Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
68450/16.1YIPRT.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: PROCESSO DE INJUNÇÃO
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
RECUSA DO PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Apresentado um requerimento de injunção, cabe ao secretário verificar os formais e objectivos fundamentos da respectiva recusa, previstos no art. 11º, nº 1 do Dec-Lei nº 268/98, de 1 de Setembro, nos quais não se inclui o grau de complexidade do litígio subjacente ao incumprimento das obrigações invocadas.

II. Ultrapassada essa fase inicial, face à oposição deduzida, com remessa dos autos à distribuição, e transmutação deles em acção declarativa, fica precludido o conhecimento das questões que poderiam ter levado à recusa do procedimento de injunção, desde que não assumam expressão nessa subsequente fase (declarativa) do processo.

(Maria João Marques Pinto de Matos)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. X - Companhia de Seguros, S.A. (aqui Recorrente), com sede na Rua …, no Porto, apresentou um requerimento de injunção, contra Empresa A - Transportes Nacionais e Internacionais, S.A. (aqui Recorrida), com sede na Rua do …, em Braga, e Outras (11), pedindo que
· lhe fosse paga a quantia de € 26.833,20 (sendo € 20.186,67 a título de capital, e € 6.340,63 a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empesas comerciais, contados desde 19 de Abril de 2012 até 24 de Junho de 2016), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à mesma taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados sobre a quantia reclamada a título de capital, desde 25 de Junho de 2016 até integral pagamento.

·
Alegou para o efeito, em síntese, que, dedicando-se à actividade seguradora, celebrou com o Grupo Empresa A (composto pelas aqui doze Sociedades requeridas) um contrato, por meio do qual se obrigou a criar uma conta-corrente comum ao conjunto das Requeridas, onde seriam debitados todos os prémios de seguro vencidos e os fluxos financeiros de todas as Apólices a que dissessem respeito, de que aquelas eram tomadoras, e onde ela própria garantia os riscos respectivos; e as Requeridas se obrigaram a pagar o saldo devedor da dita conta-corrente.
Mais alegou que, tendo garantido a responsabilidade sinistral das diversas Apólices em causa, as Requeridas não lhe pagaram as respectivas contrapartidas.

1.1.2. Regularmente notificadas todas as Requeridas, vieram deduzir oposições: conjunta, Empresa A - Transportes Nacionais e Internacionais, S.A. (1ª Requerida), Empresa A Transitários, Limitada (2ª Requerida), FB & Companhia, Limitada (3ª Requerida), Empresa T - Aluguer de Automóveis, S.A. (4ª Requerida), Empresa Y & Companhia, Limitada (5ª Requerida), Empresa S - Trânsitos e Transportes Internacionais, Limitada (6ª Requerida), Auto, S.A. (8ª Requerida), EMPRESA L - Transportes Courier Internacional, S.A. (9ª Requerida), e TT, Limitada (10ª Requerida); e individuais, Empresa P - Serviços de Aluguer, S.A. (7ª Requerida) e EMPRESA M - Transportes Especiais, S.A. (12ª Requerida).
Em qualquer das oposições, foi pedido que se julgasse a injunção improcedente (impugnando-se os factos aduzidos em contrário pela Requerente); foram ainda deduzidas as excepções de ineptidão do requerimento de injunção (oposição conjunta) e de prescrição do crédito reclamado (oposição conjunta e oposição individual da 11ª Requerida); e foi requerida a intervenção acessória de RR - Mediação de Seguros, S.A. (oposição conjunta).

1.1.3. Distribuídos os autos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, foi proferido despacho, convidando as partes a pronunciarem-se, «querendo e em 10 dias, sobre a existência de um uso indevido do procedimento de injunção, configurado como uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância» (conforme fls. 153).

1.1.4. Apenas a Requerente/Autora (X - Companhia de Seguros, S.A.) se pronunciou, defendendo inexistir a dita excepção, nomeadamente por a complexidade da causa não se encontrar prevista na lei como fundamento da sua exclusão do âmbito do Dec-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro.

