Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2628/21.6T8BCL.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS
Descritores: ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
COLISÃO DE VEÍCULOS
MANOBRA DE ULTRAPASSAGEM
ENTRONCAMENTO
CULPA PRESUMIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Não cumpre o ónus impugnatório primário do julgamento da matéria de facto previsto na al. b), do n.º 1, do art. 640º do CPC, o recorrente que, em vez de indicar a prova que, na sua perspetiva, impõe decisão diversa em relação a cada um dos pontos da matéria de facto que impugna ou, pelo menos, sobre os pontos da matéria que impugna que versam sobre a mesma realidade fáctica, se limita a indicar, em bloco, todos os meios de prova relativos a uma multiplicidade de factos julgados provados e não provados na sentença que impugna e de factos que alegou na petição inicial e que a 1ª Instância não julgou provados nem não provados na sentença, mas que pretende sejam aditados ao elenco dos factos provados nesta, apesar dessa facticidade que impugna e que pretende ver aditada versar sobre diversas realidades fácticas, pelo que, apresentando-se essa impugnação do julgamento de facto como claramente genérica, impõe-se rejeitar imediatamente essa impugnação.
2- As normas do Código da Estrada (CE) que regulam a manobra de mudança de direção e que, dada a perigosidade intrínseca dessa manobra, impõem obrigações acrescidas aos condutores que a ela recorram, destinam-se à proteção do tráfego que circula na mesma via, mas em sentido oposto à do condutor que efetua a manobra de mudança de direção e, bem assim, à proteção do tráfego que circula na mesma via e no mesmo sentido de marcha, mas atrás do veículo cujo condutor empreende a manobra de mudança de direção.
3- Já as normas previstas no CE que proíbem manobras de ultrapassagem em determinados locais, como é o caso de zona imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos, destinam-se a proteger todos os utentes da via, em que o legislador proibiu a manobra de ultrapassagem nesses locais, por essa manobra, quando realizada nesses locais, ser normalmente propiciadora de risco acrescido de acidente, pelo que, essa proibição destina-se a proteger tanto os utentes que circulam na mesma via e no mesmo sentido de marcha que o veículo ultrapassante, atrás ou à frente deste, como os que circulam, nessa mesma via, mas em sentido oposto ao do veículo ultrapassante, como os veículos que, no entroncamento ou cruzamento, ingressem na via por onde circula o veículo ultrapassante, como os veículos que, circulando na mesma via e no mesmo sentido de marcha que o veículo ultrapassante, no cruzamento ou entroncamento, encetem uma manobra de mudança de direção.
4- Daí que sempre que um condutor realize uma manobra de ultrapassagem em local em que esta lhe é legalmente proibida e venha a colidir com um dos veículos identificados em 3), concretiza o perigo que o legislador quis evitar com a proibição.
5- Nos casos em que ocorra uma colisão no decurso de uma manobra de ultrapassagem realizada por um dos veículos e de uma manobra de mudança de direção realizada pelo outro, quando ambos os veículos circulam na mesma via e no mesmo sentido de marcha, a aferição da responsabilidade pelo eclodir do acidente deve, em princípio, ser feita de acordo com a teoria do critério temporal, em função do qual a culpa será do condutor que começou a manobra depois de já ter sido encetada a manobra do outro.
6- No entanto, quando a manobra de ultrapassagem seja realizada em local em que o legislador proibiu essa manobra, tendo em consideração a ratio que subjaz a essa proibição referida em 3), porque o condutor ao efetuar a manobra de ultrapassagem em local em que tal lhe é legalmente proibido, em caso de vir a colidir, durante a manobra de ultrapassagem, com veículo que circule nesse local, designadamente, que nele realize uma manobra da mudança de direção à esquerda, o condutor ultrapassante acaba por concretizar o risco de acidente que o legislador quis evitar com a proibição, pelo que o acidente não pode deixar de lhe ser imputado a título de culpa presumida, uma vez que não fora o seu comportamento contraordenacional e, por isso, ilícito e presuntivamente culposo, a colisão nunca se teria dado.
7- Verificado um acidente nessas circunstâncias, perante a presunção de culpa pelo eclodir do acidente que recai sobre o condutor do veículo ultrapassante, é sobre este ou o proprietário do veículo por ele conduzido (consoante seja um ou outro que figurem como demandante ou demandado em ação destinada a efetivar a responsabilidade civil emergente desse acidente) que recai o ónus de alegação e da prova de facticidade de onda decorra que o acidente se deveu também à culpa, ou à principal culpa, do condutor que realizou a manobra de mudança de direção no local em que o mesmo efetuou a manobra de ultrapassagem a esse veículo, apesar dessa manobra de ultrapassagem lhe ser proibida por lei.
8- Em ação de acidente de viação em que se provou que a condutora do veículo da Autora encetou uma manobra de ultrapassagem em zona imediatamente anterior a um entroncamento e foi embater no veículo seguro pela Ré, quando este, nesse entroncamento, se encontrava em plena execução de uma manobra de mudança de direção para a esquerda, sendo a realização dessa manobra de ultrapassagem legalmente proibida nesse concreto local, não tendo a Autora provado que antes do condutor do veículo seguro ter sinalizado a manobra de mudança de direção para a esquerda, já a condutora do veículo sua propriedade tinha sinalizado a manobra de ultrapassagem, ou já se encontrava em plena execução dessa manobra, nem qualquer facticidade de onde decorra que o acidente é também de imputar à condução contraordenacional do condutor do veículo seguro, impõe-se concluir que o acidente é de imputar, única e exclusivamente, à condução contraordenacional e, por isso, ilícita e presuntivamente culposa da condutora do veículo propriedade da Autora, que ao executar a manobra de ultrapassagem em local em que lhe era legalmente proibido, acabou por concretizar o risco de acidente que o legislador quis evitar com a proibição.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

EMP01... Unipessoal, Lda., com sede na ... ..., e AA, por si e em representação do seu filho menor, BB, residentes na Rua ..., ...65 ..., ..., instauraram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra EMP02..., S.A. (atualmente EMP03..., S.A.), com sede na Avenida ..., ...49 ..., pedindo a condenação desta a pagar:
a- à Autora AA a quantia de 1.000,00 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
b- ao Autor BB a quantia de 1.000,00 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; e
c- à Autora EMP01... a quantia de 3.082,10 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia diária de 15,00 euros, desde 05 de novembro de 2018 até efetivo e integral pagamento, a título de paralisação/privação do uso do veículo.
Para tanto alegaram, em síntese, que, no dia 05/11/2018, pelas 10h00, ocorreu um acidente de viação na Estrada Municipal ...06, ao quilómetro 43,400, na União de Freguesias ... e ..., concelho ..., em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula UF-..-.., propriedade da Autora EMP01..., conduzido pela Autora AA e onde era transportado como passageiro o Autor BB, e o veículo automóvel de passageiros de matrícula ..-GM-.., propriedade de CC, conduzido por DD e que, na altura da eclosão do acidente, se encontrava seguro na Ré e, bem assim, facticidade tendente a demonstrarem que a eclosão desse acidente ocorreu, única e exclusivamente, devido à condução ilícita e culposa do condutor do GM e especificando os danos patrimoniais e não patrimoniais que emergiram desse acidente para os Autores.
A Ré contestou defendendo-se por impugnação e por exceção.
Aceitou que, na altura do acidente, a responsabilidade por danos causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo de matrícula ..-GM-.. encontrava-se validamente transferida para si, mas impugnou a facticidade alegada pelos Autores quanto às circunstâncias em que eclodiu o acidente e, bem assim, a relativa aos danos patrimoniais e não patrimoniais que alegaram.
Excecionou alegando facticidade tendente a fazer prova em como o acidente eclodiu por culpa presumida e efetiva da condutora do UF e tendente a demonstrar que o custo atual da reparação do UF é excessivamente oneroso, não assistindo, por conseguinte, à Autora EMP01... o direito a obter a reparação desse veículo, nem qualquer indemnização pela privação do uso dessa viatura, mas apenas a receber o custo da reparação à data do acidente, no montante de 1.200,00 euros, conforme documento assinado pela gerência da Autora EMP01..., que juntou em anexo à contestação.
Concluiu pedindo que fosse absolvida do pedido.
Em 11/03/2022 proferiu-se despacho em que se fixou o valor da presente causa em 5.082,10 euros, proferiu-se despacho saneador tabelar, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.
Realizada a audiência final, que se prolongou ao longo de três sessões, em 28/12/2022, proferiu-se sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto e atentas as considerações expendidas, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente decide-se condenar a Ré Companhia de Seguros EMP04..., S.A., presentemente com a denominação EMP03..., S.A.:
- à Autora EMP01... Unipessoal, Lda. a quantia global de 2.916,00 euros (dois mil novecentos de dezasseis euros) a tútulo de indemnização dos danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
- à Autora AA a quantia de 105,00 euros (cento e cinco euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação da sentença até efetivo e integral pagamento;
- ao Autor BB a quantia de 105,00 euros (cento e cinco euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação da sentença até efetivo e integral pagamento.
Custas a cargo dos Autores e da Ré, em função do respetivo decaimento – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil”.

Inconformados com o decidido os Autores EMP01... Unipessoal, Lda., AA e BB interpuseram recurso daquela sentença, em que formularam as conclusões que se seguem:

1. O Tribunal “a quo” deu como provados factos para os quais, no entendimento dos Recorrentes, não tem suporte probatório e como tal, deverão ser considerados não provados, nomeadamente os pontos 5. “até ao entroncamento mencionado em 4)”, 10. “acionou o dispositivo luminoso de pisca esquerdo e aproximou gradualmente a viatura do eixo da via”, 12. “e para trás de si” e 26:
2. Entende o Recorrente que a matéria dada como provada nos pontos 5. “até ao entroncamento mencionado em 4)”, 10. “acionou o dispositivo luminoso de pisca esquerdo e aproximou gradualmente a viatura do eixo da via”, 12. “e para trás de si” e 26. deveria ter sido dado como não provada.
3. E consequentemente, deveria ser considerada como provada a matéria das als. d), e), f), g), h), da matéria dada como não provada, nomeadamente:
d) Antes de iniciar a manobra de ultrapassagem, a condutora do veículo de matrícula UF-..-.. olhou em frente e reparou que pela via em sentido ... – ... não circulava nenhum veículo automóvel, motociclo ou ciclomotor.
e) Olhou, depois, para a sua retaguarda e certificou-se de que atrás de si também não circulava qualquer automóvel, motociclo ou ciclomotor.
f) Quando o veículo de matrícula UF-..-.. se encontrava a circular numa posição paralela ao GM e à frente deste, o condutor do GM, sem que nada o fizesse prever e de forma súbita, guinou a viatura à sua esquerda, embatendo no UF.
g) O embate verificou-se acerca de meio metro do eixo da via.
h) O condutor do veículo GM não acionou o sinal luminoso esquerdo para iniciar e desenvolver a manobra de mudança de direção à esquerda.
4. E ainda, deveria ainda o tribunal “a quo” dar como provado os factos alegados na petição inicial sob os artigos 21º a 28º e 69º e 70º, nomeadamente:
21º -Assim como não tomou as devidas precauções antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda, de forma a não afetar a segurança do restante tráfego.
22º -O condutor do veículo GM iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda sem se certificar que a podia realizar sem perigo de colidir com os veículos que circulavam na via em que pretendia penetrar.
23º - O condutor do veículo GM não sinalizou a sua manobra com a devida antecedência, bem como não se certificou que a faixa de rodagem se encontrava livre na extensão e largura, com as condições necessárias para a realização da manobra de mudança de direção à esquerda com segurança.
24º - Assim como o condutor do veículo GM não aguardou que o veículo UF finalizasse a sua manobra de ultrapassagem, para posteriormente iniciar a sua manobra de mudança de direção à esquerda.
25º - O condutor do veículo UF quando se apercebe que o veículo GM invade a sua faixa de rodagem, por ter iniciado a manobra de mudança de direção à esquerda, não consegue evitar o embate.
26º - Posto isto, o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo GM, que agiu com imperícia, desatenção, inconsideração e negligência.
27º - E ainda, por não se certificar que podia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda sem perigo de colidir com os veículos que circulavam na hemifaixa esquerda da Estrada Municipal ...06, atento o sentido que seguiam.
28º - Assim, é responsável pelo acidente o condutor do veículo GM, por violação das mais elementares regras de condução e segurança rodoviária, nomeadamente, as constantes nos artigos 3º, n.º 2; 11º, n.º 2, e 21º, n.º 1 e 2, todos do Código da Estrada.
69º - E, devido ao lapso de tempo decorrido entre o acidente de viação até à presente data, vai ainda necessitar de revisão e verificação de outros componentes, nomeadamente: • Filtro de óleo; • Filtro de ar; • Filtro gasóleo; • Óleo motor; • 1 jogo de calços; • Bombitos travão;• Cintas “maxilas”• 1 kit distribuição.
70º - Sendo o valor de revisão e verificação de outros componentes de €633,36 (trezentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos), que se peticiona, cfr. doc. ...5 que se junta e se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
5. Face à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, a culpa do acidente discutido dos presentes autos é totalmente imputável ao condutor do veículo GM - DD, segurado da ré, tendo em consideração as declarações prestadas pela A. AA, o A. EE na qualidade de legal representante da empresa autora e a testemunha DD, e face à prova documental junta aos autos pela autora e pela Ré (documento número ...2 junto à petição inicial, o documento número ...6 junto à contestação, a segunda fotografia junta à petição inicial sob o documento número ...3, as fotografias juntas à contestação sob o número 08 – Anexo 1 e 2).
6. A condutora do veículo UF não realizou qualquer manobra proibida, pois naquele local, conforme sinalização vertical e linha descontínua, é permitido ultrapassar (fotografia junta à petição inicial sob o número 02 e junta à contestação sob o número 06).
7. O entroncamento, conforme é referido pela Autora AA, e conforme é corroborado pela testemunha DD, não é visível, apenas quando se está muito próximo do mesmo (declarações da testemunha DD entre os minutos 15:04 e 15:46).
8. Conforme é referido pela A. nas suas declarações: o veículo GM circulava a velocidade muito reduzida, quase parado, perto da berma do lado direito, e com os sinais de STOP ligados, que estava a abrandar a velocidade dando a sensação que ia parar o seu veículo.
9. O veículo GM não deu qualquer sinal que desse a entender que ia mudar de direção à esquerda, nomeadamente, não tinha o pisca esquerdo acionado, nem se aproximou do eixo da via.
10. Por esse motivo, e porque lhe era permitido ultrapassar naquele local, a A. iniciou a manobra de ultrapassagem.
11. A condutora do veículo de matrícula UF-..-.., para efetuar a manobra de ultrapassagem, acionou o pisca esquerdo, olhou em frente e reparou que pela via em sentido ... – ... não circulava nenhum veículo automóvel, motociclo ou ciclomotor, olhou, depois, para a sua retaguarda e certificou-se de que atrás de si também não circulava qualquer automóvel, motociclo ou ciclomotor, e invadiu a faixa de rodagem do lado esquerdo.
12. E quando se encontrava em posição paralela ao veículo GM, um pouco mais à sua frente, aquele iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda, de forma subida e imprevisível, e embate com o seu veículo GM no veículo UF.
13. Quando o condutor do veículo GM inicia a manobra de mudança de direção à esquerda, já o veículo UF se encontra em posição paralela ao veículo GM, e mais à sua frente (tendo em consideração os danos nos veículos intervenientes no sinistro – e conforme fotografias juntas à petição inicial sob o 03 e juntas à contestação sob o número 08).
14. A testemunha DD, condutor do veículo GM, refere que seguia no veículo GM, no mesmo sentido que a autora, tinha saído da casa do seu ex-patrão e pretendia virar no entroncamento à sua esquerda, e como a distância era de 20/30 metros, seguia de forma muito lenta, quando se aproxima do entroncamento, parou o seu veículo, e que quando iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda e embate no veículo UF.
15. Refere de forma espontânea e sincera que nunca se apercebeu da presença do veículo UF, que nunca o viu em momento algum.
16. Com o devido respeito, o condutor do veículo GM não tomou as devidas precauções antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda, nomeadamente, não se certificou que podia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda sem perigo de colidir com os veículos que circulavam na faixa esquerda.
17. Feita a análise dos danos da viatura UF e viatura GM, através das fotografias juntas aos autos pela autora e pela ré, depreende-se que, quando o veículo GM embate no veículo UF, já o veículo UF estava em posição paralela ao veículo GM, e à sua frente, pois o GM embate no UF entre a porta do passageiro e a parte de trás da carrinha.
18. O que nos leva a crer que, o veículo UF iniciou a manobra de ultrapassagem em momento anterior ao início da manobra de mudança de direção à esquerda do veículo GM.
19. A culpa do acidente discutido nos presentes autos deve-se única e exclusivamente ao condutor do veículo GM, que inicia a manobra de mudança de direção à esquerda sem prestar a devida atenção à manobra que realizou, que não se certificar que podia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda sem perigo de colidir com os veículos que circulavam na hemifaixa esquerda da Estrada Municipal ...06, atento o sentido que seguiam (...), e por violação das mais elementares regras de condução e segurança rodoviária, nomeadamente, as constantes nos artigos 3º, n.º 2; 11º, n.º 2, e 21º, n.º 1 e 2, todos do Código da Estrada.
20. Assim sendo, deve ser revogada a decisão proferida que distribuiu as culpas entre a A. e o condutor do veículo seguro da Ré na proporção de 70% e 30% respetivamente, por uma decisão que atribua a culpa única e exclusivamente ao condutor do veículo seguro da Ré.
21. Entende o recorrente que deveria ter sido dado não como provado, quanto aos danos, o ponto 26. dos factos dados como provados: “26 - A Autora EMP01... Unipessoal, Lda. dispunha de meios financeiros para custear a reparação do veículo de matrícula UF.”
22. E deveria ter sido dado como provados os factos alegados na petição inicial sob os artigos 69º e 70º, nomeadamente: 69º - E, devido ao lapso de tempo decorrido entre o acidente de viação até à presente data, vai ainda necessitar de revisão e verificação de outros componentes, nomeadamente: •Filtro de óleo; •Filtro de ar; • Filtro gasóleo; •Óleo motor; •1 jogo de calços; •Bombitos travão;•Cintas “maxilas”•1 kit distribuição; 70º - Sendo o valor de revisão e verificação de outros componentes de €633,36 (trezentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos), que se peticiona, cfr. doc. ...5 que se junta e se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
23. Nas declarações prestadas pelo A. EE, legal representante da empresa EMP01... UNIPESSOAL, LDA., é dito com clareza que a empresa não tinha possibilidades económicas para custear a reparação do veículo de matrícula UF: [9:39] Mandatário R.: o senhor então fez aquele acordo por 1.200€ não é? Que está datado do mês de, ou dia, 12-12 e passados quatro dias ou assim, a seguradora veio dizer que não assumia a responsabilidade. E nessa altura não lhe fazia falta este carro? O senhor não arranjava 1.200€ para fazer a reparação? Autor: não. [9:50]
24. Não é feita qualquer prova que demonstre que a empresa aqui A. disponha de meios financeiros para custear a reparação do veículo UF.
25. A empresa, até à presente data, não adquiriu qualquer outro veículo para substituir o veículo de matrícula UF, porque não dispõe de meios económicos para o efeito.
26. Com o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo a considerar como provado o ponto 26. da matéria de facto dada como provada, pelo que, deve ser considerado não provado.
27. Foi dado como provado no ponto 20. da matéria de facto dada como provada que: 20 – Como consequência do embate aludido em 15) e do despiste mencionado em 17), o veículo de matrícula UF-..-.. sofreu danos na lateral direita e na frente, tendo o custo da respetiva reparação sido orçado em €2.448,78 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos).
28. Com o devido respeito, entende a recorrente que deveria ter sido dado como provados também os factos alegados na petição inicial sob os artigos 69º e 70º, nomeadamente: 69º - E, devido ao lapso de tempo decorrido entre o acidente de viação até à presente data, vai ainda necessitar de revisão e verificação de outros componentes, nomeadamente: •Filtro de óleo; •Filtro de ar; • Filtro gasóleo; •Óleo motor; •1 jogo de calços; •Bombitos travão;•Cintas “maxilas”•1 kit distribuição; 70º - Sendo o valor de revisão e verificação de outros componentes de €633,36 (trezentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos), que se peticiona, cfr. doc. ...5 que se junta e se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
29. O acidente ocorreu em 05/11/2018, à presente data, decorreram mais que cinco anos.
30. O veículo desde aquela data que se encontra paralisado e por reparar, com todos os danos resultantes do embate (conforme ponto 21. da matéria de facto dada como provada).
31. Caso o veículo tivesse sido reparado naquela data, não ia necessitar de mais que a reparação prevista e orçamentada em 1.200€.
32. À presente data, o veículo necessita de revisão completa e verificação de outros componentes, nomeadamente: Filtro de óleo; Filtro de ar; Filtro gasóleo; Óleo motor; 1 jogo de calços; Bombitos travão; Cintas “maxilas”, 1 kit distribuição.
33. Com o devido respeito, entende a recorrente que deveria ter sido dado como provados também os factos alegados na petição inicial sob os artigos 69º e 70º, por resultar provado em audiência de julgamento que, o valor necessário à presente data para reparar o veículo UF é de €2.448,74, acrescido do valor de €633,36 referente ao valor da revisão e verificação de outros componentes, nomeadamente, travões, cintas, kit distribuição, e mudanças de óleos e filtros.
34. O documento titulado “ATA DE AVALIAÇÃO DE PREJUÍZOS” foi assinado em 29 de novembro de 2018, e conforme foi dito pelo legal representante da ré, naquela data, era o valor necessário para o efeito.
35. No entanto, à presente data, o valor necessário para a reparação dos danos do veículo UF são os constantes no ponto 20. da matéria de facto dada como provada: 20 - Como consequência do embate aludido em 15) e do despiste mencionado em 17), o veículo de matrícula UF-..-.. sofreu danos na lateral direita e na frente, tendo o custo da respetiva reparação sido orçado em € 2.448,74 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros e setenta e quatro cêntimos), assim como o valor de €633,36 (trezentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos) para efetuar a revisão e verificação de outros componentes.
36. Assim sendo, deve ser revogada a decisão proferida e ser substituída por decisão que condene a Ré no pagamento do valor de €2.448,74 para reparação dos danos provocados pelo sinistro discutido nos presentes autos no veículo UF, e ainda, no pagamento de €633,36 (trezentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos) para efetuar a revisão e verificação de outros componentes.
37. Com o devido respeito, andou mal o tribunal a quo a condenar a Ré no pagamento da quantia diária de €8,00 a título de privação de uso do veículo de matrícula UF-..-.. desde a data do sinistro (05/11/2018) até 01/10/2021 – data em que o A. EE, a título pessoal, adquiriu o veículo de matrícula ..-..-OR.
38. Resultou provado que o veículo de matrícula UF-..-.. era o único veículo propriedade da sociedade autora, e que se encontra imobilizado desde a data do sinistro em discussão nos presentes autos, não o podendo usar na sua atividade profissional como usava.
39. E ficou demonstrado e provado em audiência de julgamento que, a sociedade autora tem utilizado veículos emprestados para fazer face às suas necessidades profissionais, e ainda, veículos que o A. EE e a A. AA possuem a título pessoal.
40. E ainda, que os veículos que o A. EE e a A. AA possuem a título pessoal não satisfazem as necessidades da empresa, porque não são espaçosos o suficiente para armazenar e transportar todos os materiais que a sociedade autora necessita para o desempenho da sua atividade profissional.
41. Motivo pelo qual o A. EE teve a necessidade de pedir veículos emprestados a familiares, amigos e colegas de profissão (nomeadamente os veículos ..., ..., ..., entre outros) – transcrição de declarações do A. entre os minutos 10:15 a 10:50.
42. O A. EE refere ainda nas suas declarações que, a carrinha de matrícula UF era muito espaçosa e permitia-lhe transportar materiais como escadas e andaimes porque tinha um girafon, e por esse motivo, conseguia acondicionar todos os materiais que lhe eram necessários e imprescindíveis para o exercício da sua profissão – minutos 12:26 a 12:40.
43. Realça-se ainda que, conforme foi declarado pelo A. EE e pela A. AA, o veículo de matrícula ..-..-OR, marca ... que o autor EE adquire em outubro de 2021 é a título pessoal, e não na qualidade de legal representante da empresa EMP01... UNIPESSOAL, LDA., pois o veículo de matrícula ..-..-OR, marca ... trata-se de um veículo ligeiro de passageiros, em versão carrinha (por ser comprido).
44. Ao contrário do veículo de matrícula UF-..-.., marca ..., que é um veículo ligeiro de mercadorias.
45. O veículo de matrícula ..-..-OR foi adquirido a título pessoal, e não satisfaz as necessidades da empresa, porque não é um veículo de mercadorias, e não permite ao legal representante da sociedade autora transportar andaimes, escadas etc., como lhe era permitido transportar no veículo de matrícula UF-..-...
46. Pelo que, deve ser revogada a decisão proferida e substituída por uma outra que condene a Ré no pagamento no pagamento da quantia diária de €8,00 a título de privação de uso do veículo de matrícula UF-..-.. desde a data do sinistro (05/11/2018) até efetivo e integral pagamento.
47. Por último, a sentença proferida condena a Ré no pagamento da quantia de €350,00 a cada um dos autores (A. AA e A. BB) a título de danos não patrimoniais.
48. Perante a factualidade dada como provada nos pontos 17., 18., 19. da matéria de facto dada como provada, com o devido respeito, deverá fixar-se sempre em valor próximo dos 1.000,00€ (mil euros), quantia essa que traduz e que se situa dentro dos parâmetros que vem sendo fixados pela nossa Jurisprudência.
49. A decisão ora posta em crise ofende o preceituado no artigo 496 n.º 1 e 3, 562.º e 566.º do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se douto acórdão em conformidade com as alegações supra formuladas, com o que se fará JUSTIÇA!

