheiro que teve de pedir.
A autora, por ter associada a esta conta um crédito para obras, tentou fazer as transferências necessárias para assegurar o pagamento das prestações.
A autora nunca recebeu qualquer SMS no seu telefone a pedir a autorização nem tão pouco a confirmar a transferência.
Ao que a autora veio a apurar junto da PSP, estavam a ser apresentadas junto daquela instituição inúmeras queixas idênticas à dela, naquele dia já era a terceira, e, durante este mês de outubro a autora, por mera coincidência, soube e falou com outro cliente do banco réu alvo do mesmo tipo de ataque, o senhor II.
Em face da inércia, da resposta dada pelo réu e perante todo o sucedido, a autora sentiu-se e sente-se angustiada, preocupada, frustrada e lesada nos seus direitos.
Com a realização das operações em causa a autora ficou sem aquelas poupanças que dispunha para fazer face às suas despesas domésticas e profissionais.
O que lhe causou enormes preocupações, ansiedade e tristeza.
Desde o sucedido e ora narrado que a autora, outrora uma pessoa extrovertida, social e alegre, se tornou numa pessoa mais reservada, taciturna e desanimada.
2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Os apelantes/autores impugnam a decisão relativa à matéria de facto incluída na decisão recorrida, nos seguintes termos:
i) o facto dado como provado em 6.º deverá passar a ter a seguinte redação: «6. Em 11 de Agosto de 2023, a autora ligou para a “...”, dando conta da situação e de imediato a conta ficou bloqueada»;
ii) os pontos 26, 29, 30, 32, 33 e 34 devem ser dados como não provados;
iii) nos pontos 36, 37 e 43, deverá o Tribunal a quo esclarecer quais são as transferências em que assentou a sua conclusão e lhe permitiu dar estes pontos como provados ou dar-se os mesmos como não provados;
iv) os pontos 39 e 42 devem ser dados como não provados ou então o ponto 42 alterado para: «O Banco não permitiu qualquer acesso de terceiros a dados confidenciais da Autora e esta facultou o seu IBAN e número de cartão de cidadão, dados estes que não permitem a movimentação a negativo da conta».
O réu/recorrido, nas contra-alegações apresentadas, pronuncia-se pela rejeição da impugnação da matéria de facto apresentada pelos recorrentes, por inobservância do ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC, sustentando que os apelantes não fizeram a indicação precisa das passagens.
Tal como resulta do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC, o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Quanto ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere Abrantes Geraldes[1]: «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente».
Deste modo, «[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação»[2].

Revertendo ao caso em apreciação, observa-se que os apelantes indicam expressamente os concretos pontos que considera incorretamente julgados, mais especificando suficientemente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre os factos impugnados.
Ademais, observa-se que os recorrentes não baseiam a impugnação da matéria de facto em provas gravadas, pelo que a falta de indicação das passagens da gravação relevantes não obstaculiza a admissão liminar da impugnação da matéria de facto.
Porém, em relação à pretendida alteração do segmento final do ponto 6.º dos factos provados, no sentido de passar a constar que «(…) e de imediato a conta ficou bloqueada», não se vislumbra que tenham os apelantes cumprido o ónus de alegação constante da alínea b) do n.º 1, do citado artigo 640.º CPC, no que respeita ao(s) concreto(s) meio (s) probatório (s) que determinem decisão diversa relativamente ao referido segmento da matéria de facto.
Com efeito, a impugnação deduzida em relação ao ponto 6.º dos factos provados tem como pressuposto que a data em que se efetuou a chamada nele aludida está fixada por acordo entre as partes, alegando os recorrentes que tal resulta do artigo 42.º da contestação apresentada pela ré e dos artigos 2.º e 3.º do requerimento apresentado pelos autores (de 21-12-2023).
Ora, a alegação de que a data de 11 de agosto de 2023 está assente entre as partes não se aplica à referência final que os apelantes pretendem agora introduzir no aludido ponto da matéria de facto, a qual, aliás, nem sequer foi concretamente alegada em sede de petição inicial - cf., o alegado no art.º 13.º da petição inicial.
Em consequência, rejeita-se a impugnação referente à pretendida alteração do segmento final do ponto 6.º dos factos provados, no sentido de passar a constar que «(…) e de imediato a conta ficou bloqueada».
