Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
591/11.0PBGMR-G1
Relator: ANA TEIXEIRA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MAUS TRATOS ENTRE CÔNJUGES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A ação típica do crime de violência doméstica tanto se pode revestir de maus tratos físicos como psíquicos. No conceito de maus tratos físicos cabem as ofensas à integridade física; nos maus tratos psíquicos abrangem-se as humilhações, provocações, molestações e ameaças. Essencial é que os comportamentos assumam uma gravidade tal que justifique a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar.
II – Integra a previsão do crime de violência doméstica o comportamento do arguido que, reiteradamente, dirigindo-se à sua mulher, algumas vezes na presença de terceiros, lhe chamou “puta”, “vaca”, “cabra”, “vadia”, lhe disse “tens amantes” e que se ela o deixasse lhe tirava as filhas e que a matava.
Decisão Texto Integral:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
Largo João Franco - 4 810 - 269 Guimarães, telefone 253 439 900 - FAX 253 439 999

- Email: guimaraes.tr@tribunais.org.pt



Processo n.º 591/11.0 PBGMR.G1


O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES SECÇÃO CRIMINAL

-------------------------------- Acórdão

I - RELATÓRIO

1. No processo Comum (tribunal Singular n.º 591/11.0 PBGMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, o arguido Augusto S... foi condenado nos seguintes termos []:
Pelo exposto:
1. Absolvo o arguido Augusto S...da acusação da prática de um crime previsto e punível pelo art. 152º, n.º 2, do Código Penal;
2. Condeno o arguido Augusto S...como autor de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
3. Suspendo a execução da pena de prisão aplicada em 2. pelo mesmo período, ou seja pelo período 1 (um) ano e 6 (seis) meses, e subordino tal suspensão ao cumprimento pelo arguido das seguintes obrigações:
a) - ao pagamento pelo arguido, no prazo de 1 (um) ano, da quantia de € 200,00 (duzentos euros) a uma instituição de apoio à vítima de violência doméstica, com o seu departamento nos serviços da Câmara Municipal de Guimarães;
b) - até decisão em sentido diferente proferida por este tribunal, no âmbito deste processo, durante o período da suspensão o arguido se apresentar mensalmente ao técnico de reinserção social, que para o efeito for nomeado pela DGRS, com vista a um acompanhamento próximo do comportamento do arguido em relação à ofendida e à orientação do mesmo no campo do relacionamento afetivo e de prevenção da violência doméstica.
Em conformidade, serão remetidos a este processo, de três em três meses, relatórios pela DGRS, decidindo este tribunal, oportunamente, e com fundamento nas informações assim carreadas aos autos, da revogação ou não da obrigação supra referida.
4. Condeno ainda o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se em 2 Ucs a taxa de justiça, e nos demais acréscimos legais que fixo no mínimo legal.

*
Após trânsito remeta boletins ao registo e comunique à DGRS solicitando relatórios de três em três meses sobre o cumprimento e os resultados da obrigação imposta ao arguido.
Notifique.
(…)»

2. Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls.462]:
«(…)
CONCLUSÕES
1-- Da reapreciação da prova gravada
c) Considera o Recorrente que a matéria de facto a seguir, e a final descriminada foi incorretamente julgada, ou seja, foi dada como provada em manifesta contradição com a prova produzida na audiência de julgamento.
d) Entende o Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado outra resposta, nomeadamente negativa, aos seguintes factos dados como provados, a saber: artigos 4°,6°,7°,8°,9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, 19° e 23°.
e) Tal convicção decorre dos depoimentos gravados em sede de audiência de julgamento e que, em seu entender, impunham uma decisão diversa em face do conteúdo dos mesmos a seguir identificados.
f) Mais, existe contradição entre os factos dados como provados e os não provados, senão vejamos: refere o ponto 4 dos factos dados como provados: "( ... )"se o Sra. Dra. Juiz lhe tirasse as filhas que iam todos para o mesmo buraco, ninguém ficava a chorar por ninguém". Por outro lado, refere o ponto 3 dos factos dado como não provados: "Que na ocasião referida em 11) dos factos provados a ofendida tivesse aberto a porta ao arguido e que o arguido lhe tivesse dito, nessa ocasião, que se o Sra. Dra. Juiz lhe tirasse as filhas que iam todas para o mesmo buraco, ninguém ficava a chorar por ninguém." Apesar de se estar a referir a um facto diferente, a verdade, é que o ponto 4 dos factos como provados, refere-se ao tempo em que Arguido e Ofendida residiam juntos. Ora, estando juntos, não faz sentido no referido período de tempo falar em poder paternal, aliás, a regulação do poder paternal das menores só ocorreu posteriormente à separação do casal. Pelo que, pelo exposto, parte do referido artigo 4 dos factos dados como provados deveria ser alterado.
- DA VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO ',' IN DUBlO PRO REO"
g) Mais, o tribunal a quo, nos seguintes factos dados como provados, a saber: artigos 4°, , , 8°, 11°, 12°, 15°, 16°, alicerçou a sua convicção no depoimento da Ofendida. Ora, relativamente a esses pontos não existe qualquer outra prova que alicerce a referida convicção.
h) Em audiência de julgamento, nas suas declarações, para além de contradizerem tais factos, o depoimento do Arguido foi prestado de forma clara, convicta e esclarecedora, pelo que, deveria ter merecido outra credibilidade por parte do Tribunal a quo.
i) Aliás, a sentença só considerou o depoimento do Arguido na parte em que coincidiu com o da Ofendida - factos 1° a 3°,,9° e 10°.
j) Quanto ao princípio importa referir o seguinte, a propósito dos contornos desse princípio constitucional (artigo 32°, n." 2 da Constituição da República Portuguesa). A verdade que se busca em processo penal «é o resultado probatório processualmente válido, isto é, a convicção de que certa alegação singular de facto é justificadamente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtido por meios válidos. A verdade processual não é absoluta ou ontológica, mas uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida. A lei processual não impõe a busca da verdade absoluta, e, por isso também, as autoridades judiciárias, mormente o Sra. Dra. Juiz, não dispõem de um poder ilimitado de produção de prova. O thema probandi vai sendo delimitado em cada fase processual e limitados são também os meios de prova admissíveis no processo, os métodos para a sua obtenção e o momento e forma da sua produção: a verdade obtida com tais limitações nos métodos e meios há-de ser, por isso, também apenas uma verdade histórica-prática, uma determinação humanamente objetivada de uma realidade humana» (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 11, 2a edição, pag.114).
k) Mais, e citando J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, 88/89, p. 130: "Não evidentemente que a propósito de qualquer crime o tribunal tenha que indagar, autónoma e exaustivamente, da inexistência de causas justificativas; mas tem que o fazer não só quando tal lhe seja alegado, mas sempre que surja a mínima suspeita da possível existência de uma qualquer daquelas causas." O princípio in dubio pro reo é um princípio de prova que significa que perante factos incertos a dúvida favorece o arguido.
l) Colocado o Tribunal de julgamento perante dúvida insanável em matéria de prova, deve aplicar o princípio in dubio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção de inocência. O in dubio pro reo "parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do ju1gador" (cfr. Cristina Líbano, In Dúbio Pró Reo, Coimbra, 1997).
m) Caso não fosse pelo seu depoimento, salvo melhor opinião, neste particular, dado estarmos perante versão contraditórias entre arguido e ofendida, aquele deveria ter beneficiado do princípio "in dúbio pro reo", e, como tal, os seguintes factos dados como provados, a saber: artigos 4°, 6°, 7°, 8°, 11°, 12°, 15°, 16°, não o deveriam ter sido.
m) Pelo depoimento da Assistente, para além de ser impreciso quanto aos factos nos quais foi fundamentada a respetiva resposta positiva, salvo melhor opinião, do depoimento da mesma não se retiram facto que fundamentam a resposta positiva aos factos 16 a 18. Aliás, pelo depoimento da Assistente verifica-se uma certa convivência diária em virtude da filha de ambos. Ora, se efetivamente a Assistente teme-se pela sua vida ou das filhas, não privava com o Arguido e muito menos entregava as filhas ao Arguido nos dias em que está obrigada.
n) Não merece, pois, o depoimento da testemunha Sara Freitas o valor que lhe foi atribuído pelo Tribunal recorrido, relativamente à prova dos factos supra mencionados que dizem respeito ao arguido, mormente quanto ao ponto 12 dos factos dados como provados, constituindo tal atitude manifesto erro na apreciação da prova. Aliás, não faz qualquer sentido o argumento de que o arguido não se apercebesse que não estaria a falar ao telemóvel com o assistente.
o) Mais, como referiu a testemunha pouco tempo depois da separação foi prestar depoimento á GNR e referiu coisa diversa do que referiu posteriormente, perdendo logo ai toda a sua credibilidade como testemunha. O mesmo se refere com a expressão "filha da puta" que a Assistente referiu nunca lhe ter sido proferida pelo Arguido, e, a testemunha refere que foram proferidas diversas vezes.