A apelada EMP03..., S.A. interpôs recurso subordinado, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos:
I- A infração que é imputada ao condutor do GM – não se ter assegurado de que a execução da manobra de mudança de direção à esquerda não causaria embaraço para o transito – não se pode ter por cometida, num contexto em que se demonstrou que o condutor do GM, antes de iniciar a manobra, tentou inteirar-se do transito que se processava na via, não se apercebendo da presença de qualquer viatura em nenhum dos sentidos.
II- O facto de o condutor do GM não se ter apercebido “da presença de qualquer viatura em nenhum dos sentidos” quando iniciou a sua manobra pode resultar de um conjunto de circunstâncias e não, necessariamente, do facto de aquele condutor seguir desatento ou, tão pouco, do facto de não ter observado os cuidados exigíveis.
III- Em contrapartida, a manobra que a Autora AA levou a efeito – antes e na área de um entroncamento – é, em si mesma, contravencional, devendo presumir-se a sua culpa.
IV- Como tal, entende a Ré que, em face dos factos provados, só a condutora do “UF” deu causa ao acidente, o que impõe a revogação da douta sentença e a absolvição da Ré de todos os pedidos.
V- Ainda que se entendesse, importa ter presente que, se a norma violada pela Autora AA visava a proteção do condutor do “GM”, já o inverso não é verdadeiro, na medida em que as regras que este poderá ter violado tinham em mente a segurança de outros utentes da estrada, que não a demandante.
VI- A eventual infração cometida pelo tripulante do GM, que se entendeu na douta sentença ter consistido no facto de não se ter assegurado, antes de realizar a manobra de mudança de direção à esquerda, que não estava a ser ultrapassado, não pode ser considerada causal do sinistro.
VII- A manobra do condutor do GM acabou por gerar os danos apenas e só porque no processo causal interferiu um acontecimento anormal, imprevisível para o condutor do GM, mais precisamente a atuação negligente e grosseiramente transgressional da própria demandante, ao realizar uma ultrapassagem em pleno entroncamento.
VIII- Por outro lado, o comportamento do condutor do GM, ainda que fosse contravencional, não seria censurável.
IX- Já a atuação da AA suscita um elevado grau de reprovação e era, como foi, apto a causar o dano.
X- Face a tudo o exposto, considera a Ré que só à Autora AA pode ser imputada a responsabilidade pela eclosão deste sinistro, na medida em que só o seu comportamento deu causa ao acidente, pelo que se impõe a revogação da douta sentença e a absolvição da Ré de todos os pedidos, o que se requer.
XI- Ainda que se considere que o condutor do GM agiu de forma ilícita e culposa, o juízo de censurabilidade relativo à sua conduta não pode deixar de ser diminuto, por não atingir elevado grau reprovação.
XII- Já no que diz respeito à Autora, não pode deixar de ser formulado um juízo de muito elevada censura.
XIII- Neste contexto e salvo o muito e devido respeito, não pode deixar de ser considerada muito mais grave e, portanto, sensivelmente mais censurável a atuação da demandante, quando comparada com a do condutor do GM.
XIV- Ponderando tudo o que acima se disse e a matéria dada como provada, considera a Ré que, ainda que se considere que ambos os intervenientes no sinistro contribuíram para a sua ocorrência, a respetiva responsabilidade deve ser repartida na proporção de 90% para a Autora e, apenas, 10% para o condutor do GM.
XV- Consequentemente, deve ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu aos AA os valores indemnizatórios fixados nessa decisão e, em sua substituição, caso a recorrente não seja absolvida de todos os pedidos, deve ser proferida decisão que atribua aos AA, apenas. 10% as quantias indemnizatórias que sejam consideradas devidas.
XVI- Se se entender que a referida repartição de responsabilidade não é a mais adequada – o que apenas se admite por mera hipótese – sempre se imporia a redução do grau de responsabilidade atribuído na douta sentença ao condutor do GM – e simultânea ampliação da que foi atribuída à demandante – o que, subsidiariamente, se requer, devendo, nesse caso, ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu aos AA os valores indemnizatórios fixados nessa decisão e, em sua substituição, deve ser proferida decisão que atribua aos Autores a percentagem das quantias indemnizatórias que sejam consideradas devidas, na proporção da responsabilidade que venha a ser atribuída ao condutor do GM.
XVII- Por coerência a Ré desde já declara, a ser devida alguma indemnização à Autora EMP01... pelos danos sofridos pelo UF, esta deve ser fixada tendo por base o conteúdo da “Ata de Avaliação de Prejuízos” mencionada no ponto 23 do elenco da factualidade provada.
XVIII- Porém, se se entender que aquela “ATA” não vincula as partes – como é defendido no recurso principal - sempre se imporia a redução da indemnização (antes de qualquer repartição de responsabilidade) para o valor de, no máximo, 700,00€, ou, no limite, 1.000,00€.
XIX- Tendo em conta os factos dados como provados, não pode deixar de se concluir que a reconstituição natural, ou reparação do “UF” é excessivamente onerosa.
XX- A reparação custa 2.448,74, valor, quase duas vezes e meia superior ao preço pelo qual poderia ser adquirido no mercado um veículo igual (que era o de 700€ a 1.000€).
XXI- Neste contexto, exigir-se da Ré que suporte, ainda que na proporção da eventual responsabilidade do seu segurado, o custo da reparação do “UF” é, salvo melhor opinião, desproporcionado.
XXII- Consequentemente, deve ser revogada a douta sentença na parte em que condenou a Ré no pagamento da percentagem de 30% sobre o valor da reparação do U.
XXIII- E, em sua substituição, caso a Ré não seja absolvida, nessa parte, do pedido, deve ser proferida decisão que condene a Ré no pagamento à Autora EMP01..., da quantia correspondente à percentagem do valor de 700,00€, ou, no limite, de 1.000,00€, que corresponder à responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado.
XXIV- Se assim não se entender, ou seja, se se mantiver o entendimento de que o dano sofrido pela Autora no que toca ao veículo UF ascende aos 1.200€ constantes da “Ata de Avaliação de Prejuízos” mencionada no ponto 23 dos factos provados, deve a Ré ser condenada, apenas, na percentagem desse valor que corresponder à responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado, o que, subsidiariamente, se requer.
XXV- A Ré impugna a decisão proferida quanto ao facto do ponto 25 da matéria dada como provada, por entender que se impunha decisão diversa da proferida.
XXVI- Do depoimento do legal representante da Autora EMP01..., EE (nas passagens dos minutos 13m40s a 14m54s, 15m15s a 15m44s do depoimento gravado no sistema H@bilus entre as 11h17m53s e as 11h35m53 e nas passagens dos minutos 10m11s a 13m33s, do seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 11/07/2022, entre as 11h36m18s e as 11h51m28s), bem como da testemunha FF (gravado no sistema H@bilus no dia 11/07/2022, entre as 14h24m22s e as 14h39m55s, nas passagens dos minutos 6m18s a 6m57s e 15m16s a 15m26s) resultou, claramente, demonstrado que, para além dos veículos mencionados no ponto 25 dos factos provados, a Autora fez uso, também, de veículos que lhe foram emprestados, sem custos associados, entre eles uma carrinha de marca ..., outra de marca ... e uma carrinha ....
XXVII- Assim, tendo em conta esses elementos de prova, entende a Ré que, tendo em conta esses depoimentos, se impunha que tivesse sido dado como provado, quanto ao facto do ponto 25 do elenco dos factos provados, que:
25 - Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Ldª tem feito uso das seguintes viaturas:
a) entre 10/07/2018 e a presente data, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-OG, pertença da Autora AA, relativamente ao qual foi celebrado seguro com a EMP05... PLC, com a apólice ...80, com início em 10/07/2018 e ainda em vigor;
b) entre 28/12/2015 e a presente data, o veículo com a matrícula SA-..-.., de marca ..., modelo ..., relativamente ao qual foi celebrado um primeiro contrato de seguro com a EMP06... Seguros (apólice ...54), o qual vigorou entre 28/12/2015 e 30/09/2019 e, de seguida, um contrato de seguro com a EMP07... (apólice ...94), o qual teve início em 01/10/2019 e ainda está em vigor;
c) entre 4/10/2021 e a presente data, o veículo com a matrícula ..-..-OR, de marca ..., modelo ..., registado em nome do seu legal representante EE e adquirido para uso daquela, relativamente ao qual foi celebrado seguro com a EMP05... PLC, com a apólice ...73, a qual teve início em 04/10/2021 e ainda está em vigor.
d) carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados.
XXVIII- Ainda que se entenda que não está em causa um erro na apreciação da prova, sempre se imporia que o Tribunal tivesse dado como provado o facto acima referido.
XXIX- O facto acima mencionado é, claramente, complemento ou concretização de factos alegados pela Ré na sua contestação, mais precisamente nos pontos 102º a 105º desse articulado.
XXX- Face ao exposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC, impunha-se que o julgador tivesse dado como provado aquele facto, ou seja, que “Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Ldª tem feito de carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”
XXXI- E, não o tendo feito, incorreu-se, quanto a essa questão, em omissão de pronúncia, o que acarreta a nulidade da douta sentença (cfr artigo 615º n.º 1, alínea d) do CPC).
XXXII- Seja como for, atendendo ao disposto no n.º 1 e 2, alínea c) do artigo 662º do CPC deverá ser aditado à matéria de facto assente o seguinte facto: “Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Ldª tem feito de carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”.
XXXIII- Se assim não se entender, sempre se imporia, nos termos da alínea c) do n.º 2 do mesmo artigo, que fosse anulada a decisão quanto à matéria de facto e ordenado que o Tribunal de Primeira Instância se pronuncie sobre a referida factualidade, o que, subsidiariamente, se requer.
XXXIV- A Autora é uma pessoa coletiva e não é suscetível de sofrer danos morais, nem estes são atendíveis senão num contexto de lesão do seu bom-nome e credibilidade, o que não está em causa nos autos.
XXXV- Assim, salvo melhor opinião, não é de admitir, no caso, que a indemnização pela privação do uso do “UF” se possa fundar em qualquer dano moral sofrido pela demandante EMP01....
XXXVI- E, não sendo a Autora suscetível de sofrer não patrimoniais, nem sendo estes – no caso – indemnizáveis, restaria a possibilidade de se ter por demonstrado que, por causa da privação do uso do “UF”, sofreu um prejuízo patrimonial, que deva ser indemnizado.
XXXVII- Acontece, porém, que não se provou qualquer facto que permita, sequer, supor que a Autora, por causa da privação do uso do “UF”, sofreu algum dano patrimonial.
XXXVIII- No caso concreto, apenas temos como provado que, por causa do acidente, o “UF” ficou imobilizado, sem que se tenha demonstrado qualquer outro facto que permita caracterizar (ou, sequer, confirmar) a ocorrência de um dano associado a essa realidade.
XXXIX- Por outro lado, a Autora não fez prova de que os veículos que usou no sentido de substituir o “UF” não lhe asseguravam as mesmas utilidades deste último veículo.
XL- Face ao exposto, entende a Ré que não tem a autora direito a qualquer indemnização pela privação do uso de veículos automóveis entre a data do acidente e a presente data, nem lhe pode ser reconhecido tal direito.
XLI- Consequentemente, deve ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu à demandante EMP01... indemnização pela privação do uso do “UF”, absolvendo-se a Ré, nessa parte, do pedido.
XLII- Ainda que assim não se entendesse, o certo é que não está provado, sequer, que a Autora tenha estado privada do uso de veículos.
XLIII- O pressuposto da indemnização deste dano é a privação do uso de veículos e não, necessariamente, do que foi afetado pelo acidente.
XLIV- No caso, estando provado que a Autora dispôs e dispõe de outros veículos, desde a data do acidente (próprios, do seu gerente e emprestados), não se pode concluir pela existência de um dano decorrente da privação do uso do “UF”, nem existe direito a indemnização.
XLV- Logo, impõe-se a revogação da douta sentença na parte em que atribuiu à autora indemnização pela privação do uso do “UF”, absolvendo-se a Ré, nessa parte, do pedido.
XLVI- Ainda que assim não se entendesse, sempre se imporia a substancial redução da aludida indemnização, por várias razões:
XLVII- Assim, mesmo que sobre a Ré recaísse a obrigação de indemnizar, a sua prestação nunca eliminaria o dano da privação do uso do UF, na medida em que nunca lhe poderia ser imposto o pagamento integral do valor do “UF”, ou da sua reparação.
XLVIII- Como tal, não se pode entender que a privação do uso do veículo é decorrência do não pagamento pela Ré da indemnização, já que a própria Autora teria de suportar, até em maior medida, essa indemnização.
XLIX- Provou-se que o “UF” tinha um valor comercial de entre 700,00€ e 1.000,00€ e que poderia ser adquirido no mercado de usados um veículo igual por aquele valor.
L- Provou-se, ainda, que a Autora EMP01... dispunha de meios económicos suficientes para custear a reparação (e, consequentemente, a substituição) do “UF”
LI- Ora, no essencial, o dano da privação do uso do “UF”, mesmo que tivesse existido, era passível de ser eliminado e evitado pela Autora.
LII- E, na perspetiva da Ré, impunha-se que tivesse procedido à substituição do “UF”.
LIII- Agindo nesses termos a Autora, culposamente, prolongou o alegado período de privação de uso desse veículo, bem como os correspondentes pretensos danos.
LIV- E, do mesmo passo, age com abuso de direito, por exceder os limites da boa-fé, o lesado que, podendo eliminar e evitar um dano (e a Autora tinha condições financeiras para o fazer), opta por o fazer, sujeitando-se ao seu agravamento.
LV- Por outro lado, a Autora demorou quase três anos para propor a ação, num cenário em que, segundo alega, estava privada do uso do veículo.
LVI- Tendo a Autora demorado quase três anos para propor a ação, sem qualquer justificação plausível, violou, culposamente, o seu dever de exercício diligente do direito de que se arroga, dando causa ao agravamento dos danos.
LVII- A culpa do lesado e o abuso de direito impõe uma redução da indemnização.
LVIII- Não ficou provado que a Autora usasse, diariamente, o “UF” e, tão pouco, se pode presumir que assim sucedesse.
LIX- Como se realçou em sede de impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, o próprio legal representante da Autora reconheceu que, em muitas ocasiões, os veículos que passou a utilizar depois do acidente tinham características que eram suficientes para a execução dos trabalhos, sendo que recorria ao empréstimo de outros veículos quando precisava de transportar ferramentas de maior dimensão.
LX- A isto acresce que não está provado que a Autora usasse o “UF” aos fins-de-semana.
LXI- Não estando provado o uso diário do veículo e, muito menos, que a Autora esteve, todos os dias, impedida de usar automóveis, sempre teria de ser reduzida a sua indemnização.
LXII- O veículo danificado “UF” era um automóvel com quase 20 anos à data do acidente e valia 700,00€ a 1.000,00€.
LXIII- Choca o mais elementar sentido de justiça que se indemnize com a verba de mais de 8.000€ o dano da privação do uso de um veículo com um valor de substituição de não mais de 1.000,00€.
LXIV- A indemnização serve pare reintegrar o património do lesado e não pode destinar-se a enriquecê-lo.
LXV- Ponderando tudo o que acima se disse, entende a recorrente que, a ser devida uma indemnização pela privação do uso do “UF”, esta deve ser encontrava com recurso à equidade e atendendo a tudo o que acima se disse.
LXVI- Por outro lado, como se decidiu no douto Ac. do TRL de 03/12/2020, no processo 500/19.9T8AMD.L1-2, a indemnização pela privação do uso de um veículo, para que não ofenda os princípios da justiça, não pode ultrapassar o valor venal do próprio automóvel danificado.
LXVII- Assim, ponderando tudo o que se expôs, entende a Ré que a indemnização em causa, se devida, se deve fixar em não mais de 1.000,00€,
LXVIII- Consequentemente, deve ser revogada a douta sentença na parte em que condenou a Ré no pagamento à Autora EMP01... de indemnização pela privação do uso.
LXIX- E, em sua substituição, caso a Ré não seja absolvida, nessa parte, do pedido, deve ser proferida decisão que condene a Ré no pagamento à Autora EMP01..., da quantia correspondente à percentagem do valor de 1.000,00€, que corresponder à responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado.
LXX- Se assim não se entendesse, seria sempre excessiva a verba arbitrada.
LXXI- Assim, sempre se imporia a redução da indemnização arbitrada pela privação do uso do “UF”, para valor inferior ao atribuído, deve a Ré ser condenada, apenas, na percentagem desse valor que corresponder à responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado, o que, subsidiariamente, se requer.
LXXII- Sendo acolhido o recurso na parte em que se sustenta que só à AA cabe a responsabilidade pela verificação do acidente, impõe-se a revogação, nessa parte, da douta sentença e a absolvição da Ré desses pedidos.
LXXIII- Em contrapartida, caso venha a ser alterada a graduação da responsabilidade dos intervenientes na prodição do acidente, deverá a douta sentença ser revogada nesta parte e a Ré ser condenada, apenas, na percentagem desses valores que corresponder à responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado, o que, subsidiariamente, se requer.
LXXIV- A douta sentença violou as normas dos artigos 566º e 483.º do Cód. Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados, como é de inteira e liminar Justiça.

A apelada EMP03..., S.A. contra-alegou sustentando que a apelante EMP01... incumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, pugnando no sentido de que o recurso seja imediatamente rejeitado quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto por esta operada por incumprimento dos identificados ónus impugnatórios e sustentando que, em todo o caso, o recurso deverá ser julgado improcedente, e ampliou o objeto do recurso, concluindo as contra-alegações nos termos que se seguem:
I- Nas suas alegações de recurso os AA, no âmbito da impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, não cumprem o disposto no artigo 640.º n.º 1 e 2 do CPC, na medida em que se limitaram a verter para a motivação a transcrição de cada um dos depoimentos que invocam, não mencionando, quanto a cada um dos factos cuja decisão impugnam, os concretos elementos de prova que impunham outra decisão, pelo que, nessa parte, o recurso deve ser rejeitado ou não conhecido.
II- No momento do acidente o UF estava em andamento e o GM, de acordo com o depoimento do seu condutor, a testemunha DD, estava parado, ou praticamente parado (cfr. depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 11/07/2022, entre as 14h48m42s e as 15h12m59s, nas passagens dos minutos 6m28s a 8m00s).
III- Para que esses dois veículos confluíssem no mesmo ponto, o UF teria, necessariamente, de estar mais atrás do GM (e não a par deste) quando começou a ultrapassagem.
IV- Não foi feita prova credível de que a tripulante do UF carro tenha iniciado a sua manobra de ultrapassagem antes do tripulante do GM ter iniciado a de mudança de direção à esquerda.
V- A afirmação da AA de que o GM circulava junto a berma direita e quem nem sequer acionou o pisca-pisca esquerdo antes de iniciar a mudança de direção à esquerda, além de não ter sido corroborada, foi claramente negada pela testemunha DD, no seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 11/07/2022, entre as 14h48m42s e as 15h12m59s, nas passagens dos minutos 6m28s a 8m00s, tendo este confirmado, de forma credível, que antes de mudar de direção à esquerda, parou junto ao eixo da via e que acionou o dispositivo do pisca-pisca esquerdo.
VI- A localização dos danos dos veículos corrobora a versão do DD de que iniciou a manobra a partir do eixo da via, afastando a possibilidade de essa manobra se ter iniciado no limite direito da estrada.
VII- O facto de o condutor do GM, quando olhou para trás de si, não se ter apercebido “da presença de qualquer viatura em nenhum dos sentidos” pode resultar de um conjunto de circunstâncias e não, necessariamente, do facto de aquele condutor seguir desatento ou, tão pouco, do facto de não ter observado os cuidados exigíveis.
VIII- Basta olhar para as fotografias que a Ré juntou como Doc. ... e ... com a sua contestação, para se perceber que o entroncamento era perfeitamente visível pela condutora do UF a uma distância superior à de 60 metros, como atestou a testemunha GG, coordenador de averiguação da Ré, o qual visitou o local do acidente apos a sua ocorrência (cfr. declarações gravadas no sistema H@bilus no dia 17/10/2022, entre as 14h32m52s e as 14h42m20s, nas passagens dos minutos 2m56s a 3m47s).
IX- O facto do ponto 5 mostra-se confirmado pelo teor das imagens que constituem Doc. ... e ... junto com a contestação da Ré e ainda pelas declarações da testemunha GG, gravadas no sistema H@bilus no dia 17/10/2022, entre as 14h32m52s e as 14h42m20s, nas passagens dos minutos 2m56s a 3m47s. Desses elementos se retira que o entroncamento onde ocorreu o acidente era visível a uma distância superior à de 60 metros, para quem circulasse no sentido do UF. A fiabilidade dos elementos de prova em causa não foi posta em causa por qualquer elemento de prova constante dos autos, muito menos pelas afirmações da AA, sem qualquer credibilidade.
X- O facto do ponto 10 da matéria provada mostra-se comprovado pelas declarações prestadas pela testemunha DD, gravado no sistema H@bilus no dia 11/07/2022, entre as 14h48m42s e as 15h12m59s, nas passagens dos minutos 6m28s a 8m00s. Esta testemunha confirmou que, antes de iniciar a manobra, aproximou o GM do eixo da via e acionou o dispositivo do luminoso do pisca-pisca esquerdo. A credibilidade das suas declarações não foi posta em causa por qualquer elemento de prova constante dos autos, nomeadamente pelas declarações da AA, que, nos termos acima assinalados, não são consentâneas, sequer, com a localização dos danos dos veículos. Pelas mesmas razões, impunha-se que tivesse sido dado como não provado o facto da alínea h).
XI- Os factos das alíneas d) e e) dos factos dados como não provados não tem qualquer interesse para o desfecho da ação. Na verdade, o acidente em apreço não envolveu qualquer veículo que circulasse atrás do UF ou no sentido oposto a este, pelo que de nada relevam estes factos. Em todo o caso, estes factos não se provaram, nem os AA indicam os meios de prova que impunham decisão diversa da proferida.
XII- O facto da alínea f) da matéria dada como não provada corresponde a uma impossibilidade lógica e da física. Como acima se assinalou, o GM estava praticamente parado quando iniciou a mudança de direção à esquerda, ao passo que o UF estava em circulação. Para que confluíssem no mesmo ponto com as suas partes laterais, o UF tinha, necessariamente, de estar mais atrás do GM quando este começou a virar. Assim, ainda que a AA tenha declarado este facto no seu depoimento, não é verosímil, nem foi corroborado, impondo-se que seja dado como não provado.
XIII- Sobre o facto da alínea g) não foi produzida qualquer prova, nem os AA indicam quais os elementos probatórios que impunham decisão diversa da proferida, pelo que se impunha que tivesse sido dado, como foi, não provado.
XIV- No que toca à matéria constante dos pontos 21º, 22º, 23º, 26º, 27º e 28º da PI, entende a Ré que não correspondem a factos, mas antes a considerações conclusivas ou até de direito. Assim, tais “considerações” nunca poderiam ter sido dadas como provadas ou não provadas pelo julgador de primeira instância. E, consequentemente, tão pouco pode este Venerando Tribunal da Relação proferir decisão sobre tal matéria, porque insuscetível de decisão de facto. Assim, sem necessidade de quaisquer outras considerações, deve, nesta parte, ser rejeitado, ou julgado improcedente o recurso.
XV- A versão do acidente dada como provada na douta sentença mostra-se corroborada quer pelos elementos documentais dele constantes (nomeadamente as fotografias do local – Doc. ... e ... juntos com a contestação - e dos veículos – Doc. ... e ... juntos com a contestação), quer pelas declarações da testemunha DD, a qual se revelou credível e fiável, do mesmo passo que mostrou a incongruência e inverosimilhança das declarações da AA.

