Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
662/19.5GBBCL.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
PENA
REGIME PERMANÊNCIA HABITAÇÃO
REQUISITOS LEGAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- O regime de permanência na habitação, tal como se encontra regulado nos artigos 43º e 44º do CP constitui atualmente um meio de execução da pena de prisão.

II- A execução da pena de prisão deverá constituir uma última ratio, em obediência aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da menor restrição possível dos direitos e liberdades dos cidadãos, cfr. artigo 18º, nº 2 da CRP. Uma das forma de alcançar tal desiderato é a diversificação da execução da pena de prisão, de que é exemplo o regime de permanência na habitação.

III- De modo que, decidindo-se que a pena a cumprir é efetiva, uma vez verificado o pressuposto formal e o consentimento do arguido, e não se opondo razões de prevenção geral, por regra será de decretar o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação relativamente a arguido que anteriormente não tenha experienciado tal regime, porquanto é a esta a melhor via de alcançar a reintegração social do recluso, em conformidade com o disposto no artigo 42º, nº 1 do CP e no artigo 2º, nº 1 do CEP.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo sumário nº 662/19.5GBBCL, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Barcelos – J1, em que é arguido J. P., com os demais sinais nos autos, por sentença proferida e depositada em 07.08.2019, foi decidido, nomeadamente, o seguinte [transcrição]:

Pelo exposto, o Tribunal julga provada a acusação pelo que condena o arguido J. P. pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º n.º 1 a) do Código Penal e artigo 152.º n.º 3 do Código da Estrada numa pena de cinco meses de prisão.
Mais se condena o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria por um período de um ano e oito meses, devendo para o efeito entregar todos os títulos de condução que possua na secretaria deste Tribunal ou no posto policial da área da sua residência, no prazo máximo de dez dias após trânsito em julgado desta sentença (cf. art.º 69.º, nºs 2 e 3, do Cód. Penal) sob pena de incorrer em crime de desobediência.
2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:

1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão que condenou o arguido pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a) do Código Penal 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal: na pena de cinco meses de prisão; na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria por um período de um ano e oito meses; e, no pagamento de ½ U.C. de taxa de justiça, a reduzir a metade em virtude da confissão e nos encargos.
2. Salvo o devido e merecido respeito, a douta decisão merece a reapreciação por este Venerando Tribunal, no que tange à medida da pena e sanção acessória aplicadas.
3. Em audiência de discussão e julgamento, o arguido pretendeu prestar declarações e confessou todos os factos que lhe foram imputados, conforme confissão que se encontra gravada em suporte digital.
4. Efetivamente, confessou o arguido que, no dia 23/07/2019, pelas 20h20, conduzia o veículo com matrícula QC, após uma situação de violência doméstica, que deu origem ao inquérito n.º 661/19.7GBBCL, quando foi convidado a submeter-se ao exame qualitativo de pesquisa ao álcool expirado pelo militar da GNR, R. S., tendo-se recusado a tal.
5. Ao agir como agiu, quis e sabia que, praticando tal ato omissivo de não concretização do exame de pesquisa de álcool, praticava conduta que era proibida e punida por lei.
6. O arguido, confessou integral e sem reservas os factos que lhe eram imputados.
7. Ora, a confissão do arguido constituiu verdadeira e imprescindível colaboração na descoberta da verdade, para além de inequívoca manifestação de culpabilidade.
8. Assim, ao condenar o arguido, que confessou todos os factos, numa pena privativa da liberdade, o Tribunal a quo violou, por conseguinte, o disposto no artigo 71º do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiado severa, atenta a factualidade considerada e as circunstâncias em que foram praticados os factos.
9. O Arguido atravessa enormes problemas depressivos e alcoólicos, resultado de problemas familiares e não é uma pessoa, na sua essência, com personalidade delituosa. Praticou crimes, mas sempre num quadro de resposta, desadequada obviamente, à sua situação clínica que é bastante preocupante.
10. Há que ter ainda em consideração: a alteração do estado emocional do arguido; a prática dos factos de forma negligente e não dolosa e a manifestação de arrependimento pela prática dos factos.
11. Acresce que, parece-nos que a pena aplicada aos factos dados como provados deveria situar-se na pena de prisão, mas suspensa na sua execução, o que pretendemos, atendendo à situação pessoal e económica do arguido, nos termos do artigo 50º do Código Penal.
12. Conforme supra defendido, in casu, temos de concluir que a simples censura e a ameaça de prisão são suficientes para assegurar as finalidades da punição, estando a defesa convicta de que estas situações não se irão repetir.
13. Ora, considerando a situação, não pode o tribunal, sem mais, passar diretamente para a situação mais gravosa e privar o arguido da sua liberdade, pelo que devia o douto tribunal a quo ter-lhe concedido o benefício da dúvida e concedido a oportunidade de se ressocializar sem estar privado da liberdade.
14. Ora, o arguido está plenamente inserido na sociedade e no seu seio familiar.
15. Pelo que, o facto de ser condenado numa pena detentiva e efetiva, irá afasta-lo do seu meio social, obrigando-o a estar esse período longe da sociedade, o que em nada irá contribuir para a reinserção do mesmo e não lhe vai permitir adquirir a estabilidade psico-emocional de que o mesmo necessita neste momento, pois a adaptação ao contexto prisional são fatores que o irão conduzir posteriormente a maiores dificuldades de reinserção.
16. O recorrente necessita de medidas de reinserção, mas sobretudo de não ser afastado da sua família e do seu emprego.
17. Face à posição do arguido nestas alegações e a ser procedente este recurso, a sua pena terá de ser suspensa na sua execução, mesmo que sujeita a deveres ou regras de conduta, nos termos dos artigos 51º e 52º do Código Penal.
18. No entanto, a douta sentença recorrida vai mais longe: como pena acessória, impõe a proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano e 8 (oito) meses.
19. Tendo, uma vez mais, o Tribunal a quo violado o disposto no artigo 71º do Código Penal, doseando imponderadamente a medida da pena concretamente aplicável, abstendo-se de tecer quaisquer considerações que fundamentem minimamente a sua decisão.
20. Foram, assim, violados os artigos 50º, 69º, 70º, 71º, 72º e 348º do Código Penal e artigo 344º do Código de Processo Penal.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
3. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso.
4. Nesta instância, a Exa. Senhora Procuradora - Geral Adjunta emitiu parecer de que o recurso não merece provimento,
5. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
6. O recorrente, notificado para o efeito, deu o seu consentimento a que a pena de cinco meses de prisão em que foi condenado seja cumprida em regime de permanência na habitação.
7. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso(1) do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.
O nº 1 do artigo 412º do C.P.P. estabelece que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto no sentido acabado de referir, as questões a decidir são:

- A substituição da pena de prisão efetiva;
- Medida da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados.

2- A decisão recorrida

1. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação de facto [transcrição]:

MATÉRIA DE FACTO PROVADA:

1. No dia 23/07/2019, pelas 20h20, a Guarda Militar Republicana foi chamada à residência do arguido, sita na Travessa … Barcelos, a fim de participar uma situação de violência doméstica, que deu origem ao inquérito n.º 661/19.7GBBCL, tendo o arguido conduzido, nessas circunstâncias de tempo e lugar, o motociclo de matrícula QC.
2. Tendo, em tais circunstâncias, sido convidado a submeter-se ao exame qualitativo de pesquisa ao álcool expirado, pelo militar, no exercício de funções, R. S..
3. Após lhe ter sido solicitada a realização do aludido exame qualitativo de pesquisa ao álcool expirado, o arguido consciente e deliberadamente, sem qualquer justificação, recusou-se a soprar no referido aparelho e, por conseguinte, a submeter-se ao referido exame qualitativo de pesquisa de álcool no ar expirado.
4. O aludido R. S. - Guarda n.º … - advertiu o arguido das consequências da sua recusa.
5. Não obstante o arguido estar ciente desta ordem e de a ter entendido, bem como do relevo criminal do incumprimento do que lhe tinha sido ordenado, decidiu recusar-se a fazer o supra referido exame.
6. Faltando assim à obediência devida à obrigatoriedade legal de se sujeitar aos testes para despistagem do álcool.
7. O arguido agiu ainda, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo, além do mais, que tal conduta era proibida e punida por lei.
8. O arguido reside em casa dos pais, tem dois filhos de 9 e 18 anos de idade, pagando uma prestação de alimentos global no valor de € 195,00, estando em dívida os últimos três meses. Toma medicação para controlo do seu temperamento nervoso e exaltado e para o seu problema de alcoolismo. Consome diariamente bebidas alcoólicas. Conduz habitualmente o motociclo identificado nos autos, que colocou em nome do seu pai, sendo que este não conduz, e ainda um veículo de marca Citroën, modelo Saxo, conduzido igualmente pela sua mãe. Já fez quatro tratamentos de desintoxicação alcoólica. Tem o 9.º ano de escolaridade e trabalha como jardineiro na Câmara Municipal ....
9. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
- Por sentença datada de 02-07-2007, transitada em julgado em 17-07-2007, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 28-06-2007, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 3,00€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de 4 meses e 15 dias, no processo sumário n.º 969/07.4GBBCL, do 2.º Juízo Local Criminal de Barcelos, Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
- Por sentença datada de 12-07-2012, transitada em julgado em 27-09-2012, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 28-06-2012, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 6,50€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de 11 meses, no processo sumário n.º 955/12.2GBBCL, do 2.º Juízo Local Criminal de Barcelos, Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
- Por sentença datada de 15-04-2013, transitada em julgado em 15-05-2013, foi condenado pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, em 24-01-2013, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, no processo abreviado n.º 127/13.9GBBCL, do 1.º Juízo Local Criminal de Barcelos, Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
- Por sentença datada de 07-06-2013, transitada em julgado em 08-07-2013, foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, em 05-01-2013, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão suspensa por igual período sujeita a regime de prova com obrigação de abster-se da ingestão de bebidas alcoólicas, manter tratamento para problemas do foro psiquiátrico e de dependência alcoólica e na pena acessória de proibição de contacto com a vitima por idêntico período, no processo comum n.º 16/13.7GBBCL do 2.º Juízo Local Criminal Barcelos, Comarca de Braga.
- Por sentença datada de 16-05-2014, transitada em julgado em 16-06-2014, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 10-12-2013, na pena de 7 meses de prisão substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de 12 meses, no processo comum n.º 1637/13.3GBBCL, do 2.º Juízo Local Criminal de Barcelos, Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
- Por sentença datada de 16-10-2017, transitada em julgado em 15-11-2017, foi condenado pela prática em 02-04-2017, de um crime de injúria agravada na pena de 80 dias de multa a taxa diária de 6,00€ no processo comum n.º 354/17.0GBBCL, do 2.º Juízo Local Criminal de Barcelos, Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
- Por acórdão de 09-05-2018, transitada em julgado em 13-07-2018, foi condenado pela prática de um crime de violação de oposições, proibições ou interdições, em 21-01-2016, e um crime de violência doméstica em 16-01-2016 na pena única de 4 anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período, no processo comum n.º 113/16.7T9BCL, do 4.º Juízo da Instância Central Criminal de Braga, Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
- Por sentença datada de 01-03-2016, transitada em julgado em 11-04-2016, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 09-08-2015, na pena de 54 períodos de prisão de 40 horas cada, a cumprir em dias livres e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de 18 meses, no processo comum n.º 1062/15.1GBBCL, do 2.º Juízo Local Criminal de Barcelos, Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
- Por sentença datada de 02-10-2015, transitada em julgado em 13-05-2016, foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, em 13-11-2013, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa por igual período, sob condição de efetuar tratamento psiquiátrico, no processo comum n.º 593/13.2PABCL, do 1.º Juízo Local Criminal de Barcelos, Tribunal Judicial da Comarca de Braga.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A convicção do Tribunal fundou-se no depoimento do próprio arguido, que confessou os factos, corroborados pelas declarações de R. S., militar da Guarda Nacional Republicana.
Quanto à situação sócio económica do arguido o Tribunal baseou a sua convicção nas suas declarações e do militar referido, que se afiguraram credíveis.
Os antecedentes criminais encontram-se certificados nos autos.
*
3- Apreciação do recurso

Considerando o objeto do presente recurso, delimitado nos termos sobreditos, é o momento de apreciar e decidir cada uma das questões acima enunciadas.