p) Não merece, pois, o depoimento da testemunha Cristina Alice Salgado o valor que lhe foi atribuído pelo Tribunal recorrido, relativamente à prova dos factos supra mencionados que dizem respeito ao arguido, mormente quanto ao ponto 12 dos factos dados como provados, constituindo tal atitude manifesto erro na apreciação da prova. Aliás, não faz qualquer sentido o argumento de que o arguido não se apercebesse que não estaria a falar ao telemóvel com o assistente.
q) Mais, como referiu a testemunha pouco tempo depois da separação foi prestar depoimento á GNR e referiu coisa diversa do que referiu posteriormente, perdendo logo ai toda a sua credibilidade como testemunha. O mesmo se refere com a expressão "filha da puta" que a Assistente referiu nunca lhe ter sido proferida pelo Arguido, e, a testemunha refere que foram proferidas diversas vezes.
r) Não merece, pois, o depoimento da testemunha José Almeida o valor que lhe foi atribuído pelo Tribunal recorrido, relativamente à prova dos factos supra mencionados que dizem respeito ao arguido, mormente quanto ao ponto 12 dos factos dados como provados, constituindo tal atitude manifesto erro na apreciação da prova. Aliás, a contradição com o depoimento prestado perante a GNR, descredibiliza a testemunha, pelo que, o tribunal a quo, não deveria ter-lhe dado qualquer relevância.
s) Por outro lado, a douta sentença a quo, não valorizou os depoimentos apresentados pelo arguido e testemunha de defesa, quando pela forma como os mesmos foram prestados, de modo claro, convincente, esclarecedor, deveriam ser avaliados de outro modo, e, consequentemente deveriam ter sido dadas como não provados, os factos supra referenciados que foram dados como provados.
- DO DIREITO
s) O arguido veio acusado da prática, em autoria material, de um crime p. e p. pelos artigo 1520 n1 b) e n2 do Código Penal, tendo sido condenado pela prática do crime previsto no n. o I b) e absolvido da pratica do crime previsto no n. o 2, ambos do artigo 1520 do CP.
t) Caso, os venerandos desembargadores, concordem com a fundamentação factual da sentença recorrida, o que não se aceita, nem se concede, e só se coloca para efeitos do presente raciocínio, cremos que, mesmo assim, não se verifica a existência do preenchimento dos pressupostos do referido crime, quanto mais, estaremos perante outros crimes.
t) Senão vejamos, muitas das expressões referenciadas fazem parte da linguagem corrente das pessoas desta zona, sem que a pronúncia das mesmas exprima menor consideração pelo interlocutor.
u) Mais, foi referenciado quer pela Ofendida, quer pelo arguido, que frequentam a casa um do outro, em virtude das filhas menores, ora, se efetivamente a Ofendida alega medo e receio do Arguido certamente não faria tais visitas sozinha, e, evitaria constantemente o Arguido.
v) Em atalho de foice, sempre se dirá que a ofendida com a prática de certos atos também cometeu o crime de violência domestica em relação ao Arguido, nomeadamente ao negar ver as filhas menores, constituindo tal ato, um ato de humilhação.
w) O tipo legal constante do artigo 152º do Código Penal, que cobre ações típicas semelhantes àquelas que se acham já prevenidas noutros tipos legais (artigos 143º - ofensas à integridade física, 183º injúrias, 163º coação sexual), não pode ser visto como reconduzindo-se à punição de um qualquer somatório de comportamentos deste tipo ocorridos entre pessoas que, a ligá-las, tenham, ou tenham tido, uma qualquer relação de proximidade familiar ou afetiva; o seu fundamento deve ser encontrado na proteção de quem, no âmbito de uma concreta relação interpessoal - conjugal ou não - vê a sua integridade pessoal, liberdade e segurança ameaçadas com tais condutas.
v) Pese embora a maior parte dos casos de crimes de violência doméstica, ocorram no âmbito da vivência conjugal- formal ou de facto - a atual redação do preceito, ao alargar o âmbito da incriminação ao ex-cônjuge e ao prescindir mesmo da coabitão, coloca agora mais o enfoque na situação relacional existente entre agressor e vítima.
w) Assim este tipo legal previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e atue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, de tensão, de subjugação.
x) Este é, segundo cremos, o verdadeiro traço distintivo deste crime relativamente aos demais onde igualmente se protege a integridade física, a honra ou a liberdade sexual.
y) Entre muitos outros, atente-se à síntese contida no sumário do Acórdão da Relação do Porto com o seguinte teor: "No ilícito de violência doméstica é objetivo da lei assegurar uma 'tutela especial e reforçada' da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pelo seu caráter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto de perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima.(sublinhado nosso)
bb) Daqui sobressai o que cremos essencial para a caraterização do crime de violência doméstica, que se evidencia da sua génese e evolução; a existência de uma vítima e de um vitimador, este numa posição de evidente dominação e prevalência sobre a pessoa daquela. Ora, salvo melhor opinião, não estamos perante um caso de violência doméstica, poderá ser outro tipo de crime, mas não de violência doméstica.
cc) Aliás, podemos depararmo-nos com situações, em que duas pessoas ligadas por particulares relações interpessoais, discutem, se insultam e agridem, reações resultantes de uma concreta e determinada situação vivencial de tensão e conflito, sendo os seus comportamentos equivalentes do ponto de vista da censurabilidade, não se alcançando qualquer posição de domínio de um sobre o outro, o se identificando, nem distinguindo um como vítima e o outro como agressor.
dd) As situações provadas que constam da sentença a quo não têm um padrão de frequência nem intensidade desvaliosa, para se poderem enquadrar num modelo de comportamento que se inscreva na previsão do tipo legal de violência doméstica.
ee) Assim, pelas raes que se aduziram, para se concluir, que os factos assentes, perpetrados pelo arguido/recorrente, não se enquadram na previsão do artigo 1520 do Código Penal.
- DA MEDIDA DA PENA