XVI- Com efeito, nas suas declarações gravadas no sistema H@bilus no dia 11/07/2022, entre as 14h48m42s e as 15h12m59s, esta testemunha atestou que circulava a uma velocidade de cerca de 20 a 30 km/h, pretendendo virar à esquerda do entroncamento, pelo que, com antecedência, reduziu a velocidade de que animava o GM, acionou o dispositivo do pisca-pisca esquerdo do carro e aproximou-o do eixo da via, onde parou, tendo olhado para a sua frente e para trás antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda, que realizou a manobra de forma a ingressar na via por onde pretendia passar a progredir pela respetiva metade direita, atento o seu rumo e que, antes de ter iniciado a manobra, apesar de ter olhado para trás, não viu qualquer veículo a circular na metade esquerda da via (passagens dos minutos 5m05s a 5m48s, 6m18s a 8m08s, 8m20s a 9m26s, 14m01s a 14m09s, 19m44s a 20m17s).
XVII- Perante tudo o exposto, tem, necessariamente, de improceder a impugnação da decisão proferida quanto aos factos relacionados com a forma como ocorreu o acidente.
XVIII- O facto do ponto 26 da matéria provada, resulta corroborado pelos elementos fiscais da Autora EMP01..., juntos a estes autos por ofício da Autoridade tributária, de 16/03/2022, com a ref. Citius ...35.
XIX- Decorre desses elementos que no ano de 2017 (anterior ao acidente) a Autora EMP01... faturou cerca de 41.089,90€, o que lhe propiciou, nesse ano, um lucro de 3.464,09€ (já deduzido de impostos) e que no ano de 2018, obteve uma faturação de 35.649,32€, que lhe propiciou novo lucro de 3.282,22€ (já deduzido de impostos) valores esses mais do que suficiente para custear a reparação do UF, ou sua substituição (que custaria, apenas, cerca de 700€ a 1.000€).
XX- Como tal, ainda que o Autor EE tenha declarado o inverso, as declarações fiscais da Autora comprovam a existência de margem suficiente para custear aquela despesa, nem que fosse por aplicação do lucro obtido nesses anos.
XXI- Assim, impunha-se a decisão quanto a esse facto.
XXII- No que toca aos factos dos pontos 69º e 70º, o único elemento de prova que os AA invocam é as declarações do legal representante da EMP01..., o que, atendendo ao seu manifesto interesse no desfecho da lide, não pode ser suficiente para se dar como provados esses factos, ainda mais quando disso poderia resultar um potencial aumento das vantagens que pode obter com a decisão.
XXIII- A infração que é imputada ao condutor do GM – não se ter assegurado de que a execução da manobra de mudança de direção à esquerda não causaria embaraço para o transito – não se pode ter por cometida, num contexto em que se demonstrou que o condutor do GM, antes de iniciar a manobra, tentou inteirar-se do transito que se processava na via, não se apercebendo da presença de qualquer viatura em nenhum dos sentidos.
XXIV- O facto de o condutor do GM não se ter apercebido “da presença de qualquer viatura em nenhum dos sentidos” quando iniciou a sua manobra pode resultar de um conjunto de circunstâncias e não, necessariamente, do facto de aquele condutor seguir desatento ou, tão pouco, do facto de não ter observado os cuidados exigíveis.
XXV- Em contrapartida, a manobra que a Autora AA levou a efeito – antes e na área de um entroncamento – é, em si mesma, contravencional, devendo presumir-se a sua culpa.
XXVI- Como tal, entende a Ré que, em face dos factos provados, só a condutora do “UF” deu causa ao acidente, o que impõe a improcedência do recurso interposto pelos AA e a procedência do recurso subordinado, com a consequente revogação da douta sentença e a absolvição da Ré de todos os pedidos.
XXVII- Ainda que assim não se entendesse, importa ter presente que, se a norma violada pela Autora AA visava a proteção do condutor do “GM”, já o inverso não é verdadeiro, na medida em que as regras que este poderá ter violado tinham em mente a segurança de outros utentes da estrada, que não a demandante.
XXVIII- A manobra do condutor do GM acabou por gerar os danos apenas e só porque no processo causal interferiu um acontecimento anormal, imprevisível para o condutor do GM, mais precisamente a atuação negligente e grosseiramente transgressional da própria demandante, ao realizar uma ultrapassagem em pleno entroncamento.
XXIX- Por outro lado, o comportamento do condutor do GM, ainda que fosse contravencional, não seria censurável.
XXX- Já a atuação da AA suscita um elevado grau de reprovação e era, como foi, apto a causar o dano.
XXXI- Face a tudo o exposto, considera a Ré que só à Autora AA pode ser imputada a responsabilidade pela eclosão deste sinistro, na medida em que só o seu comportamento deu causa ao acidente, pelo que se impõe a improcedência do recurso dos AA e a procedência do recurso subordinado, com a consequente revogação da douta sentença e a absolvição da Ré de todos os pedidos, o que se requer.
XXXII- Ainda que se considere que o condutor do GM agiu de forma ilícita e culposa, o juízo de censurabilidade relativo à sua conduta não pode deixar de ser diminuto, por não atingir elevado grau reprovação.
XXXIII- Já no que diz respeito à Autora, não pode deixar de ser formulado um juízo de muito elevada censura.
XXXIV- Ponderando tudo o que acima se disse e a matéria dada como provada, considera a Ré que, ainda que se considere que ambos os intervenientes no sinistro contribuíram para a sua ocorrência, a respetiva responsabilidade deve ser repartida na proporção de 90% para a Autora e, apenas, 10% para o condutor do GM.
XXXV- Consequentemente, impõe-se a improcedência do recurso dos AA e a procedência do recurso subordinado, com a consequente deve ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu aos AA os valores indemnizatórios fixados nessa decisão e, em sua substituição, caso a recorrente não seja absolvida de todos os pedidos, deve ser proferida decisão que atribua aos AA, apenas. 10% as quantias indemnizatórias que sejam consideradas devidas.
XXXVI- Se se entender que a referida repartição de responsabilidade não é a mais adequada – o que apenas se admite por mera hipótese – sempre se imporia a redução do grau de responsabilidade atribuído na douta sentença ao condutor do GM – e simultânea ampliação da que foi atribuída à demandante – o que, subsidiariamente, se requer, devendo, nesse caso, improceder o recurso interposto pelos AA e ser julgado procedente o recurso subordinado interposto pela Ré, com a revogação da douta sentença na parte em que atribuiu aos AA os valores indemnizatórios fixados nessa decisão, proferindo-se, em sua substituição, decisão que atribua aos Autores a percentagem das quantias indemnizatórias que sejam consideradas devidas, na proporção da responsabilidade que venha a ser atribuída ao condutor do GM.
XXXVII- Por coerência a Ré desde já declara, a ser devida alguma indemnização à Autora EMP01... pelos danos sofridos pelo UF, esta deve ser fixada tendo por base o conteúdo da “Ata de Avaliação de Prejuízos” mencionada no ponto 23 do elenco da factualidade provada.
XXXVIII- Porém, se assim não se entender, sempre se imporia a redução da indemnização (antes de qualquer repartição de responsabilidade) para o valor de, no máximo, 700,00€, ou, no limite, 1.000,00€.
XXXIX- A reparação custa 2.448,74, valor duas vezes e meia superior ao preço pelo qual poderia ser adquirido no mercado um veículo igual (que era o de 700€ a 1.000€).
XL- Neste contexto, exigir-se da Ré que suporte, ainda que na proporção da eventual responsabilidade do seu segurado, o custo da reparação do “UF” é, salvo melhor opinião, desproporcionado.
XLI- Consequentemente, deve ser julgado improcedente o recurso interposto pelos AA e procedente o recurso subordinado interposto pela Ré, revogando-se a douta sentença na parte em que condenou a Ré no pagamento da percentagem de 30% sobre o valor da reparação do UF e, em sua substituição, caso a Ré não seja absolvida, nessa parte, do pedido, deve ser proferida decisão que condene a Ré no pagamento à Autora EMP01..., da quantia correspondente à percentagem do valor de 700,00€, ou, no limite, de 1.000,00€, que corresponder à responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado.
XLII- Se assim não se entender, ou seja, se se mantiver o entendimento de que o dano sofrido pela Autora no que toca ao veículo UF ascende aos 1.200€ constantes da “Ata de Avaliação de Prejuízos” mencionada no ponto 23 dos factos provados, deve ser julgado improcedente o recurso interposto pelos AA e procedente o recurso subordinado interposto pela Ré, com a consequente revogação da douta sentença e sua substituição por decisão que condene a Ré, apenas, na percentagem desse valor que corresponder à responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado, o que, subsidiariamente, se requer.
XLIII- E todo o caso, não se provou que tenha ocorrido um acréscimo de custo da reparação do UF, pelo que o recurso sempre teria, nessa parte, de improceder.
XLIV- Em sede de ampliação do âmbito do recurso, a Ré impugna a decisão proferida quanto ao facto do ponto 25 da matéria dada como provada, por entender que se impunha decisão diversa da proferida.
XLV- Do depoimento do legal representante da Autora EMP01..., EE (nas passagens dos minutos 13m40s a 14m54s, 15m15s a 15m44s do depoimento gravado no sistema H@bilus entre as 11h17m53s e as 11h35m53 e nas passagens dos minutos 10m11s a 13m33s, do seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 11/07/2022, entre as 11h36m18s e as 11h51m28s), bem como da testemunha FF (gravado no sistema H@bilus no dia 11/07/2022, entre as 14h24m22s e as 14h39m55s, nas passagens dos minutos 6m18s a 6m57s e 15m16s a 15m26s) resultou, claramente, demonstrado que, para além dos veículos mencionados no ponto 25 dos factos provados, a Autora fez uso,  também, de veículos que lhe foram emprestados, sem custos associados, entre eles uma carrinha de marca ..., outra de marca ... e uma carrinha ....
XLVI- Assim, tendo em conta esses elementos de prova, entende a Ré que, tendo em conta esses depoimentos, se impunha que tivesse sido dado como provado, quanto ao facto do ponto 25 do elenco dos factos provados, que:
25 - Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Lda. tem feito uso das seguintes viaturas:
a) entre 10/07/2018 e a presente data, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-OG, pertença da Autora AA, relativamente ao qual foi celebrado seguro com a EMP05... PLC, com a apólice ...80, com início em 10/07/2018 e ainda em vigor;
b) entre 28/12/2015 e a presente data, o veículo com a matrícula SA-..-.., de marca ..., modelo ..., relativamente ao qual foi celebrado um primeiro contrato de seguro com a EMP06... Seguros (apólice ...54), o qual vigorou entre 28/12/2015 e 30/09/2019 e, de seguida, um contrato de seguro com a EMP07... (apólice ...94), o qual teve início em 01/10/2019 e ainda está em vigor;
c) entre 4/10/2021 e a presente data, o veículo com a matrícula ..-..-OR, de marca ..., modelo ..., registado em nome do seu legal representante EE e adquirido para uso daquela, relativamente ao qual foi celebrado seguro com a EMP05... PLC, com a apólice ...73, a qual teve início em 04/10/2021 e ainda está em vigor.
d) carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados.
XLVII- Ainda que se entenda que não está em causa um erro na apreciação da prova, sempre se imporia que o Tribunal tivesse dado como provado o facto acima referido.
XLVIII- O facto acima mencionado é, claramente, complemento ou concretização de factos alegados pela Ré na sua contestação, mais precisamente nos pontos 102º a 105º desse articulado.
XLIX- Face ao exposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC, impunha-se que o julgador tivesse dado como provado aquele facto, ou seja, que “Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Ldª tem feito de carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”.
L- E, não o tendo feito, incorreu-se, quanto a essa questão, em omissão de pronuncia, o que acarreta a nulidade da douta sentença (cfr artigo 615º n.º 1, alínea d) do CPC).
LI- Seja como for, atendendo ao disposto no n.º 1 e 2, alínea c) do artigo 662º do CPC deverá ser aditado à matéria de facto assente o seguinte facto: “Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Lda. tem feito de carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”.
LII- Se assim não se entender, sempre se imporia, nos termos da alínea c) do n.º 2 do mesmo artigo, que fosse anulada a decisão quanto à matéria de facto e ordenado que o Tribunal de Primeira Instância se pronuncie sobre a referida factualidade, o que, subsidiariamente, se requer.
LIII- A Autora é uma pessoa coletiva e não é suscetível de sofrer danos morais, nem estes são atendíveis senão num contexto de lesão do seu bom-nome e credibilidade, o que não está em causa nos autos.
LIV- Não se provou qualquer facto que permita, sequer, supor que a Autora, por causa da privação do uso do “UF”, sofreu algum dano patrimonial.
LV- Por outro lado, a Autora não fez prova de que os veículos que usou no sentido de substituir o “UF” não lhe asseguravam as mesmas utilidades deste último veículo.
LVI- Face ao exposto, entende a Ré que não tem a autora direito a qualquer indemnização pela privação do uso de veículos automóveis entre a data do acidente e a presente data, nem lhe pode ser reconhecido tal direito.
LVII- Consequentemente, deve improceder o recurso interposto pelos AA e deve ser julgado o recurso subordinado, revogando-se a douta sentença na parte em que atribuiu à demandante EMP01... indemnização pela privação do uso do “UF”, absolvendo-se a Ré, nessa parte, do pedido.
LVIII- Ainda que assim não se entendesse, o certo é que não está provado, sequer, que a Autora tenha estado privada do uso de veículos.
LIX- No caso, estando provado que a Autora dispôs e dispõe de outros veículos, desde a data do acidente (próprios, do seu gerente e emprestados), não se pode concluir pela existência de um dano decorrente da privação do uso do “UF”, nem existe direito a indemnização.
LX- Logo, impõe-se a improcedência do recurso interposto pelos AA e a procedência do recurso subordinado, com a consequente revogação da douta sentença na parte em que atribuiu à autora indemnização pela privação do uso do “UF”, absolvendo-se a Ré, nessa parte, do pedido.
LXI- Ainda que assim não se entendesse, sempre se imporia a substancial redução da aludida indemnização, por várias razões:
LXII- Assim, mesmo que sobre a Ré recaísse a obrigação de indemnizar, a sua prestação nunca eliminaria o dano da privação do uso do UF, na medida em que nunca lhe poderia ser imposto o pagamento integral do valor do “UF”, ou da sua reparação, pelo que não se pode entender que a privação do uso do veículo é decorrência do não pagamento pela Ré da indemnização, já que a própria Autora teria de suportar, até em maior medida, o encargo com a reparação ou substituição do automóvel.
LXIII- Tendo-se provado que o “UF” tinha um valor comercial de entre 700,00€ e 1.000,00€, que poderia ser adquirido no mercado de usados um veículo igual por aquele valor e que a Autora EMP01... dispunha de meios económicos suficientes para custear a reparação (e, consequentemente, a substituição) do “UF, o dano da privação do uso do “UF”, mesmo que tivesse existido, era passível de ser eliminado e evitado pela Autora.
LXIV- Não tendo eliminado esse dano, com a reparação ou substituição do UF, a Autora, culposamente, prolongou o alegado período de privação de uso desse veículo, bem como os correspondentes pretensos danos.
LXV- E, do mesmo passo, age com abuso de direito, por exceder os limites da boa-fé, o lesado que, podendo eliminar e evitar um dano (e a Autora tinha condições financeiras para o fazer), opta por o fazer, sujeitando-se ao seu agravamento.
LXVI- Por outro lado, a Autora demorou quase três anos para propor a ação, num cenário em que, segundo alega, estava privada do uso do veículo, pelo que violou, culposamente, o seu dever de exercício diligente do direito de que se arroga, dando causa ao agravamento dos danos.
LXVII- A culpa do lesado e o abuso de direito impõe uma redução da indemnização, o que determina a improcedência do recurso interposto pelos AA e a procedência do recurso subordinado, com a consequente LXVIII- Não ficou provado que a Autora usasse, diariamente, o “UF” e, tão pouco, se pode presumir que assim sucedesse.
LXIX- Como se realçou em sede de impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, o próprio legal representante da Autora reconheceu que, em muitas ocasiões, os veículos que passou a utilizar depois do acidente tinham características que eram suficientes para a execução dos trabalhos, sendo que recorria ao empréstimo de outros veículos quando precisava de transportar ferramentas de maior dimensão.
LXX- Não estando provado o uso diário do veículo e, muito menos, que a Autora esteve, todos os dias, impedida de usar automóveis, sempre teria de ser reduzida a sua indemnização.
LXXI- O veículo danificado “UF” era um automóvel com quase 20 anos à data do acidente e valia 700,00€ a 1.000,00€.
LXXII- Choca o mais elementar sentido de justiça que se indemnize com a verba de mais de 8.000€ o dano da privação do uso de um veículo com um valor de substituição de não mais de 1.000,00€.
LXXIII- Ponderando tudo o que acima se disse, entende a recorrente que, a ser devida uma indemnização pela privação do uso do “UF”, esta deve ser encontrava com recurso à equidade e atendendo a tudo o que acima se disse.
LXXIV- Por outro lado, como se decidiu no douto Ac. do TRL de 03/12/2020, no processo 500/19.9T8AMD.L1-2, a indemnização pela privação do uso de um veículo, para que não ofenda os princípios da justiça, não pode ultrapassar o valor venal do próprio automóvel danificado.
LXXV- Assim, ponderando tudo o que se expôs, entende a Ré que a indemnização em causa, se devida, se deve fixar em não mais de 1.000,00€,
LXXVI- Consequentemente, deve improceder o recurso interposto pelos AA e deve proceder o recurso subordinado, com a consequente revogação da douta sentença na parte em que condenou a Ré no pagamento à Autora EMP01... de indemnização pela privação do uso, proferindo-se, em sua substituição, caso a Ré não seja absolvida, nessa parte, do pedido, deve ser proferida decisão que condene a Ré no pagamento à Autora EMP01..., da quantia correspondente à percentagem do valor de 1.000,00€, que corresponder à responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado.
LXXVII- Se assim não se entendesse, seria sempre excessiva a verba arbitrada.
LXXVIII- Assim, sempre se imporia a redução da indemnização arbitrada pela privação do uso do “UF”, para valor inferior ao atribuído, deve a Ré ser condenada, apenas, na percentagem desse valor que corresponder à responsabilidade que venha a ser atribuída ao seu segurado, o que, subsidiariamente, se requer.
LXXIX- A compensação por danos morais atribuída é adequada.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, decidindo-se antes nos moldes apontados no recurso subordinado e no pedido de ampliação do âmbito do recurso, como é de inteira e liminar Justiça.
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A apelante EMP01... Unipessoal, Lda. não contra-alegou em relação à ampliação do objeto de recurso e ao recurso subordinado interposto pela apelada EMP03..., Lda.
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A 1ª Instância admitiu os recursos interpostos pelas Autoras EMP01... Unipessoal, Lda., AA e BB e, bem assim, admitiu a ampliação do objeto de recurso, bem como o recurso subordinado interposto pela apelada EMP03..., Lda., e qualificou esses recursos como sendo de apelação, a subirem imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Contudo, por despacho proferido pelo aqui relator, transitado em julgado, rejeitou-se os recursos interpostos pelos Autores AA e BB, por não se encontrarem preenchidos os requisitos gerais de recorribilidade respeitantes ao valor da causa e da sucumbência quanto a esses Autores, pelo que os presentes autos prosseguem os seus termos unicamente para efeitos de se apreciar o recurso independente interposto pela apelante EMP01... Unipessoal, Lda., o recurso subordinado interposto pela apelada EMP03..., S.A. e a ampliação do objeto de recurso por esta operada. 
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada pela apelante EMP01... Unipessoal, Lda., em sede de recurso principal que interpôs da sentença recorrida, pelas conclusões da contra-alegação apresentada pela apelada EMP03..., Lda., em sede de ampliação do objeto daquele recurso e, bem assim, pelas alegações de recurso subordinado interposto pela apelada EMP03..., Lda. da mesma sentença, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam do conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a anulação de tais decisões quando padeçam de vício determinativo da sua nulidade, ou a sua revogação ou alteração quando padeçam de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito, nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de  natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído ou devesse recair a decisão recorrida[1].

