Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1151/12.4TBBCL.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: CITAÇÃO
CURADOR ESPECIAL
CESSAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Nos termos da primeira parte do n.º 2 do artigo 20.º CPC, a cessação da intervenção do curador ad litem pressupõe o conhecimento de qualquer facto que torne dispensável, supérflua ou escusada a continuação da sua presença no processo; trata-se de um facto revelador de que não se mantém mais a situação de incapacidade de facto que originou a sua nomeação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I

Na presente acção declarativa, que corre termos no Juízo Local Cível de Barcelos, em que é autora Maria e ré E. F., a 14-6-2016 o Ilustre Mandatário desta apresentou um requerimento em que dizia:

"1. Foi o requerente informado pelo chamado e filho da Ré, Joaquim que em face da doença incapacitante de que padece a sua mãe e Ré nos autos que corre processo administrativo de interdição da mesma junto do DIAP Barcelos com o nº 627/16.9T9BCL.
2.- Em face da Doença incapacitante a Ré não poderá estar presente em sede de audiência de julgamento nem poderá prestar depoimento de parte.
3.- E em face da eventual situação de interdição, coloca-se a questão de ter que ser nomeado tutor que a represente, pelo que eventualmente deverá ser adiada a audiência de julgamento designada."
A 16-6-2017 Joaquim, filho da ré, apresentou um requerimento em que afirmava estar a correr o processo 627/16.9T9BCL para interdição da sua mãe.
A 22-6-2017 o Meritíssimo Juiz determinou que:

"Antes de mais, oficie ao Ministério Público para que informe se corre «processo administrativo» com vista à interdição da aqui ré E. F. e, em caso afirmativo, se ai já foi realizado exame às faculdades da mesma e neste caso, se a mesma está capaz de compreender as notificações que lhe são feitas."
A 29-6-2017 o Ministério Público juntou aos autos relatório pericial, elaborado pelo Gabinete Médico-Legal Forense do Cávado, realizado no âmbito do processo 627/16.9T9BCL, no qual se concluía que:

"Por tudo o que se afirma, sou de parecer que a examinanda sofre de anomalia psíquica grave, que incapacita total e permanentemente de reger a sua pessoa e bens, pelo que existe fundamento psicopatológico bastante para a sua interdição".
A 6-07-2017 e a 11-7-2017 o Meritíssimo Juiz proferiu os seguintes despachos:

"Considerando o estado da ré E. F., notifica-se o Ministério Público para que indique pessoa idónea para ser nomeada como curadora especial da ré E. F., com excepção do seu único filho Joaquim, uma vez que este é também parte na acção e tem interesse divergente do da ré na acção, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 20.º, n.º 1 do Código de Processo Civil."
"Atendendo à posição assumida pelo Ministério Público no requerimento que antecede, e uma vez que a ré E. F. apenas tem como filho, o interveniente Joaquim, nomeia-se como curador especial da ré E. F., o seu neto António."

A 6-12-2017 a ré apresenta requerimento nos autos em que afirma:

"(…) vem aos mesmos juntar procuração para efeitos de sua representação.
Mais junta atestado clínico que atesta a sua capacidade para intervir em juízo."
Nessa altura junta um "relatório de avaliação psicológica", datado de 23-11-2017 e subscrito pela psicóloga S. M. em que esta, após examinar a ré, conclui que há uma "a ausência de défice cognitivo, com bom funcionamento geral", "compreende o que lhe é dito e consegue comunicar de forma adequada" e tem a "capacidade insight preservada, mantendo juízo crítico em relação à sua pessoa, ao seu estado de saúde e respectivas necessidades."

Esta mesma psicóloga tinha, a 4-7-2016, elaborado um outro relatório em que dizia que "os resultados da avaliação psicológica, baseada na recolha da história clínica com o filho, na observação clínica e em instrumentos de avaliação cognitiva devidamente certificados, permitem concluir a presença de défice cognitivo, com dificuldades ao nível da atenção, competências construtivas, capacidade visuo-espacial, nomeação e percepção visual, memória imediata e memória recente. Sem dificuldades significativas ao nível da memória remota. Estes resultados parecem diminuir significativamente o seu juízo crítico e a sua capacidade de insight."