fF) Sem prescindir, caso o supra exposto não seja atendido, o que não se aceita, nem se concede, e, só se coloca a presente hipótese para mero efeito de raciocínio, sempre se dirá que a pena aplicada, bem como as obrigações associadas, são claramente exageradas, perante os factos dados como provados.
gg) Dispõe o artigo 400 do Código Penal, no seu n. ° 1, que a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E no n." 2 do mesmo artigo estabelece que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. A inclusão deste artigo pela revisão de 1995 constituiu consagração da teoria da moldura de prevenção, defendida pelo Professor Figueiredo Dias como modelo de determinação da medida da pena.
hh) Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artigo 710 do Código Penal), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que revelam para a prevenção e para a culpa.
ii) Ponderada a globalidade da matéria factual provada e não provada, a pena de prisão suspensa na sua execução e obrigações encontradas para o arguido são manifestamente excessivas.

jj) O arguido é um cidadão exemplar, não tem antecedentes criminais, é uma pessoa estimada e considerada na comunidade onde vive.

kk) O nosso sistema jurídico deve punir os crimes, mas também deve ser capaz de dar e proporcionar segundas oportunidades aos arguidos. Deve perceber quando estamos perante uma situação consciente e provocada, e quando estamos perante situações em que os arguidos são levados a agir de forma impulsiva, ou quando não "percebem" as implicações de procedimentos
11) Na verdade, e quanto ao recorrente temos que, foi condenado por um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 1520 n 1 b) do Código Penal.
mm) Antes e posteriormente aos factos, o recorrente sempre foi uma pessoa responsável, cidadão exemplar e reformado. Nunca foi condenado em tribunal. É uma pessoa saudável, sem qualquer tipo de dependências.
nn) Assim, à luz destas considerações, afigura-se-nos razoável e equitativo, por ajustada à sua conduta, aplicar ao recorrente pelo crime supra referido, a seguinte pena: face aos critérios legais (artigos 71 ° a 730 e 470 do CP) o recorrente deveria ser punido atento às razões aduzidas na motivação do recurso ora interposto. Assim, considerando os factos dados como provados, o arguido estar reformado, estar integrado no meio onde reside, ser uma pessoa bastante considerada e estimada, ter o apoio familiar, ser de condição socioeconómica muito modesta. Não ter processos pendentes que o relacionem com qualquer tipo de ilícito, o tribunal deveria ter aplicado uma pena pelo mínimo legal, ou seja, um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo. Quanto a deveres é aceitáveis o imposto na alínea a) da sentença recorrida.
0) Em conclusão, a decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 1520 n 1 b), 710, 720 e 730 todos do Código Penal.



Termos em que deve ser admitido o presente recurso e, consequentemente, na medida das articuladas conclusões e

pelo douto suprimento, revogada a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.

(…)»