3.1- A substituição da pena de prisão efectiva

O recorrente insurge-se contra a pena de cinco meses de prisão efetiva em que foi condenado, pugnando pela sua substituição por uma pena de prisão suspensa na sua execução.
Relativamente a esta questão da suspensão da execução da pena de prisão, importa ter presente que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, cfr. artigo 50º, n.º 1 do C. Penal.
A suspensão da execução da pena, como qualquer pena de substituição, não pode ser vista como forma de clemência legislativa, mas como autêntica medida de tratamento bem definido com sentido pedagógico e educativo, cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, Vol. 1, 1986, pág. 289.
Tem hoje de entender-se o instituto da suspensão da execução da pena como uma autêntica medida penal, suscetível de servir tão bem (ou tão eficazmente), quanto a efetividade das sanções, aos desideratos da prevenção geral positiva, com a acrescida vantagem de, do mesmo passo, satisfazer aos da prevenção especial, vide Ac. do STJ de 17-05-2001, in Proc. nº 683/01 – 5ª Secção.
É pressuposto material do instituto da suspensão da pena a existência de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente reportado à data da decisão do tribunal e não ao momento da prática do factos, sendo que a finalidade político - criminal que a lei visa com tal instituto consiste no afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, cfr. F. Dias, ob. cit., pág. 342 e seguintes.
O pressuposto material que está subjacente à suspensão da execução pena é alheio a considerações de culpa e, assenta, assim, numa prognose social favorável ao arguido como lhe chama Jescheck (2), ou seja, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa. Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possíveis uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões de prevenção especial.

No caso vertente, tribunal recorrido fundamentou a decisão de não suspender a execução da pena de prisão argumentando que “Inexiste no caso concreto qualquer possibilidade de aplicação do mecanismo do artigo 50.º do Código Penal ou de substituição da pena aplicada. Face à postura do arguido, suspender a pena de prisão representaria para o arguido a absoluta confirmação de que o crime compensa atendendo às condenações transitadas em julgado. O arguido sofreu já nove condenações em processos judiciais, por vários crimes, com particular prevalência do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, está atualmente a decorrer o prazo de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no processo n.º 113/16.7T9BCL. Importa notar que inexiste, em concreto, qualquer facto que possa fundamentar a opção pela suspensão da execução da pena de prisão. Com efeito, esta opção legal não pode ser aplicada só porque sim, só porque interessa esvaziar as prisões, tem que ser sustentada em factos concretos que permitem concluir que a mesma satisfará as necessidades cautelares do caso concreto. Os anteriores contactos com o sistema prisional, não o demoveram da prática de crimes.
Com efeito, a personalidade do agente revela-se indiferente pela lei e pelas regras sociais. As penas anteriormente aplicadas não surtiram o efeito desejado que é afastar o delinquente da prática do crime, não por períodos de tempo, mas para sempre.
O arguido já fez vários tratamentos, comprovando-se com a sua atual conduta o insucesso dos mesmos. O arguido está medicado para problemas de alcoolismo e de ansiedade, sendo certo que continua a ingerir bebidas alcoólicas e a manter um temperamento exaltado. Por outro lado, não está socialmente inserido, atentos os problemas familiares e de saúde que o afetam. Torna-se claro, no caso concreto que não é a simples ameaça da pena de prisão a sua substituição por outra pena, que irá demover o arguido da continuação da atividade criminosa, atenta a sua personalidade impermeável ao dever ser normativo.”
Como escreve Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, pág. 333.: “Desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.
O crime cometido pelo recorrente consiste no crime de desobediência por, encontrando-se a conduzir veículo motorizado, ter-se recusado submeter a exame de pesquisa de álcool.
Ora, no âmbito dos crimes relativos à circulação rodoviária - como é o caso em análise - as exigências de prevenção geral são muito importantes, quer pela sua excessiva frequência, quer pelo perigo da gravidade das suas consequências, devendo assinalar-se às penas, por esses crimes, um efeito de prevenção geral de intimidação.
Às penas é atribuída fundamentalmente a finalidade de tutela de bens jurídicos-penais no caso concreto. Nas palavras de F. Dias (3), …. “pela necessidade de tutela da confiança (de que já falava Beleza dos Santos) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada.”
Nessa medida, o sistema de justiça penal, através da pena, tem de garantir à comunidade, que perante uma violação de uma norma jurídico-penal, será dada uma resposta adequada à reposição da sua validade, por forma a ter efeito dissuasor sobre os seus destinatários.
Pela aplicação princípio da confiança na validade das normas jurídico penais é restabelecida a paz jurídica abalada pelo crime. A pena tem de constituir uma censura ao agente pelo facto e suficiente advertência, bem assim uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.
No caso vertente, o tribunal recorrido decidiu-se pela aplicação da pena de prisão efetiva, afastando, consequentemente, a possibilidade de aplicação de qualquer pena de substituição, com fundamento, sobretudo, nos antecedentes criminais do arguido, e da ineficácia das penas de substituição, em particular da pena de prisão suspensa, ainda que mediante a imposição de condições, para afastar o arguido da prática de novos crimes.
Os antecedentes criminais do arguido, que se reportam ao período de 2007 a 2018, consistem em num total de nove condenações, registando que quatro delas tiveram lugar pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez; duas pelo crime de violação de proibições ou imposições; duas pelo crime de violência doméstica; e uma pela prática de um crime de ofensa à integridade física.
Ora, desde já se adianta que, por razões de prevenção geral e especial, mas em particular por razões de prevenção especial, julgamos não dever suspender a execução da pena prisão, importando fazer sentir ao arguido que a norma por ele violada é válida e eficaz e que deverá inverter o sentido da sua conduta, sendo certo, por isso, que tal pena de substituição da prisão não se apresenta suficiente para alcançar tais desideratos.