1.1.5. Foi proferida decisão, considerando verificada nos autos uma excepção dilatória inominada, por uso indevido do processo de injunção, absolvendo-se as Requeridas/Rés da instância, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Há que verificar se o crédito invocado pelo requerente é um crédito que a lei reconhece como susceptível de obter injunção de pagamento da quantia pedida, constituindo título executivo, após a aposição da fórmula executória.
No caso dos autos, em face do que acima se descreveu relativamente ao respectivo objecto, não estamos perante um mero e simples cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato nem do simples incumprimento de obrigações emergentes de transacções comerciais, isto é, pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais.
O litígio, tal como a requerente o configura, compreende a discussão de um contrato com múltiplas partes, agregando, por sua vez, no seu seio, uma grande multiplicidade de obrigações e contra obrigações inerentes aos vários contratos de seguro que lhe subjazem sobre o cumprimento, ou não, dos quais as partes estão em desacordo.
O processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade.
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28/10/2015 (processo 126391/14.1YIPRT.P1), o processo de injunção não é adequado a «situações de contornos complexos referentes a responsabilidade civil obrigacional, cujos pressupostos não são de fácil e liminar verificação, antes exigindo, as mais das vezes, aturada discussão e trabalhosa decisão, mormente quando os próprios contratos em discussão são de natureza complexa pelos feixes de direitos e deveres recíprocos que movimentam» (itálico e sublinhado ora acrescentados). No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/11/2014 (processo 1946/13.3TJLSB.L1-8).
Assim sendo, não sendo o procedimento adoptado pela parte o meio adequado, existe um obstáculo processual impeditivo do conhecimento de mérito, ocasionando excepção dilatória inominada, que determina a absolvição da instância (art.º 576.º, n.ºs 1 e 2; 577.º e 578.º, todos do C.P.C.)
Pelo exposto, absolve-se a requerida da instância.
Custas, na sua totalidade, pela requerente – artºs 527.º, nºs 1 e 2; 152.º, nº 2; e 607.º, nº 6, todos do C.P.C. – fixando-se o valor da causa em € 26.680,30 – artºs 296.º; 297.º, nºs 1 e 2; e 306.º, todos do C.P.C.
Registe e notifique.
(…)»
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1.2. Recurso (fundamentos)

Inconformada com esta decisão, a Requerente/Autora (X - Companhia de Seguros, S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a decisão recorrida, considerando-se o procedimento de injunção adequado à relação contratual comercial invocada, e ordenando-se o prosseguimento dos autos.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - Mostrarem-se cumpridos nos presentes autos todos os pressupostos previstos na lei para que a Requerente lançasse mão do procedimento de injunção - neles não se incluindo a não complexidade da relação comercial invocada - , conforme o próprio Tribunal a quo teria reconhecido em momento anterior.

1 - A douta sentença recorrida merece natural respeito. Contudo, no nosso entender, constitui uma violação das normas constantes no artigo 7º do Anexo ao D.L. 268/98, de 1 de Setembro e nos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, 3.º e 7.º do D.L. 32/2003, de 17 de Fevereiro.

2 - O facto de uma acção poder revestir-se de alguma complexidade, não se encontra previsto na lei como fundamento de exclusão da mesma do âmbito dos referidos Decretos-Lei n.ºs 269/98, de 1 de Setembro e 32/2003, de 17 de Fevereiro, pelo que não há uso indevido do procedimento de injunção no caso em apreço.

3 - Aliás, esse foi inclusivamente o entendimento do Tribunal “a quo” no despacho proferido nos presentes autos em 07-11-2016, a fls…, no qual se considera que, no caso em apreço, a Recorrente poderia e deveria intentar uma injunção – que foi o que efectivamente fez.

4 - E, bem assim, no despacho de 07-02-2017, a fls…, no qual o Tribunal “a quo” vem dar razão à aqui Recorrente ali dizendo expressamente que “inexiste” nos presentes autos “qualquer erro na forma do processo”, ordenando o prosseguimento dos mesmos.

5 - Para depois, por despacho de 21-03-2017, de fls…, vir dizer contraditoriamente que, “o processo de injunção… não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade…”

6 - Ou seja, em momentos diferentes do processo, o Tribunal revela entendimentos diferentes (e contraditórios) sobre a mesma questão, isto é, sobre a adequação ou não adequação do procedimento de injunção para a Requerente reclamar o crédito invocado nos presentes autos!

7 - Com o devido respeito, não podemos concordar com os fundamentos que determinaram a absolvição da instância da Ré pelo Tribunal recorrido, porquanto o artigo 7º do Decreto-lei 269/98, de 1 de Setembro preceitua que “considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro."

8 - Por sua vez, dispõe o artigo 3º, al. a), do Decreto-lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro: "Para efeitos do presente diploma, entende-se por “Transação comercial” qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração e por “Empresa” qualquer organização que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular.”

9 - Ou seja, no caso dos presentes autos, ambas as partes são pessoas colectivas, sociedades comerciais – portanto, empresas – estando em litígio a questão do não pagamento das obrigações assumidas pelas Requeridas nos contratos celebrados com a Requerente, durante a relação comercial que existiu entre Requerente e Requeridas. Ou seja, estamos igualmente perante uma transacção comercial. Pelo que, estão cumpridos todos os pressupostos legais previstos na lei para que a Requerente lançasse mão do procedimento de injunção, o que fez.

2ª - Tendo os autos sido apresentados à distribuição, e passado a ser tramitados como uma acção declarativa, estaria ultrapassado o momento em que que se poderia aferir da adequação, ou não adequação, do procedimento de injunção.

10 - Acresce que: sendo deduzida oposição, o pedido de injunção já não será efectivado pela aposição da dita fórmula executória a partir do momento em que há oposição.

11 - Ou seja, deduzida oposição a uma injunção, já não poderá ser apreciado se se verificam ou não os pressupostos formais que a lei impõe ou mesmo, sem conceder, o espírito do legislador determina para que a injunção seja decretada.