3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls.490 ].
4. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls.502 ].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. A sentença/acórdão recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. ]:
«(…) FUNDAMENTAÇÃO:
II. Fundamentação.
1. de facto.
1.1. Factos provados com interesse para a decisão da causa:
1. O arguido viveu maritalmente, durante 10 anos, em comunhão de cama, mesa e habitação, com Maria F..., residindo o casal durante cerca de 6 anos na casa de morada de família da mãe da ofendida, na Travessa B... n.º ...., M..., Guimarães, e os restantes anos na Travessa B..., lote ..., M..., nesta comarca.
2. O arguido e Maria F... tiveram três filhas, a Ondina S..., nascida a 11.1.2005, a Liliana S... e a Márcia S..., nascidas, respetivamente, a 30 de Junho de 2008 e 26 de Setembro de 2006.
3. Durante o tempo em que o referido casal viveu na casa da mãe da ofendida o seu relacionamento foi pacífico;
4. A partir do momento em que o referido casal foi viver para a Travessa B..., lote ..., M..., nesta comarca, o relacionamento entre o arguido e a ofendida deteriorou-se, começando, desde então, o arguido, a agredir psicologicamente a ofendida, dirigindo-se a ela chamando-lhe, por várias vezes, “cabra”, “vadia”, “tens amantes”, e que se ela o deixasse lhe tirava as meninas e que a matava, e que “se o juiz lhe tirasse as filhas que iam todos para o mesmo buraco, ninguém ficava a chorar por ninguém”.
5. A separação do referido casal ocorreu em Abril de 2011.
6. Dias após a referida separação e ainda em Abril de 2011, a ofendida deslocou-se à residência onde antes vivia com o arguido e as filhas de ambos tendo em vista retirar os restantes objetos que lhe pertenciam e que ali ainda se encontravam.
7. Para o efeito, a ofendida tocou na campainha da residência de forma a certificar-se que o arguido não se encontrava no interior.
8. Depois, a ofendida, munida com as chaves, abriu a porta e quando entrou apareceu subitamente o arguido que lhe disse “a minha vontade era matar-te”.
9. Em dia não concretamente apurado do mês de Junho de 2011, o arguido encontrou-se fortuitamente com a ofendida que estava num parque juntamente com as filhas menores.
10. Depois das filhas cumprimentarem o arguido, este dirigiu-se à ofendida e disse-lhe para deixar as filhas com ele, o que ofendida recusou.
11. O arguido perseguiu a ofendida e as filhas até à casa destas e quando lá chegou desferiu vários murros na porta.
12. Na época natalícia de 2011, quando a ofendida estava com as filhas numa festa, nesta comarca, apareceu o arguido que chamou a filha Liliana F...e na presença desta dirigindo-se para a ofendida e para as irmãs destas, apelidou-as a todas de “putas e vacas”, mais dizendo à ofendida que a matava.
13.Na sequência da separação, a ofendida, juntamente com as filhas menores, saiu da residência do agregado familiar passando a viver na casa da sua mãe, a qual se situa a cerca de 500 metros da residência do arguido.
19. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as apontadas condutas eram punidas e proibidas por lei.
20. O arguido não tem antecedentes criminais.
21. O arguido está reformado e aufere 1.000,00 euros de reforma mensal; tem três filhas, menores de idade, e paga 300,00 euros/mês de prestação de alimentos às mesmas; tem um outro filho de uma relação anterior à que teve com a ofendida; paga 150,00 euros/mês de renda pela casa onde reside; não tem bens nem outros rendimentos.
22. O arguido por vezes consumia e ainda consome bebidas alcoólicas em excesso e já fez pelo menos um tratamento a propósito.
23. A ofendida não trabalha, não tem bens, nem rendimentos, nem recursos, e por isso desde a separação em causa nos autos vive na casa de morada da sua mãe, com o seu filho - de uma anterior relação – e com as três filhas que teve com o arguido, e são a sua mãe e irmãos que a sustentam.

*
1.2. Factos não provados.
Com interesse para a causa resultaram “não provados” os seguintes factos:
1 - que o arguido tivesse agredido psicologicamente a ofendida durante o período de tempo em que ambos viveram na casa de morada da mãe da ofendida;
2 – que o arguido tivesse dirigido à ofendida as seguintes expressões “filha da puta”, “tu não vales nada”, “tu não trabalhas”, “tu não sabes nada”;
3 – que na ocasião referida em 11) dos factos provados a ofendida tivesse aberto a porta ao arguido e que o arguido lhe tivesse dito, nessa ocasião, que se o juiz lhe tirasse as filhas que iam todas para o mesmo buraco, ninguém ficava a chorar por ninguém;
4 – que na ocasião referida em 12) dos factos provados o arguido tivesse dito à sua filha Liliana para transmitir à ofendida a seguinte mensagem: “diz à mãe que qualquer dia eu a vou matar”;
5 – que desde a separação do arguido e da ofendida, o arguido, a qualquer hora do dia e várias vezes no mesmo dia, dirige-se à residência da ofendida exigindo ver as filhas e, caso a ofendida recuse, o arguido grita e ameaça a ofendida e as filhas dizendo-lhes “não me chateiem que eu mato-vos a todas, não fica aqui ninguém para chorar pelos outros”.
6 – e que o arguido desde a separação obriga a ofendida a comunicar-lhe quando sai de casa;
7 – que o arguido liga várias vezes para o telemóvel da ofendida e diz-lhe “puta, andas com outros homens, enganaste-me com dinheiro”;
8 – e que tivesse dito por várias vezes à ofendida, através do telemóvel, “vou-te foder o focinho, vou-te matar”;
9 – que o arguido quando se dirige à residência da ofendida para visitar as filhas e na presença destas, por diversas vezes, dirigiu-se à ofendida e disse-lhe “Eu vou-te matar, mato tudo, vais ficar sem as tuas filhas”.
*
1.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto.
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência e carreada para os autos.
Vejamos.
Os factos dados como provados nos números 1 a 3, 5, 9, 10, 13 e 14, basearam-se nas declarações prestadas pelo arguido e pela ofendida, que de forma unânime, isenta e credível, relataram tais factos.
A ofendida relatou, ainda, e de modo que se evidenciou sincero, espontâneo e credível, os factos tal como o tribunal os deu como assentes nos números 4, 6, 7, 8, 11, 12, 15, 16 e 23.
Acresce que os factos relatados pela ofendida e dados como provados nos números 12 foram corroborados pelo depoimento, isento, espontâneo e crível, da testemunha Sara Freitas, irmã da ofendida e que com a mesma se encontrava à data e local onde ocorreram tais factos, presenciando-os.
Igualmente, as testemunhas Cristina Alice, irmã da ofendida e José Almeida, referiram, de forma isenta e credível, que na ocasião aludida em 12 dos factos provados presenciaram e ouviram o arguido a dizer à ofendida que a matava.
O facto dado como assente no número 15 baseou-se, também, no depoimento da testemunha Sara, irmã da ofendida, que relatou ter sido quem, à data, atendeu a chamada do arguido para o telemóvel da ofendida e, por isso, ouviu as expressões que o mesmo na ocasião proferiu, pensando estar a falar com a ofendida.
A materialidade assente no número 16 assentou, ainda, nas regras da experiência comum, sendo até facto óbvio que ao ouvir as expressões em causa nos factos assentes, no contexto em que as mesma são proferidas, a ofendida tenha receio que o arguido venha a atentar contra a sua vida e integridade física e bem assim contra a vida e integridade física das filhas de ambos; como também decorre e resulta das regras da experiência comum que ao ouvir as expressões injuriosas proferidas pelo arguido contra si a ofendida se sinta humilhada, como se deu por provado no facto assente no número 18.
O dolo com que o arguido atuou, e sendo um elemento interno, resultou de toda a prova acima descrita, sendo de concluir, sem margens para quaisquer dúvidas, que o arguido atuou com dolo direto e sabedor da proibição e punição das suas condutas como se deu como assente.
O tribunal considerou, ainda, todos os documentos juntos aos autos – mormente as certidões de fls. 135 a 137 e o CRC do arguido.
E, atendeu, ainda, às declarações do arguido quanto à sua situação pessoal e financeira, as quais nos pareceram sinceras.
O facto dado como provado no número 22 resultou das declarações da ofendida e da testemunha Jorge Lobo, agente da PSP, colega de profissão que foi do arguido e amigo quer deste quer da ofendida, o qual o relatou de forma que se evidenciou sincera, objetiva e credível.
Os factos não provados resultaram da ausência de produção de prova que os corroborasse.