Na verdade, no que concerne à suspensão da execução da pena de prisão, verifica-se que o arguido - que já foi condenado em penas de multa, numa pena de substituição de trabalho a favor da comunidade e numa pena de prisão por dias livres - já experienciou anteriormente duas vezes esta pena de substituição, a qual não teve o efeito de o demover da prática de novos crimes. Acresce dizer que os factos dos presentes autos foram praticados no decurso do período de suspensão de uma dessas penas.
Assim, como solução de ultima ratio, por forma a evitar o cumprimento da pena de prisão em meio prisional, importa apurar da verificação dos pressupostos da aplicação da pena de substituição de permanência na habitação.
A pena de substituição de permanência na habitação do artigo 43º do C.P. foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 59/2007, de 04.09.
Como bem se salienta no Ac. RP de 06.06.2012 (4), “Com a introdução desta pena, quis o legislador, ainda, densificar o princípio fundamental de um sistema penal democrático, assente em princípios humanistas e ressocializadores da pena, nomeadamente da pena de prisão tout court, entendida como ultima ratio. Ou seja, só se justifica a aplicação da pena de prisão se não houver alternativas à sua aplicação ou execução, cumprida em estabelecimentos prisionais adequados.”
A pena permanência na habitação vinha sendo atribuída a natureza de pena de substituição em sentido impróprio da pena de prisão, não constituindo uma forma de execução da pena de prisão, porquanto é decidida pelo tribunal de julgamento no momento da condenação e pressupõe a não substituição da prisão previamente determinada por uma pena de substituição em sentido próprio (5).
A substituição da pena de prisão por uma pena de substituição visa evitar o cumprimento de penas curtas de prisão, mas exige a formulação de um juízo de prognose favorável à reinserção do agente na sociedade, no sentido de que seja expectável que, em resultado da sua aplicação, ele não volte a cometer novos crimes (6).
E, mesmo que se trate de uma pena de substituição detentiva, não deverá ser aplicada se através dela não for possível antever a ressocialização do agente e se não for respeitado o princípio da confiança dos cidadãos na validade e na vigência da norma infringida (7).

No caso vertente, porque a pena de prisão aplicada não é superior a dois anos, é legalmente possível o cumprimento da pena em que o arguido foi condenado em regime de permanência na habitação.
Importa salientar que a Lei nº 94/2017, de 23.08, veio redesenhar a figura jurídica do regime da permanência na habitação, conferindo-lhe maior amplitude, ou, como se refere na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 90/XIII, que deu origem à referida lei, “Pretendeu-se clarificar, estender e aprofundar a permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo. Vinca-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alarga-se, por outro lado, a possibilidade da sua aplicação aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal, ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º do mesmo diploma.”.
Assim, face à atual configuração do regime da permanência na habitação, quanto à sua natureza jurídica, julgamos ser agora um meio de execução da pena de prisão não superior a dois anos.
Como diz Maria João Antunes (8) “O regime de permanência na habitação, tal como regulado nos artigos 43º e 44º do CP, é um incidente (ou uma medida) da execução da pena de prisão”.
Para além do consentimento do condenado, o regime da permanência na habitação depende do pressuposto material que consiste em por esse meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena, cfr. nº 1 do artigo 43º do CP.
Às finalidades da execução da pena refere-se o artigo 42º do CP e o artigo 2º do Código de Execução de Penas.
Segundo o nº 1 do artigo 42º do C. Penal “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.”
Por seu turno, o nº 1 do artigo 2º do C. Execução de Penas estabelece que “A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a proteção de bens jurídicos e a defesa da sociedade.”
Do teor das referidas normas decorre que é salientada como finalidade da execução da pena a prevenção especial de reintegração do agente na sociedade, pese embora não possa ser olvidada a finalidade de prevenção geral positiva da pena, como resulta do vertido no artigo 40º do CP.
Uma das finalidades de politica criminal relativamente à pena de prisão, consiste em que a execução da pena de prisão deverá constituir uma última ratio, em obediência aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da menor restrição possível dos direitos e liberdades dos cidadãos, cfr. artigo 18º, nº 2 da CRP. Uma das forma de alcançar tal desiderato é a diversificação da execução da pena de prisão, de que é exemplo o regime de permanência na habitação dos artigos 43º e 44º do C.P..