Em relação ao impugnado ponto 39.º dos factos provados também não é possível identificar o(s) concreto(s) meios de prova constantes do processo que, segundo os apelantes, implica/m decisão diversa sobre a matéria indicada, o que se impunha face à motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida.
A propósito da impugnação deduzida quanto ao ponto 42 dos factos provados, os apelantes alegam que o Tribunal recorrido assentou a sua conclusão no teor da declaração apresentada nos autos pela autora - fls. 27 dos autos - da qual entendem decorrer que esta admitiu ter facultado o seu IBAN e n.º de identificação civil a terceiros -, mais alegando que tais dados não permitem o acesso à conta de modo a esta poder ser movimentada a negativo, não podendo o Tribunal a quo concluir que os recorridos atuaram com negligência grosseira.
Quanto a esta última referência, trata-se de uma referência de natureza jurídica que não respeita à averiguação dos factos em causa.
Por outro lado, decorre da motivação da decisão de facto que «[o]s factos constantes dos pontos 24- a 44- dos factos provados apuraram-se com base nos documentos juntos com a contestação e com os documentos bancários apresentados após a audiência prévia, conjugados com os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Réu e inquiridas», pelo que a mera invocação da declaração apresentada nos autos pela autora - fls. 27 dos autos - não permite que se dê como não provada a matéria em causa.
Daí que os recorrentes pretendam que este Tribunal da Relação determine a alteração do ponto 42 dos factos provados, no sentido de passar a constar que o banco não permitiu qualquer acesso de terceiros a dados confidenciais da autora e esta facultou o seu IBAN e número de cartão de cidadão, dados estes que não permitem a movimentação a negativo da conta.
Porém, o enunciado complexo que os recorrentes pretendem agora introduzir, no ponto 42 da matéria provada, não foi oportunamente alegado em sede de articulados, sendo certo que em momento algum anterior à interposição do presente recurso os ora recorrentes manifestaram o propósito de se aproveitarem de tal matéria ou justificaram a sua atendibilidade em sede de sentença final.
Ademais, parte da formulação proposta pelos recorrentes em relação ao ponto 42 da matéria de facto provada assume feição essencialmente conclusiva, eventualmente assente em factos que não constam da respetiva redação.
Por conseguinte, é manifesto que não pode proceder a ampliação/alteração à matéria de facto agora proposta pelos recorrentes em sede de recurso, quanto ao impugnado ponto 42, por não integrar os poderes de cognição deste Tribunal em sede de julgamento da matéria de facto, revelando-se por isso manifestamente inconsequente à luz do objeto da presente ação.
Ora, a impugnação da decisão da matéria de facto, atento o seu carácter instrumental, não constitui um fim em si mesma, mas antes um meio ou mecanismo para atingir um determinado objetivo, mostrando-se por isso absolutamente pacífica a orientação jurisprudencial dos nossos Tribunais superiores no sentido de que a Relação não deverá reapreciar a matéria de facto se a sua reapreciação se afigurar inútil ou inócua do ponto de vista da decisão a proferir, sob pena de levar a cabo uma atividade processual inconsequente e inútil que, por isso, lhe está vedada pela lei, atento o disposto no artigo 130.º do CPC[3].
Como tal, decide-se rejeitar, nessa parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto vertida nos pontos 39 e 42, assim improcedendo as correspondentes conclusões dos apelantes.
Relativamente aos factos vertidos nos pontos 36, 37 e 43 dos factos provados, pretendem os apelantes que o Tribunal a quo venha identificar quais são as transferências que dá como provadas serem estranhas aos recorrentes e para as quais não tem justificação e que saíram de imediato.
A propósito do fundamento de nulidade enunciado na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, referem Lebre de Freitas-Isabel Alexandre[4]: «[f]ace ao actual código, que integra na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação desta decisão (art. 607, n.os 3 e 4), deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b) do n.º1 (falta de especificação dos fundamentos que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, n.º s 2-d e 3, alíneas b) e d)».
À luz do alegado pelos recorrentes importa aferir se é patente algum vício na fundamentação decisão sobre a matéria de facto que caiba a este Tribunal apreciar, designadamente se é de determinar a remessa dos autos ao Tribunal recorrido nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 2, al. d), do CPC.