E a 11-12-2017 junta outro requerimento onde diz que:

"(…) 11.º Ora, conforme resulta da análise do relatório clínico, a ré encontra-se no pleno gozo dos seus direitos,
12.º Devendo assim cessar a figura do seu curador especial.
13.º Atenta a desnecessidade da curadoria, conforme relatório clinico já junto aos autos, subscrito pela Dr.ª S. M.".
A 27-12-2017 o Ministério Público pronuncia-se no sentido de que:
"Consideramos que os elementos juntos pela Ré são suficientes para os efeitos pretendidos, de cessação da curadoria."
A 11-1-2018 a Meritíssima Juiz profere despacho em que decide:
"Do pedido de cessação da representação da ré por curador especial.
A respeito do pedido de cessação da representação da ré por curador especial importa, antes de mais, atender ao art. 20.º do Código de Processo Civil, que estatui que:
«1 - As pessoas que, por anomalia psíquica ou outro motivo grave, estejam impossibilitadas de receber a citação para a causa são representadas nela por um curador especial.
2 - A representação do curador cessa quando for julgada desnecessária, ou quando se juntar documento que mostre ter sido declarada a interdição ou a inabilitação e nomeado representante ao incapaz.
3 - A desnecessidade da curadoria, quer seja originária quer superveniente, é apreciada sumariamente, a requerimento do curatelado, que pode produzir quaisquer provas.
4 - O representante nomeado na acção de interdição ou de inabilitação é citado para ocupar no processo o lugar de curador.»
Vejamos, então, o que resulta dos autos.

Com relevo para a decisão temos que:

1) No âmbito do processo administrativo que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Barcelos sob o n.º 627/16.9T9BCL, em 23.03.2017, foi realizado exame de perícia médico-legal de psiquiatria, à aqui ré E. F..

2) O perito médico que realizou exame, constatou que:

«a examinada [está] desorientada no espaço e no tempo (…)
Depois de informada acerca do objecto da perícia não revelou capacidade de entender o sentido e o alcance da mesma…
Apresenta um discurso por vezes incoerente, mas que a capacita a descrever situações concretas e a expressar emoções primárias.
As suas funções cognitivas, numa avaliação clínica sumária, revelam uma deterioração cognitiva global marcada…
A examinanda desconhece o valor facial do dinheiro para uma nota de dez euros. Desconhece o custo dos bens de consumo essenciais e desconhece o valor da sua reforma.
A sua capacidade de juízo crítico encontra-se prejudicada pela deterioração cognitiva marcada.
Da análise da observação clínica, do exame do estado mental, da entrevista familiar e da consulta de registos clínicos constantes de peças processuais é possível afirmar que a examinanda sofre de síndrome demencial em estádio grave.
É de admitir que, a data do começo da sua incapacidade se deva situar em Janeiro de 2015 (…)»
3) E concluiu no relatório pericial que «…sou de parecer que a examinanda sofre de anomalia psíquica grave, que incapacita total e permanentemente de reger a sua pessoa e bens…» (fls. 399 e 400)
4) Em 04.07.2016, a ré foi submetida a avaliação psicológica, a título particular e a pedido do filho Joaquim, tendo a Sra. Psicóloga clínica Dra. S. M. concluído, para além do mais, que «os resultados da avaliação psicológica, baseada na recolha da história clínica com o filho, na observação clínica e em instrumentos de avaliação cognitiva devidamente certificados, permitem concluir a presença de défice cognitivo, com dificuldades ao nível da atenção, competências construtivas, capacidade visuo-espacial, nomeação e percepção visual, memória imediata e memória recente. Sem dificuldades significativas ao nível da memória remota. Estes resultados parecem diminuir significativamente o seu juízo crítico e a sua capacidade de insight.» (fls. 487)
5) Em 04.10.2017, o Sr. Oficial de Justiça que foi citar a ré E. F. no âmbito do processo de interdição n.º 2200/17.5T8BCL, fez constar que «certifico … que não levei a efeito a citação de E. F., uma vez que a citanda aos meus olhos não se encontra capaz de receber a presente citação.» (fls. 488)
6) Em 23.11.2017, a ré foi submetida a avaliação psicológica, a título particular e a pedido do filho Joaquim, tendo a Sra. Psicóloga clínica Dra. S. M. concluído, para além do mais, que «os resultados da avaliação psicológica, baseada na recolha da história clínica, na observação clínica e em instrumentos de avaliação cognitiva, permitem concluir a ausência de défice cognitivo, com bom funcionamento geral. (…) com capacidade insight preservada, mantendo juízo crítico em relação à sua pessoa, ao seu estado de saúde e respectivas necessidades. …as alterações avaliadas parecem naturais do processo de envelhecimento, tendo em conta a sua idade cronológica e ausência de escolaridade, não parecendo existir sinais de psicopatologia.» (fls. 436)
7) Em 11.12.2017, a ré outorgou procuração perante o Sr. Notário Jorge. (fls. 444)
8) A ré tem 89 anos de idade. (fls. 312)
*
Posto isto, temos que os elementos que nos levaram a decidir pela curadoria provisória da ré foi a existência de exame de perícia médico-legal de psiquiatria, realizado por médico do INML, no âmbito de um processo administrativo que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Barcelos sob o n.º 627/16.9T9BCL.
Exame pericial de psiquiatria forense que concluiu que a ré sofre de anomalia psíquica grave, que incapacita total e permanentemente de reger a sua pessoa e bens.
Ora, a única prova que a própria ré junta para provar da desnecessidade da curadoria provisória foi o relatório de avaliação psicológica, realizado a título particular e a pedido do filho Joaquim, pela 04.07.2016ra. Psicóloga clínica Dra. S. M.. Deste modo, a prova que a ré requereu foi o relatório de avaliação psicológica elaborado pela Psicóloga S. M., junto aos autos a fls. 436 e é com base nesse documento e nos demais elementos juntos aos autos que o Tribunal tem de decidir.
E partindo do exposto, temos de dizer, em primeiro lugar, que a Sr. Psicóloga que agora elaborou este relatório em 23.11.2017, já anteriormente elaborou outro de sentido diferente, pois em 04.07.2016, afirmou que «permitem concluir a presença de défice cognitivo … o que parece[m] diminuir significativamente o seu juízo crítico e a sua capacidade de insight.»