No seguimento desta orientação, cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
Objeto do recurso independente interposto pela apelante EMP01... Unipessoal, Lda.:
a) se a apelante EMP01... (in)cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. b) do CPC e se, em consequência, se impõe rejeitar imediatamente o recurso que por ela vem interposto quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto (questão prévia suscitada pela apelada EMP03..., S.A., em sede de ampliação do objeto do recurso e que é do conhecimento oficioso do tribunal ad quem);
b) a improceder a questão prévia acabada de enunciar, se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto quanto à facticidade que nela foi julgada provada nos pontos 5º, 10º, 12º e 26º, bem como quanto à que nela foi julgada não provada nas alíneas d), e), f), g) e h) e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe:
- quanto à facticidade julgada provada no ponto 5º, julgar como não provado o seguinte segmento: “até ao entroncamento mencionado em 4º”;
- quanto à facticidade julgada provada no ponto 10º, julgar como não provado o seguinte segmento: “acionou o dispositivo luminoso de pisca esquerdo e aproximou gradualmente a viatura do eixo da via”;
- quanto à facticidade julgada provada no ponto 12º, julgar como não provado o segmento que se segue: “e para trás de si”;
- quanto à facticidade julgada provada no ponto 26º, julgar como não provada toda a facticidade julgada provada nesse pronto;
- quanto à facticidade vertida nas alíneas d), e), f), g) e h) dos factos julgados não provados na sentença sob sindicância, julgar como provada a totalidade da facticidade constante dessas alíneas; e
- adicionalmente julgar como provados os pretensos factos alegados pela apelante EMP01... nos artigos 21º a 28º e 69º a 70º da petição inicial, a saber:
  21º -Assim como não tomou as devidas precauções antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda, de forma a não afetar a segurança do restante tráfego.
22º -O condutor do veículo GM iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda sem se certificar que a podia realizar sem perigo de colidir com os veículos que circulavam na via em que pretendia penetrar.
23º - O condutor do veículo GM não sinalizou a sua manobra com a devida antecedência, bem como não se certificou que a faixa de rodagem se encontrava livre na extensão e largura, com as condições necessárias para a realização da manobra de mudança de direção à esquerda com segurança.
24º - Assim como o condutor do veículo GM não aguardou que o veículo UF finalizasse a sua manobra de ultrapassagem, para posteriormente iniciar a sua manobra de mudança de direção à esquerda.
25º - O condutor do veículo UF quando se apercebe que o veículo GM invade a sua faixa de rodagem, por ter iniciado a manobra de mudança de direção à esquerda, não consegue evitar o embate.
26º - Posto isto, o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo GM, que agiu com imperícia, desatenção, inconsideração e negligência.
27º - E ainda, por não se certificar que podia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda sem perigo de colidir com os veículos que circulavam na hemifaixa esquerda da Estrada Municipal ...06, atento o sentido que seguiam.
28º - Assim, é responsável pelo acidente o condutor do veículo GM, por violação das mais elementares regras de condução e segurança rodoviária, nomeadamente, as constantes nos artigos 3º, n.º 2; 11º, n.º 2, e 21º, n.º 1 e 2, todos do Código da Estrada.
69º - E, devido ao lapso de tempo decorrido entre o acidente de viação até à presente data, vai ainda necessitar de revisão e verificação de outros componentes, nomeadamente: • Filtro de óleo; • Filtro de ar; • Filtro gasóleo; • Óleo motor; • 1 jogo de calços; • Bombitos travão;• Cintas “maxilas”• 1 kit distribuição.
70º - Sendo o valor de revisão e verificação de outros componentes de €633,36 (trezentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos), que se peticiona, cfr. doc. ...5 que se junta e se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
c) se, na sequência da procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante EMP01..., a decisão de mérito constante da sentença sob sindicância, que condenou a apelada EMP03..., S.A. a pagar à apelante EMP01... Unipessoal, Lda. a quantia global de 2.916,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo a apelada do restante pedido deduzido pela apelante EMP01..., padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe revogar essa decisão de mérito e substituí-la por outra em que se condene a apelada EMP03..., S.A. a pagar à apelante EMP01... Unipessoal, Lda. a quantia de 3.082,10 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia diária de 8,00 euros, a título de privação do uso do veículo de matrícula UF-..-.., desde a data do sinistro, em 05/11/2018, até efetivo e integral pagamento; e
d) independentemente do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante, se a sentença recorrida padece de erro de direito no que respeita à indemnização arbitrada àquela quanto ao montante necessário à reparação do veículo UF e a título de indemnização pela privação do uso desse veículo;
           
Objeto do recurso subordinado interposto pela apelada EMP03..., Lda. (note-se que, em sede de ampliação do objeto de recurso, a apelada EMP03... alega basicamente os mesmos fundamentos que invoca em sede de recurso subordinado):
1) se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia ao nela não se ter julgado provado que: “Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Lda. tem feito uso da carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados” e se, em consequência, se impõe aditar essa facticidade ao elenco dos factos provados ou, a assim não se entender, anular a sentença e ordenar à 1ª Instância que, nos termos da al. c), do n.º 2, do art. 662º do CPC, se pronuncie sobre a referida factualidade;
2) se aquela sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto quanto à facticidade nela julgada provada no ponto 25º e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe:
- quanto à facticidade julgada provada no ponto 25º, julgar como provada a factualidade que se segue:
25 - Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Lda. tem feito uso das seguintes viaturas:
a) entre 10/07/2018 e a presente data, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-OG, pertença da Autora AA, relativamente ao qual foi celebrado seguro com a EMP05... PLC, com a apólice ...80, com início em 10/07/2018 e ainda em vigor;
b) entre 28/12/2015 e a presente data, o veículo com a matrícula SA-..-.., de marca ..., modelo ..., relativamente ao qual foi celebrado um primeiro contrato de seguro com a EMP06... Seguros (apólice ...54), o qual vigorou entre 28/12/2015 e 30/09/2019 e, de seguida, um contrato de seguro com a EMP07... (apólice ...94), o qual teve início em 01/10/2019 e ainda está em vigor;
c) entre 4/10/2021 e a presente data, o veículo com a matrícula ..-..-OR, de marca ..., modelo ..., registado em nome do seu legal representante EE e adquirido para uso daquela, relativamente ao qual foi celebrado seguro com a EMP05... PLC, com a apólice ...73, a qual teve início em 04/10/2021 e ainda está em vigor.
d) carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”; e

- julgar adicionalmente provada a facticidade que se segue:
“Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Ldª tem feito uso da carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”;
3) se a sentença recorrida, ao concluir pela repartição de culpas dos condutores dos veículos intervenientes no acidente na eclosão deste, fixando o grau de culpa da condutora do veículo da apelante EMP01... em 70% e em 30% o grau de culpa do condutor do veículo seguro pela apelada EMP03..., padece de erro de direito, porquanto:
- atenta a facticidade julgada provada nos autos, a eclosão do acidente é de imputar, única e exclusivamente, à condução ilícita e culposa da condutora do veículo UF, propriedade da apelante EMP01..., impondo-se, por via disso, absolver a apelada EMP03... de todos os pedidos indemnizatórios deduzidos nos autos pela apelante EMP01...;
- subsidiariamente, ainda que se considere que o acidente eclodiu por via da condução ilícita e culposa de ambos os condutores dos veículos intervenientes naquele acidente, o grau de culpa da condutora do veículo propriedade da apelante EMP01... carece de ser fixado em 90%, enquanto o grau de culpa do condutor do veículo seguro pela apelada carece de ser fixado em 10%, impondo-se, em consequência, revogar a decisão de mérito constante da sentença recorrida e substituí-la por outra em que se condene a apelada EMP03... a pagar à apelante EMP01... apenas uma indemnização correspondente a 10% do valor dos danos patrimoniais por esta sofridos em consequência do acidente;
- ao calcular a indemnização devida à apelante EMP01... pelos danos patrimoniais sofridos pelo veículo UF, tendo em consideração o custo de reparação desse veículo (1.200,00 euros), quando o valor comercial deste, à data do acidente, ascendia entre 700,00,00 euros a 1.000,00 euros, impunha-se concluir que a reparação desse veículo (restauração natural) se afirma como excessivamente onerosa para a apelada EMP03... e, em consequência, impunha-se calcular esse valor indemnizatório devido à apelante EMP01... pelos estragos causados no UF tendo por referência o valor comercial desse veículo à data do acidente, ou seja, a quantia de 700,00 euros ou, no limite, a quantia de 1.000,00 euros;
- na sequência da impugnação, com êxito, pela apelada EMP03... da facticidade julgada provada no ponto 25º, ou independentemente do êxito dessa impugnação, se a sentença recorrida, ao fixar uma indemnização à apelante EMP01... pelo dano da privação do uso do UF padece de erro de direito, uma vez que não se provou qualquer facticidade da qual decorra que esta tivesse sofrido qualquer prejuízo emergente da paralisação daquele veículo em consequência dos estragos que sofreu no acidente e se, em consequência, se impõe revogar a sentença recorrida na parte em que arbitrou à apelante EMP01... uma indemnização de 2.556,00 euros pelos danos advenientes da privação do uso daquela viatura ou, subsidiariamente, reduzir essa indemnização à quantia de  1.000,00 euros, correspondente ao valor comercial desse veículo à data do acidente.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a facticidade que se segue com relevância para a decisão a proferir no âmbito da presente ação:
1 - Pelas 10H00, do dia 5 de novembro de 2018, na Estrada Municipal ...06, ao km 43.400, na União de Freguesias ... e ..., concelho ..., ocorreu um sinistro no qual foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, matrícula UF-..-.., marca ..., pertencente à Autora EMP01... Unipessoal, Lda. e então conduzido pela Autora AA e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula ..-GM-.., marca ..., pertencente a CC e então conduzido por DD.
2 - A Estrada Municipal ...06, no local do sinistro, desenha uma curva à esquerda, seguida de uma reta, com mais de 300 metros em toda a sua extensão, com duas faixas de rodagem de sentidos opostos, separadas por linha descontínua, numa largura de cerca de 5,80 metros.
3 – Nas circunstâncias referidas em 1), o pavimento betuminoso da EM ...06 estava molhado.
4 – Cerca de 70/75 metros depois da curva mencionada em 2), atento o sentido ..., a EM ...06 formava um entroncamento, à esquerda, com a Rua ....
5 - Em circulação da EM ...06, no sentido ..., após a curva descrita em 2), é possível avistar a faixa de rodagem, em toda a sua largura, até ao entroncamento mencionado em 4), a uma distância não inferior a 60 metros.
6 - O local do sinistro referido em 1) constitui uma localidade, sendo a velocidade máxima permitida aos veículos de 50 quilómetros por hora.
7 – Nos momentos que antecederam o aludido sinistro, o veículo de matrícula UF-..-.. desenvolvia a sua marcha no sentido ..., sendo precedido da viatura de matrícula ..-GM-...
8 – Quando assim circulava, a condutora do veículo de matrícula UF-..-.. encetou uma manobra de ultrapassagem do veículo de matrícula ..-GM-.., tendo, para o efeito, colocado em funcionamento o sinal luminoso «pisca» esquerdo.
9 - Nas circunstâncias aludidas em 1), o veículo de matrícula ..-GM-.. circulava, na respetiva metade direita da faixa de rodagem, a velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 50 km/hora.
10 – Por pretender mudar de direção à esquerda no entroncamento referido em 4), de forma a passar a circular pela rua que desse lado, atento o seu rumo, entroncava na EM ...06, o condutor do veículo de matrícula ..-GM-.. reduziu o seu andamento, acionou o dispositivo luminoso de pisca esquerdo e aproximou gradualmente a viatura do eixo da via.
11 – Quando chegou ao mencionado entroncamento, o condutor do veículo de matrícula ..-GM-.. reduziu ainda mais a velocidade, quase parando.
12 – Antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda, o condutor do veículo de matrícula ..-GM-.. olhou para a sua frente e para trás de si e, não se apercebendo da presença de qualquer viatura em nenhum dos sentidos, encetou a aludida manobra.
13 – Para o efeito, transpôs o eixo da via e invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem da EM ...06, atento o sentido ..., avançando rumo à metade direita da rua pela qual pretendia prosseguir, por forma a nela ingressar por essa hemi-faixa.
14 – No momento em que o veículo de matrícula ..-GM-.. se achava já a circular na metade esquerda da faixa de rodagem da EM ...06, em realização da manobra descrita em 13), deu-se o embate com o veículo de matrícula UF, que por aquela via circulava, em realização de uma manobra de ultrapassagem.
15 – Tal colisão deu-se na hemi-faixa esquerda da EM ...06, em plena área do entroncamento mencionado em 4), entre a frente lateral esquerda do veículo de matrícula ..-GM-.., na zona da roda e pisca esquerdos, e a lateral direita do veículo de matrícula UF-..-.., na zona da porta dianteira.
16 - Em virtude do embate, a Autora AA perdeu o domínio do veículo de matrícula UF-..-.., o qual entrou em despiste e foi embater num muro existente do lado direito da via, atento o sentido ..., ficando voltado no sentido oposto, imobilizando-se alguns metros à frente do local do choque.
17 – Após o sinistro, a Autora AA foi transportada para o Hospital ... onde lhe foram prestados socorros, foi submetida a exame de Raio-X ao ombro e cotovelo, sem prescrição terapêutica definida.
18 - O Autor BB, que à data do sinistro tinha 3 anos de idade, seguia como passageiro no veículo de matrícula UF-..-.., tendo sido, após o choque também transportado para o Hospital ....
19 - No momento do sinistro, a Autora AA e o Autor BB ficaram assustados, tendo o Autor menor chorado compulsivamente.
20 - Como consequência do embate aludido em 15) e do despiste mencionado em 17), o veículo de matrícula UF-..-.. sofreu danos na lateral direita e na frente, tendo o custo da respetiva reparação sido orçado em € 2.448,74 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros e setenta e quatro cêntimos).
21 - O veículo de matrícula UF-..-.. era o único pertencente à sociedade Autora e encontra-se imobilizado desde a data do sinistro.
22 - Em virtude de tal facto, a Autora EMP01... Unipessoal, Lda. encontra-se impossibilitada de utilizar o veículo ... na sua atividade profissional desde a data do sinistro.
23 - A sociedade Autora, através do seu legal representante, assinou o documento intitulado «Ata de Avaliação de Prejuízos», com o seguinte teor:
“Entre o Sr. EE e o Sr. HH, o primeiro na qualidade de representante legal da EMP01... Unipessoal, Lda. e o segundo na qualidade de perito-liquidatário da EMP02..., S.A., reunidos em 29.11.2018, fica estabelecido, de comum acordo, que os prejuízos ocasionados na viatura ... 1.6 de matrícula UF-..-.., em consequência do acidente ocorrido no dia 05.11.2018, em ..., se cifram em €: 1.200,00 (mil e duzentos euros), como se descrimina:
Para a reparação de todos os danos e prejuízos ocasionados na viatura supracitada.
5 dias de paralisação.
Total: 1.200,00€
Consequentemente, declara-se o primeiro signatário de acordo com a soma fixada, reconhecendo, portanto, ser com base neste valor e consoante o grau de responsabilidade que se vier a apurar pertencer ao segurado da EMP02..., SA, que terá direito a reclamar indemnização da referida companhia pelo citado acidente”.
24 - O veículo de matrícula UF-..-.. é uma viatura da marca ..., motor a gasóleo, 1.6, com primeira matrícula de 1990 e com mais de 450.000 km percorridos e, à data do sinistro, tinha um valor de mercado situado entre 700€ e 1000€, podendo ser adquirido no mercado de usados pelos valores mencionados.
25 - Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Lda. tem feito uso das seguintes viaturas:
a) entre 10/07/2018 e a presente data, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-OG, pertença da Autora AA, relativamente ao qual foi celebrado seguro com a EMP05... PLC, com a apólice ...80, com início em 10/07/2018 e ainda em vigor;
b) entre 28/12/2015 e a presente data, o veículo com a matrícula SA-..-.., de marca ..., modelo ..., relativamente ao qual foi celebrado um primeiro contrato de seguro com a EMP06... Seguros (apólice ...54), o qual vigorou entre 28/12/2015 e 30/09/2019 e, de seguida, um contrato de seguro com a EMP07... (apólice ...94), o qual teve início em 01/10/2019 e ainda está em vigor;
c) entre 4/10/2021 e a presente data, o veículo com a matrícula ..-..-OR, de marca ..., modelo ..., registado em nome do seu legal representante EE e adquirido para uso daquela, relativamente ao qual foi celebrado seguro com a EMP05... PLC, com a apólice ...73, a qual teve início em 04/10/2021 e ainda está em vigor.
26 - A Autora EMP01... Unipessoal, Lda. dispunha de meios financeiros para custear a reparação do veículo de matrícula UF.
27 - O legal representante da Autora EMP01... Unipessoal, Lda., EE vive em união de facto com a Autora AA, sendo o Autor BB filho destes.
28 - Entre CC, proprietária do veículo com a matrícula ..-GM-.. e a Ré foi celebrado um contrato de seguro obrigatório titulado pela apólice ...42, através do qual aquela transferiu para esta a responsabilidade civil emergente da circulação do mencionado veículo.
29 - Em 12 de dezembro de 2018, a Ré comunicou à Autora EMP01... Unipessoal, Lda. que não lhe cabia a obrigação de indemnizar os danos decorrentes do sinistro em apreço.
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provada a facticidade que se segue:
a) Nas circunstâncias referidas em 1) em factos provados, o tempo encontrava-se húmido e chovia.
b) Nas aludidas circunstâncias, o veículo de matrícula UF-..-.. seguia a velocidade não superior a 50 km/hora.
c) O entroncamento referido em 5) dos factos provados situa-se ao km 43,400 da EM ...06.
d) Antes de iniciar a manobra de ultrapassagem, a condutora do veículo de matrícula UF-..-.. olhou em frente e reparou que pela via em sentido ... – ... não circulava nenhum veículo automóvel, motociclo ou ciclomotor.
e) Olhou, depois, para a sua retaguarda e certificou-se de que atrás de si também não circulava qualquer automóvel, motociclo ou ciclomotor.
f) Quando o veículo de matrícula UF-..-.. se encontrava a circular numa posição paralela ao GM e à frente deste, o condutor do GM, sem que nada o fizesse prever e de forma súbita, guinou a viatura à sua esquerda, embatendo no UF.
g) O embate verificou-se acerca de meio metro do eixo da via.
h) O condutor do veículo GM não acionou o sinal luminoso esquerdo para iniciar e desenvolver a manobra de mudança de direção à esquerda.
i) No momento em que o condutor do veículo de matrícula ..-GM-.. iniciou a manobra descrita em 13) dos factos provados, a metade esquerda da EM ...06, atento o sentido ... encontrava-se totalmente livre e desimpedida de veículo, em todo o espaço visível e nenhum veículo se aprestava a ultrapassá-lo.
j) AA conduzia o veículo de matrícula UF-..-.. por conta e no interesse da Autora EMP01..., Unipessoal, Lda., em cumprimento de uma tarefa de que a dita sociedade a havia incumbido, deslocando-se rumo a local onde aquela a encarregara de se deslocar.
k) AA imprimia ao UF velocidade superior a 80 quilómetros por hora, velocidade que não reduziu antes de descrever a curva que antecedia o entroncamento, nem na aproximação deste.
l) Receando colidir com o GM, dada a velocidade de que ia animada, e achando que se poderia esgueirar pela frente deste, AA decidiu ultrapassá-lo.
m) Para o efeito, AA imprimiu ao UF uma forte aceleração, virou subitamente o volante do GM à esquerda, manobra realizada repentinamente, a escassos metros da traseira do GM.
n) Antes de iniciar a ultrapassagem, a Autora AA não a sinalizou, nem acionou o dispositivo luminoso esquerdo.
o) Quando a AA iniciou a ultrapassagem, a metade esquerda da via, atento o seu rumo, já se encontrava parcialmente ocupada pelo GM, em plena execução da mudança de direção à esquerda.
p) A Autora AA iniciou a manobra de ultrapassagem a cerca de 10/20 metros antes do entroncamento referido em 4) dos factos provados.
q) No decurso da execução da manobra de ultrapassagem, a AA colocou o UF numa trajetória praticamente tangencial ao GM, não guardando dele a distância lateral suficiente para evitar o risco de colisão.
r) Na eminência do embate, a Autora AA efetuou uma manobra de desvio à sua esquerda.
s) Como consequência do sinistro, a Autora AA sofreu dores fortes, hematomas e escoriações por todo o corpo.
t) Após a ocorrência do embate, a Autora AA apercebeu-se que o Autor menor, seu filho, tinha sofrido lesões e chorava compulsivamente, o que lhe provocou um enorme desgosto e angústia.
u) Enquanto aguardavam auxílio dos meios de socorro, a Autora AA sentiu intensas dores pelo corpo todo, sobretudo ao nível do peito.
v) A Autora AA permaneceu em internamento hospitalar.
x) Apesar da alta hospitalar, a Autora AA não se encontrava curada, tendo-se mantido medicada pelo período não inferior a uma semana, com analgésico, anti-inflamatórios e outras medicações prescritas.
z) No hospital, o Autor BB foi submetido a diversos exames, nomeadamente, TAX, raio-X e teve alta hospitalar no mesmo dia.
aa) Apesar da alta hospitalar, o Autor BB não se encontrava curado e apresentava queixas de dores por todo o corpo, as quais pioravam quando lhe tocavam ou pegavam ao colo.
bb) Durante pelo menos um ano, o Autor menor chorava compulsivamente sempre que era colocado em qualquer viatura, gritando que não queria entrar para o interior de qualquer veículo.
cc) À presente data, o Autor menor não se sente confiante e confortável nas deslocações de carro, tendo permanecido com um comportamento receoso e amedrontado.
dd) À data do sinistro, o veículo UF encontrava-se em bom estado de conservação, sendo um veículo seminovo.
ee) Devido ao lapso de tempo decorrido desde o sinistro e a presente data, o veículo UF necessita de revisão e verificação dos seguintes componentes: filtro de óleo, filtro de ar, filtro gasóleo, óleo motor, 1 jogo de calços, bombitos travão, cintas “maxilas” e 1 kit distribuição, com o valor global de reparação de € 633,36 (seiscentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos).
ff) Na circunstância referida em 26) dos factos provados, a Autora EMP01... Unipessoal, Lda. mais usou o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula AZ-..-.., de marca ..., modelo ...68... 35, entre 12/10/2018 e 12/04/2019, relativamente ao qual celebrou contrato de seguro com a EMP05... PLC, com a apólice ...72, a qual vigorou entre 12/10/2018 e 12/04/2019.
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IV – DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
A apelada EMP03..., Lda., imputa, em sede de recurso subordinado, à sentença recorrida o vício da nulidade por omissão de pronúncia, a que alude a al. d), do n.º 1 do art. 615º do CPC, decorrente de nela a 1ª Instância não ter julgado provado que: “Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Lda. tem feito uso da carrinha de marca ..., da carrinha de marca ... e da carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”,  conforme, na sua perspetiva, se impunha que acontecesse face à prova produzida nos autos.
 Apesar do vício da nulidade da sentença recorrida ter sido suscitado pela apelada em sede de recurso subordinado urge conhecer imediatamente do mesmo, porquanto, caso esse vício venha a proceder, tal poderá determinar a nulidade da sentença, ficando eventualmente prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso suscitados pela apelante EMP01... em sede de recurso independente, bem como a apreciação dos restantes fundamentos de recurso suscitados pela apelada EMP03... em sede de recurso subordinado e de ampliação do objeto do recurso.
Posto isto, analisados os fundamentos alegados pela apelada EMP03... em que estriba o pretenso vício da nulidade da sentença recorrida por pretensa omissão de pronúncia, em que se limita a sustentar que essa nulidade decorre do facto de nela a 1ª Instância não ter julgado como provada a seguinte materialidade fáctica: “Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Ldª tem feito uso da carrinha de marca ..., da carrinha de marca ... e da carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”, cumpre, desde já esclarecer não se verificar a invocada nulidade, posto que, a questão suscitada pela apelante reconduz-se a uma situação de erro de julgamento da matéria de facto, na vertente de vício da deficiência, confundindo, pois, a apelada o que sejam vícios determinativos de nulidade da sentença com erros de julgamento, em particular, com erros de julgamento da matéria de facto.
Vejamos:
Como temos reiteradamente escrito nos acórdãos que vimos relatando, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento da matéria de facto e/ou no julgamento da matéria de direito, determinando qualquer um desses erros a revogação da decisão; e b) como atos jurisdicionais que são, por se terem violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC[2].
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º do CPC, e, conforme decorre das diversas alíneas desse preceito, reportam-se a vícios formais da sentença, acórdão (art. 666º, n.º 1) ou despacho (art. 613º, n.º 3) em si mesmos considerados, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão neles proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos – causa de pedir -, o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente, e/ou de pretensão – pedido -, o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados, ou seja, reafirma-se, vícios formais que afetam essas decisões de per se e/ou os limites à sombra dos quais são proferidas.
Neste sentido pondera Abílio Neto que os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[3].
Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com erros em que incorreu o julgador em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou como provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis à relação jurídica material controvertida sobre que versa a ação, na interpretação que fez dessas normas e/ou na aplicação que delas fez à facticidade que se quedou como provada e não provada no caso concreto (error juris).
Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais são proferidos, não os inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando[4]
Porque assim é, embora atualmente, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, o julgamento da matéria de facto se contenha na sentença final, os erros de julgamento da matéria de facto não constituem, em regra, causa de nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão ou excesso de pronúncia ou por falta de fundamentação/motivação, porquanto o julgamento da matéria de facto encontra-se sujeito a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição da decisão ou a falta da sua fundamentação/motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, em regra, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.
Não falta, aliás, quem advogue que os erros de julgamento da matéria de facto nunca por nunca constituem causa de nulidade da sentença, continuando válida a distinção que na anterior versão à revisão do CPC se impunha operar entre erros de julgamento da matéria de facto e sentença propriamente dita, a qual versava apenas quanto ao julgamento da matéria de direito (mérito)[5].
No entanto, perante as alterações introduzidas ao CPC pela identificada Lei n.º 41/2003, em que a decisão sobre a matéria de facto passou a integrar a própria sentença, na senda da doutrina sufragada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, entendemos que se é certo que a deslocação da decisão da matéria de facto e da sua fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto para a própria sentença não afasta a distinção que se impõe operar entre decisão sobre a matéria de facto e decisão de direito,  nem o regime específico do art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC a que se encontram subordinados os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto, não se pode concluir que os erros de julgamento da matéria de facto nunca por nunca constituam causa de invalidade da sentença, nos termos do art. 615º, n.º 1, uma vez que os erros de julgamento da matéria de facto poderão ser de tal modo graves que acabem por se reconduzir a um dos tipos de nulidade da própria sentença, acórdão ou despacho enunciados no n.º 1 do art. 615º do CPC, que levem à invalidação destes, como será o caso de uma sentença (despacho ou acórdão) em que o julgador omite totalmente a declaração e a discriminação dos factos que julgou provados e/ou omite totalmente a discriminação dos factos que julgou não provados e/ou omite totalmente a motivação/fundamentação do julgamento de facto que realizou[6].
Revertendo ao caso dos autos, a apelada EMP03... não imputa à sentença recorrida qualquer situação de total falta de discriminação e de declaração dos factos nela julgados provados, nem qualquer situação de total ausência de declaração de factos nela julgados não provados, ou qualquer situação de total falta de motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto nela realizado pelo tribunal a quo. 
Aliás, basta compulsar a sentença para se constatar que a mesma não padece efetivamente de nenhum dos apontados vícios, os quais, como enunciado, seriam suscetíveis de determinar a nulidade da sentença sob sindicância, por se reconduzirem a um dos vícios do tipo do n.º 1, do art. 615º.
O que a apelada alega é que na sentença recorrida a 1ª Instância não julgou provada a seguinte a facticidade: “Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Ldª tem feito uso da carrinha de marca ..., da carrinha de marca ... e da carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”, quando, na sua perspetiva, perante a prova produzida, se impunha que tivesse concluído pela prova dessa concreta facticidade.
Acontece que, a assistir razão à apelada EMP03..., não se está perante qualquer causa determinativa de nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão de pronúncia, mas perante uma situação de erro de julgamento da matéria de facto, na vertente de deficiência[7].
Ora, a propósito desse erro de julgamento, caso ocorra efetivamente o vício da deficiência que a apelada imputa ao julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo, decorrente deste não ter julgado provados ou não provados factos essenciais constitutivos da causa de pedir alegados pelo autor na petição inicial ou integrativos de  exceções deduzidas pelas partes, ou factos complementares que, ainda que não alegados, a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa e tenha sido observado quanto aos mesmos o princípio do contraditório, ou factos instrumentais que, ainda que não alegados, a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa (art. 5º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) do CPC), esses vícios não determinam a nulidade da sentença, acórdão ou despacho, designadamente, por falta de fundamentação ou omissão de pronúncia, mas antes traduzem erro de julgamento da matéria de facto, na vertente de deficiência, o qual terá de ser suprimido, mesmo oficiosamente pela Relação, no uso dos poderes de substituição que lhe são conferidos pelo art. 662º, n.ºs 1 e 2, al. c), este a contrario, do CPC, sempre que disponha de todos os elementos probatórios que lhe permitam, com a necessária segurança, julgar como provada ou não provada a facticidade em relação à qual se verifica o apontado vício da  deficiência; de contrário, terá, nos termos determinados na al. c), do n.º 2, do art. 662º do CPC, de anular  a sentença e ordenar a baixa dos autos à 1ª Instância para que amplie o julgamento da matéria de facto em relação a essa facticidade e, uma vez realizada essa audiência final, profira nova sentença[8].
Decorre do que se vem dizendo que, porque a verificar-se o vício que a apelada imputa à sentença recorrida, trata-se de uma situação de erro de julgamento da matéria de facto, na vertente de deficiência, não determinativo de nulidade da sentença recorrida, nomeadamente, por omissão de pronúncia, improcede, sem mais, por desnecessárias, considerações o invocado fundamento de recurso.