Revertendo ao caso em apreciação, observa-se que o Tribunal recorrido enunciou os fundamentos que determinaram o sentido e alcance da decisão proferida sobre os factos em referência, explicitando, entre o mais, que «[o]s factos constantes dos pontos 24- a 44- dos factos provados apuraram-se com base nos documentos juntos com a contestação e com os documentos bancários apresentados após a audiência prévia, conjugados com os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Réu e inquiridas».
Assim, da motivação da decisão de facto constam os elementos de prova que foram considerados relevantes para o juízo formulado no âmbito da matéria de facto em referência, não padecendo a referida decisão de falta de fundamentação.
Perante o exposto, não se verifica qualquer vício na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que cumpra suprir.
Como tal, julga-se improcedente a questão suscitada a propósito da invocada falta de fundamentação dos factos em causa, antes traduzindo a respetiva discordância quanto ao sentido da decisão vertida nos impugnados pontos da matéria de facto.
Retomando agora a impugnação do ponto 6 - 1.ª parte - dos factos provados, revela-se evidente que a data em que se efetuou a chamada nele aludida está fixada por acordo entre as partes.
Assim, a data de 11 de agosto de 2023 resulta do alegado no artigo 42.º da contestação apresentada pela ré e foi aceite nos artigos 2.º e 3.º do requerimento apresentado pelos autores (de 21-12-2023), tal como alegam os recorrentes, o que implica que tal facto seja tido por assente e provado nos autos, tanto mais que o mesmo não configura um facto que só possa ser provado por documento escrito.
Deste modo, trata-se de matéria definitivamente adquirida como provada no processo razão pela qual não há lugar a qualquer averiguação autónoma em sede instrutória, tal como prescreve o artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC.
Procede, assim, nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto, pelo que o facto dado como provado em 6.º passará a ter a seguinte redação: «6. Em 11 de Agosto de 2023, a autora ligou para a “...”, dando conta da situação e iniciado o procedimento de bloqueio da conta»;
Os apelantes defendem que os pontos 26, 29, 30, 32, 33 e 34 devem ser dados como não provados, indicando, como meios de prova a atender, a informação constante do registo informático das operações (junto aos autos pela recorrida em 10-05-2024, com a referência Citius n.º 4446774) e o extrato bancário dos recorrentes (junto aos autos pela recorrida em 16-05-2024, com a referência Citius n.º 4454719).
Sobre esta matéria, os apelantes argumentam, no essencial, por comparação dos dois documentos, que entre o dia 19-08-2023 e o dia 26-08-2023 se registam nove saídas de 200,00€ para uma conta aí melhor identificada (o que sustentam resultar da informação constante do registo informático das operações), enquanto no  extrato bancário dos recorrentes (junto aos autos pela recorrida em 16/05/2024, com a referência Citius n.º 4454719) nenhuma destas operações se encontra registada, assim pretendendo pôr em causa a conclusão a que o Tribunal a quo chega quanto ao funcionamento da plataforma do banco recorrido e à inexistência de falha de segurança do serviço prestado pelo banco réu.
Reapreciados os documentos em referência, não vemos que os mesmos permitam justificar a alteração da decisão da matéria de facto no sentido pretendido pelos recorrentes, antes se impondo um juízo de total concordância quanto à motivação enunciada na sentença recorrida a propósito da análise da globalidade dos meios de prova que levaram a considerar provados os pontos da matéria de facto agora em causa.
De acordo com a configuração dada pelos autores na petição inicial, o objeto do litígio assenta na alegada realização de operações não autorizadas de transferência de montantes depositados na conta de que são titulares para outras contas bancárias, através do serviço de pagamentos eletrónicos ou à distância, denominado homebanking, estando em causa as concretas operações bancárias alegadas pelos autores no artigo 10.º da petição inicial, reportadas ao período decorrido entre o dia 30 de julho e 8 de agosto de 2023, nos valores enunciados no referido artigo 10.º do articulado inicial - cf. o objeto do litígio e o ponto 1.º dos temas da prova, tal como enunciados no despacho exarado na ata de 30-04-2024.
Ora, segundo o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260.º do CPC, logo que citado o réu deve a instância manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
A causa de pedir corresponde ao facto ou factos jurídicos concretamente invocados para sustentar o direito que o autor se propõe fazer declarar, o efeito jurídico pretendido ou o pedido formulado - cf. artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 CPC.
Neste domínio, prescreve o artigo 264.º do CPC, sob a epígrafe Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo, que havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.