Ora, muito se estranha que alguém que tinha um défice cognitivo, deixe de o ter um ano e quatro meses depois, sendo certo que a ré é pessoa de 89 anos de idade.
Surpreende ainda mais que alguém que em 04.07.2016 se mostrava com a sua capacidade insight significativamente diminuída, tenha já mais de um ano depois e com 89 anos, essa mesma capacidade de insight (ou seja, de discernimento) preservada, conforme resulta dos dois relatórios de avaliação psicológica.
Em segundo lugar, tais relatórios foram elaborados a pedido do filho da ré e como tal valem como documentos particulares.
Em terceiro lugar, temos que um Médico Psiquiatra, a pedido do Ministério Público, concluiu que a ré sofre de anomalia psíquica grave, que incapacita total e permanentemente de reger a sua pessoa e bens.

É certo que as perícias são livremente apreciadas pelo Tribunal nos termos do art. 389.º do Código Civil, pelo que o relatório do exame pericial realizado no âmbito do PA que correu termos nos Serviços do Ministério Público, tem de ser avaliado tal como os relatórios de avaliação psicológica elaborados a pedido do filho da ré. Contudo, não podemos, em consciência, deixar de dar maior primazia ao relatório de psiquiatria forense elaborado por entidade isenta, desinteressada e que fez exame a pedido do Ministério Público, em detrimento de um/dois relatórios elaborados a pedido do filho da ré, sendo ainda certo que a Sra. Psicóloga clínica que elabora os dois relatórios de avaliação psicológica, nem explica como é que alguém com 88/89 anos de idade, melhora ao nível da capacidade de compreensão e discernimento e deixa de ter um défice cognitivo, pois para quem já concluíra, o que consta do relatório de Julho de 2016, o mínimo que se impunha é que explicasse tal melhoria com o decorrer dos anos. E isso não acontece na presente situação.

Deste modo, atentando essencialmente ao relatório de psiquiatria forense que determinou necessidade da curadoria especial, que em nosso entender não sai infirmado pelo documento agora junto pela ré, e nos termos do n.º 3 do citado artigo temos de decidir que é de indeferir o incidente de cessação do curador provisório por desnecessidade, tal como é requerido pela ré E. F..
Quatro notas finais.
A primeira para referir que os desentendimentos das partes são conhecidos da signatária até pela realização de outro julgamento entre as mesmas partes, mas isso não serve de nada para decidir do presente incidente.