12 - Pelo que, não poderia nesta fase a sentença recorrida vir concluir que a injunção não é o meio adequado para a Recorrente fazer valer os seus direitos, dado que, havendo oposição, o processo segue os termos de uma acção, sendo nesta que deverá ser apreciado o pedido de condenação formulado pela Autora e já não os pressupostos legais ou a adequação ou não do procedimento de injunção.

13 - Tal aferição, da adequação ou não do procedimento de injunção, poderia sim ser feita antes da Oposição dos Requeridos, nos termos do artigo 11.º, n.º 1., al. g) do Anexo ao D.L. 269/98, de 1 de Setembro, levando à recusa do requerimento, mas não nesta fase processual, ou seja, já após a distribuição!

14 - Quanto ao espírito do legislador, como bem refere a Sentença recorrida, “com a intenção de descongestionar os tribunais de processos destinados ao cumprimento de obrigações pecuniárias, elevou a possibilidade de utilização dos dois já referidos mecanismos (a injunção por um lado, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, por outro) para a exigência do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior ao da alçada do Tribunal da Relação”.

15 - Esta foi a efectiva intenção do legislador ao criar estes dois mecanismos e, concretamente, o procedimento de injunção, sendo que, no caso em apreço, ao decidir a sentença recorrida pela absolvição da instância, está a ir também contra o espírito do legislador, porquanto estão verificados todos os pressupostos legais para que a Recorrente tenha recorrido ao procedimento de injunção, acrescendo o facto de que, como houve oposição, o mérito da causa poder ser discutido no âmbito de uma acção cujos trâmites são seguidos normalmente após a distribuição, deixando aqui de ter qualquer interesse aferir se o procedimento de injunção é ou não legalmente admissível ou adequado à relação comercial invocada pela Requerente.

16 - Veja-se a este propósito o estudo “ Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção” in Themis, VII, n.º 13, pág. 169-212 Paulo Duarte Teixeira, no qual se refere que "O critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor”.

17 - Ora, no caso dos presentes autos, face ao teor do requerimento inicial e quadrículas preenchidas, o procedimento de injunção era (e é), em abstrato, ajustado ao pedido formulado.

18 - Ou seja, as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada. No entanto, ultrapassada esta fase, elas não assumem expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de acção especial ou processo comum ordinário. O mesmo se aplica quanto ao “espírito” que esteve na base da criação dos dois mecanismos processuais supra referidos.

19 - E, mesmo que se verificasse a circunstância da relação comercial invocada pela Recorrente não se enquadrar nos pressupostos previstos na lei para o procedimento de injunção ou no espírito do legislador, o que não se aceita ou concede e só por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio aqui se equaciona, tal facto não exerce nenhuma influência, ou seja, não tem qualquer correlação com a forma de processo a tramitar em momento subsequente mas tão-só para que a injunção seja decretada.

20 - Ou seja, após a distribuição, não releva, enquanto facto obstativo do conhecimento de mérito, o facto da relação comercial invocada ser ou não adequada ao procedimento de injunção. E isto porque, ainda que tal relação comercial invocada não pudesse permitir que fosse decretada a injunção, o que, reitera-se, não se aceita ou concede, ela não obsta a que o crédito seja reconhecido visto que na acção que se lhe segue é indiferente a natureza da transacção que deu origem ao crédito, não exercendo qualquer influência na tramitação da causa.

21 - Não estamos, pois, na presença da excepção dilatória invocada na sentença recorrida, devendo, os autos prosseguir para instrução e julgamento dos factos alegados e bem assim subsequente decisão de mérito.

22 - Atento o exposto, a decisão do Tribunal “ a quo” de absolver as Requeridas da instância foi ilegal, violando o disposto no artigo 7º do Anexo ao D.L. 268/98, de 1 de Setembro e nos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, 3.º e 7.º do D.L. 32/2003, de 17 de Fevereiro.

23 - Acresce que a aqui Recorrente, em situações de contratos e obrigações em tudo similares aos invocados nos presentes autos, recorreu igualmente ao procedimento de injunção, não tendo havido qualquer entendimento por parte dos respectivos tribunais de que tal procedimento não fosse o adequado, antes ordenando o prosseguimento normal dos autos.

3ª - Tendo o pedido formulado (€ 26.680,30) valor superior ao de metade da alçada da Relação (€ 15.000,00), deveriam os autos prosseguir sob a forma de processo comum.

24 - Assim, sendo o procedimento de injunção o adequado ao caso “sub judice”, e, como tal, não havendo fundamento para a absolvição da instância decretada na decisão recorrida, sempre os autos deveriam prosseguir os seus trâmites legais normais,

25 - Seja o da acção especial prevista no n.º 1, do D.L. 268/98, de 1 de Setembro, seja o da acção declarativa sob a forma comum, conforme tem sido, aliás, o entendimento de alguma jurisprudência, tendo em atenção o valor do crédito reclamado.

