Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4063/21.7T8BRG.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CESSAÇÃO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium pressupõe uma ofensa clara à violação da confiança da outra parte, resultante de convicção legitima de que, em face dos comportamentos do titular do direito, este não seria exercido. O exercício do direito deve mostrar-se ofensivo das conceções ético-jurídicas dominantes da coletividade, no que respeita à boa-fé e aos bons costumes.
Não incorre em abuso de direito o trabalhador, vinculado por contrato a termo, cessado por iniciativa da empregadora invocando a sua caducidade; que invocando a nulidade da estipulação do termo, deduz ação tendo em vista a declaração de despedimento ilícito, não obstante tenha aceitado receber as quantias que lhe foram entregues pela empregadora, incluindo uma quantia a titulo de compensação.
A presunção de aceitação do despedimento consagrada no nº 4 do art. 366.º do C.T. não tem aplicação fora dos casos previstos na lei - despedimento coletivo, extinção do posto de trabalho e despedimento por inadaptação -.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.


AA, instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra; C... Residência Sénior, LDA., Pedindo:

- que seja declarada ilícita a cessação do contrato de trabalho da Autora promovida pela Ré, condenando-se esta a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, com a categoria e antiguidade que lhe pertenciam, ou a indemnizar a mesma nos termos do disposto no artigo 396º, n.º 1, do Código do Trabalho, indemnização que nunca poderá ser inferior ao equivalente a três meses de retribuição base, ou seja, na quantia de 1.995,00 €, opção que a Autora exercerá até ao encerramento da audiência de julgamento.
- que também seja a Ré condenada a pagar à Autora, as retribuições vencidas e vincendas desde 30 dias antes da entrada da presente ação até ao trânsito em julgado da sentença;
- que seja ainda a Ré condenada a pagar à Autora 22 dias de férias não gozadas no montante 665,00 €, bem como a diferença de 74,57 €, a título de subsídio de férias e a diferença de 67.21 €, a título de subsídio de Natal, tudo com referência ao ano de duração do contrato;
- que seja condenada no pagamento de juros de mora à taxa legal anual de 4% sobre as referidas prestações, calculados a partir de vencimento de cada uma delas e até efetivo pagamento.

Alega para tanto a A., em síntese, que a R. admitiu ao seu serviço a A., por contrato de trabalho celebrado a termo certo, no dia 22 de maio de 2020, como ajudante de lar. Mais alega que nessa situação se manteve a A., sempre desempenhando as suas funções até ao dia 20 de maio de 2021, altura em que a Ré comunicou a caducidade do mesmo contrato, por carta datada de 30 de abril de 2021, pelo que era este dia o último em que a A. prestaria o seu trabalho.
No contrato não se fez menção do motivo da contratação a termo, e também não estabeleceu a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, limitando-se a referir abstratamente um acréscimo excecional da atividade da empresa, derivado da entrada de novos utentes. A comunicação efetuada deve ser considerada despedimento ilícito.
A ré contestou invocando a necessidade por virtude do acolhimento de idosos e referindo o pico da pandemia que levou a acréscimo de atividade decorrente das obrigações decorrentes das normas da direção geral de saúde.
Mais alega que tal como a autora tinha perfeito conhecimento, e por isso no contrato de trabalho, designadamente na cláusula Quinta, ficou estabelecido o carater provisório daquele, pelo que a relação existente entre as partes cessou validamente por caducidade.
Ainda alega acerca da litigância de má-fé da Autora que, ao intentar esta ação contra a aqui Ré a Autora faz um absoluto mau uso do processo por saber que não tem qualquer fundamento para intentar a presente ação contra a aqui Ré, razão pela qual deve a Autora ser condenada como litigante de má-fé.
A autora responder.

Realizado o julgamento foi proferida a seguinte sentença:

Assim e nos termos expostos, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente:

a) Declaro que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a autora AA e a ré “C... Residência Sénior, Lda.” se converteu em contrato por tempo indeterminado, por falta de indicação do motivo justificativo com a indicação expressa dos factos que o integram;
b) Declaro ilícita a cessação do contrato operada pela ré “C... Residência Sénior, Lda.”, através de carta enviada à autora em 30 de abril de 2021, com efeitos a 19 de maio de 2021;
c) Condeno a ré “C... Residência Sénior, Lda.” a pagar à autora AA as seguintes quantias:
1 – a quantia de 1.995,00€ (mil, novecentos e noventa e cinco euros) a título de indemnização em substituição da reintegração;
2 – as retribuições devidas entre 22/06/2021 (30 dias antes da propositura da presente ação) e a data de trânsito em julgado da presente sentença, à razão mensal de € 665,00€;
d) Condeno a ré “C... Residência Sénior, Lda.” a pagar à autora AA juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos até integral pagamento, sobre as referidas quantias, sendo as de c) 1 a contar desde a data de cessação do contrato, c) 2 a contar de cada uma das retribuições, absolvendo-se a Ré do mais peticionado.
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Inconformada a ré interpôs recurso com as seguintes conclusões:

III. Em face dos factos dados como provados entende a recorrente que ocorreu erro crasso na apreciação da prova.
IV. Tendo em consideração os factos dados como provados nas alíneas I), J), K) E L) poderemos aqui afirmar, salvo melhor entendimento, que a autora, no momento em que decidiu intentar a ação que deu aso à sentença de que agora se recorre, fê-lo em claro abuso de direito, mais propriamente na modalidade de VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM.
V. Tendo em consideração os factos dados como provados elencados supra, bem como do testemunho da testemunha BB, a mesma sabia que o seu contrato não iria ser renovado.
VI. A recorrida aceitou os valores respeitantes à caducidade do contrato e nunca os devolveu, assim sendo, aceitou o seu despedimento como lícito.
VII. A recorrida solicitou à recorrente os papeis respeitante ao fundo de desemprego, tendo, inclusive, e conforme disse no seu depoimento de parte, se dirigido aos serviços da ACT de Braga para obter essa mesma papelada.
VIII. A recorrida gerou na recorrente uma clara situação de confiança de que a relação contratual que vinculava entre as partes tinha chegado ao fim de um modo completamente pacífico e natural.
IX. Posteriormente, veio, então, a recorrida apresentar a ação da qual resultou a sentença agora crise alegando, entre outras, que o seu despedimento não era lícito.
X. Isto após, e como referido supra, ter recebido todos as quantias respeitantes à caducidade do contrato de trabalho assinado entre ambos e ter solicitado a documentação necessária para se apresentar no fundo de desempregado.
XI. Fica claro que ambos os comportamentos suprarreferidos resultam da vontade da Recorrida, que conscientemente, em primeiro lugar, aceitou os valores referentes à caducidade do contrato e nunca os devolveu e ainda sempre teve a intenção ingressar no fundo de desemprego e, posteriormente, contra tudo o que era esperado e previsível, instaura ação em causa.
XII. Através do comportamento adotado pela recorrida, esta criou uma falsa expectativa na esfera jurídica do recorrente, fazendo-o confiar de que aquela tinha aceite o despedimento, pois só dessa forma teria aceite os valores que aceitou e que nunca devolveu.
XIII. Desta forma, gerou no recorrente a confiança de que, para a recorrida, o despedimento não teria sido ilícito e, consequentemente, nada mais seria devido em termos monetários do que aqueles valores efetivamente pagos.
XIV. Tal comportamento levou a crer que para a recorrida o despedimento seria totalmente lícito, nos mesmos termos em que o era para o recorrente.
XV. Ora, não deixa dúvida de que a causa a que levou à adoção do comportamento adotado pelo recorrente foi postura adotada pela recorrida num primeiro momento.
XVI. Através do seu comportamento a recorrente, aos olhos da recorrida, aceitou, por completo, os termos em que o despedimento foi efetuado.
XVII. Foi esse modo de atuar que levou a criação de uma falsa sensação de resolução pacífica e natural do contrato de trabalho que tinha sido celebrado entre as partes.
XVIII. Ao intentar a ação em causa, a recorrida está em clara violação do princípio da confiança, princípio ético fundamental presente na ordem jurídica.
XIX. Desta forma, o Tribunal a quo, como se disse, fez uma errada interpretação dos factos dados como provados, importando por isso alterar a decisão e mérito (julgando-se improcedente a ação).
XX. Nestes termos e no mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência ser o recurso totalmente procedente por provado.

Sem contra-alegações
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
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Factualidade:

A) A Ré é uma sociedade por quotas que se dedica à atividade de apoio social a pessoas idosas, com alojamento, vulgarmente denominada “Hotel ...”.
B) No exercício dessa atividade, a R. admitiu ao seu serviço a A., por contrato de trabalho celebrado a termo certo, no dia 22 de maio de 2020, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, e mediante a remuneração mensal de 635,00 €, lhe prestar atividade correspondente à categoria profissional de ajudante de lar, conforme decorre do contrato de trabalho cuja cópia foi junta com a p. i. como doc. ..., cujo teor no mais aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
C) Foi acordado e estabelecido nesse mesmo contrato que a Autora cumpriria um horário de trabalho fixo de 8 horas diárias e 40 semanais, das 8,00 às 12,30 e das 13,30 às dezassete horas, com intervalo das 12,30 às 13,30 horas, com descanso semanal à quarta-feira e complementar à quinta-feira – cfr. Cláusula Quinta do contrato de trabalho cuja cópia foi junta com a p. i. como doc. ..., cujo teor no mais aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
D) Ficou ainda estabelecido que o período normal de trabalho poderia ser aumentado até ao máximo de 2 horas diárias, sem que a duração semanal ultrapassasse as 48 horas - cfr. Cláusula Sexta do contrato de trabalho cuja cópia foi junta com a p. i. como doc. ..., cujo teor no mais aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
E) Nessa situação se manteve a A., sempre desempenhando as suas funções com zelo, dedicação e competência e sem qualquer interrupção temporal, até ao dia 20 de maio de 2021.
F) A Ré, por carta datada de 30 de abril de 2021, a Ré comunicou à A. que o termo do contrato que haviam celebrado e que se havia renovado em 20/11/2020 se verificava em 19 de maio de 2021, pelo que era este dia o último em que a A. prestaria o seu trabalho – cfr. cópia da carta cuja cópia foi junta com a p. i. como doc. ..., cujo teor no mais aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
G) Ao contrato de trabalho foi aposto termo certo de seis meses, sendo que a Ré fez constar da cláusula Sétima (Duração do Contrato) do mesmo contrato, o seguinte:
“1. O presente contrato é celebrado pelo prazo de 6 meses, com início em 22 de maio de 2020 e termo em 21 de novembro de 2020, podendo ser renovado até três vezes por períodos iguais ou distintos, nos termos previstos na lei. 2. O presente contrato caduca no termo do prazo estipulado desde que exista comunicação, respetivamente com uma antecedência mínima de 15 ou 8 dias, consoante se trate da primeira ou da segunda outorgante, por carta registada com aviso de receção.
3. A segunda outorgante é admitida nos termos dos artigos 140.º e ss. Do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, justificando-se o seu termo pela al. f) do n. 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, concretamente o acréscimo excecional de atividade da empresa, resultado da entrada de novos utentes que comportou um acréscimo repentino de atividade.
4.A Segunda outorgante declara ter conhecimento e aceitar as circunstâncias excecionais e temporárias que justificam a respetiva aposição de termo certo.” (o negrito é nosso) – cfr. Contrato de trabalho cuja cópia foi junta com a p. i. como doc. ..., cujo teor no mais aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
Da contestação:
H) Teor da Orientação n.º 9/2020 de 11/03/2020 da Sra. Diretora-geral de Saúde junta à contestação como Doc. n.º ..., cujo teor no mais aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
I) À Autora foram liquidados a 25/05/2021 os valores que constam do documento nº ... junto com a contestação, a saber: vencimento, no valor de €665,00, férias não gozadas no mesmo valor, subsídio de férias e de natal no valor de 27,71 x2, proporcionais de subsídio de férias no valor de 294.62€ e proporcionais do subsídio de natal no valor de 144.23€ e a quantia de 399,00€ - cfr. o referido documento cujo teor no mais aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
J) Teor dos recibos de vencimento juntos pela Ré sob os nº 3 a 8 com a contestação dos meses de junho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2020, janeiro, fevereiro, março, abril e maio de 2021, cujo teor no mais aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
K) A Autora no termo do contrato recebeu as quantias supra e nada devolveu à aqui Ré.
L) A Autora solicitou à Ré o envio dos documentos para o fundo de desemprego, conforme resulta do documento junto à contestação como doc. ..., solicitação que reforçou com recurso ao ACT, conforme resulta do documento junto à contestação como doc. ...0, tendo a empresa entregue tal declaração de situação de desemprego no dia 21/05/2021 – cfr. docs. juntos como doc. ...1, constantes a fls. 40 e 40 verso.
Factos resultantes de documentos não impugnados:
M) Teor do extrato de remunerações da aqui Autora junto a fls. 52 verso e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
N) Teor da declaração do ISS referente ao subsídio de desemprego da aqui Autora junto a fls. 58, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
O) Teor da declaração do ISS referente ao subsídio de doença da aqui Autora junto a fls. 51-52, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber se ocorre abuso de direito na invocação da nulidade da estipulação do termo.
A recorrente refere que a autora sabia que o seu contrato não ia ser renovado, e que aceitou os valores respeitantes à caducidade do contrato e nunca os devolveu, assim sendo, aceitou o seu despedimento como lícito. A recorrida solicitou à recorrente os papeis respeitante ao fundo de desemprego,
tendo, inclusive, e conforme disse no seu depoimento de parte, se dirigido aos serviços da ACT de Braga para obter essa mesma papelada.
Retira daqui que foi criada no seu espirito uma situação de confiança de que a relação contratual que vinculava entre as partes tinha chegado ao fim de um modo completamente pacífico e natural. Invoca abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Nos termos do artigo 334º do CC, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
O abuso de direito traduz-se na sua essência no exercício de um direito de forma anormal, quer na sua intensidade quer na execução, desde que desse exercício resulte a " negação " prática de direitos de terceiros, ou crie uma desproporção objetiva entre os benefícios que para o seu titular resultam, e as consequências que terceiros têm de suportar por força desse exercício (Ns. Rodrigues Bastos, Das Relações Jurídicas segundo o C.C. de 1966, Vol. V, pág. 10 e Ac. STJ de 15/12/2011, processo nº 2/08.9TTLMG.P1S1.
Como refere o Ac. STJ de 17/5/2017:
“A determinação da legitimidade ou ilegitimidade do exercício do direito, ou seja, da existência ou não de abuso do direito, afere-se a partir de três conceitos: a boa fé, os bons costumes e o fim social ou económico do direito.