Por outro lado, quando à ausência de contactos entre o curador especial e a ré, também nada se provou, sendo que o neto da ré foi a pessoa que aceitou o cargo já depois de se ter nomeado pessoa indicada pelo filho da ré no PA que correu termos nos Serviços do Ministério Público, o qual não aceitou o cargo (por motivos que não foram levados ao respectivo auto e que, como tal, também não vamos utilizar) e sendo certo que sendo o filho da ré, chamado na acção, pelo lado activo, o mesmo não pode ser seu curador especial por incompatibilidade de posições processuais, sendo o neto a pessoa mais próxima da ré efectivamente conhecida.
Em terceiro lugar, os problemas físicos da ré tal como resultam do atestado de incapacidade em nada relevam para os presentes autos, uma vez que mesmo que a ré estivesse numa situação de total paralisia, isso não contenderia, sem mais, com as suas capacidades mentais.

Por último, o alegado pela Ilustre Mandatária da ré a fls. 441 e 442, também em nada releva uma vez que não foi objecto de prova e estaria até sujeito a sigilo profissional da referida Mandatária.
Por todo o exposto, e ao abrigo do disposto no art. 20.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, indefere-se o pedido de cessação da representação da ré por curador especial."

Inconformados com esta decisão (de 11-1-2018), o Ministério Público e a ré dela interpuseram recurso, que foram recebidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Nas suas conclusões o Ministério Público diz:

I. Após a nomeação de curador especial à Ré E. F., a mesma juntou a procuração de fls. 435 a favor da Ilustre Advogada Dr.ª S. G. para efeitos da sua representação nestes autos juntando ainda um relatório clínico que conclui que do exame realizado à Ré no dia 23 de Novembro de 2017 não parecem existir sinais de psicopatologia (cfr. fls. 436).
II. A fls. 443 e 444 a mesma Ré juntou aos autos procuração elaborada em Cartório Notarial a favor da Ilustre Advogada Dr.ª S. G..
III. A fls. 441, 442, 445 a 446 e 497 a 501 a Ré com os fundamentos ali expostos, veio requerer a cessação da curadoria especial tendo junto alegacões de recurso da douta sentença proferida nos autos.
IV. Conforme resulta da análise das cópias extraídas do processo de interdição instaurado relativamente à Ré (processo que corre termos com o n.º 2130/17.0T8BCL da secção cível – Juiz 1), tal acção foi contestada pela requerida, aqui Ré tendo a mesma junto relatório clínico com data posterior à do exame médico-legal junto com a petição inicial o qual concluiu que, do exame à requerida, não parecem existir sinais de psicopatologia na Ré.
V. Atento o teor dos requerimentos apresentados pela Ré nestes autos no sentido da cessação da curadoria provisória (cfr. designadamente o teor de fls. 441 verso em que a Ilustre Advogada descreve a forma como teve os contactos com a Ré em data posterior à do exame médico legal junto pelo MP na petição inicial que deu origem ao processo de interdição), o teor dos documentos por ela juntos (procuração em Cartório Notarial e relatório clínico datado de 23 de Novembro de 2017) e bem assim o estado do processo de interdição (com contestação e sem decisão final transitada em julgado), consideramos que a melhor decisão tendo em vista o acautelamento dos interesses da visada E. F. é decidir-se pela cessação da representação do curador nos termos previstos pelo artigo 20.º, n.º2 do CPC com efeitos a partir do requerimento inicial apresentado nesse sentido pela Ré.
VI. Com efeito, não obstante ter sido a própria signatária a interpor acção de interdição da requerida juntando para o efeito o exame pericial elaborado pelo Gabinete Médico Legal de Braga datado de 18 de maio de 2017 que refere que a Ré é pessoa incapaz de reger a sua pessoa e bens certo é que a referida acção de interdição pode ou não proceder (aliás foi contestada) e ainda não há decisão transitada em julgado.
VII. Os requerimentos e documentos juntos pela Ré neste processo vão no sentido contrário ao do mencionado exame médico-legal e possuem datas posteriores ao mesmo.
VIII. O artigo 20.º do CPC está previsto para assegurar os interesses da pessoa relativamente à qual foi nomeada um curador especial.
IX. Tendo em vista os interesses da pessoa que se visam proteger, tendo a mesma sido condenada na presente acção por via da douta sentença de fls. 331 a 340 e pretendendo a mesma agora interpor recurso juntando desde já as respectivas alegações cremos que a decisão que melhor acautela os interesses da mesma tendo por referência o artigo 20.º, n.º 2, primeira parte do CPC é a decisão pelo deferimento do pedido, aceitando-se o recurso interposto (o curador nomeado no prazo legal para o efeito não o fez).
X. Em nosso modesto entender, os elementos juntos pela Ré são suficientes para os efeitos pretendidos, de cessação da curadoria.

