Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
228/11.8TMBRG.G1
Relator: JOSÉ ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: DIVÓRCIO
DIREITO A ALIMENTAÇÃO
CÔNJUGE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: I - Em caso de divórcio, o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade, porquanto, por regra geral, “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1675º, nºs 1, 2 e 3, 2015º e 2016º, nºs 1, 2 e 3, todos do CC.
II - Não basta genericamente alegar que não dispõe de rendimentos para assegurar a sua subsistência, e que precisa de prover ao seu sustento, pois isso é apanágio de qualquer cidadão, devendo a A. provar que está impossibilitada de angariar trabalho para garantir a sua subsistência.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª secção civil do Tribunal da Relação de Guimarães

***

A…, casada, residente na Avenida …, porta …, … dt.º, …, Amares, interpôs a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com processo especial e forma ordinária, contra B…, casado, residente no lugar de …, …, Ponte de Lima, pedindo que seja decretado o divórcio entre autora e réu, com fundamento na ruptura definitiva do casamento, expressa no abandono do lar conjugal pelo réu, em Agosto de 2010, em termos que desenvolve.
Simultaneamente, pede também a autora a atribuição de uma pensão de alimentos de € 350,00 mensais, desde já a fixar provisoriamente enquanto não houver decisão definitiva.
Para tal alegou nos precisos termos constantes da petição inicial, factos que, no seu entender, são consubstanciadores da invocada ruptura do casamento, e bem assim da sua carência económica.
Mais pede que os efeitos do divórcio retroajam à data da separação a provar nos autos.
Foi designada data para realização da conferência a que alude o artigo 1407º do Código de Processo Civil, na qual não foi possível a conciliação das partes nem a conversão dos autos para divórcio por mútuo consentimento.
O réu, notificado para o efeito, não apresentou contestação.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido determinado o prosseguimento do processo e decidido o pedido de alimentos provisórios, que procedeu parcialmente, com a condenação do réu ao pagamento da quantia de € 100,00 mensais, a tal título.
Finalmente foi realizado o julgamento.
A final, foi proferida sentença, que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
- decretar a dissolução, por divórcio, do casamento celebrado em 25.09.2002 entre A… e B…, a que respeita o assento n.º 256 da Conservatória do Registo Civil de Ponte de Lima.
- Julgar improcedente o pedido de alimentos deduzido pela autora contra o réu, que foi absolvido desse pedido.

Desta sentença apelou a A. oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Recorrente restringe, expressamente, o seu recurso, à parte da sentença que se pronuncia sobre o pedido de alimentos por si deduzido contra o seu ex-cônjuge.
2. A sentença de que se recorre, é nula por violação das regras do ónus da prova (cfr. arts. 342 a 344.º do Código Civil).
3. A Recorrente alegou e provou os seus rendimentos;
4. Alegou não ter rendimentos para prover à sua habitação (morando por favor em casa alheia), alimentação e outras necessidades;
5. Quanto a estes, são factos negativos, pelo que expressamente se invoca a inversão do ónus da prova;
6. Indicou qual a profissão do Recorrido, da qual este retira rendimentos elevados;
7. Estes factos não foram contraditados pelo Recorrido, que teve oportunidade para o fazer, pelo que, têm de se considerar provados, sob pena de violação das regras do ónus da prova.
8. A sentença em recurso indeferiu o pedido de alimentos, encontrando-se em condições de estabelecer a necessidade deles e a capacidade de prestar por parte da pessoa a eles vinculada.
9. Deste modo, violou as normas constantes dos arts. 342 a 344, 2004 e 2009, n.º 1, al. a), todos do Código Civil..
Assim, deverão V. Ex.as. anular a sentença recorrida, decretando a existência da obrigação de alimentos por parte do Recorrido, em medida a melhor arbitrara.
Desta forma se fará JUSTIÇA.

***

Objecto do recurso
Considerando que:
- o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes (artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil), estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil – das formuladas pela Apelante resulta que são as seguintes questões que são colocadas à nossa apreciação:
- Nulidade da sentença por violação das regras do ónus da prova
- Apreciação do pedido de alimentos, nomeadamente se o tribunal se encontrava em condições de estabelecer a necessidade deles e a capacidade de os prestar por parte da pessoa a eles vinculada.