Por sua vez, o artigo 265.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, sob a epígrafe Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo, dispõe que:
1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

Nestes termos, fundando-se todo o pedido numa causa de pedir, «esta pode ser modificada, por alteração ou ampliação: é ampliada quando os novos factos alegados integram outro facto constitutivo do direito do autor, a valer ao lado do primeiro; é alterada quando os novos factos integram um facto constitutivo do direito do autor que este pretende introduzir em substituição  do inicial»[5].
No caso, verifica-se que a única alteração relevante ao objeto inicial da ação ocorreu com a redução do pedido apresentada pelos autores/recorrentes para a quantia de 5.357,08€, através de requerimento apresentado em 23-05-2024 e que foi objeto do despacho proferido a 05-06-2024, devidamente transitado em jugado, admitindo a redução do pedido formulado pelos AA. (alínea a) do petitório), que se fixa em 5.357,08 €.
Tal como decorre do requerimento de redução do pedido, os próprios autores vieram circunscrever a causa de pedir inicial, restringindo as operações que não reconhecem como tendo sido autorizadas a apenas algumas das concretas operações inicialmente enunciadas no artigo 10.º da petição inicial: - 31-07-2023 (no valor de € 292,90€); - 31-07-2023 (no valor de € 1.270,00€); - 07-08-2023 (no valor de 1.000,00€); - 08-08-2023 (no valor de 300,00€); 08-08-2023 (no valor de € 117,00); 09-08-2023 (no valor de 298,00€).
Deste modo, de acordo com a configuração dada na petição inicial, ulteriormente restringida pelos próprios autores em face da redução do pedido formulada, resulta inequívoca a irrelevância dos movimentos alegadamente ocorridos entre o dia 19-08-2023 e o dia 26-08-2023, sendo certo que em relação às concretas operações bancárias alegadas pelos autores no artigo 10.º da petição inicial, reportadas ao período decorrido entre o dia 30 de julho e 8 de agosto de 2023, os ora apelantes não invocam qualquer divergência entre a informação que consta do registo informático das operações e o(s)  extrato(s) bancário(s) juntos aos autos, dos quais resulta que todas as operações que integram o objeto da presente ação se encontram devidamente registadas nos extrato(s) bancário(s) respeitantes ao período em causa.
Entendemos, assim, que os concretos meios de prova indicados pelos apelantes como relevantes para a alteração da decisão da matéria de facto contida na decisão recorrida não permitem infirmar a valoração que a foi feita pelo Tribunal a quo a propósito dos impugnados pontos 26, 29, 30, 32, 33 e 34 dos factos provados.
Daí que não existam razões para censurar a decisão da matéria de facto que consta da sentença recorrida quanto aos pontos 26, 29, 30, 32, 33 e 34 dos factos provados.
Tal como decorre da motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida, «[o]s factos constantes dos pontos 24- a 44- dos factos provados apuraram-se com base nos documentos juntos com a contestação e com os documentos bancários apresentados após a audiência prévia, conjugados com os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Réu e inquiridas».
Ora, da análise dos extratos bancários juntos com o requerimento de 16-05-2024 (extratos 182 e 183) resulta suficientemente evidenciado que a conta de depósitos à ordem da titularidade da autora regista efetivamente determinados movimentos provenientes de transferências a crédito que suportaram em termos contabilísticos todos os valores que foram subsequentemente transferidos da conta da autora mediante as transferências bancárias que relevam para o objeto da presente ação, em concreto as ocorridas em 31-07-2023 (no valor de € 292,90€); - 31-07-2023 (no valor de € 1.270,00€); - 07-08-2023 (no valor de 1.000,00€); - 08-08-2023 (no valor de 300,00€); 08-08-2023 (no valor de € 117,00); 09-08-2023 (no valor de 298,00€).
Daí que improceda a impugnação deduzida pelos recorrentes quanto aos pontos 36, 37 e 43 dos factos provados.
Procede, assim, ainda que parcialmente, nos termos expostos, a impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente.

2.2. Reapreciação do mérito da decisão de direito

Atenta a parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo apelante, os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados em 1.1., supra, com a alteração da redação do ponto 6 dos factos provados.
Como se vê, o quadro fáctico relevante com vista à subsequente subsunção jurídica é sensivelmente idêntico ao que serviu de base à prolação da sentença recorrida, sendo certo que a alteração do segmento fáctico vertido no ponto 6 dos factos provados não revela qualquer pertinência no quadro das concretas pretensões formuladas nos presentes autos, atentos os fundamentos invocados pelos autores na petição inicial, nem de tal matéria foi retirada qualquer consequência pertinente no âmbito da sentença impugnada.