E a ré apresenta as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem na sua base o entendimento que o despacho datado de 12.01.2018, com referência 156371742, não traduz correctamente a solução adequada para a questão que se apresenta, uma vez que, a recorrente entende que está no pleno exercício dos seus direitos, devendo nesse sentido cessar a figura do curador especial.
2. Destarte entendeu o douto Tribunal indeferir o pedido de cessação da representação da recorrente por curador especial, alegando que o perito médico que realizou o exame constatou que a examinada, ora recorrente, está desorientada no espaço e no tempo, não revelou capacidade de entender o sentido e alcance da perícia, apresenta um discurso incoerente, desconhece o valor facial do dinheiro o custo dos bens de consumo e o valor da sua reforma, a sua capacidade de juízo crítico encontra-se prejudicada pela deterioração cognitiva, concluindo pela existência de síndrome demencial grave que a incapacita total e permanentemente de reger a sua pessoa e bens, surgindo no mesmo sentido o relatório da Dra. S. M..
3. Porém, mais tarde, concretamente após um ano e quatro meses, veio novamente a Sra. Psicóloga Dra. S. M., em novo relatório atestar a ausência de défice cognitivo, com bom funcionamento geral, com capacidade insight preservada, mantendo juízo crítico em relação à sua pessoa, ao seu estado de saúde e respectivas necessidades, concluindo não parecer existir sinas de psicopatologia.
4. Ora, importa deste modo ter em conta que o que levou a decidir pela curadoria provisória da recorrente foi a perícia médico-legal de psiquiatria realizada por médico do INML, que concluiu pela existência de anomalia psíquica grave que incapacita total e permanentemente a recorrente de reger a sua pessoa e bens.
5. Todavia existe um relatório mais recente que atesta que a recorrente, de momento, tem capacidade de reger a sua pessoa e bens. Razão pela qual é necessário, tendo em conta o referido relatório, fazer cessar a representação da recorrente por curador especial.
6. Pois veja-se que, nenhum outro relatório posterior, ou no mesmo dia, (23.11.2017), foi realizado à recorrente, estando por isso o exame realizado pelo perito do IML desfasado da realidade.
7. Aliás, nada melhor evidência esse desfasamento do que o próprio facto da Sr. psicóloga Dra. S. M. ter apresentado dois relatórios diferentes num hiato temporal de um ano e quatro meses.
8. Pois que e se no primeiro relatório apresentado se conclui que a recorrente padece de défice cognitivo, que parece diminuir significativamente o juízo crítico e a capacidade de insight, por outro lado, o segundo relatório atesta a ausência de défice cognitivo, com bom funcionamento geral, com capacidade insight preservada, mantendo juízo crítico em relação à sua pessoa, ao seu estado de saúde e respectivas necessidades, concluindo não parecer existir sinas de psicopatologia.
9. Ora, estamos pois perante dois relatórios apresentados pela mesma psicóloga com pareceres diferentes, devendo por isso ser tido em conta o relatório mais recente,
10. Não se podendo decidir, como se decidiu, sustentando a decisão em factos antigos quando já se dispõe de dados mais recentes.
11. Assim, deveria quanto muito, em caso de dúvida, ser a recorrente sujeita a novos exames.
12. Pois não se entende que só porque no passado foram notados relatórios no sentido negativo quanto às capacidades da recorrente, e por esse motivo nomeado curador especial, que agora, sustentando-se nesses relatórios, não obstante a existência de relatórios mais recentes em sentido contrário, se entenda indeferir o pedido de cessão da representação da recorrente por curador especial.