Vejamos então.
Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:
1) A autora e o réu celebraram casamento civil, sem precedência de convenção ante nupcial, no dia 25 de Setembro de 2002.
2) Do casamento aludido em 1) nasceu C…, em 25 de Outubro de 2003.
3) Em data não apurada mas anterior a Setembro de 2011, o réu deixou de viver na casa de morada de família.
4) Desde o casamento aludido em 1) que a autora não desempenha qualquer cargo profissional.
5) Por decisão provisória proferida em 12.01.2011 no processo n.º 658/08.2TBPTL, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, a residência do menor aludido em 2) foi fixada com a tia materna, D....
6) A autora não pretende restabelecer a vida em comum com o réu.
7) A presente acção foi intentada em Março de 2011.
8) A autora está desempregada.
9) Com início em Dezembro de 2010, foi deferido à autora o rendimento social de inserção no valor mensal de € 189,52.

***
Decidindo:
- A Nulidade da sentença por violação das regras do ónus da prova (cfr. arts. 342 a 344.º do Código Civil)
Sustenta a apelante que (itálico de nossa autoria): “O Tribunal de 1.ª instância considerou provado o rendimento da autora, mas não considerou provadas as despesas que tenha ou necessidades que sinta, factos que são essenciais para aferir da necessidade de alimentos.
E considerou ainda que a autora não cumpriu o ónus de provar a capacidade do réu para prestar os pretendidos alimentos: “nada se provou sobre a sua capacidade económica ou financeira, tão pouco a sua profissão.”
Verifica-se contudo, que na petição inicial a ora Recorrente alegou e provou estar a receber o rendimento social de inserção no valor de 189,52€, o que, como decorre da lei, aconteceria apenas até 30/11/2011. Por decorrer da lei, tal facto não carece de prova e é comprovado pelo facto de a Recorrente não se encontrar a receber nenhum rendimento, actualmente. Alegou também que não tem meios de prover às suas necessidades básicas de alimentação, vestuário, habitação e outras (ver art. 16 da PI.), tendo inclusivamente alegado nos artigos 4.º e 8 do seu articulado, que a ora Recorrente se viu obrigada a abandonar a casa em que vivia durante o casamento porque o Recorrido deixou de pagar a renda e que, desde essa altura se encontra a morar em casa alheia, por mero favor, ou seja, de forma precária.
Por se tratarem de factos negativos, não admitem prova documental, caso em que se verifica a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 343.º do Código Civil, cabendo ao Recorrido demonstrar a existência de rendimentos da Recorrente, o que expressamente se invoca.
Mais a mais, trata-se de um facto do senso comum e evidente que, sem rendimentos ou habitação, existe necessidade de alimentos. Estes factos não carecem de prova.
Mais alegou a Recorrente, no artigo 11 da petição inicial, que o réu é construtor civil, com rendimentos elevados, mas que não consegue apurar por falta de informação/conhecimento.
Quanto a este, invoca-se também a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344, n.º 2 do Código Civil, por se tratar de facto cuja prova o Recorrido nunca tornou possível.
E, porque teve oportunidade de o contestar e não o fez, tal equivale à sua admissão. Assim, o tribunal de 1.ª instância deveria ter considerado como provado que o Recorrido exerce as funções de construtor civil, com rendimentos elevados”.
Vejamos então.
Nos termos do disposto no art. 341.º do C. Civil, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
Tratando-se o processo de alimentos a maiores de um processo de partes, têm plena aplicação as regras respeitantes ao ónus da prova.
Quanto ao ónus da prova, estabelece-se no art. 342.º: 1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. 2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. 3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
Ora, competia à A. alegar e provar factos demonstrativos da sua carência económica, da sua impossibilidade de prover à sua subsistência, em suma, da sua necessidade de alimentos, cabendo ao Réu alegar e provar os respectivos factos impeditivos do direito da A,. ou seja, que não podia prestar os alimentos peticionados, por carência de meios para o fazer, ou que a A. não tinha necessidade de alimentos.
Simplesmente o Réu não contestou nem carreou quaisquer factos para os autos, limitando-se a comparecer na audiência de julgamento acompanhado do seu advogado.
Diz a Apelante que “alegou no artigo 11 da petição inicial, que o réu é construtor civil, com rendimentos elevados, mas que não consegue apurar por falta de informação/conhecimento, invocando a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344, n.º 2 do Código Civil, por se tratar de facto cuja prova o Recorrido nunca tornou possível, e, porque teve oportunidade de o contestar e não o fez, tal equivale à sua admissão. Assim, o tribunal de 1.ª instância deveria ter considerado como provado que o Recorrido exerce as funções de construtor civil, com rendimentos elevados”.