26 - Efectivamente, de acordo com alguma jurisprudência dos tribunais superiores, nos casos em que o valor do crédito reclamado na injunção é superior a metade da alçada do Tribunal da Relação, deduzida oposição, o processo deverá ser distribuído e seguir os trâmites previstos para o processo sob a forma comum.

27 - É entendimento da referida jurisprudência que o regime do artigo 7º do D.L. 32/2003, quer na sua redacção inicial, quer na que foi introduzida pelo D.L. 107/2005, sempre espelhou e correspondeu ao valor consagrado no artigo 1º do D.L. 269/98 de 1 de Setembro (primeiro com referencia à alçada do Tribunal de Primeira Instância e, posteriormente, à alçada do Tribunal da Relação),

28 - E que o D.L. 303/2007 de 24 de Agosto, ao rever o valor da alçada do Tribunal da Relação, alterou a redacção do artigo 1º do D.L. 269/98 de 1 de Setembro, fixando que o regime processual nele previsto apenas se aplica a acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a €15.000, ou seja, veio consagrar como limite diferenciador para a aplicabilidade dos regimes processuais o valor equivalente a metade da alçada da Relação, quando anteriormente tal limite separador era o da alçada deste tribunal superior.

29 - Ou seja, o entendimento jurisprudencial mencionado vai no sentido de que o legislador quis, inequivocamente, fixar como limite para a aplicabilidade do regime processual constante no anexo do citado D.L. 269/98, de 1 de Setembro, o valor de €15.000, e não outro.

30 - E que a redacção do artigo 7º do D.L. 32/2003 não foi, como devia ser, actualizado e mantida a correspondência com o artigo 1º do D.L. 269/98 de 1 de Setembro, antes manteve-se a referência à alçada do Tribunal da Relação, entretanto corrigida para €30.000.

31 - É, por isso, entendimento da mencionada jurisprudência que, a aplicar-se tais regimes estava-se claramente a violar a disposição constante do artigo 1º do D.L. 269/98 de 1 de Setembro que fixa como limite máximo de aplicabilidade do regime por si instituído no seu anexo, o valor de €15.000.

32 - Ou seja, para credores de quantias emergentes de transações comerciais entre empresas possibilitar-se-ia o recurso ao regime especial até ao montante de €30.000. Para os credores de obrigações pecuniárias emergentes de contratos o limite de aplicabilidade do regime previsto pelo D.L. 269/98 de 1 de Setembro fica-se pelos €15.000.

33 - Entende, por isso, a jurisprudência referida que o D.L. 32/2003 teve apenas como finalidade não colocar limite ao pedido injuntivo, sendo certo que em caso de oposição ao mesmo a aplicação do regime estabelecido pelo D.L. 269/98 de 1 de Setembro e valor por si definido é inquestionável - €15.000.

34 - Sendo que, o D.L. 62/2013, no seu artigo 10.º, veio corrigir e clarificar a contradição manifesta dos regimes em causa consagrando a correspondência dos créditos em causa e regimes aplicáveis, referindo expressamente que a linha separadora entre a aplicabilidade do processo comum e do processo especial previsto pelo D.L. 269/98 de 1 de Setembro em caso de oposição à injunção é a metade da alçada de Relação (€15.000). Ou seja: sendo deduzida a oposição à injunção por incumprimento de pagamento em transações comerciais de valor superior a €15.000, aplica-se a forma de processo comum.

35 - Pelo que, ainda de acordo com a jurisprudência indicada, a interpretação das normas em causa, ao abrigo do artigo 9º do Código Civil, deverá sempre conduzir a que desde a introdução do regime previsto pelo D.L. 32/2003, a partir de 15 de Setembro de 2005, a dedução de oposição à injunção por parte do requerido implica que: caso o valor da injunção seja superior de €15.000 o processo será remetido a tribunal aplicando-se o processo comum; caso o valor seja inferior a €15.000, aplicar-se-á o procedimento constante do anexo ao D.L. 269/98.

36 - A título exemplificativo do entendimento jurisprudencial referido e devidamente explanado supra, veja-se por todos o Ac. desse Venerando Tribunal da Relação, de 15-05- 2014, Proc. N.º 130585/13.9YIPRT-A.G1, in “www.dgsi.pt.

37 - De qualquer forma e, independentemente do entendimento jurisprudencial referido supra, no que ao procedimento de injunção respeita, havendo oposição, quer o processo seja distribuído e siga a forma da acção especial prevista no artigo 1.º do D.L. 269/98 de 1 de Setembro, quer seja distribuído e siga o da acção sob a forma comum, tal questão é alheia ao motivo e questão subjacente ao presente recurso e que determinou a absolvição da instância das Requeridas,
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1.3. Contra-alegações

A Opoentes conjuntas (Empresa A - Transportes Nacionais e Internacionais, S.A., Empresa A Transitários, Limitada, FB & Companhia, Limitada, Empresa T - Aluguer de Automóveis, S.A., Empresa Y & Companhia, Limitada, Empresa S - Trânsitos e Transportes Internacionais, Limitada, Auto , S.A., EMPRESA L - Transportes Courier Internacional, S.A., e TT, Limitada) contra-alegaram, pedindo que o recurso fosse julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Alegaram para o efeito, em síntese:

1 - Inexistir qualquer contradição entre sucessivos despachos proferidos pelo Tribunal a quo, que, tendo decidido que não existia a excepção dilatória de erro na forma de processo, considerou porém existir a excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção.