13. Conclui-se deste modo que deve ser dada credibilidade ao presente relatório elaborado pela Sra. Psicóloga Dra. S. M., datado de 23.11.2017, porquanto e se da primeira vez coincidiu com o perito do IML, numa segunda vez se divergiu desse mesmo relatório do IML, assim como como do seu próprio relatório é porque tem fundamento.
14. Ademais, o curador especial nomeado nos presentes autos à aqui recorrente foi o seu neto, de nome António,
15. Sendo que corre termos no Juízo local cível de Barcelos, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, sob os autos do processo nº 2130/17.0T8BCL, acção de interdição relativa à aqui Autora, porém ainda não existe qualquer sentença a decretar a interdição por demência da aqui recorrente.
16. Nestes termos, estamos em crer que a recorrente continua no gozo dos seus direitos, podendo constituir mandatário.
17. Assim, segundo o nº 2 do art. 20º do CPC., a representação do curador cessa, quando for julgada desnecessária, ou quando se juntar documento que mostre ter sido declarada a interdição ou a inabilitação.
18. Ora, conforme resulta da análise do relatório clinico, a recorrente encontra-se no pleno gozo dos seus direitos, devendo assim cessar a figura do seu curador especial atenta a desnecessidade da curadoria.
19. Ademais a recorrente constitui mandatária uma vez que entende que é suficiente a sua representação nos presente autos mediante mandato judicial,
20. Devendo manter-se tal representação até à prolação da sentença na acção de interdição, que corre termos no Juízo local cível de Barcelos, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, sob os autos do processo nº 2130/17.0T8BCL.
21. Pois que, com todo o devido respeito, ninguém à excepção de técnicos habilitados, conseguem atestar se é possível ou não a recuperação da recorrente no decurso de um ano e quatro meses, independentemente da idade da recorrente.
22. Aliás tal afirmação no que tange a essa possibilidade, só pode ser concluída por médicos, não dispondo o douto Tribunal, com todo o devido respeito, de elemento suficientes para afirmar se há ou não essa possibilidade.
23. O que só seria possível com a realização de novos exames para o apuramento da verdade material.
24. Ademais, e apesar do Tribunal valorar livremente a prova, a verdade é que não pode desconsiderar o relatório da referida psicóloga em detrimento do perito do IML até porque, o facto de existir no passado um relatório que ateste a incapacidade da recorrente, à semelhança do relatório do perito, e agora no presente um relatório divergente elaborado pela mesma psicóloga, a verdade é que deve o relatório ser valorado na medida que a psicóloga já mostrou independência e isenção.
25. Não se deve, nesse sentido, valorar o relatório da referida psicóloga quando é consonante com o do perito e descredibilizar quando é divergente,
26. Pois que dessa forma, estar-se-ia a dar a mais absolta credibilidade ao relatório do perito do IML e a desvalorizar em absoluto o relatório de uma técnica habilitada que se rege por deveres de lealdade, integridade, honestidade, veracidade, isenção e independência,
27. Distinção essa que não pode ser feita, quando apenas se dispõe de relatórios realizados em espaços temporais distintos que impossibilitam um juízo comparativo.
28. Assim deveria o Tribunal, caso entendesse ser necessário para o apuramento real dos factos, ordenar novos exames, bem como solicitar no caso de dúvidas cabais esclarecimentos à Psicóloga Dra. S. M..
29. Deste modo, entende-se que o documento/ relatório subscrito pela supra referida psicóloga põe claramente a curadoria especial em causa, sendo por isso necessário fazer cessar a figura do curador provisório por desnecessidade, atenta as capacidades da recorrente, espelhadas no referido relatório, o mais recente de que se dispõe e nessa qualidade relevante e essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Não foram apresentadas contra-alegações.