Quanto à Inversão do ónus da prova estabelece o art. 344 que “1. As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine. 2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”.
Não se vê, nem isso foi alegado pela A. que o R. tenha culposamente tornado impossível a prova…, pelo que não se verifica a hipótese do n.º 2 do art. 344 do CC.
Quanto às presunções referidas no n.º 1 do art. 344, estabelece-se no art. 349.º “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, sendo certo que quanto às Presunções legais – Art. 350 “1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz. 2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir, e quanto às Presunções judiciais – art. 351 “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”.
No caso, embora seja facto notório que não carece de alegação e de prova que qualquer pessoa tem necessidades básicas de alimentação, habitação, etc., não há aqui lugar a presunções.
Na verdade, a doutrina e a jurisprudência não são unânimes quanto ao regime aplicável à prova da possibilidade de prestação de alimentos, por parte de quem a isso está obrigado.
Se, para uns, tal prova cabe ao peticionante dos alimentos, por se tratar de facto constitutivo do direito invocado, outros há que entendem tratar-se de matéria de excepção e, por isso, de aplicação do regime consignado no nº2 do artº 342º, pois que a impossibilidade se consubstancia em facto impeditivo do dito direito.
O nosso mais elevado Tribunal, em vários acórdãos de que são exemplo, entre outros, os datados de de 16/06/97, 01/02/00 e 18/11/2004, adoptou a posição, de que, em acção de alimentos, cabe ao autor a prova da extensão das suas necessidades, e, ao réu, a prova de insuficiência ou impossibilidade económica da satisfação dessas necessidades.
Também achamos que o direito a alimentos existe verificada que seja a necessidade do respectivo requerente; a impossibilidade de os prestar constitui facto impeditivo do direito, a reconduzir-se ao regime de prova ínsito no nº2 do artº 342º do Código Civil.
Não ocorre assim a falada nulidade.
- Quanto aos alimentos propriamente ditos, à necessidade dos mesmos e à obrigação do apelado de os prestar:
O artigo 2016.º, n.º 2 do Código Civil prevê o direito a alimentos em caso de divórcio e separação judicial de pessoas e bens, conferindo a qualquer um dos ex-cônjuges, o direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio. O n.º 3 deste artigo introduziu a possibilidade de, por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos ser negado, observando-se, necessariamente, critérios de justiça e igualdade no reconhecimento do direito a alimentos. “O legislador permite ao juiz aplicar a norma (atribuição do direito a alimentos) com equidade, ou seja, temperar o seu rigor naqueles casos em que a sua aplicação imediata conduziria ao sacrifício manifesto de interesses individuais do outro ex-cônjuge que não pôde explicitamente antever e proteger com a atribuição do direito a alimentos” – cfr. Tomé d’Almeida Ramião, in “O Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Atual”, 3.ª edição revista e aumentada, Quid Júris, Sociedade Editora, pág. 92. Trata-se de casos especiais em que o direito a alimentos deve ser negado ao ex-cônjuge necessitado, por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente (conforme consta da exposição de motivos da Lei n.º 61/2008, de 31/10, no seu n.º 6).
Nos termos do n.º 1 do artigo 2016.º-A do Código Civil, deve o tribunal tomar em conta, na determinação do montante dos alimentos, a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre a necessidade do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
No entanto, para além de dever atender-se a que, por alimentos se entende tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, nos termos do artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil, a medida dos alimentos obedece aos critérios fixados no n.º 2 deste artigo e reafirmados no artigo 2016.