2 - Face aos concretos contornos do litígio dos autos (relação contratual complexa, com plúrimas partes), ainda que o procedimento de injunção fosse legalmente admissível, não se mostraria o mesmo adequado a regular processualmente a demanda.

3 - Ser apenas após a distribuição dos autos, quando os mesmos lhe são apresentados pela primeira vez, que o Tribunal pode apreciar a idoneidade do uso do procedimento de injunção, pelo que, no caso concreto, o teria feito em tempo.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto (e da concreta decisão proferida sob sindicância), duas questões foram submetida à apreciação deste Tribunal:

1ª - É o procedimento de injunção inaplicável, por desadequado, aos litígios decorrentes de relações contratuais que revistam complexidade ?

2ª - Pode a desadequação do procedimento de injunção (aos litígios decorrentes de relações contratuais que revistam complexidade) ser declarada após a distribuição dos autos ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, encontra-se assente a tramitação dos autos referida em «I - RELATÓRIO» (e aí limitada ao que ora nos interessa), que aqui se dá por integralmente reproduzida.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Procedimento de injunção - Consagração e ratio

4.1.1. Lê-se no preâmbulo do Dec-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro - que aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada dos tribunais de primeira instância - , que se pretendeu simultaneamente com ele: generalizar «ao conjunto dos tribunais judiciais» «medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não oposição do demandado», tendo por objecto o «cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1ª instância»»; e «incentivar o recurso à injunção», «instituída pelo Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, no intuito de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção “de forma célere e simplificada”, de um título executivo», mas que até então merecera «uma aceitação inexpressiva» (com bold apócrifo).
Mostrava-se, assim, o legislador sensível à «instauração de acções de baixa densidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte de grandes utilizadores» - «empresas que negoceiam com milhares e consumidores» - , correndo aqueles «o risco de se converter, sobretudo nos grandes meios urbanos, em órgãos que são meras extensões dessas empresas, com o que se postergam decisões, em tempo útil, que interessam aos cidadãos».
Lia-se, assim, no seu art. 7º, que se considera «injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro», isto é, «obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância» (com bold apócrifo).
Apresentado o respectivo requerimento «na secretaria do tribunal do lugar de cumprimento da obrigação ou na secretaria do tribunal do domicílio do devedor» (art. 8º), em «impresso de modelo aprovado por portaria do Ministro da Justiça» (art. 10º), e não sendo o mesmo recusado por falta dos objectivos requisitos formais discriminados no art. 11º do mesmo diploma, «o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida (…), ou para deduzir oposição» (art. 12º); e se, «depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção» fórmula reconhecendo a respectiva força executiva, que só poderá ser recusada «quando o pedido não se ajuste ao montante ou finalidade do procedimento» (art. 14º).

Seria posteriormente publicado o Dec-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, esclarecendo o seu preâmbulo que visou «transpor para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2000/35/CE», do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que «veio estabelecer medidas de luta contra os atrasos de pagamento em transacções comerciais», reconhecendo que recaíam então «sobre as empresas, particularmente as de pequena e média dimensão, encargos administrativos e financeiros em resultado» de tais atrasos, apontados como «uma das principais causas de insolvência dessas empresas, ameaçando a sua sobrevivência e os postos de trabalho correspondentes»; e, por isso, facilitando doravante ao credor a obtenção de um título executivo, «permitindo-lhe o recurso à injunção, independentemente do valor da dívida» (com bold apócrifo).
Veio, assim, a ser conferida nova redacção ao art. 7º do Dec-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, passando a ler-se no mesmo que se considera «injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular [obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância], ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro» (com bold apócrifo).
O que sejam as ditas «transacções comerciais» encontra-se definido no art. 3º do Dec-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, resultando da al. a) que «Transacção comercial» é «qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração»; e resultando da sua al. b) que «Empresa» é «qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular».
Logo, e desde então, o procedimento da injunção passou a ser utilizável, quer no caso do cumprimento de obrigações pecuniárias abrangidas pelo art. 1º do diploma preambular ao Dec-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância), quer de obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Dec-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro (estas sem limite de valor).