A sentença recorrida procedeu ao enquadramento das questões de natureza jurídica relevantes para o objeto da presente ação, concluindo que «inexiste, no caso em apreço, a obrigação de restituir/reembolsar a Autora de tais operações, tendo o Réu demonstrado a factualidade por si alegada e que afastam a responsabilidade prevista no artigo 114º do DL nº 91/2018 (…)».

Para o efeito enunciou, no essencial, os seguintes fundamentos:
«(…)
Em face da factualidade apurada e acima evidenciada, cremos que o Réu logrou demonstrar que, no caso em apreço, não estamos perante um funcionamento deficiente ou inseguro do sistema de prestação de serviços de pagamentos ou transferência.
Atentos os pontos 21- a 44- dos factos provados, conclui-se que o Réu logrou demonstrar ter adoptado, no caso em apreço, medidas de segurança suficientes e adequadas para proteger a confidencialidade e a integridade das credenciais de segurança personalizada da aqui Autora. Mais demonstrou não ter ocorrido mau funcionamento do sistema, nem se ter verificado falha de segurança no serviço prestado.
À luz dos factos provados, mais se apurou que a Autora actuou com negligência grosseira - cfr. artigo 113º, nºs 3 e 4 do DL nº 91/2018.
Atente-se no teor da declaração apresentada nos autos pela Autora - fls. 27 dos autos (ponto 35- dos factos provados).
A mera culpa ou negligência traduz-se na omissão da diligência exigível. há um juízo de censura inerente à conduta negligente: «o agente devia ter usado uma diligência que não empregou. devia ter previsto o resultado ilícito, a fim de o evitar, e nem sequer o previu; ou se o previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele não se produzisse.» - Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra Editora, pág. 350. A determinação da diligência exigível é feita em abstracto, ou seja, confrontando a atuação do agente no caso concreto com a actuação que uma pessoa média - o ‘bonus pater familias’ - nessa concreta situação teria, e não com a diligência habitual do autor da conduta negligente. Tal é o que resulta do disposto no artigo 487.º, n.º 2, do Cód. Civil: ‘a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.’ Com a utilização da expressão ‘bom pai de família’ quer-se significar a pessoa de diligência normal, medianamente sagaz, prudente e cuidadosa. Com a utilização da expressão ‘em face das circunstâncias de cada caso’ «(…) pretende-se apenas dizer que a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto. (…)» – João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª Edição, Almedina, fls. 569.
As operações aqui em causa (transferências) correspondem a transacções com autenticação forte, efectuadas através de dados bancários e credenciais de acesso pessoais e intransmissíveis, sendo que a autenticação do cliente é forte quando o procedimento de autenticação é efectuado com recurso a dois ou mais elementos como, por exemplo, algo que só o utilizador conhece (como uma palavra-passe), algo que só o utilizador tem em sua posse (como o seu telemóvel) ou algo inerente ao utilizador e que o identifica (como uma impressão digital). Para terem sido concretizadas as operações bancárias/transferências em questão, sempre terão de ter sido ultrapassadas, com sucesso, as barreiras resultantes desses dois factores de autenticação. Ora, só a Autora tinha na sua posse o seu telemóvel e só a Autora conhecia as suas credenciais e palavras- passe.
(…)
Não se apuraram factos que nos levem a concluir estarem reunidos os pressupostos legais para obrigar o Réu a restituir as quantias aqui em causa.
*
De igual modo, não estão preenchidos os pressupostos legais que permitam atribuir uma indemnização por danos não patrimoniais.
Não se apurou nenhum facto que sustentem os pedidos formulados sob as alíneas d) a g).
Concluindo, impõe-se a improcedência de todos os pedidos.
(…)».
Os recorrentes discordam do assim decidido, sustentando que o Tribunal a quo, ao decidir que a recorrente mulher agiu com negligência grosseira e ao dar como provado que a plataforma informática não apresentava avaria técnica ou qualquer deficiência, violou os artigos 111.º a 115.º do Dec. Lei n.º 91/2018, de 12-11[6].