B- Da impugnação do julgamento da matéria de facto.
B.1- (In)cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto pela recorrente EMP01..., Lda. 
A apelante EMP01... impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada nos pontos 5º, 10º, 12º e 26º e quanto à julgada não provada nas alíneas d), e), f), g) e h), pretendendo que, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova de parte da facticidade julgada provada naqueles pontos 5º, 10º e 12º e, bem assim julgar não provada a totalidade da facticidade julgada provada no ponto 26º, bem como julgar provada a facticidade julgada não provada pelo tribunal a quo nas identificadas alíneas d), e), f), g) e h), e julgar adicionalmente provada a pretensa facticidade que alegou nos artigos 21º a 28º, 69º e 70º da petição inicial.
Acontece que a apelada EMP03..., S.A. sustenta que a apelante EMP01... não cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2 do CPC, na medida em que, ao longo das alegações de recurso, “começa por reproduzir longas passagens dos depoimentos dos demandantes EE e AA, bem como da testemunha DD e, depois, de algumas considerações sobre a sua interpretação quanto ao sentido desses depoimentos, conclui que deve ser alterada a decisão proferida quanto aos indicados factos, nos termos em que indica nas suas alegações”, sem que tivesse indicado, “quanto a cada um dos factos cuja decisão impugna, os concretos meios de prova que impunham decisão diversa da proferida”, com o que incumpriu, na sua perspetiva, com os enunciados ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, como “prejudica (ou impede) a perceção pelo tribunal de recurso dos concretos fundamentos da discordância quanto a cada ponto da matéria de facto”, assim como “impede a recorrida de discutir a validade da pretensão do demandante, por não ser possível perceber qual a razão dessa discordância quanto a cada concreto meio de prova”, por, “atendendo às alegações apresentadas, não” ser “possível perceber quais as concretas passagens dos depoimentos que impunham ao julgador decisão diversa quanto a cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, na medida em que, em rigor, não foram indicadas”.
Conclui impor-se rejeitar imediatamente o recurso interposto pela apelante quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto, por incumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento de facto.
Além da questão do alegado incumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto por parte da apelante EMP01... ter sido suscitada expressamente pela apelada EMP03..., trata-se de questão que é de conhecimento oficioso do tribunal ad quem, na medida em que o incumprimento pela recorrente desses ónus impugnatórios, previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al a) do CPC, impede que a Relação possa conhecer da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela recorrente, determinando a imediata rejeição do recurso quanto a essa impugnação (n.º 1, do art. 640º).
Daí que se imponha indagar se a apelante (in)cumpriu efetivamente com aqueles ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto com que se encontra onerada e quais as consequências jurídicas que decorrem desse eventual incumprimento para a impugnação do julgamento da matéria de facto que opera.
 Na sequência das revisões operadas ao Código de Processo Civil (doravante CPC) pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de julgamento da matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.
Com a introdução desse novo regime foi propósito do legislador que o Tribunal da Relação realizasse um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada pelo recorrente submetida ao princípio da livre apreciação da prova, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição[9], devendo, nessa operação, o tribunal ad quem proceder à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como faz o juiz da primeira instância, embora, nessa tarefa, esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade.
Nesse novo julgamento, como verdadeiro tribunal de substituição que é, a Relação aprecia livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeite a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil) e que, por isso, estejam submetidos a prova tarifada, que não deixa qualquer margem de subjetivismo ao julgador quanto ao sentido da decisão a proferir em relação a esses factos.
Quanto a factos controvertidos submetidos ao princípio da livre apreciação da prova, cujo julgamento de facto venha impugnado pelo recorrente, que é o princípio regra vigente no âmbito do processo civil nacional, a Relação está, assim, obrigada a realizar um novo julgamento, em que não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo, na formação dessa sua convicção autónoma recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da 1ª instância[10].
Acontece que não tendo sido propósito do legislador que o julgamento de facto a realizar pela Relação se transformasse na repetição do antes efetuado pela 1ª Instância, uma vez que conforme se escreve no Preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas apenas “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento”, e com vista a evitar a interposição de recursos de pendor genérico, aquele rodeou a impugnação do julgamento da matéria de facto de uma série de ónus que terão de ser cumpridos pelo recorrente, sob pena de se impor a rejeição do recurso quanto ao julgamento da matéria de facto, estando vedado ao tribunal ad quem entrar no conhecimento do julgamento da matéria de facto impugnada pelo recorrente.
É assim que o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância que é, a Relação deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto[11], estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Depois, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões quanto ao julgamento da matéria de facto que realizou, também ao recorrente é imposto, como correlativo dos princípios autorresponsabilidade, da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o recurso, demonstrando (justificando) o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando, perante a prova produzida, se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, se impunha que tivesse sido tomada quanto a essa concreta facticidade, bem como os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento diverso que postula, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova por si indicada impor decisão diversa da que foi julgada provada e não provada pelo tribunal a quo.
Dito por outras palavras, “nos termos do n.º 1, da al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente”[12].
Com efeito, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivo[13], e como decorrência deste, mas também do contraditório, terá de indicar qual a concreta decisão fáctica que se impõe extrair da prova produzida em relação à matéria de facto que impugna, as concretas provas que alicerçam esse julgamento diverso que propugna e as concretas razões pelas quais essa prova em que funda a sua impugnação afasta os fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo para motivar o julgamento de facto que realizou, mas antes impõe o julgamento de facto que propugna.
Deste modo é que se compreende que, no art. 640º, n.º 1 do CPC, se estabeleça que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2, do art. 640º).
Precise-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações de recurso a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem (cfr. n.º 4 do art. 635º), é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna. E é entendimento de uma parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ) que, nas conclusões, o recorrente tem também de indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada à matéria de facto que impugna[14].
Já quanto aos demais ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, estes, porque não têm uma função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes[15], sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…); e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo uma corrente do STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.
O cumprimento dos referidos ónus, conforme adverte o mesmo autor, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão; e, finalmente, o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar, em sede de contra-alegações, a sua defesa, uma vez que só na medida em que se conhece especificamente o que se encontra impugnado e qual a lógica de raciocínio expandido pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita o recorrido de todos os elementos que lhe permitam contrariar essa impugnação em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos já enunciados princípios de autorresponsabilização, da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório que assiste ao recorrido, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”[16].
Como consequência, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação (segundo uma corrente do STJ, nas conclusões), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”[17].
Esta tem sido a posição seguida, de forma praticamente uniforme, pela jurisprudência do STJ que, como referido, de acordo com uma corrente, tem sustentado que a decisão que, na perspetiva do recorrente, deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto impugnada, deve igualmente constar das conclusões, enquanto a maioria sustenta que essa resposta tem de constar da motivação de recurso[18].
Note-se que o diferendo jurisprudencial verificado ao nível do STJ sobre se a resposta que, na perspetiva do recorrente, deve ser dada à matéria de facto que impugna tem de constar das conclusões ou se basta que conste da motivação do recurso, foi solucionado pelo recentíssimo acórdão proferido em 17/10/2023, no âmbito do Proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, em que o STJ uniformizou a  seguinte jurisprudência: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.  
Acresce precisar que a jurisprudência do STJ tem operado a distinção entre: a) ónus impugnatórios primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde os requisitos impostos ao recorrente se encontram ligados com o mérito ou demérito do recurso; e b) ónus impugnatórios secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que impugna e, bem assim, de acordo com uma corrente do STJ, indicar, nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (sendo que, a corrente maioritária, relembra-se, propende no sentido de que essa indicação tem de constar da motivação do recurso) e, bem assim, a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento diverso da matéria de facto que impugna, requisitos esses sobre que versa o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência, sem prejuízo do que infra se dirá, tem considerado que o mencionado critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto na parte em relação à qual se verifique a omissão, sem que seja admitido despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os  que se encontram enunciados no n.º 2 do art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação de provas que tenham sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, considera-se que, embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do enunciado critério de rigor, não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador”[19]
Argumenta-se que se está perante mero requisito de forma, destinado a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento”[20].
Acresce precisar que mesmo em relação aos ónus de impugnação primários tem-se assistido ao nível da jurisprudência do STJ a um aliviar do enunciado critério de rigor, admitindo a apreciação do recurso ainda que as conclusões sejam omissas quanto à referência expressa dos concretos pontos da matéria de facto que o apelante impugna, desde que os factos impugnados resultem claramente identificados nas antecedentes alegações[21].
Além disso, impendendo sobre a recorrente, nos termos da al. b), do n.º 1, do art. 640º do CPC, o ónus impugnatório primário de sobre cada um dos pontos da matéria de facto que impugna indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham a decisão de facto que postula em relação a cada um desses pontos fácticos impugnados; e caso esses meios impugnatórios se consubstanciem em prova gravada (conforme é o caso dos autos, atenta a alegação a apelante), nos termos da al. a), do n.º 2 do mesmo preceito, sobre aquele recai também o ónus impugnatório secundário adicional de te de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considera relevantes,  entende-se que quando o recorrente não indica os meios de prova que, na sua perspetiva,  impõem a decisão diversa que postula em relação a cada um dos pontos que impugna, mas indica em bloco todos os meios de prova em relação a toda a facticidade que impugna, o recurso interposto apresenta-se genérico, impondo-se a imediata rejeição do recurso quanto à matéria de facto impugnada.
Neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STJ, nos arestos que se passam a indicar a título exemplificativo:
- acórdão de 06/11/2019, Proc. 1092/08.0TTBRG.G1.S1:
I. As coordenadas estabelecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça no que concerne à interpretação do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, referente ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, visam evitar soluções que possam conduzir a uma repetição total do julgamento, em virtude de recursos genéricos contra uma decisão da matéria de facto alegadamente errada, observando-se assim a opção do legislador de viabilizar apenas uma reapreciação de questões concretas, relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente, permitindo deste modo um efetivo exercício do contraditório por parte do recorrido.
II. A verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, no que respeita aos aspetos de ordem formal, deve ser norteada pelo princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
III. Não cumprem o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil os recorrentes que não concretizaram, por referência a cada um dos mencionados factos que impugnaram, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância, não indicando também a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre a matéria de facto, relativamente a determinados factos impugnados;
- acórdão de 08/10/2019, Proc. 3138/10.2TJVNF.G1.S2:
“I- Os recorrentes que pedem na apelação a reapreciação da matéria de facto e não indicam os meios de prova e as passagens das gravações dos depoimentos que, no seu entender, impõem decisão diversa da proferida, não cumprem os ónus de alegação previstos no art. 640º, n.º 1 do CPC”, e onde se concretiza que: “Segundo o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, a impugnação da decisão de facto não tem por fim uma reapreciação global, pelo Tribunal da Relação, da prova valorada no Tribunal de 1.ª Instância. Incumbe, por isso, ao Recorrente um especial ónus de alegação no que toca à delimitação do objeto do recurso e à sua fundamentação. Não observa, por conseguinte, esse ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a elencar documentos, omitindo a referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado”;
- acórdão de 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1.S1:
I- A alínea b), do n.º 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II- Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos e indica os meios de prova relativamente a cada um desse blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna;
- acórdão de 20/12/2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2:
I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna[22].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, compulsadas as alegações de recurso apresentadas pela recorrente EMP01..., Lda., verifica-se que a impugnação da matéria de facto que opera em relação à facticidade julgada provada na sentença nos pontos 5º, 10º e 12º, bem como quanto à facticidade nela julgada não provada nas alíneas d), e), f), g) e h), bem como quando pretende que se julgue adicionalmente provada a pretensa facticidade que alegou nos artigos 21º a 28º da petição inicial (parte da qual não integra qualquer materialidade fáctica mas apenas expressões conclusivas e de direito, não consubstanciando, por isso, quaisquer factos materiais que pudessem ser julgados provados ou não provados por esta Relação, como é o caso da seguinte pretensa facticidade que pretende seja aditada aos elencos dos factos provados na sentença: “Assim como não tomou as devidas precauções antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda de forma a não afetar a segurança do restante tráfego; (…) sem se certificar que a podia realizar sem perigo de colidir (…); o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo GM, que agiu com imperícia, desatenção, inconsideração e negligência. E ainda, por não se certificar que podia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda sem perigo de colidir (…); é responsável pelo acidente o condutor do veículo GM, por violação das mais elementares regras de condução e segurança rodoviária, nomeadamente, as constantes dos artigos 3º, n.º 2, 11º, n.º 2 e 21º, n.ºs 1 e 2, todos do Código da Estrada”) é claramente genérica, posto que, em vez de indicar a prova que, na sua perspetiva, impunha que se respondesse a cada um desses pontos e alíneas que impugna nos termos em que por ela vêm propugnados, conforme lhe é imposto pelo ónus impugnatório primário fixado na al. b), do n.º 1, do art. 640º do CPC,  a apelante indicou em bloco todos os meios de prova em relação a todos esses pontos julgados provados e não provados na sentença e que adicionalmente pretende seja aditada ao elenco dos factos provados na sentença sob sindicância.
Com efeito, a fim de suportar a impugnação do julgamento da matéria de facto quanto aos identificados pontos 5º, 10º e 12º da facticidade julgada provada pelo tribunal a quo na sentença recorrida e, bem assim quanto à facticidade nela julgada não provada nas alíneas d), e), f), g) e h), bem como para ancorar a sua pretensão em ver aditado ao elenco dos factos provados na sentença a pretensa facticidade que alegou nos arts. 21º a 28º da petição inicial, a apelante EMP01..., Lda. começou por invocar vários excertos do depoimento e declarações de parte prestadas pelo seu gerente, procedendo à transcrição desses excertos; de seguida invocou vários excertos do depoimento e declarações de parte prestadas pela Autora AA, procedendo à transcrição desses excertos; após apelou a vários excertos do depoimento prestado pela testemunha DD, que igualmente transcreveu e, finalmente, apelou às fotografias juntas aos autos com a petição inicial como documentos n.ºs ... e ... e, bem assim juntas aos autos com a contestação como documentos número ..., ... – anexo 1 – e 8 anexo 2, e concluiu que: “Feita a análise dos danos da viatura UF e viatura GM, através das fotografias juntas aos autos pela autora e pela ré, depreende-se que, quando o veículo GM embate no veículo UF, já o veículo UF estava em posição paralela ao veículo GM, e á sua frente, pois o GM embate no UF entre a porta do passageiro e a parte de trás da carrinha, o que nos leva desde já a perceber que, o veículo UF iniciou a manobra de ultrapassagem em momento anterior ao início da manobra de mudança de direção à esquerda do veículo GM, pois para o veículo UF apresentar danos na lateral direita, entre a porta do condutor e a parte traseira, e o veículo GM apresentar danos na lateral da frente esquerda, nomeadamente, entre a roda esquerda e a frente, o veículo UF estaria em posição paralela à sua, mas mais à frente do veículo GM”.
Continuou adiantando que: “analisando as declarações prestadas pela autora – condutora do veículo UF, e as declarações prestadas pela testemunha DD – condutor do veículo GM, quanto à dinâmica do acidente, salvo o devido respeito, entendem os recorrentes que a culpa do acidente ficou a dever-se ao condutor do veículo. Vejamos, a Autora refere em audiência de julgamento (passou a transcrever um excerto do respetivo depoimento), e  após fez uma síntese do que por esta terá sido relatado em audiência final e concluiu que: “ as declarações prestadas pela Autora foram sinceras e espontâneas, e corroboradas de forma parcial pelas declarações prestadas pelo condutor do veículo GM – DD, fazendo, de seguida, uma síntese do que este condutor terá referido em audiência final, concluindo que entre aqueles depoimentos apenas ocorrem discrepâncias em dois factos: “A Autora AA refere que o condutor do veículo GM não sinalizou a sua manobra, e a testemunha DD refere que a sinalizou; a Autora AA refere que o veículo GM circulava mais junto à berma do lado direito, e a testemunha DD diz que aproximou o veículo GM ao eixo da via”.
 Dando como boa a versão dos factos apresentada pela Autora AA concluiu que: “Há apenas dois motivos que justificam que o condutor do veículo GM não se tenha apercebido nunca da presença do veículo UF: o primeiro é porque seguia de forma completamente distraída e sem prestar qualquer atenção à sua condução, e o segundo, é porque não olhou para a sua retaguarda antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda. Se o condutor do veículo GM tivesse olhado à sua retaguarda, antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda tinha que ter visualizado o veículo UF, ou a circular atrás de si, ou a circular já ao seu lado, em posição paralela ao seu veículo”, concluindo que: “a culpa do acidente discutido nos presentes autos é totalmente imputável ao condutor do veículo GM, porque iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda quando a Autora tinha já iniciado a manobra de ultrapassagem, não se certificou que à sua retaguarda não circulava nenhum veículo automóvel, motociclo ou ciclomotor, motivo pelo qual não vê nem se apercebe em momento algum, da presença do veículo UF, não sinalizou devidamente a manobra de mudança de direção à esquerda, nomeadamente não aproximou o veículo que conduzia do eixo da via e não acionou o sinal luminoso esquerdo, pois se o tivesse feito, a Autora não teria a perceção que aquele ia parar junto à berma e, consequentemente, não iniciava a manobra. Além do mais, quando o condutor do veículo GM inicia a manobra de mudança de direção à esquerda, já o veículo UF se encontra em posição paralela ao veículo GM, e mais à sua frente (tendo em consideração os danos nos veículos intervenientes no sinistro)”.
Essencialmente com base nos elementos de prova que se acabam de identificar e da análise subjetiva que fez dos mesmos (que não foi a leitura realizada pela 1ª Instância quanto aos mesmos), concluiu impor-se julgar como não provada parte da facticidade julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 5º, 10º e 12º da sentença sob sindicância, e concluir pela prova da facticidade nela julgada não provada sob as als. d), e), f), g) e h), bem como julgar adicionalmente como provada a pretensa facticidade que alegou nos arts. 21º a 28º da petição inicial, não obstante se tratar de facticidade que respeita a várias realidades fácticas, distintas entre si, nomeadamente, características da via no local em que se deu acidente, visão que essas características da via proporcionavam aos condutores que circulassem no local em que se veio a dar o acidente, condutas assumidas e omitidas por cada um dos condutores intervenientes no acidentes antes de encetarem as respetivas manobras, circunstâncias em que ocorreu a colisão dos veículos, e local de embate/colisão entre os veículos, o que tudo, nos termos do disposto na al. b), do n.º 1, do art. 640º do CPC, demandava que a apelante EMP01... indicasse, pelo menos, em relação a cada uma dessas realidades fácticas distintas os concretos meios probatórios, constantes do processo e da gravação nele realizada, que demandavam resposta distinta do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância.
Não tendo assim procedido, o recurso apresentado pela apelante EMP01... em relação àquela facticidade apresenta-se claramente como genérico quanto à facticidade julgada provada na sentença recorrida nos pontos 5º, 10º e 12º, bem como à julgada não provada nas alíneas d), e), f) g) e h) dos factos nela julgados não provados e, bem assim, quanto à facticidade que pretende seja aditada ao elenco dos factos julgados provados naquela sentença e que alegou nos arts. 21º a 28º da petição inicial, impondo-se, consequentemente, nos termos do n.º 1, do art. 640º do CPC, rejeitar a impugnação do julgamento de facto operada pela apelante quanto a esses pontos, por incumprimento do ónus impugnatório primário da al. b), do n.º 1, daquele art. 640º.
Resulta do que se vem dizendo que, na procedência da questão prévia suscitada pela apelada EMP03..., S.A., rejeita-se a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante EMP01..., Lda., quanto à facticidade julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 5º, 10º e 12º da sentença recorrida, bem como quanto à nela julgada não provada nas alíneas d), e), f), g) e h) e, bem assim quanto à que pretende seja aditada ao elenco dos factos provados na sentença e que alegou nos pontos 21º a 28º da petição inicial.
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Não assim quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante EMP01... quanto à facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 26º, em relação à qual pretende que, em função da prova produzida, se impõe concluir pela não prova dessa concreta facticidade, bem como quanto à que alegou nos pontos 69º e 70º da petição inicial, que pretende seja aditada ao elenco dos factos provados na sentença.
Na verdade, salvo o devido respeito por posição contrária, em relação ao ponto 26º da facticidade julgada  provada na sentença, a apelante cumpre integralmente com os ónus impugnatórios primários fixados no n.º 1, do art. 640º, na medida em que procede à identificação do concreto ponto que impugna (ponto 26º da facticidade julgada provada na sentença), indica a decisão que, na sua perspetiva, deve recair sobre essa facticidade (a de “não provada”) e especifica os concretos meios de prova que alicerçam essa solução que propugna (o excerto da declarações e depoimento de parte prestadas pelo seu gerente, cujo início e termo indica e que, inclusivamente, transcreve, cumprindo, pois, também o ónus impugnatório secundário da al. a), do n.º 2, do art. 640º).
E quanto à facticidade que alegou nos pontos 69º e 70º da petição inicial, que pretende ver aditada à facticidade julgada provada na petição, a apelante também cumpre com aqueles ónus impugnatórios primários e secundários, na medida em que indica os concretos meios de prova que, na sua perspetiva, demandam que se conclua pela prova dessa concreta facticidade (a facticidade julgada provada no ponto 20º da sentença recorrida, conectada com o excerto das declarações e depoimento de parte prestadas pelo seu gerente, cujo início e termo indica e que também transcreve, impõe que se julgue provada essa concreta facticidade).
Resulta do exposto que, na improcedência da questão prévia suscitada pela apelada EMP03..., S.A. quanto a esta concreta matéria fáctica, estão reunidas as condições que permitem a esta Relação conhecer da impugnação do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância operada pela apelante EMP01..., Lda. quanto à facticidade julgada provada no ponto 26º da sentença recorrida e, bem assim, quanto à facticidade alegada pela apelante nos artigos 69º e 70º da petição inicial que pretende ver aditada ao elenco dos factos provados na sentença.