No caso, como dissemos, a pena de 5 meses de prisão aplicada cumpre o pressuposto formal de que a pena não seja superior a dois anos, verificando-se também o consentimento do arguido.
No que se refere ao pressuposto material, é de assinalar que o arguido nunca foi condenado em pena de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, e por isso, não experienciou este regime. Assim, diferentemente do decidido pelo tribunal de primeira instância, não temos como adquirido que este não terá o efeito de demover o arguido da prática de novos crimes.
Efetivamente, atenta a situação de inserção familiar e profissional do arguido (o arguido, presentemente, vive em casa dos pais; toma medicação para o seu temperamento nervoso e exaltado e para o seu problema de alcoolismo, tendo efetuado quatro tratamento; tem o 9º ano de escolaridade e é jardineiro na Câmara Municipal ...), sendo que não há notícia de que venha incumprindo o plano de reinserção social relativo à pena de prisão suspensa em que foi condenado no processo nº 113/16.7T9BCL Juízo Central Criminal de Braga -, e constituindo o regime de permanência na habitação uma espécie de antecâmara da prisão em meio prisional, estamos convencidos de que a sua aplicação terá um efeito positivo no comportamento futuro do arguido relativamente à prevenção da prática de novos crimes.
Se é certo que o tribunal recorrido afastou, e bem, a aplicação da pena de prisão suspensa, porquanto os factos dos presentes autos foram perpetrados no decurso do período de suspensão com regime de prova de uma pena de prisão de 4 anos e 8 meses pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de violação de imposições, a qual, não obstante, não teve o efeito de desmotivar o arguido de praticar o crime de desobediência destes autos.
Todavia, presentemente, o regime de permanência na habitação poderá ser aplicado, nomeadamente, em caso de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não superior a dois anos, cfr. al. c) do nº 1 do artigo 43º do CP.
Daí que o afastamento da aplicação da pena de prisão suspensa na sua execução, por si só, não possa constituir um elemento que aponte no sentido da não aplicação do regime de permanência na habitação, pois que encontra-se legalmente previsto como podendo ser um seu sucedâneo.
Ora, uma vez decidido que o cumprimento da pena será efetivo, como se salienta no Ac. RE de 22.11.2018, processo 1029/18.2PCSTB.E2, acessível em www.dgsi.pt “…o que se impõe agora decidir é se a opção pelo RPH, que, legitimamente, merece os favores do legislador, satisfaz de forma adequada e suficiente a orientação para a reintegração social do recluso acolhida no art. 42.º CP como finalidade primeira da execução da prisão, sendo que só muito residualmente deixará de aplicar-se o RPH por exigências de prevenção geral.”

No caso vertente, o regime de permanência na habitação tutela de forma suficientemente o bem jurídico ofendido pela conduta do arguido, assim satisfazendo as exigências de prevenção geral e, concomitantemente, julgamos ser ainda suscetível de promover a ressocialização do arguido, sem que com isso o seu agregado familiar sofra consequências excessivamente gravosas.
O regime de permanência na habitação tem o efeito de evitar os conhecidos efeitos criminógenos das penas curtas de prisão, como é o caso. Mas também permite evitar o efeito indesejável de o condenado permanecer por um período considerável de tempo afastado do seu meio social e profissional.
Nesta conformidade, julgamos ser de atender à pretensão do recorrente de que a pena de prisão em que foi condenado, não podendo ser suspensa na sua execução, possa ser cumprida em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, pelo que o recurso procede nesta parte.
No entanto, por forma a concretizar o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, o tribunal de primeira instância terá de fazer observar o disposto na Lei nº 33/2010, de 02.09, nos termos que entender por mais adequados ao caso, sem o qual a pena terá de ser cumprida em meio prisional.