Entendemos, porém, que a eventual alteração da solução jurídica alcançada na sentença impugnada dependia, no mínimo, do prévio sucesso da modificação/alteração da decisão de facto pretendida pelo apelante, o que não sucedeu.
Com efeito, ponderando o que decorre da matéria de facto definitivamente provada, entendemos que se impõe um juízo de total concordância relativamente à decisão proferida.
Na presente apelação não se mostra controvertido que entre os autores e ao réu foi celebrado um contrato de abertura de conta que tem associada uma plataforma eletrónica que providencia instrumentos de pagamento pelo telemóvel ou por computador (homebanking), também fornecida pelo réu, destinada a assegurar e fornecer aos autores um instrumento de movimentação da conta destinado a iniciar e processar as operações de pagamento e demais movimentações a débito da conta.
Também não vem posto em causa que o contrato em causa está sujeito ao regime jurídico previsto no Dec. Lei n.º 91/2018, de 12-11 (RJSP).

Decorre de tal regime que o prestador de serviços de pagamento só pode executar uma operação ou um conjunto de operações que tenha sido devidamente autorizado pelo ordenante[7], prevendo o respetivo artigo 103.º, com a epígrafe Consentimento e retirada do consentimento, o seguinte:

«1 - Uma operação de pagamento ou um conjunto de operações de pagamento só se consideram autorizados se o ordenante consentir na sua execução.
2 - O consentimento deve ser dado previamente à execução da operação, salvo se for acordado entre o ordenante e o respetivo prestador do serviço de pagamento que o mesmo seja prestado em momento posterior.
3 - O consentimento deve ser dado na forma acordada entre o ordenante e o respetivo prestador do serviço de pagamento.
4 - (…)
5 - Na falta do consentimento referido nos números anteriores, considera-se que a operação de pagamento não foi autorizada.
6 - (…)
7 - (…)
8 - (…)».
Neste domínio, o RJSP estabelece um conjunto de obrigações para o prestador de serviços de pagamento e também para o utilizador de serviços de pagamento[8].

Assim, nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 1 do RJSP, o utilizador de serviços de pagamento com direito a utilizar um instrumento de pagamento deve utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização, as quais têm de ser objetivas, não discriminatórias e proporcionais [al. a)], e comunicar, logo que tenha conhecimento dos factos e sem atraso injustificado, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, a perda, o furto, o roubo, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento(al. b)] sendo que, para efeitos da alínea a) do número anterior, o utilizador de serviços de pagamento deve tomar todas as medidas razoáveis, em especial logo que receber um instrumento de pagamento, para preservar a segurança das suas credenciais de segurança personalizadas (n.º 2).
Por seu turno, o prestador de serviços de pagamento tem, nomeadamente, a obrigação de assegurar que as credenciais de segurança personalizadas do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador de serviços de pagamento que tenha direito a utilizar o referido instrumento, sem prejuízo das obrigações do utilizador do serviço de pagamento estabelecidas no artigo anterior [art.º 111.º, n.º 1, al. a)].
Deste modo, «ao utilizador do serviço de pagamento devem ser proporcionados dispositivos de segurança (credenciais de acesso, cartão de coordenadas, etc.) que lhe vão permitir aceder a esse serviço. Tais dispositivos de segurança personalizados têm uma função de autenticação, permitindo identificar o utilizador e verificar se este é efetivamente o cliente que contratou o serviço de homebanking.
Ao utilizador desses serviços impõe-se dever de guarda dos dados que lhe permitem aceder ao sistema e realizar operações on line e, em especial, o dever de preservação da confidencialidade dos mesmos, por forma a evitar a sua apropriação por terceiros. Em caso algum deve facultar a terceiros os elementos de segurança que lhe são atribuídos, atendendo à sua função de autenticação das operações de pagamento»[9].

No que ora releva, o artigo 113.º do RJSP sob a epígrafe Prova de autenticação e execução da operação de pagamento, dispõe o seguinte:
«1 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi corretamente efetuada, incumbe ao respetivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços de pagamento.
2 - (…)
3 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, incluindo o prestador do serviço de iniciação do pagamento, se for caso disso, não é necessariamente suficiente, por si só, para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta, ou que não cumpriu, com dolo ou negligência grosseira, uma ou mais obrigações previstas no artigo 110.º
4 - Nas situações a que se refere o número anterior, o prestador de serviços de pagamento, incluindo, se for caso disso, o prestador do serviço de iniciação do pagamento, deve apresentar elementos que demonstrem a existência de fraude, de dolo ou de negligência grosseira da parte do utilizador de serviços de pagamento».