As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil (1), delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir, nos dois recursos, consiste em saber se, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, deve cessar a representação da ré por curador especial.
II
Nos presentes autos, em virtude de anomalia psíquica, foi nomeado curador especial à ré.
Mas, segundo esta e o Ministério Público, já não há mais motivos para que se mantenha tal nomeação.
Ambos fundam o seu entendimento no relatório elaborado a 23-11-2017 pela psicóloga S. M., onde esta conclui, essencialmente, que há uma "a ausência de défice cognitivo, com bom funcionamento geral", "compreende o que lhe é dito e consegue comunicar de forma adequada" e tem a "capacidade insight preservada, mantendo juízo crítico em relação à sua pessoa, ao seu estado de saúde e respectivas necessidades."

Todavia, a mesma psicóloga, em relatório datado de 4-7-2016, dizia que "os resultados da avaliação psicológica, baseada na recolha da história clínica com o filho, na observação clínica e em instrumentos de avaliação cognitiva devidamente certificados, permitem concluir a presença de défice cognitivo, com dificuldades ao nível da atenção, competências construtivas, capacidade visuo-espacial, nomeação e percepção visual, memória imediata e memória recente. Sem dificuldades significativas ao nível da memória remota. Estes resultados parecem diminuir significativamente o seu juízo crítico e a sua capacidade de insight."

Temos, então, dois relatórios feitos pela mesma pessoa que chegam a conclusões diferentes, sendo que no segundo, aquele que agora se invoca para cessar a representação da ré por curador especial, não se explica, minimamente, por que motivo a ré apresenta em Dezembro de 2017 um quadro bem mais favorável do que aquele que a afectava em Julho de 2016. No relatório de 23-11-2017 não se justifica, de forma alguma, a evolução do estado da ré, sendo que, por estarmos a falar de uma pessoa com mais de 88 anos, pela ordem normal da coisas, a tendência é no sentido de a sua saúde mental se ir deteriorando e não de evoluir tão positivamente.
A contradição entre os dois relatórios e a circunstância de no segundo não se fazer a menor alusão ao primeiro, nem se expor os motivos por que aí se chegou a conclusões bastante diferentes das que tinham sido alcançadas cerca de um ano e quatro meses antes, afecta seriamente a credibilidade da sua autora.

Por outro lado, temos um (outro) relatório, de 23-3-2017, elaborado pelo Gabinete Médico-Legal Forense do Cávado que conclui que "a examinanda sofre de anomalia psíquica grave, que incapacita total e permanentemente de reger a sua pessoa e bens, pelo que existe fundamento psicopatológico bastante para a sua interdição".
O teor deste relatório não foi questionado por ninguém.

Acresce que o artigo 1.º n.º 1 da Lei 45/2004 de 19 de Agosto determina que "as perícias médico-legais são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal (…)". Apesar de a perícia de 23-3-2017 não ter sido realizada no âmbito desta acção, mas sim de um outro processo, não lhe retira o valor reforçado que está subjacente àquele preceito, o que significa que, independentemente do mais, deve, à partida, merecer mais credibilidade do que um exame efectuado a título particular por um psicólogo.
E a circunstância de no processo de interdição que corre contra a aqui ré não ter sido ainda prolatada sentença é de todo irrelevante; o mecanismo do artigo 20.º n.º 1 destina-se, justamente, aos casos em que há um sujeito processual que padece de facto de uma "anomalia psíquica", mas que não foi ainda declarado interdito, motivo por que, estando realmente incapacitado de se representar a si próprio, não tem ninguém (pré-)designado para em seu nome assumir tal tarefa.

O n.º 2 do artigo 20.º dispõe que "a representação do curador cessa quando for julgada desnecessária (…)".
A cessação da intervenção do curador ad litem pressupõe, portanto, o conhecimento de qualquer facto que torne dispensável, supérflua ou escusada a continuação da sua presença no processo; trata-se de um facto revelador de que não se mantém mais a situação de incapacidade de facto que originou a sua nomeação.
Ora, salvo melhor juízo, não se encontra nos autos causa suficiente para se considerar que a representação da ré por curador especial se tornou "desnecessária".
III

Com fundamento no atrás exposto, julgam-se improcedentes os recursos, pelo que se mantém a decisão recorrida.

Sem custas no recurso interporto pelo Ministério Público.
Custas pela ré no recurso por ela interposto.
24 de Maio de 2018


(António Beça Pereira)
(Maria Amália Santos)
(Ana Cristina Duarte)

1 - São deste código todas as disposições adiante mencionadas sem qualquer outra referência.