Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1925/13.9TBGMR.G1
Relator: HENRIQUE ANDRADE
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
CONTRATO DE DEPÓSITO
DEPÓSITO BANCÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – O depósito bancário opera a transferência da propriedade do dinheiro depositado, do depositante para o depositário, que, por isso, embora obrigado a restituir, nos termos acordados, igual quantia, eventualmente acrescida de juros, quando isso lhe for exigido, passa a administrar aquele dinheiro como coisa sua e não do depositante, o que afasta a possibilidade de exigência, pelo primeiro ao segundo, de prestação de contas, atenta a previsão do artº1014.º do anterior Código de Processo Civil;
II – Visto o estabelecido no artº573.º do CC, o depositário, em acção de condenação com processo comum, e não processo especial de prestação de contas, poderá ser condenado a prestar informações detalhadas acerca das vicissitudes do depósito bancário, em caso de fundada dúvida do depositante, a qual poderá configurar-se em caso de crédito, na conta deste, de quantias provenientes de depósito bancário de terceiro, sem conhecimento quer deste quer do depositante.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – “Veio R… instaurar a presente acção com processo especial de prestação de contas contra “Banco…”, peticionando a citação desta para, no prazo de 30 dias, prestar contas relativamente aos contratos de abertura de conta e de depósito bancário que alega, ou contestar essa obrigação.
Devidamente citado, o réu apresentou contestação e, neste articulado, além do mais, aduziu que se não encontra obrigado a prestar contas à autora, não sendo o presente processo o meio adequado à satisfação dos eventuais direitos de crédito da autora sobre o réu.
A autora respondeu à contestação e pugnou pela improcedência do aduzido na contestação, mormente no que respeita à obrigação de prestação de contas.”.
A final, 19-02-2014, a acção foi, doutamente, julgada improcedente.

Inconformada, a autora apela do assim decidido, concluindo no sentido de que:
1 – O direito que a autora pretende fazer valer é o de apurar as receitas obtidas e as despesas realizadas por quem administra os seus bens, o réu, e a eventual condenação deste no saldo que vier a apurar-se;
2 – Não pode concluir-se que, com a celebração de um contrato de depósito bancário, e ao operar-se a transferência da propriedade da autora para o réu, este pode utilizar livremente o objecto da transferência, sem recair sobre ele “qualquer obrigação de informação, e.g. prestação de contas”;
3 – Foi violado o disposto no artº942.º, nº1, do novo Código de Processo Civil.
Nas contra-alegações, pugna-se pela manutenção do julgado.

O relator exarou, então, a seguinte decisão sumária:
“O recurso é o próprio, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o que se fará em decisão sumária, atenta a respectiva simplicidade.
II – As questões a decidir são as que abaixo se enunciam.

III – Fundamentação:
i) Factualidade assente:
É a constante da decisão recorrida, para ela se remetendo, ao abrigo do disposto no artº663.º, nº6, do actual CPC.
ii) A decisão de direito:
A recorrente pretende vê-la alterada, com base naquilo que, em síntese, leva às conclusões acima registadas.
Vejamos:
As conclusões 3ª e 4ª do recurso são contraditórias.
Nesta, aceita-se, de acordo com a generalidade da doutrina e jurisprudência, que, com a celebração de um contrato de depósito bancário, se opera a transferência da propriedade do dinheiro depositado, do depositante para o depositário, mas, na primeira, diz-se querer-se “apurar e aprovar as receitas obtidas e as despesas realizadas por quem administrou os seus (da recorrente) bens – o Banco R – (…).”.
Ora, como se enfatiza na decisão recorrida, se a propriedade do dinheiro depositado se transferiu para o réu, este não o administrou como coisa da autora, mas sim como coisa sua.
Mostra-se, deste modo, incontornavelmente arredada a previsão do artº1014.º do anterior Código de Processo Civil.
Pode admitir-se, atento o disposto no artº573.º do CC e aquilo que a autora alega nos artigos 20 e segs da petição inicial, maxime no artº30 desta, que o réu deva prestar, à autora, informações mais detalhadas do que aquelas que diz ter já apresentado, acerca dos depósitos bancários entre eles contratados, mas tal num processo doutro tipo (acção de condenação com processo comum e não processo especial de prestação de contas – ver artigos 546.º, 10.º 941.º do novo Código de Processo Civil) e com outra causa de pedir, cujos factos constitutivos não se mostram, de qualquer modo, acolhidos no probatório do aresto em apreço, não sindicado nesta vertente, como vimos.
Em suma, o recurso, sem mérito, deverá improceder.

Em síntese:
I – O depósito bancário opera a transferência da propriedade do dinheiro depositado, do depositante para o depositário, que, por isso, embora obrigado a restituir, nos termos acordados, igual quantia, eventualmente acrescida de juros, quando isso lhe for exigido, passa a administrar aquele dinheiro como coisa sua e não do depositante, o que afasta a possibilidade de exigência, pelo primeiro ao segundo, de prestação de contas, atenta a previsão do artº1014.º do anterior Código de Processo Civil;
II – Visto o estabelecido no artº573.º do CC, o depositário, em acção de condenação com processo comum, e não processo especial de prestação de contas, poderá ser condenado a prestar informações detalhadas acerca das vicissitudes do depósito bancário, em caso de fundada dúvida do depositante, a qual poderá configurar-se em caso de crédito, na conta deste, de quantias provenientes de depósito bancário de terceiro, sem conhecimento quer deste quer do depositante.

IV – Decisão:
São termos em que, julgando a apelação improcedente, se confirma a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

• Os trechos entre aspas são transcritos ipsis verbis.
• Entende-se que a reclamação para a conferência, nos termos do artº652.º, nº3, do actual CPC, está sujeita a custas [tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, in fine (0,25 a 3)], devendo observar-se o disposto no artº14.º, nº1, deste.”.

Vem, agora, requerido pela recorrente, com exposição de motivos, que, sobre o objecto do recurso, recaia um acórdão.
Em conferência, o tribunal revê-se na decisão vinda de transcrever, que, por isso, avoca e, por inteiro, faz sua, com o que julga a apelação improcedente, e confirma a decisão recorrida, não se pronunciando sobre a dita exposição, por estar fora de questão que, desse modo, se possa, de algum modo, alterar a configuração do recurso.
Custas, do recurso e da reclamação, pela reclamante, fixando-se, para esta, a taxa de justiça de 150,00 €, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Guimarães, 15-09-2014
Henrique Andrade
Eva Almeida
António Beça Pereira