3.2- Medida da pena acessória de inibição de conduzir.

Segundo o arguido, ora recorrente, a pena acessória de inibição de conduzir de veículos motorizados de 1 ano e 8 meses aplicada pelo tribunal recorrido revela-se imensamente gravosa, não tendido sido minimamente fundamentado o referido período temporal.
Assim, importa sindicar da medida concreta da referida pena acessória de inibição de conduzir.
Nesta sede, não podemos deixar de salientar - quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena principal e da pena acessória em sede de recurso (9) - que entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina (10) e da jurisprudência (11) de que “é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada” (12).
Nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1 al. a) do CP “ 1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para a deteção de condução de veículo sob o efeito de álcool …”
A pena acessória de inibição de conduzir tem uma função – preventiva - mais restrita do que a pena principal, na medida em que visa prevenir a perigosidade do agente, mas como pena acessória que é, traduz num “revigoramento da intervenção penal” (13), constituindo uma censura adicional pelo facto praticado.
Segundo F. Fias (14) “…à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação…” E acrescenta “…deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
Importa ainda salientar que face à atual redação do artigo 69º, nº 1 al. c) do CP, a condenação em pena acessória não depende de quaisquer circunstâncias específicas, sendo seu único pressuposto o cometimento de um dos crimes nele previstos.
Conforme tem sido entendimento pacífico na doutrina (15) e na jurisprudência (16), a determinação da medida concreta da pena acessória, como pena que é ligada ao facto praticado e à culpa do agente, faz-se de acordo com os critérios fixados no artigo 71º, n.º 1 e n.º 2 do CP, bem assim em conformidade com as finalidades prevista no artigo 40º do mesmo código, pelo que, numa primeira aproximação, a pena deve ser concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento.
Logo, num primeiro momento, a medida da pena há de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos, no caso concreto, traduzindo a ideia de prevenção geral positiva, enquanto «reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida» (17).
Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura assim encontrada, que as considerações de prevenção geral, quer positiva ou de integração, quer negativa ou de intimidação, não podem ultrapassar.
Por último, devem atuar considerações de prevenção especial, de socialização ou de suficiente advertência.
Os concretos fatores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º2 do artigo 71.° do CP, relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.
No caso vertente, o tribunal de primeira instância, considerando a moldura de 3 meses a 3 anos, fixou em 1 ano e 8 meses a pena acessória aplicada, cfr. artigo 69º, nº 1 al. c) do C.P..
Da fundamentação da decisão recorrida (que remeteu para os fundamentos da medida da pena principal), resulta que o tribunal a quo sopesou bem cada um dos fatores suscetíveis de influenciar a medida concreta da pena acessória de inibição de conduzir, de acordo com dos princípios gerais de determinação acima enunciados.
Na verdade, a duração da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados foi fixada tendo presente o grau de ilicitude do facto e da culpa, bem assim segundo as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
Com efeito, no que concerne à culpa, verifica-se que o arguido agiu com dolo direto; o arguido é merecedor de forte censura ético jurídica, pois que podia e devia ter agido de outro modo.
Acresce que são conhe­cidas as particulares necessidades de pre­venção geral relativamente ao tipo de ilí­cito cometido pelo arguido, conforme acima se deu conta.
Por isso, no caso, a necessidade de tutela do bem jurídico ofendido pela conduta do arguido faz-se sentir com intensidade.