Reconhecendo o êxito dos diplomas anteriores, e procurando potenciar os seus efeitos, seria depois publicado o Dec-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho, em cujo preâmbulo expressamente se refere: ter sido intenção dos anteriores «encontrar alternativas para a litigância de massa e a crescente instauração de acções de baixo valor com o propósito de consecução de uma declaração judicial da existência de um débito e consequente formação de um título executivo, que têm contribuído largamente para o aumento da pendência processual»; ter radicado nessa motivação «a criação de mecanismos céleres e simplificados, adequados à rápida obtenção de um título executivo»; e, face à «eficiência do regime da injunção, o Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro» ter vindo ampliar «o respectivo regime às dívidas resultantes de transacção comercial, independentemente do seu valor».
Compreende-se, assim, que, com o novo «diploma, e tendo em conta a boa experiência obtida neste domínio», se procedesse a um novo «alargamento do âmbito e aplicação do regime jurídico da injunção, que passa a destinar-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação, actualmente fixada em € 14 963,94», esperando, «desta forma, descongestionar significativamente os tribunais, permitindo a transferência anual de milhares de acções para as secretarias de injunção» (com bold apócrifo).
Enfatizou-se, inclusivamente, que o «aumento do valor dos referidos procedimentos especiais vai, aliás, ao encontro da tendência verificada em vários países da União Europeia, de criação de procedimentos simplificados, designadamente a injunção, para cobrança de dívidas pecuniárias de elevado montante ou sem qualquer limitação de valor» (com bold apócrifo).
Veio, assim, a ser conferida nova redacção ao art. 1º do Dec-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, passando a ler-se no mesmo que é «aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação [e já não apenas «do tribunal de 1ª instância»], publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma» (com bold apócrifo).

Por fim, seria publicado o Dec-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, esclarecendo o seu preâmbulo que visou «transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011», que «revogou a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de julho de 2000, e introduziu medidas adicionais para dissuadir os atrasos de pagamentos nas transações comerciais», de novo se reconhecendo que «afetam a liquidez e dificultam a gestão financeira das empresas, em especial das pequenas e médias empresas (PME), particularmente em períodos de recessão, quando o acesso ao crédito é mais difícil» (com bold apócrifo).
Procedeu-se, porém, a uma nova - e mais alargada - definição do que sejam as «transacções comerciais» abrangidas, face à sua pretensão de regular «todas as transações comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre empresas (a estas se equiparando os profissionais liberais) ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas são responsáveis por um considerável volume de pagamentos às empresas», desse modo regulando «todas as transações comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes», mantendo porém a anterior exclusão das «transações com os consumidores».
Compreende-se, por isso, que no seu art. 3º: al. b), se definisse «Transação comercial» como «uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração»; e al. d), se definisse «Empresa», como «uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares».
Contudo, no mesmo preâmbulo do Dec-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, desde logo se esclareceu que o novo diploma era apenas «aplicável aos contratos celebrados a partir da entrada em vigor do mesmo, não sendo por isso aplicável aos contratos anteriores».
Compreende-se, assim, que o seu art. 13º, nº 1 haja revogado o anterior Dec-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, «com exceção dos artigos 6.º [Alteração ao Código Comercial] e 8.º [Alteração ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro], mantendo-se em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do presente diploma» (com bold apócrifo).
Relativamente aos novos contratos (isto é, «contratos celebrados a partir da data de entrada em vigor» do Dec-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, a que, nos termos do seu art. 14º, se tornou aplicável), o «atraso de pagamento em transações comerciais» manteve «ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida», conforme art. 10º (com bold apócrifo).