B.2- Critérios em que é consentido ao tribunal ad quem alterar o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância.
Antes de entrarmos na concreta apreciação dos fundamentos impugnatórios aduzidos pela apelante EMP01... quanto à facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 26º da sentença e, bem assim, quanto à facticidade que alegou nos artigos 69º e 70º da petição inicial que pretende seja aditada ao elenco dos factos provados na sentença e ainda dos indicados pela apelada EMP03..., em sede de recurso subordinado, em que impugna o julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 25º e pretende que seja aditado ao elenco dos factos provados a facticidade que indica, impõe-se expor os critérios que consentem ao tribunal ad quem alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância.
Neste contexto importa precisar que, embora impenda sobre o tribunal ad quem a realização de um novo julgamento quanto à facticidade que vem impugnada pelo recorrente, em que quanto a facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova cumpre à Relação formar a sua convicção autónoma, há que ter presentes as seguintes premissas:
- na sequência desse novo julgamento, a Relação pode determinar, mesmo oficiosamente, a renovação da produção de prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de determinado depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, ou mesmo ordenar a produção de novos meios de prova que potenciem a superação de dúvidas sérias sobre a prova anteriormente produzida (art. 662º, n.º 2, als. a) e b) do CPC);
- a intervenção do tribunal de recurso não se pode limitar à correção de erros manifestos de apreciação da matéria de facto pelo tribunal recorrido, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas para que aquele se negue a realizar o enunciado novo julgamento quanto à facticidade que vem impugnada pelo recorrente e para que não introduza as alterações que se imponham ao julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo sempre que essas alterações se impuserem;
- sempre que, reapreciando a prova produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, se, através das regras da ciência, da lógica e da experiência comum o tribunal de recurso consiga, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnada pelo recorrente, adquirir uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento, impõe-se que introduza as modificações pertinentes ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância; e
- em caso de dúvida sobre o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, nomeadamente, perante depoimentos contraditórios e a fragilidade da prova produzida, se o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo se mostrar objetivado numa fundamentação compreensível, onde se optou por uma das soluções de facto permitidas pelas regras da ciência, da lógica e da experiência comum, deverá prevalecer esse julgamento de facto, em respeito pelos princípios da oralidade, da imediação, da concentração e da livre apreciação da prova[23].
Na verdade, estabelece o art. 662º, n.º 1 do CPC que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, do que resulta, clara e linearmente, que, para que ao tribunal de recurso seja consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo que venha impugnado pelo recorrente, não basta que a prova produzida por ele indicada, isolada ou conjuntamente com a prova produzida a que o tribunal ad quem, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta ou permita o julgamento de facto que por ele vem propugnado, mas antes é necessário que o imponha, o que, diga-se, bem se compreende.
Na verdade, estando em causa facticidade sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, mantendo-se no atual CPC em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, nos casos em que os factos em julgamento se encontram submetidos ao princípio da livre apreciação da prova, tendo presente os enunciados princípios e que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao julgador da 1ª Instância, sequer desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou na produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Por isso é que se compreende que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só devam ser usados quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, a Relação conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, devendo, contudo, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, fazer prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos já enunciados princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”[24].
Neste sentido expende-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/04, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, que a impugnação da decisão em matéria de facto “(...) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, urge entrar na apreciação do julgamento da matéria de facto impugnada pela apelante EMP01... e, bem assim, pela apelada EMP03... em sede de recurso subordinado.

B.3.1- Da capacidade financeira da apelante EMP01... para suportar o custo de reparação do UF – ponto 26º dos factos provados.
No ponto 26º da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância a 1ª Instância julgou provado o seguinte: “A Autora EMP01... Unipessoal, Lda. dispunha de meios financeiros para custear a reparação do veículo de matrícula UF”.
E alicerçou essa prova nos seguintes fundamentos probatórios:
“(…) o facto dado como provado sob o ponto 26º decorre do teor de IES e IRC dos anos de 2017 a 2020 juntas aos autos pela Autoridade Tributária (a fls. 99 e ss.), das quais se extrai que a sociedade Autora não revelou perdas significativas nos seus rendimentos que coartasse a sua contabilidade”.
Imputa a apelante erro de julgamento ao assim decidido pela 1ª Instância, invocando para o efeito o depoimento e as declarações de parte prestadas pelo seu gerente, em que referiu que a sociedade EMP01... não tinha possibilidades económicas para custear a reparação do veículo de matrícula UF (procedendo à transcrição do excerto desse depoimento e declarações).
Advoga a apelante que, perante essa afirmação do seu gerente e a circunstância de não ter sido feita “qualquer prova que demonstre que a empresa aqui Autora disponha de meios financeiros para custear a reparação do veículo UF”, aliado ao facto daquela, “até à presente data não ter adquirido outro veículo para substituir o veículo de matrícula UF, porque não dispõe de meios económicos para o efeito”, impõe que se conclua pela não prova da facticidade julgada provada pela 1ª Instância naquele ponto 26º.
Neste conspecto cumpre referir que apesar de se ter rejeitado a impugnação do julgamento da matéria de facto operado pela apelante EMP01... quanto à dinâmica do acidente, procedemos à análise de toda a prova documental junta aos autos e, bem assim à audição de toda a prova pessoal produzida em audiência final e confirma-se que EE, gerente de apelante, em sede de depoimento e declarações de parte confirmou ter assinado o  documento intitulado «Ata de Avaliação de Prejuízos», conforme, aliás, consta do ponto 23º da facticidade julgada provada na sentença recorrida, referindo que, na sequência do acidente, tendo o veículo UF sido conduzido para a oficina que o mesmo indicou, a fim de ser reparado, essa viatura foi objeto de avaliação pelo perito da seguradora e pelo mecânico dessa oficina. O mecânico telefonou comunicando-lhe que a reparação do veículo tinha sido avaliada em 1.200,00 euros e que essa quantia era suficiente para proceder à sua reparação, pelo que o mesmo acabou por assinar aquela ata quando o perito da seguradora o procurou no seu estabelecimento comercial.
Mais referiu que, apesar da reparação do UF, demandar, na altura do acidente, a quantia de 1.200,00 euros, face à recusa da apelada EMP03... em o reparar, esse valor tornou-se insuficiente para proceder a essa reparação, sendo, portanto, neste sentido que carece de ser interpretada a facticidade que se julgou como provada nos pontos 20º e 23º da sentença recorrida, isto é, logo após o acidente, na altura em que se procedeu à peritagem do estragos sofridos no acidente pelo UF, em 29/11/2018, a reparação deste ascendia à quantia de 1.200,00 euros, mas, à data da propositura da presente ação, em 28/10/2021, essa reparação já ascendia à quantia de 2.448,74 euros.
Note-se que para este aumento significativo do preço necessário à reparação dos estragos que o UF sofreu em consequência do acidente de viação sobre que versam os autos contribuiu igualmente um outro fator.
Com efeito, as testemunhas HH e II, que prestam a sua atividade profissional para uma empresa que presta serviços de averiguação de sinistros para a EMP03..., tendo sido a primeira quem efetuou a peritagem ao UF na sequência do acidente sobre que versam os autos, enquanto a última é chefe da primeira testemunha, referiram que, na altura em que foi feita a peritagem àquela viatura, a considerarem-se a aplicação de peças originais no UF em substituição das peças que ficaram danificadas no acidente, o custo dessa reparação ascendia a cerca de 2.500,00 euros, mas como o UF tinha um valor de mercado de cerca de 800,00 euros e a Ré EMP03..., caso viesse a assumir a responsabilidade pelo acidente, iria alegar a excessiva onerosidade da reparação desse veículo face ao seu valor comercial, então o mecânico da oficina e HH, com autorização de II, optaram por reparar o UF mediante o recurso a peças não originais e que feita a avaliação dos estragos sofridos pelo UF no acidente, mediante recurso a essas peças alternativas, a reparação foi avaliada em 1.200,00 euros, valor este que, como se referiu, foi aceite pelo gerente da apelante EMP01... como sendo suficiente para se proceder a essa reparação.
Ora, ascendendo o custo da reparação do UF, à data do acidente, a 1.200,00 euros,  apesar do gerente da apelante EMP01... pretender que essa sociedade não dispunha de meios financeiros necessários ao pagamento dessa quantia, não é isto que se assaca dos documentos contabilísticos juntos aos autos a fls. 100 a 240, onde se vê que a apelante EMP01..., no exercício de 2017, teve um resultado líquido positivo de 3.464,00 euros, enquanto no exercício de 2018 (ano em que se deu o acidente) teve um resultado líquido positivo de 3.282,22 euros, o que é bem demonstrativo em como a apelante dispunha de meios financeiros para custear o preço de reparação do UF.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo que, longe da prova produzida impor que se conclua pela não prova da facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 26º da sentença, essa mesma prova impõe que se conclua pela prova dessa concreta materialidade fáctica.
Improcede, pois, o enunciado fundamento de recurso aduzido pela apelante e, em consequência, mantém-se inalterada a facticidade julgada provada no ponto 26º dos factos provados na sentença.

B.3.2 – Agravamento da reparação do UF decorrente do decurso do tempo – alínea ee) da facticidade julgada não provada.
A apelante pretende que se julgue adicionalmente como provada a facticidade que alegou nos artigos 69º e 70º da petição inicial, ou seja, que: “Devido ao lapso de tempo decorrido entre o acidente até à presente data, o UF vai necessitar de revisão e verificação de outros componente, nomeadamente: filtro de óleo, filtro de ar, filtro de gasóleo, óleo motor,  uma jogo de calços, bombitos travão, cintas “maxilas, um kit distribuição, sendo o valor de revisão e verificação de outros componente de 633,36 euros”.
Para tanto sustenta que, perante a facticidade julgada provada no ponto 20º da sentença recorrida, conectado com o depoimento e declarações de parte prestadas pelo seu gerente (que transcreve), a circunstância de entre a data do acidente, em 05/11/2018, “e a presente data, terem decorrido mais de cinco anos”, durante os quais o UF “se encontra paralisado e por reparar, com todos os danos resultantes do embate. Caso o veículo tivesse sido reparado, não ia necessitar de mais que a reparação prevista e orçamentada em 1.200,00 euros”, mas “à presente data, o veículo necessita de revisão completa e verificação de componentes”, impõe-se concluir pela prova da materialidade fáctica que alegou nos enunciados pontos 69º e 70º do articulado inicial.
Note-se que essa concreta facticidade que a apelante pretende seja aditada ao elenco dos factos provados na sentença foi nela julgada não provada pela 1ª Instância na alínea ee), pelo que urge verificar se esta, ao concluir pela não prova dessa materialidade fáctica, incorreu em erro de julgamento, por a prova produzida impor que se conclua pela veracidade da mesma.
A resposta a essa questão carece de ser negativa quando se verifica que ninguém, em audiência final, incluindo EE, gerente da apelante EMP01..., aludiu ao orçamento que se encontra junto aos autos, em anexo à petição inicial, como documento n.º ..., nem confirmou a facticidade que estamos a analisar.
Destarte, se é certo ser previsível que, dado o longo período de tempo em que se encontra imobilizado o UF na sequência dos estragos que sofreu no acidente sobre que versam os autos e de nem a apelada EMP03..., nem a apelante EMP01... terem diligenciado pela sua reparação, aquele veículo irá necessitar de ser sujeito a uma revisão, com eventual substituição de peças, não foi feita qualquer prova em como essa revisão demande a substituição das peças e das substâncias que se encontram discriminadas naquele documento n.º ... e que o custo dessa revisão ascenda à quantia de 633,36 euros.
Daí que, tal como decidido pela 1ª Instância, se imponha concluir pela não prova da facticidade julgada não provada na al. ee) da sentença recorrida.
Improcede, pois, este fundamento de recurso aduzido pela apelante, mantendo-se inalterada a facticidade julgada não provada na identificada alínea ee).

B.3.3- Impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelada EMP03..., S.A. em sede de recurso subordinado.
Em sede de recurso subordinado a apelada impugna a facticidade julgada provada no ponto 25º da sentença, pretendendo que se adite à facticidade aí julgada provada o seguinte: “d) a carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”.
Mais pretende que se adite à facticidade julgada provada na sentença a seguinte materialidade fáctica: “Desde a data do sinistro e a presente data, a Autora EMP01... Unipessoal, Lda. tem feito uso da carrinha de marca ..., da carrinha de marca ... e da carrinha ..., que lhe foram emprestadas, sem custos associados”.
Para tanto invoca o depoimento e declarações de parte prestadas pelo gerente da apelante EMP01..., EE, alegando que este confirmou essa facticidade, bem como o depoimento prestado pela testemunha FF, procedendo à transcrição dos excertos em que estes terão confirmado a realidade fáctica que pretende ver aditada ao elenco dos factos provados na sentença.
Note-se que compulsada a facticidade julgada provada no ponto 25º da sentença, dir-se-á que a aditar-se a esse ponto a alínea c) acima transcrita, fica prejudicado o aditamento que esta pretende ver aditado ao elenco dos factos provados, que nada acrescentará a essa alínea c).
Por isso, a ser certa a alegação da apelada EMP03..., optamos por manter inalterado o teor do ponto 25º da facticidade julgada provada na sentença e por aditar a nova facticidade ao elenco dos factos provados nesta, até porque, conforme se passa a demonstrar, a facticidade que a apelada EMP03... pretende ver aditada à sentença não retrata com rigor aquele que foi o depoimento e declaração de parte de EE e da testemunha FF.
Com efeito, EE confirmou que, na sequência do acidente e dos estragos que dele emergiram para a viatura UF e desta permanecer por reparar, teve de recorrer aos veículos AZ-..-.., ..-..-OG e SA-..-.., propriedade da sua companheira, a Autora AA, para poder continuar a exercer a atividade a que se dedica a apelante EMP01... – a prestação de serviços de publicidade e organização de eventos -, dado que essa sociedade não tinha outro veículo para além do UF.
Esse depoimento foi igualmente corroborado pela Autora AA, em sede de depoimento e declarações de parte prestadas em audiência final, pelo que essa versão dos factos foi julgada (bem) provada no ponto 25º da sentença.
Acontece que EE referiu que, para além de utilizar os identificados veículos ao serviço da apelante EMP01..., dado que tratando-se de veículos ligeiros de passageiros, os mesmos nem sempre lhe permitiam satisfazer as necessidade da apelante EMP01..., visto que não permitiam o transporte de painéis publicitários, escadas e outros bens de grande dimensão e que, por isso, teve, e continua a ter, necessidade de recorrer a carrinhas que lhe são emprestadas para poder satisfazer essas necessidades da apelante. Especificou que um seu irmão lhe emprestou, por diversas vezes, uma carrinha da marca ... e que também terceiros, seus conhecidos, lhe chegaram a emprestar uma carrinha da marca ... e uma outra da marca ..., relatando que essas carrinhas lhe foram emprestadas sem que tivesse de pagar qualquer contrapartida pelo empréstimo, limitando-se a “meter combustível e a ficar a dever favores”.
Por sua vez, a testemunha FF, gerente de uma sociedade concorrente da apelante EMP01..., confirmou ter “emprestado uma carrinha à EMP01...”.
Resulta do que se vem dizendo que, na parcial procedência deste fundamento de recurso, adita-se ao elenco dos factos provados na sentença, a seguinte facticidade, que se julga provada:
“25.1- Desde a data do sinistro e a presente data, sempre que os veículos ligeiros de passageiros identificados em 25º não permitiam satisfazer as necessidade da Autora EMP01..., como é o caso de transporte de painéis publicitários, escadas e outros bens cujas dimensões impossibilitavam o respetivo transporte naqueles veículos, a Autora  EMP01... Unipessoal, Lda. tem recorrido às seguintes carrinhas, que lhe têm sido emprestadas, sem custos associados: carrinha de marca ..., carrinha de marca ... e carrinha de marca ...”.     

B.3.4- Do erro de escrita de que enferma o ponto 7º dos factos provados – conhecimento e retificação oficiosos.
No ponto 7º da facticidade julgada provada a 1ª Instância julgou provado o seguinte: “Nos momentos que antecederam o aludido sinistro, o veículo de matrícula UF-..-.. desenvolvia a sua marcha no sentido ..., sendo precedido da viatura de matrícula ..-GM-..”.
Contudo, no ponto 8º da mesma sentença julgou provado que: “Quando assim circulava, a condutora do veículo de matrícula UF-..-.. encetou uma manobra de ultrapassagem do veículo de matrícula ..-GM-.. (…)”.
Acresce que o facto de a condutora do veículo UF ter ultrapassado o veículo GM é também corroborado pela facticidade julgada provada no ponto 14º da sentença.
A expressão “precedido” utilizada na facticidade julgada provada no ponto 7º acima transcrito significa “anterior”, “antes”, “antecedido”.
Ora, se a condutora do veículo UF encetou uma manobra de ultrapassagem ao veículo GM, conforme se encontra provado nos identificados pontos 8º e 14º da sentença recorrida, facto esse que, aliás, ninguém questiona nos presentes autos, é indiscutível que o veículo UF tinha de circular atrás do veículo GM, pelo que nunca “Nos momentos que antecederam o aludido sinistro o veículo de matrícula UF-..-..”, quando desenvolvia a sua marcha no sentido ...”, podia ser “precedido da viatura de matrícula ..-GM-..”, mas antes tinha de suceder, ou seja, o GM tinha de circular à frente do UF, circulando ambos no mesmo sentido de marcha – .../....
Resulta do exposto que, ao escrever na facticidade julgada provada no ponto 7º que o veículo de matrícula UF-..-.. desenvolvia a sua marcha no sentido ..., sendo precedido da viatura de matrícula ..-GM-..,  a 1ª Instância incorreu num patente, manifesto e ostensivo erro de escrita, o qual, porque é revelado pelas circunstâncias em que essa declaração foi feita, atenta a facticidade julgada provada nos ponto 8º e 14, cujo teor logo permite detetar esse erro de escrita e  apurar aquilo que o julgador quis efetivamente dizer/escrever, demanda a respetiva retificação, nos termos do disposto nos arts. 613º, n.º 2, 614º do CPC e 249º do CC.
Nesta conformidade, ao abrigo dos arts. 613º, n.º 2, 614º do CPC e 249º do CC, ordena-se a retificação do erro de escrita de que enferma a facticidade julgada provada no ponto 7º da sentença, o qual passa a constar do seguinte teor, que se julga provado:
“7- Nos momentos que antecederam o aludido sinistro, o veículo de matrícula UF-..-.. desenvolvia a sua marcha no sentido ..., seguindo atrás da viatura de matrícula ..-GM-..”.
 