No caso vertente fazem-se sentir especiais exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido, para além de outras condenações, já havia sido condenado quatro vezes pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo sido consequentemente condenado em penas acessórias de inibição de conduzir veículos motorizados (o arguido cumpriu quatro penas acessórias de inibição de conduzir com duração entre 4 meses e 15 dias e 18 meses, sendo que esta última recente, uma vez que a respetiva decisão transitou em julgado em 11.04.2016); confessou os factos (face ao flagrante delito a confissão seria relevante sobretudo para aferir do arrependimento, circunstância relativamente à qual, na sentença recorrida, nos factos provados nada se refere); e, na data dos factos, o arguido tinha 47 anos de idade, o que é revelador do amadurecimento da sua personalidade.
Acresce dizer que as sanções penais terão de constituir um sacrifício para o condenado, o qual terá se sentir na pele os seus efeitos. De outro modo, seriam inócuas e irrelevantes (18). A condenação imposta ao arguido terá o efeito de contribuir decisivamente para que, no futuro, não cometa novos crimes, designadamente, crimes relacionados com a circulação rodoviária.
Por outro lado, é de salientar que não ocorre violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada, quanto à duração da pena acessória fixada na decisão recorrida fixada na média da respetiva moldura.
A medida da pena acessória fixada respeita os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas, observando o preceituado no artigo 18º, nº 2, da CRP. E, por isso, é a adequada a repor a validade da norma infringida, constituindo suficiente advertência por forma a que a sua finalidade preventiva fique efetivamente garantida.
Nesta conformidade, julgamos que a medida da pena acessória de inibição de conduzir cominada ao recorrente encontra-se bem doseada.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, decidem:

a) Revogar a sentença recorrida na parte em que determinou o cumprimento efetivo (em meio prisional) da pena de 5 (cinco) meses de prisão, ordenando-se que esta pena seja antes cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a definir pelo tribunal de primeira instância nos termos que entender por mais adequados, em conformidade com o disposto nos artigos 43º e 44º do C. Penal e na Lei nº 33/2010, de 02.09; e
b) Manter, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Sem custas face à parcial procedência do recurso, cfr. artigo 513º, nº 1 do CPP. .
Notifique.
Guimarães, 27.01.2020
(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2 do C.P.Penal).

(Armando da Rocha Azevedo - Relator)
(Clarisse Machado S. Gonçalves - Adjunta)


1. Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
2. Vide Tratado de Derecho Penal, vol. 1, pág. 1 153
3. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2012, pág. 79.
4. Acessível em www.dgsi.pt, Proc 31/11.5PEPRT.P1.
5. Neste sentido, vide, entre outros, Ac. RP de 21.11.2012, processo nº 78/11.8GAMUR.P; Ac. RP 07.03.2012, processo 403/10.2GAVLC-A.P1; e Ac. RC de 27.06.2012, processo 81/10.9GBILH.C1.E, acessíveis em www.dgsi.pt, e F. Dias, As Consequências do Crime, pág. 335.
6. Assim, vide, entre outros, Ac. RP de 06.11.2013, processo 186/13.4SGPRT.P1, relator José Carreto; e Ac. RP de 19.11.2014, processo 179/14.4PFVNG.P1, relatora Fátima Furtado, acessíveis em www.dgsi.pt
7. Cfr. Ac. RP de 10.02.2016, processo 328/15.5GBOAZ.P1, in www.dgsi.pt
8. In Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2017, pág. 94.
9. Note-se que seguimos aqui a posição de que o recurso constitui um remédio jurídico ou um juízo de censura crítico e não um “novo julgamento” como se não tivesse existido um julgamento anterior, cfr. v.g. Damião da Cunha, O caso Julgado Parcial, Universidade Católica, 2002, pág. 37.
10. Vide F. Dias, Direito Penal Português, As consequências do crime, pág. 196 e segs.
11. Vide, entre outros, Ac. STJ de 29.03.2007, proc. 07P1034, relator Simas Santos, Ac. STJ de 19.04.2007, processo 07P445, relator Carmona da Mota, e Ac. RE 22.04.2014, proc 291/13.7GEPTM.E1, relatora Ana Barata Brito, todos acessíveis em www.dgsi.pt
12. Cfr. o atrás citado Ac STJ de 29.03.2007.
13. Palazzo, citado por F. Dias, in Direito Penal Português, As Consequências do Crime, pág. 164.
14. Ob. cit., pág. 165.
15. Cfr. António João Latas, A pena acessória de inibição de conduzir veículos automóveis, Sub Judice, nº 17, 2000, janeiro / março, pág. 94.
16. Neste sentido, vide, v.g., Ac. RC de 07.01.2004, processo 3717/03 e Ac RC de 04.12.2013, processo 181/13.3GBAGD.C1, acessíveis em www.dgsi.pt.
17. F. Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 72-73.
18. Cfr. Ac RL de 13.07.2016, processo 202/16.8PGDL.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.