(…)»

II – FUNDAMENTAÇÃO

7. Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.
8. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
· Factos incorretamente dados como provados ( 4º,6º a19º e 23º) Erro na apreciação da prova
· Violação do princípio in dubio pro reo
· Enquadramento do tipo
· Medida da pena;

Analisemos a questão

O tribunal baseou a sua convicção no depoimento da ofendida que, no seu entender, pela maneira como o prestou levou-o a crer que as situações descritas ocorreram da forma que descreveu. Para o efeito disse “pela ofendida, que de forma unânime, isenta e credível, relatou tais factos. A ofendida relatou, ainda, e de modo que se evidenciou sincero, espontâneo e credível, os factos tal como o tribunal os deu como assentes nos números 4, 6, 7, 8, 11, 12, 15, 16 e 23.Acresce que os factos relatados pela ofendida e dados como provados nos números 12 foram corroborados pelo depoimento, isento, espontâneo e crível, da testemunha Sara Freitas, irmã da ofendida e que com a mesma se encontrava à data e local onde ocorreram tais factos, presenciando-os.
Procedemos á audição do depoimento da ofendida e esta instada em instâncias do MP, foi relatando os vários episódios que se passaram consigo, situando-se no espaço e no tempo, relatando de forma pormenorizada a postura do arguido enquanto viviam com a mãe da ofendida e que diferiu a partir do momento em que foram viver para uma casa sita a 500 metros da sogra do arguido, nomeadamente em relação ao chamar-lhe nomes como és uma vadia, cabra. Também esclareceu em que circunstâncias é que o arguido referiu que ia tudo para o mesmo buraco, concretizando que lhe referiu que se ela o deixasse não haveria juiz algum que lhe tirasse as filhas pois antes que isso pudesse acontecer já ele teria morto todas e por isso iam todas para o mesmo buraco.

Relatou ainda de forma minuciosa que quando se dirigiu à antiga casa do casal para buscar haveres seu acabou por se encontrar com o arguido e referiu que este lhe disse a minha vontade é matar-te. Esclareceu ainda que em locais públicos e na presença de familiares da visada repetiu que a ia matar.

Perante este depoimento o tribunal entendeu ser o mesmo credível e como tal valorou-o de forma positiva. Discordamos do recorrente quando afirma que o depoimento da Assistente, para além de ser impreciso quanto aos factos nos quais foi fundamentada a respetiva resposta positiva, salvo melhor opinião, do depoimento da mesma não se retiram facto que fundamentam a resposta positiva aos factos 16 a 18.

Como se refere no acórdão do STJ de 21/03/2003, proc. 024324, relator A. Paiva,

"A admissibilidade da respetiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respetiva fundamentação.

Assim, por exemplo:

a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;

b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrario daquele que foi considerado como provado;

c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.".

No caso em análise, adiantamos já que não se verifica qualquer das situações referidas na sentença proferida.

- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz refletir, segundo as regras da experiência humana;

III - A convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis - como a intuição.

IV - Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis).

V - Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei como sejam as da experiência, a perceção da personalidade do depoente (impondo¬-se por tal a mediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao principio in dubio pro reo).