“Contudo, dizer-se que a boa fé, neste segundo sentido, exige um comportamento «honesto, correto e leal» é dizer ainda muito pouco, é confirmar o carácter indeterminado, de «norma em branco», desta cláusula geral - o que acontece, aliás, com quase todas as outras… Por isso, a doutrina moderna, sobretudo a alemã, tem elaborado, com base na jurisprudência dos tribunais, uma série de «hipóteses típicas» ou «figuras sintomáticas» concretizadoras da cláusula geral da boa fé. Podemos assim destacar a proibição de venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; aquilo que os alemães designam por Verwirkung, com que se veta o exercício de um direito subjetivo ou duma pretensão quando o seu titular, por não os ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos (revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal ou intolerável)…
Em suma, os conceitos de boa fé e de abuso de direito têm conteúdo e extensão diferentes, sendo que a ideia de abuso de direito pode muitas vezes estar incluída na violação da boa fé. “É o que se dará, em regra, no domínio contratual, onde as partes devem proceder segundo a boa fé: aí, o abuso do direito será frequentemente uma ofensa da boa fé devida”. (cfr. Prof. VAZ SERRA, Do Abuso do Direito, págs. 265-266).

“Para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade…
De qualquer forma, o exercício do direito só é abusivo quando o excesso cometido for manifesto. É isso que resulta expressamente do art.º 334º e é também essa a lição de todos os autores e de todas as legislações (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit. [Código Civil Anotado, Vol. I], pág. 298/299].”

Consagrou a lei um critério objetivo, em que não se torna necessário provar a consciência de se estar a utilizar abusivamente o direito, sendo suficiente que tal abuso ocorra. A apreciação opera-se, como referido no acórdão do STJ parcialmente transcrito, recorrendo às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, no que respeita à boa-fé e aos bons costumes; e aos juízos de valor positivamente consagrados na lei, no que se refere ao fim social e económico do direito. - P. Lima e A. Varela, Cód. Civ. anot., Coimbra ed., 2ª ed., pág. 277, em nota ao art. 334 -. VAZ SERRA (“Abuso do Direito (em matéria de responsabilidade civil)”, Boletim do Ministério da Justiça n.º 85 (1959), pág. 243 e ss.), refere que constituirá abuso de direito o exercício que em princípio seria legítimo, nos casos em que é exercido de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante. Se os direitos concedidos pela lei tendo em vista determinados fins forem exercidos para finalidades diversas, não se pode dizer que se trate de verdadeiro exercício de um direito, mas de falta de direito.
No caso presente, a autora nada fez que pudesse levar o recorrente a adquirir a convicção de que a autora não exerceria o direito. Estamos no âmbito de uma relação contratual em que a autora se encontrava numa posição de subordinação jurídica e económica, o que deve ser sopesado, sendo natural que tenha aceitado as quantias que lhe foram pagas, incluindo a verba relativa à compensação, porquanto depende no seu dia a dia e para sua sobrevivência, dos rendimentos do seu trabalho. Naturalmente e pela mesma razão se compreende que tenha solicitado o documento para o subsidio de desemprego.
As verbas recebidas, independentemente do título a que foram liquidadas, sempre seriam devidas por ilícito despedimento.
Não existe na lei qualquer obrigação de devolução das quantias que forem devidas, a menos que em montante indevido, e quanto ao valor da compensação, não retira a lei, da sua não devolução, a consequência que se pretende. O artigo 366º, nº 4 do CPT, já de si polémico, não abrange a situação dos autos – Veja-se Ac. RL de 9/11/22, processo nº 59/21.7T8CSC.L1-4, em dgsi.pt, e de todo o modo apenas estabelece uma presunção juris tantum de aceitação do despedimento coletivo.
A expetativa da ré, que poderá ter criado no seu espirito, não é legítima. Tais factos e situações não são de molde a justificar uma legitima expetativa, nem se vê que ofenda as regras da boa-fé. A autora ao intentar a ação não atua contra qualquer ato pessoal com relevo ou rebate nas razões determinantes da cessação do contrato, nem as condutas posteriores referenciadas são de molde a criar a convicção de que não contestaria a decisão da empregadora.
Consequentemente por esta e demais razões constantes da decisão recorrida, é de confirmar a mesma.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão
Custas pela recorrente.
16-2-23