º-A, ou seja, a necessidade do alimentando, a possibilidade do alimentante e a capacidade/possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Como se diz no acórdão do STJ de 23/10/2012, Proc. 320/10.6TBTMR.C1.S1, Relator Hélder Roque, disponível em dgsi.pt, (transcrição em itálico de nossa autoria) “A obrigação de prestação de alimentos entre ex-cônjuges, na sequência de divórcio, a que alude o artigo 2016º, do Código Civil (CC), constitui um efeito jurídico novo, que se radica na dissolução do casamento, mas cujo fundamento deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal. Os princípios mais emblemáticos do novo regime dos alimentos entre ex-cônjuges, posteriormente ao divórcio, constam agora dos artigos 2016º e 2016º-A, do CC, em resultado da nova redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, enquanto expressão da regra geral que atribui carácter excepcional ao direito a alimentos entre cônjuges, expressamente, limitado e de natureza subsidiária. Assim, muito embora o artigo 2016º, do CC, no seu nº 2, estatua que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio”, o seu nº 3 afirma que esse direito “por razões manifestas de equidade…, pode ser negado”, depois de afirmar, no respectivo nº 1, que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, sendo esse direito preterido em relação “…a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor”, como se afirma no nº 2, do artigo 2016º-A, do mesmo diploma legal. Deste modo, e como decorre da sequência dispositiva dos artigos 2016º e 2016º-A, ambos do CC, a regra geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, depois do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, é a de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, sendo a excepção o direito a alimentos, a que “qualquer dos cônjuges tem direito”, se “por razões manifestas de equidade não [lhe] for negado”.
Com efeito, o artigo 2016º, do CC, no seu nº 1, c), na antecedente versão que resultava do DL nº 496/77, de 25 de Novembro (Reforma de 1977), na parte que agora interessa considerar, dispunha que “têm direito a alimentos, em caso de divórcio, qualquer dos cônjuges, se o divórcio tiver sido decretado por mútuo consentimento ou se, tratando-se de divórcio litigioso, ambos forem considerados igualmente culpados”, embora “excepcionalmente, [pudesse] o tribunal, por motivos de equidade, conceder alimentos ao cônjuge que a eles não teria direito, …”, consoante resultava do respectivo nº 2.
Por isso, é que o cumprimento do específico dever conjugal de assistência, contemplado pelos artigos 1672º, 1675º e 2015º, pressupondo a não dissolução ou a não interrupção do vínculo matrimonial, se distinguia do cumprimento da obrigação geral de alimentos, de natureza individual, a que se reportam os artigos 2003º e seguintes e 2016º, todos do CC, na hipótese de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens.
Efectivamente, a obrigação de prestação de alimentos só existe, em princípio, na vigência da sociedade conjugal, mesmo que não assuma a sua plenitude, como acontece na hipótese da separação de facto, pelo que, Independentemente do tipo de divórcio, o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade, porquanto, por regra geral, como já se disse, “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1675º, nºs 1, 2 e 3, 2015º e 2016º, nºs 1, 2 e 3, todos do CC.
É que a obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, afere-se, agora, com a Reforma de 1977, tão-só, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, não abrangendo já, como resultava do modelo antecedente, o dever de assegurar um nível de vida correspondente à condição económica e social da respectiva família, com a mesma extensão que teria, se os cônjuges continuassem a viver em comum.
Com efeito, esta obrigação alimentar genérica não apresentava, então, em resultado da Reforma do Código Civil de 1977, posterior à Constituição de 1976, uma feição indemnizatória, pois que já não tinha subjacente o dever recíproco e simultâneo de assistência de um dos cônjuges para com o outro, na constância do matrimónio, nem sequer a existência da culpa, única ou principal, do ex-cônjuge, mas apenas um direito de crédito da pessoa carente, de carácter alimentar, sobre outra pessoa, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência, em conformidade com o disposto pelos artigos 2004º, nºs 1 e 2 e 2016º, nºs 1, 2 e 2, do CC.
Por isso, a obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução do vínculo conjugal, prosseguia, tão-só, o objectivo de fazer face às carências económicas do credor, a suprir em função dos meios económicos suficientes do obrigado, apenas recaindo sobre este o dever de o manter, ou seja, de lhe proporcionar o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, em conformidade com o estipulado pelo artigo 2003º, do CC, mas não já o suficiente para o credor satisfazer as exigências de vida correspondentes à condição económica e social da família, e nem sequer a obrigação de alimentos do requerido se baseava já na medida necessária para manter a sociedade conjugal, de acordo com o padrão de vida social próprio de cada casal.