C- Mérito.
C.1 – recurso independente da apelante EMP01... – conhecimento parcialmente prejudicado.
A apelante EMP01... imputa erro de direito à decisão de mérito proferida na sentença recorrida quando nela se distribuíram as culpas na eclosão do acidente sobre que versam os autos entre a condutora do veículo sua propriedade (o UF) e o condutor do veículo seguro pela apelada EMP03... (o GM) na proporção de 70% e 30%, respetivamente, pretendendo que se profira decisão de mérito que atribua a culpa pela eclosão desse acidente única e exclusivamente ao condutor do veículo seguro, mas esse erro de direito que suscita estava absolutamente dependente do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto que operou.
Acresce que a apelante imputa erro de direito à decisão de mérito proferida na mesma sentença quando nela não se condenou a apelada EMP03... a pagar-lhe a quantia de 633,33 euros para efetuar a “revisão e verificação de outros componentes” do UF, mas, mais uma vez, esse erro de direito estava dependente do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto que operou.
Com efeito, a propósito dessas duas questões, compulsadas as alegações de recurso apresentadas pela apelante EMP01... verifica-se que esta não assaca qualquer erro às normas jurídicas que foram selecionadas pelo tribunal a quo, nem à interpretação que este fez dessas normas jurídicas e/ou quanto à aplicação que delas fez aos factos que se quedaram como provados e não provados nos autos, mas limita-se a invocar os enunciados erros de direito quanto às identificadas duas questões apenas no pressuposto que a impugnação do julgamento da matéria de facto que operou viesse a proceder.
Ora, tendo improcedido a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante EMP01..., mantendo-se, por isso, inalterada a facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância na sentença sob sindicância, verificando-se que as alterações introduzida pelo tribunal ad quem a essa facticidade nenhum reflexo é suscetível de ter na solução jurídica dada a essas duas questões na sentença, julga-se prejudicado o conhecimento dos erros de direito assacados pela apelante à decisão de mérito proferida na sentença quanto a essas duas questões.
Deste modo, quanto aos erros de direito que a apelante EMP01... imputa à decisão de mérito constante da sentença recorrida em sede de recurso independente, resta apreciar os erros de direito que a mesma imputa a essa decisão de mérito quando na sentença:
- em sede de cálculo da indemnização devida à apelante para reparação dos danos sofridos pelo UF em consequência do acidente dos autos, se considerou que o montante dessa reparação ascende a 1.2000,00 euros, quando, na perspetiva da apelante, em face da facticidade julgada provada no ponto 20º da sentença, se impunha considerar que o valor de tal reparação ascende a 2.400,00 euros;
- em sede de indemnização pelo dano pela privação do uso do veículo UF,  quando se atribuiu àquela uma indemnização diária de 8,00 euros, “calculados desde a data do sinistro em 05/11/2018 até à aquisição do veículo ... em 04/10/2015, ou seja num total de 1065 dias, correspondente à quantia de 8.520,00 euros”, reduzida para a quantia indemnizatória de 2.556,00 euros, atento o grau de culpa de 30% do condutor do veículo seguro pela apelada EMP03... para a eclosão do acidente, quando, na perspetiva da apelante, atenta a facticidade julgada provada no ponto 25º da sentença sob sindicância, o identificado veículo de marca ... foi adquirido em outubro de 2021 a título pessoal pelo seu gerente, e quando esse veículo e os restantes identificados nesse ponto 25º “não satisfazem as necessidade da empresa, porque não são veículos de mercadorias, e não permitem o transporte de andaimes, escadas, etc., como lhe era permitido transportar no veículo UF”, o que tudo demanda, na sua perspetiva, que se condene a apelada EMP03... a pagar-lhe, a título de indemnização pela privação do uso do veículo UF, a quantia diária de 8,00 euros, desde a data do sinistro (05/11/2018) até efetivo e integral pagamento.
No entanto, estando o conhecimento dessas questões dependentes da (im)procedência dos erros de direito que a apelada EMP03..., S.A. assaca, em sede de recurso subordinado, à decisão de mérito constante da sentença recorrida quanto à responsabilidade pela eclosão do acidente sobre que versam os presentes autos, vai-se apreciar previamente essa questão.

C.2- Recurso subordinado interposto pela apelada EMP03...
C.2.1- Responsabilidade pela eclosão do acidente.
A presente ação funda-se no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, a que alude o art. 483º e ss. do CC, nos termos do qual a constituição do agente em responsabilidade civil depende da verificação dos seguintes pressupostos legais cumulativos: a existência de um facto voluntário ilícito, isto é, um facto positivo ou omissivo controlável ou suscetível de ser controlado pela vontade do agente, e que infrinja algum preceito legal ou um direito ou interesses de outrem legalmente protegido, censurável àquele do ponto de vista ético-jurídico, isto é, que lhe seja imputável a título de dolo ou de culpa, de um dano ou prejuízo e de um nexo de causalidade adequada entre este dano e o facto (arts. 483º, n.º 1, 487º, n.º 2, 562º, 563º e 564º, n.º 1 do CC).
Na sentença sob sindicância está em causa uma colisão ocorrida entre o veículo UF, propriedade da apelante EMP01..., e o veículo seguro pela apelada EMP03... – GM –, ocorrendo essa colisão quando, circulando ambos os veículos na mesma via e sentido de marcha, o GM encetou uma mudança de direção à sua esquerda, num entroncamento, e o UF encetou uma manobra de ultrapassagem ao primeiro.
Ponderou a 1ª Instância que “tendo em conta a descrição efetuada nos factos provados quanto à manobra realizada pelo veículo GM, verifica-se que a manobra em causa (de mudança de direção à esquerda) foi realizada convenientemente, ou seja, de acordo com o disposto nos arts. 44º e 21” do Código da Estrada (doravante CE), mas considerou que o condutor do GM “não cuidou de verificar se a faixa de rodagem na qual circulava se encontrava livre em toda a sua extensão e largura, (…). Como tal, certo é que o veículo GM efetuou a mudança de direção à esquerda sem verificar se a mesma importaria algum perigo para a circulação – o que denota, ainda que a título de negligência, uma violação do disposto no art. 35º do CE”. E concluiu que: “como tal, o comportamento do condutor do veículo GM é ilícito, tendo violado as regras de condução a que estava adstrito, mas também culposo, na medida em que face às circunstâncias concretas apuradas deveria ter agido de outro modo, mormente cuidando em verificar que inexistiam outros veículos a circular no momento em que efetuou a manobra de mudança de direção”, pelo que essa condução ilícita e culposa do condutor do GM contribuiu para o eclodir do acidente.
Contudo, debruçando-se sobre a condução desenvolvida pela condutora do UF, propriedade da apelante EMP01..., ponderou o tribunal a quo que essa condutora efetuou uma manobra de ultrapassagem ao veículo GM “em pleno entroncamento”, com o que violou o disposto nos arts. 37º, 38º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 41, n.º 1, al. c) do CE, “e, como tal, contribuindo para a verificação do sinistro”, pelo que o acidente é de imputar à condução ilícita e culposa de ambos os condutores dos veículos nele intervenientes.
No confronto das responsabilidades desses condutores para o eclodir do acidente, ponderou a 1ª Instância que, AA, condutora do UF, teve “uma maior contribuição para a produção do acidente, na medida em que violou grosseiramente e sem justificação as normas do CE acima indicadas, desde logo procedendo à efetivação de uma manobra proibida pelo aludido diploma. Por seu lado, o condutor do GM conduzia em plena violação do dever de cuidado que lhe era exigido, tendo realizado uma manobra que exigia um maior nível de atenção e diligência rodoviárias, face à perigosidade da mesma”, e concluiu, fixando o grau de culpa da condutora do UF para a eclosão do acidente em 70% e do condutor do veículo do GM, seguro pela apelada EMP03..., em 30%.
É contra o assim decidido que se insurge, em sede de recurso subordinada, a apelada EMP03..., imputando a essa decisão erro de direito, alegando que estando provado no ponto 12º  que, “antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda, o condutor do GM olhou para a sua frente e para trás de si, e não se apercebeu da presença de qualquer viatura em nenhum dos sentidos, encetou a aludida manobra”, diversamente do decidido, a circunstância do condutor do GM não se ter apercebido da presença do veículo UF, “não pode ser entendido como a demonstração de que aquele condutor não cuidou de verificar se a faixa de rodagem na qual circulava se encontrava livre em toda a sua extensão e largura”, dado que, “o facto de o condutor do GM não se ter apercebido da presença de qualquer viatura em nenhum dos sentidos quando iniciou a manobra (de mudança de direção à esquerda) pode resultar de um conjunto de circunstancias e não, necessariamente, do facto de aquele condutor seguir desatento ou, tão pouco, do facto de não ter observado os cuidados exigíveis. Na verdade, esse facto pode resultar, desde logo, da circunstância de, quando o condutor do GM iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda, o UF ainda circular atrás de si e na mesma hemifaixa de rodagem, ou então pode significar que, quando o condutor do GM iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda, o UF se encontrar já no denominado “ângulo morto” da visibilidade de que dispunha em relação à área que o circundava. De resto, dos factos provados não resulta que o UF fosse visível ao condutor do GM quando este iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda, nem tão pouco, que assumisse na via uma posição que permitisse ao condutor deste último veículo prever que a manobra que pretendia executar seria apta a suscitar o risco de embate. Tão pouco se provou que, quando o condutor do GM iniciou a manobra, o UF já se encontrava a circular na metade esquerda da via ou, em rigor, o local em que se encontrava. Sendo do salientar que se o UF se encontrasse ainda a circular na metade direita da via, atrás do GM, quando este iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda (a qual, como se viu, implicou previamente, uma desaceleração e quase paragem do automóvel), não se pode dizer que este último automobilista devesse prever a posterior realização de uma ultrapassagem).
Conclui que, não se tendo provado que “o condutor não viu o UF porque não tentou aperceber-se do trânsito que se processava ao seu redor, antes se tendo demonstrado que realizou os atos necessários a avaliar os riscos inerentes à execução da manobra e, em particular, o detetar o trânsito que se processava ao seu redor. E o que releva é ter-se provado que, antes de iniciar a manobra, “olhou para a sua frente e para trás de si”, o que consubstancia o cumprimento do dever de cuidado imposto pelo art. 35º, n.º 1 do CE”, tendo este condutor do GM realizado uma manobra que no local era lícita – mudança de direção à esquerda –, não se pode entender que a sua atuação é ilícita, nem culposa, ao contrário da manobra executada pela condutora do UF, que realizou uma “ultrapassagem antes e na área de um entroncamento, que é, em si mesma, contravencional, pelo que, estabelecida a ilicitude da ação, deve presumir-se a culpa do agente, e como tal, só essa condutora deu causa ao acidente”, impondo-se, por isso, na sua perspetiva, concluir que a culpa pelo eclodir do acidente é  de imputar exclusivamente à condutora do UF e, em consequência, revogar a sentença e absolver a apelada EMP03... de todos os pedidos.
Mais advoga que, ainda que se entendesse que o condutor do veículo GM agiu de forma censurável, essa sua conduta “nunca poderia ser considerada censurável, e tão pouco causa adequada do acidente, o qual é inteiramente imputável ao comportamento” da condutora do UF, uma vez que “a norma do art. 44º, n.º 1 do CE, que regula a mudança de direção à esquerda, visa a proteção dos veículos que circulam no sentido contrário ao do veículo que pretende realizar essa manobra e dos que seguem imediatamente atrás desse automóvel e na mesma hemifaixa de rodagem”, enquanto a norma “do art. 41º do CE tem em vista, precisamente, prevenir o risco do acidente como o que está em causa nestes autos”, ou seja, as regras do CE sobre a ultrapassagem visam a proteção dos condutores que circulam em sentido contrário e no mesmo sentido, mas também do condutor que, à frente do ultrapassante, num entroncamento, vai mudar para a esquerda”, pelo que, se é certo que a norma violada pela condutora do UF visava a proteção do condutor do GM, “já o inverso não é verdadeiro, na medida em que as regras que este poderá ter violado tinham em mente a segurança de outros utentes da estrada, que não a demandante”.
Daí que, na sua perspetiva, “a eventual infração cometida pelo tripulante do GM não pode ser causal do sinistro, mas antes a protagonizada pela própria Autora, essa sim absolutamente ilícita”, pelo que também por aqui se impõe revogar a sentença recorrida e absolver a apelada EMP03... dos pedidos.
Subsidiariamente sustenta que, a assim não se entender, a responsabilidade pela eclosão do acidente deve ser repartida na proporção de 90% para a condutora do UF e em 10% para o condutor por si seguro.
Quid iuris?
Sendo a circulação de veículos, de peões e de animais na via pública uma atividade intrinsecamente perigosa, na medida em que potencia a ocorrência de acidentes, com consequência nefastas que deles decorrem para as pessoas, que podem ir desde a perda da vida, danos para a sua integridade física, saúde, etc., mas também para o seu património, compreende-se que, desde cedo, o legislador se tenha preocupado em estabelecer normas jurídicas destinadas a regular essa atividade por forma a manter o risco de ocorrência de acidentes dentro de parâmetros socialmente toleráveis, normas essas que compilou no Código da Estrada e no respetivo Regulamento, e cuja violação sanciona como contraordenação.
Trata-se de normas que embora prossigam interesses gerais da coletividade e que, não obstante não confiram direitos subjetivos aos utentes das vias públicas, ao terem por escopo manter o risco de ocorrência de acidentes estradais dentro de parâmetros socialmente toleráveis e, portanto, evitar as consequências nefastas que deles decorrem para a coletividade em geral, acabam também por tutelar os direitos e interesses individuais desses utentes, pelo que a lesão de tais normas não afeta apenas os interesses coletivos da sociedade em geral, mas também o círculo de interesses da pessoa lesada no acidente e/ou dos seus familiares, pelo que a violação das mesmas consubstancia, para efeitos do disposto no art. 483º, n.º 1 do CC, “violação ilícita de disposição legal destinada a proteger interesses coletivos”[25].
Porque assim é, compreende-se que sempre que um utente da via viole normas estradais e com essa sua conduta, ativa ou omissiva, cause um acidente e esta seja enquadrável no espectro de condutas passíveis de causar acidente do tipo daquele que a norma estradal por ele violada quis evitar, seja entendimento jurisprudencial consolidado que deve imputar-se a responsabilidade pelo eclodir desse concreto acidente à conduta contraordenacional desse concreto agente por presunção, quer natural, quer iuris tantum de culpa (negligência)[26].
O acidente sobre que versam os autos ocorreu em 05/11/2018, altura em que se encontrava em vigor o Código da Estrada (CE), aprovado pelo D.L. n.º 114/94, de 03/05, na sua 21ª versão, introduzida pelo D.L. n.º 151/2017, de 07/12, pelo que são as normas deste diploma que se mostram aplicáveis a esse acidente.
O princípio básico da lei estradal, aplicável à condução automóvel e aos peões, é no sentido de que as pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou comodidade dos utentes das vias (art. 3º, n.º 2 do CE, a que se reportam todas as disposições que se passam a enunciar, sem menção em contrário).
No entanto, reconhecendo que existem manobras que encerram uma especial de perigosidade de eclosão de acidente e a frequência de ocorrência de acidentes envolvendo esse tipo de manobras, compreende-se que o legislador tenha tido um especial cuidado em regular essas manobras e de impor aos condutores que a elas recorram especiais obrigações.
Entre essas manobras especialmente perigosas e especialmente reguladas pelo legislador contam-se as manobras de mudança de direção e de ultrapassagem, que estão em causa nos autos.
Com efeito, para além das obrigações gerais previstas no CE que se impõem a todos os condutores, no que respeita à manobra de ultrapassagem, o legislador impôs ao condutor que  recorra a esta específica manobra, atenta a especial perigosidade que lhe é imanente, como obrigações especiais o de ter de assinalar com a necessária antecedência a sua intenção (art. 21º, n.º 1), de efetuá-la em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito (art 35º, n.º 1), a de não a iniciar sem previamente se certificar que pode realizá-la sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário (art. 38º, n.º 1) e, bem assim, o dever de, especialmente, se certificar que (n.º 2, do art. 38):
a) a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança;
b) pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam;
c) nenhum condutor que siga na mesma via ou na que se situa imediatamente à esquerda iniciou manobra para o ultrapassar;
d) o condutor que o antecede na mesma via não assinalou a intenção de ultrapassar um terceiro veículo ou de contornar um obstáculo;
e) na ultrapassagem de velocípede ou à passagem de peões que circulem ou se encontrem na berma, guarda a distância lateral mínima de 1,5 metros e abranda a velocidade.
O condutor tem ainda de realizar a manobra de ultrapassagem ocupando o lado da faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário ou, se existir mais que uma via de trânsito no mesmo sentido, a via de trânsito à esquerda daquela em que circula o veículo ultrapassado (n.º 3, do art. 38º).
Finalmente, atenta a frequência com que ocorrem acidentes de trânsito em cruzamentos e entroncamentos e a especial perigosidade de nesses específicos locais ocorrerem acidentes, o legislador proibiu a manobra de ultrapassagem, entre outros locais, nas zonas imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos (al. c), n.º 1, do art. 41º), exceto nos casos em que na faixa de rodagem sejam possíveis duas ou mais filas de trânsito no mesmo sentido, desde que a ultrapassagem se não faça pela parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido oposto, caso em que não se aplica a mencionada proibição (n.º 3, do art. 41º).
Por sua vez, quanto à manobra de mudança de direção, para além dos deveres gerais previstos no CE, o condutor que pretenda realizar esse tipo de manobra encontra-se obrigado a assinalar com a necessária antecedência a sua intenção (art. 21º, n.º 1), utilizando a sinalização luminosa adequada e só pode efetuá-la em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito (art. 35º, n.º 1).
Acresce que o condutor que pretenda realizar uma manobra de mudança de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e tem de efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação (n.º 1, do art. 44º), e se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar o trânsito se processar nos dois sentidos, o condutor deve efetuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro de interseção das duas vias (n.º 2, do art. 44º).
Note-se que as regras do CE sobre mudança de direção para a esquerda que se acabam de enunciar, que impõem as cautelas ou obrigações acrescidas nelas previstas ao condutor que pretenda efetuar esse tipo de manobra, dirigem-se tanto à proteção do tráfego em sentido oposto como à dos condutores que vêm na sua esteira[27].
Acresce precisar que quando ocorre um acidente de viação entre dois veículos automóveis no decurso de uma manobra de ultrapassagem e de uma manobra de mudança de direção à esquerda entre viaturas que circulam na mesma via e no mesmo sentido de marcha, discute-se na doutrina e na jurisprudência qual o critério a adotar para aferir da culpa para a eclosão desse concreto acidente, questão essa que não tem merecido uma resposta consensual.
Apesar dessas divergências, ocorrendo um acidente de viação em tais circunstâncias, para aferir da responsabilidade pelo eclodir do acidente aderimos à posição daqueles que recorrem, como princípio geral orientador, o chamado “critério temporal”, de acordo com o qual “a culpa será do condutor que começou a manobra depois de já ter sido encetada a manobra do outro: do que começa a ultrapassar o veículo que já se aproximara do eixo da faixa de rodagem e ligara os “pisca-pisca” esquerdos, ou do que virou para a esquerda quando o outro condutor já acendera os “pisca-pisca” esquerdos e/ou já  rodava pela metade esquerda da faixa de rodagem, próximo do veículo que mudou de direção”[28].
Na verdade, conforme se pondera no acórdão da R.C., de 13/11/2007, Proc. 1691/04.9TBMGR.C1, o “critério temporal é o que se extrai da conjugação de diversas normas do Código de Estrada e o que melhor se adequa com o princípio da confiança, inerente ao tráfego rodoviário.
Desde logo, pressupondo ambas as manobras a prévia sinalização, ela deve ser feita com “a necessária antecedência”, antes mesmo do início da execução, de modo a revelar a pertinente intenção (art. 20º, n.º 1 do CE). Por outro, também ambas exigem a prévia certificação do perigo ou embaraço para o trânsito (art. 34, n.º 1 do CE), sendo que este dever geral de cuidado é concretizado em face da específica situação de cada uma delas (arts. 38º, n.ºs 1 e 2 e 44º, n.º 1, al. d))”.
Todavia, se o enunciado critério temporal se mostra válido para aferir das responsabilidades dos condutores intervenientes em colisão ocorrida entre veículos que circulem no mesmo sentido de marcha em que a colisão ocorra quando um deles embate no outro em execução de uma manobra de ultrapassagem quando aquele outro se encontrava a empreender uma manobra de mudança de direção à esquerda, esse critério já se mostra imprestável nos casos em que o veículo realiza a manobra de ultrapassagem em local em que lhe é proibida a realização dessa manobra, como é o caso da zona imediatamente antes e nos entroncamentos, cruzamento e, de um modo geral, qualquer zona de interseção de vias, em que, tratando-se de espaços de risco acrescido de acidente, o legislador optou por proibir a manobra de ultrapassagem nesses locais por ser normalmente propiciadora desse risco.
“A razão de ser de tal proibição radica na possibilidade de inopinadamente surgir da ou das vias que cruzam ou entroncam outros veículos, o que poria em perigo manifesto uma manobra delineada como a ultrapassagem, abrangendo a ratio da proibição em causa ainda todas as situações que ponham em causa a segurança; daí que nela se inclua a necessidade de evitar que, com o aproximar do cruzamento ou do entroncamento, o veículo ultrapassando pretenda mudar de direção para a esquerda, podendo dar-se o embate com o veículo ultrapassante”[29].
Dito por outras palavras, a proibição imposta pelo legislador de efetuar manobras de ultrapassagem em determinados locais, como é o caso de zonas imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos, radica na circunstância de se estar perante zonas de risco acrescido de acidentes, em que foi propósito do legislador evitar todas as situações que ponham em causa a segurança dos utentes da via e que propiciam o acidente, quer  acidente verificado entre o veículo que circulando na via principal, em manobra de ultrapassagem, vá colidir com veículos que sigam na mesma hemifaixa de rodagem e no mesmo sentido de marcha e que mudam de direção no cruzamento ou entroncamento, quer acidente ocorrido entre o veículo ultrapassante com veículos que circulam nessa mesma via e no mesmo sentido de marcha ou em sentido oposto ao do ultrapassante, quer o risco de acidente entre o veículo ultrapassante, com veículos que, provindo do cruzamento ou entroncamento, ingressem na via por onde o veículo ultrapassante se encontra em circulação.
Daí que sempre que um condutor realize uma manobra de ultrapassagem em local em que tal lhe seja legalmente proibido e venha a colidir com veículos saídos desse cruzamento ou entroncamento e que ingressem na via por onde aquele circula em manobra de ultrapassagem, ou colida com veículo que, circulando à sua frente, na mesma via e no mesmo sentido de marcha, no cruzamento ou entroncamento, realize uma manobra de mudança de direção, ou colida com veículo que circulando na mesma via por onde circula o veículo ultrapassante, mas em sentido contrário ao seu, esse acidente não pode deixar de lhe ser imputado a título de culpa, uma vez que, não fora o seu comportamento contraordenacional, consistente em ter efetuado uma manobra de ultrapassagem em local em que esta lhe era legalmente proibida, a colisão nunca se teria dado[30].
Revertendo ao caso dos autos, apurou-se que a colisão ocorrida, no dia 05/11/2018, na Estrada Municipal ...06, ao Km. 43.400, em que foram intervenientes o veículo UF, propriedade da apelante EMP01..., e o veículo GM, seguro pela apelada EMP03..., ocorreu nas circunstâncias que seguem:
“2 - A Estrada Municipal ...06, no local do sinistro, desenha uma curva à esquerda, seguida de uma reta, com mais de 300 metros em toda a sua extensão, com duas faixas de rodagem de sentidos opostos, separadas por linha descontínua, numa largura de cerca de 5,80 metros.
3 – Nas circunstâncias referidas em 1), o pavimento betuminoso da EM ...06 estava molhado.
4 – Cerca de 70/75 metros depois da curva mencionada em 2), atento o sentido ..., a EM ...06 formava um entroncamento, à esquerda, com a Rua ....
5 - Em circulação da EM ...06, no sentido ..., após a curva descrita em 2), é possível avistar a faixa de rodagem, em toda a sua largura, até ao entroncamento mencionado em 4), a uma distância não inferior a 60 metros.
6 - O local do sinistro referido em 1) constitui uma localidade, sendo a velocidade máxima permitida aos veículos de 50 quilómetros por hora.
7 – Nos momentos que antecederam o aludido sinistro, o veículo de matrícula UF-..-.. desenvolvia a sua marcha no sentido ..., seguindo atrás da viatura de matrícula ..-GM-...
8 – Quando assim circulava, a condutora do veículo de matrícula UF-..-.. encetou uma manobra de ultrapassagem do veículo de matrícula ..-GM-.., tendo, para o efeito, colocado em funcionamento o sinal luminoso «pisca» esquerdo.
9 - Nas circunstâncias aludidas em 1), o veículo de matrícula ..-GM-.. circulava, na respetiva metade direita da faixa de rodagem, a velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 50 km/hora.
10 – Por pretender mudar de direção à esquerda no entroncamento referido em 4), de forma a passar a circular pela rua que desse lado, atento o seu rumo, entroncava na EM ...06, o condutor do veículo de matrícula ..-GM-.. reduziu o seu andamento, acionou o dispositivo luminoso de pisca esquerdo e aproximou gradualmente a viatura do eixo da via.
11 – Quando chegou ao mencionado entroncamento, o condutor do veículo de matrícula ..-GM-.. reduziu ainda mais a velocidade, quase parando.
12 – Antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda, o condutor do veículo de matrícula ..-GM-.. olhou para a sua frente e para trás de si e, não se apercebendo da presença de qualquer viatura em nenhum dos sentidos, encetou a aludida manobra.
13 – Para o efeito, transpôs o eixo da via e invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem da EM ...06, atento o sentido ..., avançando rumo à metade direita da rua pela qual pretendia prosseguir, por forma a nela ingressar por essa hemi-faixa.
14 – No momento em que o veículo de matrícula ..-GM-.. se achava já a circular na metade esquerda da faixa de rodagem da EM ...06, em realização da manobra descrita em 13), deu-se o embate com o veículo de matrícula UF, que por aquela via circulava, em realização de uma manobra de ultrapassagem.
15 – Tal colisão deu-se na hemi-faixa esquerda da EM ...06, em plena área do entroncamento mencionado em 4), entre a frente lateral esquerda do veículo de matrícula ..-GM-.., na zona da roda e pisca esquerdos, e a lateral direita do veículo de matrícula UF-..-.., na zona da porta dianteira.
16 - Em virtude do embate, a Autora AA perdeu o domínio do veículo de matrícula UF-..-.., o qual entrou em despiste e foi embater num muro existente do lado direito da via, atento o sentido ..., ficando voltado no sentido oposto, imobilizando-se alguns metros à frente do local do choque.
 Resulta da facticidade que se acaba de transcrever que a colisão entre os veículos UF e GM ocorreu num entroncamento, onde o condutor deste último veículo se encontrava em plena execução de uma manobra de mudança de direção à esquerda e já tinha invadido a hemifaixa de rodagem esquerda da via por onde circulava, dirigindo-se à via direita onde pretendia ingressar, altura em que foi colidido pelo veículo UF, quando este circulava na execução de uma manobra de ultrapassagem.
Essa manobra de ultrapassagem foi realizada pela condutora do UF num entroncamento e, por isso, em local em que, nos termos do art. 41º, n.º 1, al. c) do CE, lhe era proibida efetuar essa manobra.
O legislador estabeleceu essa proibição  face ao risco acrescido de nesse local ocorrerem acidentes, quer com veículos que circulando na mesma via e no mesmo sentido de marcha  do veículo ultrapassado, encetassem no referido cruzamento uma manobra de mudança de direção, quer com veículos que circulassem nessa mesma via em sentido contrário ao do veículo ultrapassante, quer, ainda, com veículo que, saindo da via que entronca naquela por onde circulava o veículo ultrapassante ingressassem nesta via por onde este circulava em manobra de ultrapassagem.
Destarte, ao realizar a manobra de ultrapassagem naquele local, a condutora do UF  incorreu numa conduta contraordenacional, com a qual concretizou o risco de acidente que o legislador visou prevenir com aquela proibição. Daí que a responsabilidade pelo eclosão deste concreto acidente não possa deixar de lhe ser imputada por presunção, quer natural, quer iuris tantum de culpa (negligência).
Acontece que a 1ª Instância, embora tenha concluído que o condutor do GM cumpriu com as obrigações acrescidas que lhe são impostos pelos arts. 21º e 44º do CE, “não cuidou de verificar se a faixa de rodagem na qual circulava se encontrava livre em toda a sua extensão e largura”, acabando, assim, por “efetuar a mudança de direção à esquerda sem verificar se a mesma importaria algum perigo para a circulação – o que denota, ainda que a título de negligência, uma violação do disposto no artigo 34º do CE” e, com base neste argumentário, concluiu que este contribuiu com um grau de culpa, que fixou em 30%, para o eclodir deste concreto acidente, mas, antecipe-se desde já, sem razão.
Na verdade, a responsabilização do condutor do GM naquele grau de culpa para o eclodir do acidente filia-se na circunstância de se ter apurado, no ponto 12º, que: “Antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda, o condutor do veículo de matrícula ..-GM-.. olhou para a sua frente e para trás de si e, não se apercebendo da presença de qualquer viatura em nenhum dos sentidos, encetou a diligência”, e de, a partir dessa concreta facticidade, a 1ª instância ter extraído a ilação de que se o condutor do GM não se apercebeu da presença do UF quando fez aquela averiguação visual à via, é porque seguia desatento, posto que, de contrário, teria necessariamente  de se ter apercebido da sua presença, porquanto este já lhe era necessariamente visível.
Ora, conforme resulta da facticidade provada nos autos, nada nela permite concluir que, quando o condutor do GM fez a enunciada auscultação à via, olhando para a sua frente e para trás de si, a fim de verificar se a via por onde circulava se encontrava livre e desimpedida, de modo a poder realizar a manobra de mudança de direção à sua esquerda que pretendia empreender em segurança, manobra essa que acabou por empreender no entroncamento, o UF já lhe fosse visível e que, consequentemente, este apenas não se apercebeu da presença deste porque fez uma auscultação visual ao troço da via em que circulava e que se processava na sua traseira de modo desatento e descuidado.
Aliás, convém não olvidar que o GM e o UF circulavam na EM ...06, no mesmo sentido de marcha, seguindo o GM à frente do UF, a uma distância que não foi possível apurar, por nem sequer vir alegada (cfr. ponto 7º dos factos apurados).
E também convém não descurar que a EM ...06, antes do local onde se veio a dar, no entroncamento, a colisão entre os veículos, desenha uma curva à esquerda, seguida de uma reta, com mais de 300 metros de extensão, mas que aquele entroncamento se situa a escassos cerca de 70/75 metros do termo daquela curva (pontos 2º e 4º dos factos apurados).
E igualmente não se pode desconsiderar que se apurou que o condutor do GM circulava a velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 50 Kms./hora, e que, pretendendo, no entroncamento, mudar de direção para a sua esquerda, antes de iniciaressa manobra, reduziu o andamento que imprimia à viatura, acionou o dispositivo luminoso de pisca esquerdo, aproximou-se gradualmente a viatura do eixo da via, olhou para a sua frente e para trás de si, e apenas encetou a manobra de mudança de direção para a esquerda após não se ter apercebido de qualquer veículo a circular em nenhum dos sentidos da EM ...06, vindo apenas a ser embatido pelo veículo UF, quando este circulava em manobra de ultrapassagem naquele EM ...06, quando o UF já tinha invadido a metade esquerda da faixa de rodagem da EM ...06, avançando rumo à metade direita da rua pela qual pretendia prosseguir  (pontos 9, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º e 15º dos factos apurados), tudo num contexto em que não se apurou a velocidade a que circulava o UF e em que, consequentemente, era bem possível que esse veículo não fosse visível ao condutor do GM quando aquele empreendeu a identificada inspeção visual à EM, por forma a verificar se esta se encontrava (ou não) livre e desimpedida, de modo a poder fazer aquela manobra de mudança de direção à esquerda em segurança, por então o UF seguir ainda eventualmente na curva que antecedia aquele entroncamento onde se veio a dar a colisão, surgindo o UF nesse entroncamento, de modo inopinado, atenta a eventual velocidade que lhe era eventualmente imprimida pela sua condutora, quando o condutor do GM se encontrava em plena manobra de mudança de direção à sua esquerda.
Daí que, salvo o devido respeito por melhor opinião, nada na facticidade apurada permite concluir que o UF fosse já visível ao condutor do GM quando este empreendeu a referida inspeção visual à EM antes de dar início à manobra de mudança de direção à esquerda.
Ora, tendo a condutora do UF empreendido uma manobra de ultrapassagem num local em que tal lhe era proibido por lei e concretizando com essa manobra o perigo de ocorrência de acidente que o legislador visou acautelar com aquela proibição, esse acidente não pode deixar de ser imputado à condução contraordenacional por ela desenvolvida, presumindo-se a sua culpa na eclosão desse concreto acidente.
Por conseguinte era sobre  a apelante EMP01... que incumbia ilidir essa presunção de culpa que recai sobre a condutora do veículo sua propriedade, por forma a demonstrar que o acidente se deveu também à culpa, ou principal culpa, do condutor do GM, designadamente, alegando e provando que antes do condutor do GM sinalizar a manobra de mudança de direção para a esquerda que pretendia empreender naquele entroncamento, já a condutora do UF tinha previamente sinalizado que iria encetar a manobra de ultrapassagem a esse veículo ou que já se encontrava em plena execução da manobra de ultrapassagem do GM, ou que, quando o condutor do GM encetou a verificação visual da EM, a fim de verificar se esta se encontrava (ou não) livre e desimpedida, por forma a poder efetuar aquela manobra de mudança de direção em segurança, já  o UF lhe era visível e sinalizava a manobra de ultrapassagem ou já estava em plena execução dessa manobra ao GM[31], o que tudo não fez.
Daí que se imponha concluir que a culpa do acidente é de imputar exclusivamente à condução contraordenacional da condutora do UF, que encetou uma manobra de ultrapassagem em local em que tal lhe era proibido e, portanto, desenvolveu uma condução ilícita e presuntivamente culposa, com a qual concretizou o risco de acidente que o legislador quis evitar com aquela proibição e que não fora essa manobra, nunca a colisão teria acontecido.
Resulta do que se vem dizendo, encontrar-se prejudicado o conhecimento das demais questões acima identificadas, suscitadas pela apelante EMP01..., Lda. em sede de recurso principal, bem como as suscitadas pela apelada EMP03... em sede de recurso subordinado.
Destarte, impõe-se julgar a presente apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrida, no segmento em que condena a apelada EMP03... a satisfazer a indemnização nela enunciada à apelante EMP01... Unipessoal, e julgar a presente ação instaurada pela apelante EMP01... improcedente e absolver a apelada EMP03..., S.A. quanto aos  pedidos por aquela formulados.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
1- Não cumpre o ónus impugnatório primário do julgamento da matéria de facto previsto na al. b), do n.º 1, do art. 640º do CPC, o recorrente que, em vez de indicar a prova que, na sua perspetiva, impõe decisão diversa em relação a cada um dos pontos da matéria de facto que impugna ou, pelo menos, sobre os pontos da matéria que impugna que versam sobre a mesma realidade fáctica, se limita a indicar, em bloco, todos os meios de prova relativos a uma multiplicidade de factos julgados provados e não provados na sentença que impugna e de factos que alegou na petição inicial  e que a 1ª Instância não julgou provados nem não provados na sentença, mas que pretende sejam aditados ao elenco dos factos provados nesta, apesar dessa facticidade que impugna e que pretende ver aditada versar sobre diversas realidades fácticas, pelo que, apresentando-se essa impugnação do julgamento de facto como claramente genérica, impõe-se rejeitar imediatamente essa impugnação.
2- As normas do Código da Estrada (CE) que regulam a manobra de mudança de direção e que, dada a perigosidade intrínseca dessa manobra, impõem obrigações acrescidas aos condutores que a ela recorram, destinam-se à proteção do tráfego que circula na mesma via, mas em sentido oposto à do condutor que efetua a manobra de mudança de direção e, bem assim, à proteção do tráfego que circula na mesma via e no mesmo sentido de marcha, mas atrás do veículo cujo condutor empreende a manobra de mudança de direção.
3- Já as normas previstas no CE que proíbem manobras de ultrapassagem em determinados locais, como é o caso de zona imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos, destinam-se a proteger todos os utentes da via, em que o legislador proibiu a manobra de ultrapassagem nesses locais, por essa manobra, quando realizada nesses locais, ser normalmente propiciadora de risco acrescido de acidente, pelo que, essa proibição destina-se a proteger tanto os utentes que circulam na mesma via e no mesmo sentido de marcha que o veículo ultrapassante, atrás ou à frente deste, como os que circulam, nessa mesma via, mas em sentido oposto ao do veículo ultrapassante, como os veículos que, no entroncamento ou cruzamento, ingressem na via por onde circula o veículo ultrapassante, como os veículos que, circulando na mesma via e no mesmo sentido de marcha que o veículo ultrapassante, no cruzamento ou entroncamento, encetem uma manobra de mudança de direção.
4- Daí que sempre que um condutor realize uma manobra de ultrapassagem em local em que esta lhe é legalmente proibida e venha a colidir com um dos veículos identificados em 3), concretiza o perigo que o legislador quis evitar com a proibição.
4- Nos casos em que ocorra uma colisão no decurso de uma manobra de ultrapassagem realizada por um dos veículos e de uma manobra de mudança de direção realizada pelo outro, quando ambos os veículos circulam na mesma via e no mesmo sentido de marcha, a aferição da responsabilidade pelo eclodir do acidente deve, em princípio, ser feita de acordo com a teoria do critério temporal, em função do qual a culpa será do condutor que começou a manobra depois de já ter sido encetada a manobra do outro.
5-  No entanto, quando a manobra de ultrapassagem seja realizada em local em que o legislador proibiu essa manobra, tendo em consideração a ratio que subjaz a essa proibição referida em 3), porque o condutor ao efetuar a manobra de ultrapassagem em local em que tal lhe é legalmente proibido, em caso de vir a colidir, durante a manobra de ultrapassagem, com veículo que circule nesse local, designadamente, que nele realize uma manobra da mudança de direção à esquerda, o condutor ultrapassante acaba por concretizar o risco de acidente que o legislador quis evitar com a proibição, pelo que o acidente não pode deixar de lhe ser imputado a título de culpa presumida, uma vez que não fora o seu comportamento contraordenacional e, por isso, ilícito e presuntivamente culposo, a colisão nunca se teria dado.
6- Verificado um acidente nessas circunstâncias, perante a presunção de culpa pelo eclodir do acidente que recai sobre o condutor do veículo ultrapassante,  é sobre este ou o proprietário do veículo por ele conduzido (consoante seja um ou outro que figurem como demandante ou demandado em ação destinada a efetivar a responsabilidade civil emergente desse acidente) que recai o ónus de alegação e da prova de facticidade de onda decorra que o acidente se deveu também à culpa, ou à principal culpa, do condutor que realizou a manobra de mudança de direção no local em que o mesmo efetuou a manobra de ultrapassagem a esse veículo, apesar dessa manobra de ultrapassagem lhe ser proibida por lei.
7- Em ação de acidente de viação em que se provou que a condutora do veículo da Autora encetou uma manobra de ultrapassagem em zona imediatamente anterior a um entroncamento e foi embater no veículo seguro pela Ré, quando este, nesse entroncamento, se encontrava em plena execução de uma manobra de mudança de direção para a esquerda, sendo a realização dessa manobra de ultrapassagem legalmente proibida nesse concreto local, não tendo a Autora provado que antes do condutor do veículo seguro ter sinalizado a manobra de mudança de direção para a esquerda, já a condutora do veículo sua propriedade tinha sinalizado a manobra de ultrapassagem, ou já se encontrava em plena execução dessa manobra, nem qualquer facticidade de onde decorra que o acidente é também de imputar à condução contraordenacional do condutor do veículo seguro, impõe-se concluir que o acidente é de imputar, única e exclusivamente, à condução contraordenacional e, por isso, ilícita e presuntivamente culposa da condutora do veículo propriedade da Autora, que ao executar a manobra de ultrapassagem em local em que lhe era legalmente proibido, acabou por concretizar o risco de acidente que o legislador quis evitar com a proibição.
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IV- Decisão 