Dir-se-á, assim, que por força da pressão económico-social, acentuada em tempos de crise, com inequívoco reflexo nas pendências dos Tribunais, se foi procurando generalizar o recurso ao procedimento de injunção, inicialmente limitado a acções de menor valor, e progressivamente estendido a transacção comerciais sem limitação do mesmo (à semelhança do verificado noutros países da União Europeia, e por isso replicado em legislação própria desta).
Verifica-se ainda que, em nenhum momento desta sucessão legislativa, se elegeu a simplicidade ou complexidade do litígio subjacente às obrigações pecuniárias cujo cumprimento se pretendia exigir como requisito/limite de aplicação do procedimento de injunção, nomeadamente reservando-o para as acções de baixa litigiosidade.
Com efeito, se inicialmente se pressupôs que o mesmo teria nelas o seu campo preferencial de aplicação (sendo disso reflexo o limite da alçada do Tribunal de 1ª instância, num pressuposto comummente aceite de que ao menor valor corresponderá a maior simplicidade, traduzida inclusivamente em simplificada forma de acção), certo é que rapidamente se alterou esse entendimento, ao progressiva e inelutavelmente se elevarem os montantes das obrigações pecuniárias envolvidas, até se prescindir de quaisquer limites.
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4.1.2. Concretizando, verifica-se que, invocando a Requerente nos autos o incumprimento de obrigações pecuniárias assumidas pelas Requeridas - todas elas Sociedades Comerciais - , por meio de contratos celebrados em 2008 com elas, no valor global actual de € 26.833,30, apresentou contra as mesmas conforme procedimento de injunção.
Fê-lo necessariamente ao abrigo do Dec-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro (recorda-se, ressalvado para este efeito da respectiva revogação, operada pelo art. 13º, nº 1 do Dec-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio), verificando-se: pela qualidade das partes, todas elas sociedades comerciais, estar-se perante «empresas» (sito é, organizações que desenvolvem uma actividade económica); e, pela natureza da fonte das obrigações exigidas, estar-se perante «transacções comerciais», tal como definidas no art. 3º, al. a) do diploma referido (isto é, transacção entre empresas, que deu origem à prestação de serviços, contra uma remuneração).
Verifica-se ainda que, podendo o seu requerimento ter sido recusado pelo secretário, pela mera verificação da falta dos requisitos formais e objectivos discriminados taxativamente no art. 11º, als. a) a h) do Dec-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (nomeadamente, não estar endereçado à secretaria judicial competente ou não indicar o tribunal competente para apreciação dos autos se fossem apresentados à distribuição, omitir a identificação das partes, o domicílio do requerente ou o lugar da notificação do devedor, não estar assinado, excepto se tiver sido apresentado por meio electrónicos, não estar redigido em língua portuguesa, não constar do modelo próprio aprovado por portaria do Ministro da Justiça, não se mostrar paga a taxa de justiça devida, o valor ultrapassar o da alçada do Tribunal da Relação, sem que dele conste que se trata de transacção comercial abrangida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, ou o pedido não se ajustar ao montante ou finalidade do procedimento), o não foi, precisamente por se mostrarem cumpridos.
Ora, se o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor, no caso da injunção essa conformidade existirá quando seja reclamada a aposição da fórmula «este documento tem força executiva», reportada ao pedido de pagamento de determinada quantia.
Essa conformidade, pelo contrário, já não existirá - justificando, assim a recusa do requerimento apresentado, ou da posterior aposição da fórmula executória -, «quando a pretensão do requerente vise a entrega de coisa móvel ou imóvel, a resolução de um contrato de arrendamento, uma prestação de facto ou assente em responsabilidade civil extracontratual, enriquecimento sem causa ou se reporte a prestações propter rem derivadas de relações de condomínio», tudo situações subtraídas a qualquer apreciação profunda, de mérito, antes permitindo um mero controlo de forma pelo secretário, aqui baseado em razões de natureza qualitativa (Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 6ª edição, Almedina, Junho de 2008, p. 260)

De forma diferente o entendeu o Tribunal a quo, nomeadamente invocando a seu favor jurisprudência que defende que o «processo de injunção não é meio processualmente adequado para peticionar e discutir indemnização por incumprimento contratual, mesmo que antecipadamente prevista no clausulado do contrato a título de penalidades por violação do mesmo», «nem para dirimir litígios, embora de cariz pecuniário, referentes a contratos de natureza complexa, pelos feixes de direitos e deveres recíprocos que se movimentam e entrecruzam no seu âmbito», neles por exemplo se incluindo o contrato de instalação de lojista em centro comercial (Ac. da RP, de 28.10.2015, Vítor Amaral, Processo nº 126391/14.1YIPRT, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem. No mesmo sentido, Ac. da RP, de 31.05.2010, Maria de Deus Correia, Processo nº 385702/08.8YIPRT.P1, reportando-se a «questões emergentes de contrato de arrendamento»; Ac. da RL, de 27.11.2014, Octávia Viegas, Processo nº 1946/13.3TJLSB.L1-8, reportando-se a contrato de utilização de loja em centro comercial; ou Ac. da RL, de 12.05.2015, Maria Amélia Ribeiro, Processo nº 154168/13.4YIPRT.L1-7, reportando-se a «indemnização, por incumprimento contratual, antecipadamente fixada em contrato de prestação de serviços»).
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não se concorda com um tal entendimento, quando o mesmo se funde apenas na maior ou menor complexidade do litígio em causa, e não verdadeiramente na sua prévia não subsunção ao conceito legal de obrigações emergentes de «transacção comercial» (enunciado pelo art. 3º, quer do Dec-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, quer do Dec-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio), ou na sua prévia subsunção às excepções legais previstas à aplicação quer do Dec-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, quer do Dec-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio (no art. 2º, nº 2 de qualquer deles, onde nomeadamente se referem contratos celebrados com consumidores, e pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros).
Dito por outras palavras, o próprio legislador antecipou a potencial inadequação do procedimento de injunção a determinado tipo de litígios (nomeadamente, mercê da natureza de um dos contraentes, ou da natureza da fonte das obrigações em causa), excluindo-os expressamente do seu âmbito de aplicação; e teve ainda o cuidado de definir rigorosamente o que fossem as «transacções comerciais» de onde poderiam emergir as obrigações cujo cumprimento se pretenderia assegurar com o dito procedimento, caracterizadas como obrigações pecuniárias.
Subsumindo-se com rigor o caso concreto a tais conceitos legais, verifica-se serem os mesmos suficientes e adequados para excluir do âmbito da aplicação do procedimento de injunção a maioria das situações referidas nos acórdãos citados supra (como, pela cuidada leitura dos mesmos, se verifica que eles próprios quase sempre acabaram por fazer), sem necessidade de se recorrer à criação de uma exigência adicional - complexidade da lide - , que nem a interpretação literal da lei, nem a sua interpretação histórica, nem a sua interpretação teleológica, autorizam.
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4.2. Oposição (ao procedimento de injunção) - Tramitação subsequente