- A censura da forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

Não vislumbramos que tal tenha acontecido. Mesmo a alegada contradição mencionada em relação aos factos dados como provados e não provados fica precludida atenta a integração no contexto em que a assistente referiu ter o arguido proferido a frase em análise.

Improcede, assim, a sua pretensão.

In dubio pro reo

Aflora ainda o recorrente o princípio in dúbio pró reo por entender que no caso concreto não foi possível determinar se houve ou não agressão, face á prova produzida em audiência, violando-se o artigo 32, 2 da Constituição da Republica portuguesa.

Analisemos

Tal princípio significa que não obstante as provas oficiosamente reunidas no processo, não podem ser “provados” os factos sobre os quais persista dúvida razoável e ainda que, sendo esse, a final do julgamento, o estado de espírito do julgador emergente da prova coligida, a dúvida deve ser sempre valorada em favor do arguido. Este princípio é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A sua violação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – ac. STJ de 24-3-99 CJ stj tomo I, pág. 247.
No caso em apreço verificamos que o tribunal em momento algum teve dúvidas. Com base em depoimentos decidiu e com certeza. Em momento algum resulta da sentença que o tribunal tivesse tido qualquer dúvida sobre factos relevantes e tenha decidido contra o arguido.
Deste modo, conclui-se que a decisão recorrida não patenteia a violação do princípio da presunção de inocência nem do princípio “in dubio pro reo”.
Improcede, pois, a sua pretensão
Enquadramento do Tipo

A subsunção jurídica dos factos
Nos presentes autos é imputada ao arguido a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.1, al. b) e nº 2 do Código Penal, na versão introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, que dispõe:

“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

b) A pessoa do outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha uma relação de namoro ou análoga à dos cônjuges, ainda eu sem coabitação;

(...)

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

(...)”

Com este preceito, visa-se prevenir e punir as formas de violência no âmbito da família. A "ratio" do preceito é a proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana nas relações conjugais e outras que, como estas, têm particular proximidade, quando em contradição com o clima de confiança, solidariedade e respeito que caracteriza esse tipo de relações, ocorrem condutas violentas.
Este tipo de crime exige, como elemento objetivo a prática de maus-tratos físicos ou psíquicos cometidos dentro de determinadas relações familiares ou análogas. No entanto, a verificação do tipo de ilícito não exige a repetição de condutas ofensivas da integridade física ou moral (“... de forma reiterada ou não ...”), podendo assim verificar-se com uma única conduta, mas desde que a sua gravidade intrínseca permita o enquadramento na figura dos maus-tratos. Já que não são obviamente todas as ofensas ou agressões, quer físicas quer psíquicas, que cabem na previsão legal, mas somente aquelas que fundamentalmente traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária da parte do agente, segundo os padrões sociais vigentes.

De onde resulta que a incriminação como violência doméstica de condutas agressivas, praticadas por uma só vez, só ocorrerá quando a gravidade intrínseca permitir o seu enquadramento na figura dos maus-tratos físicos ou psíquicos referida no nº 1 do citado Art. 152 do Código Penal, enquanto violação da pessoa individual e da sua dignidade humana, com afetação da saúde (http/www.dgsi.pt, processo n.º 11183).
No conceito de maus-tratos físicos cabem as ofensas à integridade física simples e no de maus-tratos psíquicos abrangem-se as humilhações, provocações, molestações e ameaças (cf. Comentário Conimbricense, Tomo I, p. 332-333).
Entende-se pois que é essencial para o preenchimento do tipo de crime de violência doméstica, que os comportamentos do agente assumam uma gravidade tal que justifique a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar.

No caso concreto, apurou-se, entre outros que 11. O arguido perseguiu a ofendida e as filhas até à casa destas e quando lá chegou desferiu vários murros na porta.
12. Na época natalícia de 2011, quando a ofendida estava com as filhas numa festa, nesta comarca, apareceu o arguido que chamou a filha Liliana F...e na presença desta dirigindo-se para a ofendida e para as irmãs destas, apelidou-as a todas de “putas e vacas”, mais dizendo à ofendida que a matava. 4. A partir do momento em que o referido casal foi viver para a Travessa B..., lote ..., M..., nesta comarca, o relacionamento entre o arguido e a ofendida deteriorou-se, começando, desde então, o arguido, a agredir psicologicamente a ofendida, dirigindo-se a ela chamando-lhe, por várias vezes, “cabra”, “vadia”, “tens amantes”, e que se ela o deixasse lhe tirava as meninas e que a matava, e que “se o juiz lhe tirasse as filhas que iam todos para o mesmo buraco, ninguém ficava a chorar por ninguém”.