Como se refere no acórdão do TRL de 20-02-2024[10], o risco inerente à utilização e funcionamento dos serviços de pagamento recai sobre o prestador de serviços, cabendo a este, para se eximir dessa responsabilização, provar que (i) a operação de pagamento foi devidamente autenticada (art.º 113º, nº 1, do Decreto-lei nº 91/2018, de 12.11),  (ii) não foi afetada por qualquer avaria técnica ou por outra deficiência relacionada com o serviço de pagamento por si prestado (Artigo 114º, nº 9),  mas ainda que  (iii) o utilizador dos serviços de pagamento (ordenante) atuou de forma fraudulenta ou incumpriu de forma deliberada uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 110º ou que atuou com negligência grosseira (art.º 113º, nº 3 e nº 4)».
Retomando a matéria de facto agora definitivamente assente nos autos, revela-se indiscutível que o banco réu logrou fazer a prova que lhe é imposta pelo citado artigo 113.º, n. º1 do RJSP, ou seja, de que as operações de pagamento em causa nos presentes autos foram autenticadas, devidamente registadas e contabilizadas, não tendo sido afetadas por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços de pagamento.
Contudo, como já referido, resulta das normas acima transcritas que o risco inerente à utilização e funcionamento dos serviços digitais de pagamento recai sobre o prestador de serviços, cabendo a este, para se eximir dessa responsabilização, provar ainda que o utilizador dos serviços de pagamento (ordenante) atuou de forma fraudulenta ou incumpriu de forma deliberada uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 110.º ou que atuou com negligência grosseira.
Por outro lado, nos termos do artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil, a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada situação.
Como se viu, ao utilizador desses serviços impõe-se dever de guarda dos dados que lhe permitem aceder ao sistema e realizar operações on line e, em especial, o dever de preservação da confidencialidade dos mesmos, por forma a evitar a sua apropriação por terceiros, em caso algum podendo facultar a terceiros os elementos de segurança que lhe são atribuídos, atendendo à sua função de autenticação das operações de pagamento.
Daí que a decisão recorrida também não mereça censura nesta parte, uma vez que o banco não permitiu qualquer acesso de terceiros a dados confidenciais da autora, antes foi esta que os facultou, assim incumprindo uma das suas obrigações decorrentes do artigo 110.º e violando regras de conduta que seriam exigíveis a qualquer pessoa média situada em idêntica posição.
Em consequência, não se mostram violados quaisquer preceitos legais, nomeadamente os invocados pelos apelantes, assim improcedendo a apelação.
Síntese conclusiva:

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 18 de setembro de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Alcides Rodrigues
 (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Ana Cristina Duarte
(Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 - 5.ª edição -, p. 165-166.
[2] Cf. Abrantes Geraldes - Obra citada - p. 168-169 - nota 5.
[3] Neste sentido, cf., por todos, os acórdãos do STJ de 09-02-2021 (relatora: Maria João Vaz Tomé), p. 26069/18.3T8PRT.P1. S1; 14-03-2019 (relatora: Maria do Rosário Morgado), p. 8765/16.16.1T8LSB.L1. S2; 13-07-2017 (relator: Fonseca Ramos), p. 442/15.7T8PVZ.P1. S1; 17-05-2017 (relatora: Fernanda Isabel Pereira), p. 4111/13.4TBBRG.G1. S1; disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Cf. Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, p. 736.
[5] Cf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 4.ª edição, 2017, Coimbra, Gestlegal, p. 214.
[6] Diploma que aprovou o novo Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2015/2366.
[7] Enquanto pessoa singular ou coletiva que é titular de uma conta de pagamento e que autoriza uma ordem de pagamento a partir dessa conta, ou, na ausência de conta de pagamento, uma pessoa singular ou coletiva que emite uma ordem de pagamento (artigo 2.º al. mm).
[8] Enquanto pessoa singular ou coletiva que utiliza um serviço de pagamento a título de ordenante, de beneficiário ou em ambas as qualidades (artigo 2.º al. eee).
[9] Cf. o Ac. TRP de 23-01-2023 (relator: Joaquim Moura), p. 11857/21.1T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Relator Luís Filipe Pires de Sousa, p. 6029/23.3T8LSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.