4.2.1. Lê-se no art. 16º, nº 1 do Dec-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro que, deduzida «oposição ou frustrada a notificação do requerido, no caso em que o requerente tenha indicado que pretende que o processo seja apresentado à distribuição, nos termos da alínea j) do n.º 2 do artigo 10.º, o secretário apresenta os autos à distribuição que imediatamente se seguir».
Mais se lê, no art. 7º do Dec-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, que, para «valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum» (nº 2), enquanto que as «acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos» (nº 4).
Lê-se ainda, no art. 10º do Dec-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, que, para «valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum» (nº 2), enquanto que as acções «para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação» (nº 4).
Compreende-se que, passando os iniciais autos de injunção a seguir depois a forma de acção declarativa - seja ela especial, ou comum -, se preveja (quer no art. 17º, nº 3 do Dec-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, quer no art. 7º, nº 3 do Dec-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, quer no art. 10º, nº 3 do Dec-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio), que «o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais».
Com efeito, tendo o requerimento do procedimento de injunção e o articulado próprio de uma acção declarativa natureza e propósitos absolutamente diferentes, importa adequar supervenientemente aquele a esta: «não raro o requerente de injunção não indica os factos integrantes do contrato que originam a oposição, ou os que indica são insuficientes, o que vai suscitar, na acção declarativa de condenação transmutada, a questão da ineptidão da petição inicial» (Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 6ª edição, Almedina, Junho de 2008, p. 191).
Ora, é precisamente esta pretendida adequação que quase sempre justificará a prolação de um despacho de aperfeiçoamento por parte do juiz.
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4.2.2. Concretizando, verifica-se que, tendo as Requeridas deduzido oposição ao requerimento de injunção apresentado contra elas (duas de forma individual, e as demais conjuntamente), foram os autos apresentados à distribuição; e distribuídos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (art. 212º do C.P.C.).
Mais se verifica que veio então o Tribunal a quo a proferir despacho, por forma a «verificar se o crédito invocado pelo requerente é um crédito que a lei reconhece como susceptível de obter injunção de pagamento da quantia pedida, constituindo título executivo, após a aposição da fórmula executória»; e que o mesmo concluiu negativamente, entendendo não ser «o procedimento adoptado pela parte o meio adequado», por isso existindo «um obstáculo processual impeditivo do conhecimento de mérito, ocasionando excepção dilatória inominada, que determina a absolvição da instância».
Contudo, e salvo o devido respeito pela sua opinião contrária, nem o Tribunal a quo dispunha já de um procedimento de injunção que pudesse ser objecto de uma tal apreciação, nem a acção declarativa submetida então à sua apreciação se mostrava inidónea ao conhecimento da actualizada pretensão da Requerente/Autora.
Com efeito, se numa fase inicial dos autos cabia ao secretário de injunções verificar se o pedido formulado se ajustava ao montante ou à finalidade do procedimento de injunção (de acordo com o controlo formal e objectivo referido antes), recusando-o em caso de inadequação, ultrapassada aquela, pela distribuição dos autos como acção declarativa, já não dispunha o Tribunal a quo sequer do objecto daquela sua pretendida verificação.
Por outro lado, cabendo-lhe agora unicamente julgar essa acção declarativa (passível de ser objecto de um despacho de aperfeiçoamento seu, dirigido às partes), não justificou na sua decisão como é que aquela se mostrava inadequada à apreciação do concreto litígio, pela sua respectiva maior complexidade (concentrando o despacho exclusivamente na inicial - e já decorrida - fase do procedimento de injunção).
Concluindo, dir-se-á que «as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada; no entanto, ultrapassada esta fase», e desde que não assumam expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de processo declarativo, isto é, não tenham qualquer correlação com essa forma de processo a tramitar, não podem ter-se como pressuposto processual próprio do mesmo (Ac. do STJ, de 14.02.2012, Salazar Casanova, Processo nº 319937/10.3YIPRT.L1.S1, onde analisa exaustivamente a questão, diferenciando as hipóteses em que será, e não será, permitido aquele conhecimento. No mesmo sentido, Paulo Duarte Teixeira, «Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção», Themis, VII, n.º 13, p. 169-212).
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Importa, pois, decidir em conformidade, pela total procedência do recurso de apelação interposto pela Autora, revogando-se a decisão que julgou verificada nos autos uma excepção dilatória inominada, com a absolvição das Rés da instância, e determinando o seu prosseguimento.
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pela Requerente/Autora (X - Companhia de Seguros, S.A.), e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos presentes autos, nos seus devidos e normais termos.
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Guimarães, 16 de Novembro 2017.


(Relatora) (Maria João Marques Pinto de Matos)
(1º Adjunto) (José Alberto Martins Moreira Dias)
(2º Adjunto) (António José Saúde Barroca Penha)