Tais comportamentos assumem no seu conjunto gravidade e reiteração, no quadro da relação conjugal existente entre a vítima e o arguido, que justificam tratamento diferente do correspondente a cada um dos ilícitos individualmente considerados. Comportamentos que, nos termos supra expostos, são de considerar como suscetíveis de integrar a figura dos maus-tratos psíquicos.
Este normativo penaliza a violência na família que suscita maiores preocupações, não tendo sequer escapado à atenção do Conselho da Europa, que cedo a caracterizou como «ato ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade» (Projeto de Recomendação e de Exposição de Motivos, do Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna — 33.ª Sessão Plenária do Comité Diretor para os Problemas Criminais, BMJ 335-5).
Para o crime de violência doméstica da previsão do art. 152.º do Código Penal, a ação típica aí enquadrada tanto se pode revestir de maus tratos físicos, como sejam as ofensas corporais, como de maus tratos psíquicos, nomeadamente humilhações, provocações, molestações, ameaças ou outros maus tratos, com sejam as ofensas sexuais e as privações da liberdade, desde que os mesmos correspondam a atos, isolada ou reiteradamente praticados, reveladores de um tratamento insensível ou degradante da condição humana da sua vítima.
Decorre do exposto que face á factualidade apurada resulta mostrar-se o arguido incurso na prática do crime pelo que vinha acusado.


Medida da pena

Solicita a este respeito que venha a ser aplicada ao arguido pena correspondente ao mínimo legal alegando para o efeito que se trata de cidadão exemplar, sem antecedentes criminais, e que é uma pessoa estimada e considerada na comunidade onde vive.

A este respeito o tribunal consignou : 2.2. Determinação da medida da pena.
O crime previsto no art. 152º, n.º 1 e 2, do Cód. Penal, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, geral e especial – cfr. art. 71º, do Cód. Penal.
A culpa constitui o suporte e o limite inultrapassável da pena, sendo ainda de salientar que deve referir-se ao concreto ilícito típico praticado, sendo, essencialmente uma censura dirigida ao agente em virtude da sua atitude desvaliosa documentada no facto.
As exigências de prevenção geral (que constituem o limite mínimo da moldura concreta) são dadas pela necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, estando ainda em causa a integração e reforço da consciência jurídica comunitárias na validade e na vigência da norma violada.
Por último, dentro da moldura concreta, desta forma encontrada, a exata medida da pena será fruto da intervenção das exigências da prevenção especial, quer na vertente de socialização, quer na de advertência individual do arguido.
Concretizando.
A culpa revelada pelo arguido é, para o tipo legal de crime em apreço e dentro dos limites da sua conduta concretamente apurados, de intensidade média, e não podemos, ainda, desprezar o facto de a atuação do arguido se ter prolongado no tempo, assim evidenciando uma culpa mais gravosa do que se tivéssemos perante um único momento de cometimento de violência doméstica.
As necessidades de prevenção geral são acentuadas, considerando a frequência com que vêm sendo cometidos crimes de violência doméstica contra cônjuges, bem como o sentimento de repúdio que os mesmos provocam na comunidade em geral.
Quanto às exigências da prevenção especial milita a favor do arguido o facto de o mesmo não ter antecedentes criminais.
Por tudo o que vem sendo exposto, e de acordo com o critério legal constante do art. 71º do Código Penal, entende-se ser de aplicar ao arguido uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

*
2.2.1. - Da substituição da pena de prisão.
Importa, ainda, ter presente que, nos termos do art. 50º, n.º 1 do Cód. Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
E o tribunal, se julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, - arts. 51º, n.º 1, al. c) 52º e 53º, “ex vi” do art. 50º, n.º 2, todos do Cód. Penal; e ainda, nos termos do disposto no n.º 4, do art. 152º, do Cód. Penal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica.
No caso em consideração o tribunal entende que a ameaça da pena de prisão satisfaz as necessidades de reprovação e prevenção do crime, atendendo desde logo ao facto do arguido não ter antecedentes criminais.
Assim, suspende-se a pena de prisão, na sua execução, pelo período de 1 ano e 6 meses.

Pensamos que o tribunal ponderou devidamente quando entendeu aplicar a pena em questão já que a mesma perante o caso concreto mostra-se proporcional adequada e não excessiva, respondendo às necessidades de prevenção geral que são acentuadas no nosso País tendo em conta a frequência com que vêm sendo praticados estes crimes de violência doméstica contra cônjuges ou ex cônjuges e bem assim tendo em consideração o sentimento de repúdio que tais ilícitos provocam na nossa comunidade.

Também em nosso entender foram ponderadas as exigências de prevenção especial, considerando a situação pessoal do arguido-

Da análise da sentença resulta a ponderação de todos os elementos relevantes para a escolha e graduação da pena que a este tipo de crime faz pender, mesmo os que não fazendo parte do tipo, depõem a favor ou contra o arguido, considerando-se que a pena em que o arguido foi condenado é justa e adequada uma vez que pondera todas as circunstâncias a ter em linha de conta neste caso concreto. Pelo que nos resta concluir dizendo que a concretização da pena feita pelo Tribunal a quo é equilibrada e não merece qualquer censura

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, os juízes acordam em:

· Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente AUGUSTO S....
· Condená-lo no mínimo de taxa de justiça

Guimarães, 10 de julho de 2014