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, julgam a presente apelação procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida, no segmento em que condena a apelada EMP03... a satisfazer a indemnização enunciada na respetiva parte dispositiva à apelante EMP01... Unipessoal, Lda. e julgam a presente ação instaurada por EMP01... Unipessoal, Lda. improcedente e absolvem a apelada EMP03..., S.A., dos pedidos por esta formulados.
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Custas da apelação e da ação pela apelada (Autora) EMP01... Unipessoal, Lda. (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 09 de novembro de 2023

José Alberto Moreira Dias – Relator
Rosália Cunha – 1ª Adjunta
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 2º Adjunto--


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”. Vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar, sem menção em contrário.
[3] Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
[4] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277.
[5] Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, em que se expende: “Apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão de matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerando além do mais o caráter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último ato decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeito a um regime diferenciado de valores negativos – deficiência, obscuridade ou contradição – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é suscetível de dar lugar à atuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª Instância”.
No mesmo sentido Ac. RL. de 29/10/2015, Proc. 161/09.3TCSNT.L1-2.
Ainda Ac. STJ, de 24/02/2005, Proc. 04B4594: “A fundamentação a que alude o n.º 2 do art. 653º do CPC não se confunde com a fundamentação a que alude o art. 659º, n.ºs 2 e 3 do mesmo Código, sendo certo que as consequências para a sua omissão num caso e noutro são também diferentes : - no 1º caso, poderá a Relação ordenar a baixa do processo, (…), nos termos e para os fins do n.º 5 do art. 712º do CPC; - no 2º caso, se a falta de fundamentação for absoluta, ocorrerá a nulidade prevista na al. b) do art. 668º do CPC”.
[6] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, págs. 707 a 708 e 733 a 734.
[7] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 293; Alberto dos Reis, “Código de processo Civil Anotado”, vol. IV, Coimbra Editora, 1987, pág. 553, onde, referindo-se ao vício da deficiência do julgamento da matéria de facto, pondera que: “as deficiências nas respostas” ocorre quando “o tribunal deixou de decidir algum facto sobre que se formulara quesito”, e conclui que o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto “não pode deixar de abranger tanto o caso de falta absoluta de decisão, como o caso de decisão incompleta, insuficiente ou ilegal”.
[8] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 293 a 295, onde expende que: “Outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultando da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”, e onde conclui: “Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação. (…). Pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo. Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes. Todavia, considerando que a reavaliação da pertinência é feita agora pela Relação, a possibilidade de anulação do julgamento para ampliação da decisão da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservado para os casos em que se revele indispensável. Não basta que os factos tenham conexão com alguma das “soluções plausíveis da questão de direito”. Considerando a fase em que agora nos encontramos, a Relação deve ponderar o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso ou de outros elementos a que oficiosamente puder atender, contando também com o que possa esperar-se de uma eventual intervenção do Supremo ao abrigo do disposto no art. 682º, n.º 3. Por outro lado, tal como sucede com as anteriores situações, a anulação da decisão da 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas. Em qualquer dos casos, a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vetores da celeridade e da eficácia”(destacado e sublinhado nosso).  
[9] Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
[10] Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1.
[11] António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153.
[12] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 797.
[13]António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 228.
[14] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 798, nota 8.
[15] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
[16] Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159; Ac. RC, de 11.07.2012, Proc. n.º 781/09, em que se lê que, “especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor”, constituindo “simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso”.
No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1.
[17] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
[18] Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1.
[19] Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 797 e 798, nota 6.
[20] Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
[21] Neste sentido, Acs. do STJ, de 08/02/2018, Processo nº 765/13.0TBESP.L1.S1; de 08/02/2018, Processo nº 8440/14.1T8PRT.P1.S1; de 06/06/2018, Processo nº 552/13.5TTVIS.C1.S1, e de 13/11/2018, Processo nº 3396/14, este último inédito.
[22] No mesmo sentido, Acs. STJ., de 20/02/2019, Proc. 1338/15.8T8PNF.P1.S1; de 18/10/2018, Proc. 668/15.3FAR.E1.S2; RG., de 28/06/2018, Proc. 123/11.0TBCBT.G1; de 21/03/2019, Proc. 61/17.3T8VRL.G1 e RP., de 10/12/2019, Proc. 11709/18.2T8PRT.P1
[23] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 153 e 290; Acs. R.G., de 29/10/2020, Proc. 2163/17.7T8VCT.G1; de 28/09/2023, Proc. 3343/19.6T8VNF-F.G1.
[24]Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
[25] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª ed., Almedina, págs. 536 a 542.
[26] Acs. STJ., de 18/01/2022, Proc. 2318/18.7T8AVR.P1.S1; de 11/04/2019, Proc. 4573/16.0T8BRG.G1.S1; de 18/12/2003, Proc. 04B1666, R.G., de 10/04/2011, Proc. 8597/07.8TBBRG.G1; R.C., de 29/01/2003, Proc. 3741/02.
[27] Oliveira Matos, “Código da Estrada Anotado”, 1991, pág. 88; Ac. STJ., de 10/04/2014, Proc. 805/10.4TBPNF-P1.S1; RC. , de 23/03/2004, Proc. 4251/03, onde se expende: “As regras do Cód. da Estrada sobre mudança de direção para a esquerda visam a proteção de quem circula em sentido contrário: 1º) sinal para a esquerda – para os que vêm atrás, poderem adequar a velocidade a eventual desaceleração, abrandamento ou travagem; se prepararem para passar pela direita, caso tenham espaço para isso; para os que circulam em sentido contrário ou em sentido que conflua para o entroncamento poderem adequar a sua manobra ao daquele, por exemplo, prosseguindo-a por não entrarem em rota de colisão ou terem prioridade, ou passando se a não tiverem; 2) aproximando-se o mais possível do eixo da via – para os que vêm atrás poderem prosseguir a sua marcha passando pela direita daquele e, quando não têm espaço para o fazer, ganharem visibilidade, reiniciando a marcha com mais segurança; 3º) com a necessária antecedência – tem a mesma função do sinal e evitam-se manobras bruscas, o que protege, ainda, os que vêm atrás; 4º) de modo a entrar na via que pretendem tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação – para os que vêm na estrada onde aquele está a entrar e possam virar à direita sem chocarem”.
[28] Eurico Consciência, “Sobre Acidentes de Viação e Seguro Automóvel”, 3ª ed., pág. 171; Ac. STJ., de 10/04/2014, Proc. 805/10.4TBPNF.P1.S1, já antes citado.
[29] Ac. STJ., de 21/10/2010, Revista n.º 4487/04.4TBSTB.E1.S1-2ª Secção.
[30] Ac. STJ., de 10/04/2014, já antes citado, e RC., de 23/03/2004, Proc. 4251/03, onde se lê que: “As regras do CE sobre a ultrapassagem visa a proteção dos condutores que circulam em sentido contrário e no mesmo sentido, mas também o condutor que, à frente do ultrapassante, num entroncamento, vai mudar à esquerda”.
[31] Ac. STJ., de 06/11/2008, Proc. 08B331