Efectivamente, a insuficiência de meios do ex-cônjuge não pode derivar, mecanicamente, da impossibilidade de, na sequência do divórcio, ser mantido num estalão de vida análogo ao existente antes da dissolução do matrimónio, ou, dito de modo diferente, o factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio.
Na verdade, o cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa que o dever de assistência, enquanto existir a comunhão duradoura de vida, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos, quando essa comunhão tiver cessado.
De facto, quando o ex-cônjuge não careça que o outro lhe preste alimentos, em virtude dos rendimentos do trabalho ou dos seus bens lhe assegurarem, suficientemente, a manutenção, cessará aquele dever, por parte do outro, o que acontece, igualmente, caso em que aquele deve considerar-se obrigado à aquisição de meios de subsistência, quando, por exemplo, tiver o dever de continuar a actividade produtiva que já desenvolvia, ao tempo da coabitação, por o rendimento do trabalho do outro, já, então, não ser suficiente para satisfazer as necessidades familiares, ou, por deixar de se ocupar da vida doméstica do mesmo.
Ao redigir o artigo 2016º-A, nº 1, do CC, não teve o legislador português como intenção colocar o ex-cônjuge carecido de alimentos numa posição idêntica, do ponto de vista financeiro, aquela que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido, desmistificando uma certa expectativa jurídica de garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do matrimónio, que consubstanciaria o casamento como um verdadeiro «seguro de vida», por não ser «concebível a manutenção de um status económico atinente a uma relação jurídica já extinta», até porque não se pode subestimar a ideia básica, hoje vigente neste âmbito do Direito da Família, de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, porquanto o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade.
É que o direito do cônjuge a uma existência, economicamente, autónoma e condigna, já não é, presentemente, uma realidade a tomar em consideração nas situações posteriores ao divórcio, pois que a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade, o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de um modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe alimentos e as possibilidades daquele que os presta, a que alude o nº 1, do artigo 2016º-A, do CC, são apenas «índices» do critério da fixação do montante dos alimentos e não a «razão de ser» da existência do direito do autor do pedido.
Com efeito, a «datio» da mulher, no Direito Romano, no acordo negocial ou «desponsatio» que envolvia o casamento, e que reclamava um preço a pagar pelo marido, que consistia no encargo para este em assegurar a sua manutenção, pertence já ao passado do Direito Matrimonial”.
Concordamos inteiramente com esta análise.
Por outro lado, a autora e ora apelante, ao contrário do que alega, não demonstrou que, em virtude da idade ou das suas condições de saúde, não tenha capacidade para iniciar o exercício de uma actividade profissional por conta de outrem.
Limita-se a dizer que sobrevive com o rendimento social de inserção e que vivem em casa de amigos, por favor.
O direito a alimentos, no actual quadro normativo, pode ser negado, por razões manifestas de equidade, devendo a autora, de acordo com a regra geral hoje vigente, prover à sua subsistência, depois do divórcio, nos termos do estipulado pelo artigo 2016º, nºs 1 e 3, do CC, por já não ser exigível ao réu a manutenção de um estatuto económico referente a uma relação jurídica já dissolvida e extinta e nem sequer proporcionar ao outro o que é indispensável ao seu sustento, habitação e vestuário.
Não basta genericamente alegar que não dispõe de rendimentos para assegurarem a sua subsistência, e que precisa de prover ao seu sustento, pois isso é apanágio de qualquer cidadão, devendo a A. provar que está impossibilitada de angariar trabalho para garantir a sua subsistência.
No caso, também isso não foi alegado nem demonstrado.
Por isso bem andou a 1.ª instância quando disse que a prova produzida (em consonância aliás com o que a respeito fora alegado), conduz à inevitável improcedência do pedido.
Igualmente a autora incumpriu com o ónus de provar, ao lado da sua necessidade, a capacidade do réu para prestar os pretendidos alimentos.
Não se verificam, portanto, em concreto, os pressupostos justificativos da prestação alimentar, a cargo do réu, isto é, a disponibilidade deste e a carência da autora.

***
Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas da apelação e na 1ª instância, pela Apelante.

Guimarães, 12 de Setembro de 2013
José Estelita de Mendonça
Conceição Bucho
Antero Veiga