Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4174/20.6T8BRG.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACORDO DE PRÉ-REFORMA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
ATUALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE PRÉ-REFORMA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Para interpretação de uma cláusula de um acordo de pré-reforma, relativa ao modo de atualização do valor da prestação, deve atender-se a todas as circunstâncias que envolveram as negociações, designadamente às práticas então correntes na empresa relativas a atualizações salarias, e sobre as quais as partes formaram a sua vontade.
Considerando que à data da celebração do acordo, em termos práticos, os aumentos eram iguais para todos, embora no que se refere aos trabalhadores da macroestrutura, em que se insere o trabalhador pré-reformado, por ato de gestão; considerando não ter sido intenção das partes atribuir a uma delas o poder potestativo de atualizar ou não a prestação; e constando da cláusula que “ o valor da prestação pecuniária referida no número um será atualizado em percentagem e momentos iguais aos do aumento de retribuições que se venham a verificar no âmbito da primeira contraente para a generalidade dos trabalhadores”, deve a mesma ser interpretada como reportando-se aos aumentos ocorridos para a generalidade dos trabalhadores e não com relação ao valor de atualização dos trabalhadores da macroestrutura, que representam uma pequena percentagem no computo geral dos trabalhadores da declarante, e cuja atualização depende de ato de gestão.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

O autor C. B., intentou a presente ação declarativa com processo comum contra a ré X - GESTÃO DA PRODUÇÃO DE ENERGIA, SA., pedindo a sua condenação:

a. A reconhecer que o autor tem direito à atualização da prestação pecuniária mensal de pré-reforma em condições, percentagem e momento iguais aos do aumento das retribuições que no âmbito da ré se verificaram ou venham a verificar para a generalidade dos trabalhadores;
b. A pagar ao autor a quantia de € 44.039,26 (quarenta e quatro mil e trinta e nove euros e vinte e seis cêntimos) relativamente às atualizações que estão em dívida até à propositura da presente ação;
c. A pagar ao autor os juros de mora vencidos e vincendos a calcular à taxa legal supletiva até integral pagamento;
d. A pagar ao autor uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 100,00 (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação.
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O autor alega que celebrou com a ré um acordo de antecipação à situação de pré-reforma. Ficou acordado que a prestação pecuniária mensal de pré-reforma que auferia seria atualizada em condições, percentagem e momento iguais aos do aumento das retribuições que no âmbito da ré se verificaram ou venham a verificar para a generalidade dos trabalhadores. A partir do ano de 2012 a ré deixou de proceder à atualização da prestação.
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A ré contestou alegando que ficou acordado que a prestação pecuniária mensal de pré-reforma apenas seria atualizada nas mesmas condições da retribuição que o autor auferia se estivesse no ativo e que esta retribuição não teve qualquer atualização a partir do ano de 2012.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão nos seguintes termos:

“Pelo exposto, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
1. Condeno a ré a reconhecer que o autor tem direito à atualização da prestação pecuniária mensal de pré-reforma em condições, percentagem e momento iguais aos do aumento das retribuições que no âmbito da ré se verificaram ou venham a verificar para a generalidade dos trabalhadores;
2. Condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 44.039,26 (quarenta e quatro mil e trinta e nove euros e vinte e seis cêntimos) relativamente às atualizações que estão em dívida até à propositura da presente ação, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o vencimento de cada atualização até integral pagamento;
3. No mais, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados.
(…)

Inconformada a ré apresentou recurso concluindo:
A. A Decisão de que se recorre apresenta uma nulidade, invocável nos termos e para os efeitos dos artigos 615.º, n.º 1, al. c) e n.º 4 e 617.º do Código de Processo civil (“CPC”), ex vi artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho (“CPT”)
B. A Decisão recorrida aparenta estar em oposição com a respetiva motivação/fundamentação ou, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se revela, pelo menos, como manifesta uma ambiguidade na real “Motivação” do Tribunal … o Tribunal a quo refere que funda a sua convicção, designadamente, nas declarações de parte e prova testemunhal e, em seguida, refere não considerar as declarações de parte nem o depoimento da testemunha E. C., na parte relacionada comos factos ocorridos na conversa entre ambos, porque ocorrida apenas entre estes e que nos autos apresentam versões opostas. Porém, dá como provados os pontos 6 7. e 8. da matéria de facto …
C. … revelando a Decisão recorrida, contrariamente à sua Motivação, que o Tribunal a quo, considerou as declarações de parte do Autor e desconsiderou o depoimento prestado pela testemunha E. C., sendo que o depoimento prestado pela testemunha E. C. não mereceu por parte do Tribunal a quo qualquer sinalização sobre eventual descredibilização, apresentando-se, pelo contrário, um depoimento assertivo, espontâneo, desinteressado, genuíno e consistente.
D. Caso tivesse o Tribunal a quo considerado as declarações de parte do Autor e o depoimento da testemunha E. C. não podia, como o fez, dar como provados os factos 6.7. e 8 da matéria de facto dada como provada, donde, não se dando como provado que a questão da atualização da prestação pecuniária mensal de pré-reforma era relevante para o Autor e que por isso foi expressamente discutida com o diretor de recursos humanos, forçoso seria concluir que o Autor conformou-se com a não atualização da prestação pecuniária mensal de pré-reforma, desde 2011 [data a partir da qual nunca mais foi atualizado], i.e., durante 8 (oito) anos até que em 2020, por conhecimento de decisão judicial proferida em processo intentado por outro Colegas, entendeu demandar a Ré, nos termos em que o fez.
E. O Tribunal a quo errou na apreciação crítica da matéria de facto nos presentes autos, porquanto, julgou provado factos que não resultam da prova testemunhal produzida e deveria ter considerado provados factos que resultam prova testemunhal produzida.
F. O ponto 3 dos “Factos provados” deverá corrigir-se/alterar-se para “O autor passou à situação de pré-reforma a partir do dia 01 de agosto de 2010” ou, não sendo corrigido/alterado, deverá ser levado à meteria de facto não provada;
G. O ponto 5 dos “Factos provados” deverá corrigir-se/alterar-se para “A celebração do acordo de antecipação à situação de pré-reforma foi proposta ao autor pelo então diretor de recursos humanos da ré, o Engº. E. C.”, sendo esta a redação que, com rigor, reflete a prova produzida, designadamente as declarações de parte do Autor e o depoimento da testemunha E. C.;
H. Os artigos 6, 7 e 8 da matéria de facto dada como provada, devem ser dados como não provados e, ser dado como provado que “O Autor durante mais de 8 anos não reclamou à Ré qualquer atualização decorrente do Acordo de Pré-Reforma outorgado.” em face da prova testemunhal produzida nos autos, designadamente: i) Declarações do Autor/Recorrido… ii) Depoimento da Testemunha …
I. Deverá ser dado como não provado o ponto 11 da matéria de facto dada como provada, porquanto o referido ponto 11, tal como se encontra redigido, apresenta um lapso. Propondo-se, em sua substituição, a seguinte redação “Na altura em que foi celebrado o acordo de antecipação à situação de pré-reforma, o autor desempenhava as funções de assessor”.
J. Deverá ser dado como não provado o ponto 19 da matéria de facto dada como provada, porquanto o mesmo pressupõe a prova de outros factos que não resultam provados, designadamente os pontos 6. 7. e 8, conforme melhor explanado, designadamente, nas conclusões B. C. e D.
K. Acresce que devem ser alterados os factos constantes dos pontos 21. e 22. Da matéria de facto dada como provada, devendo ser considerado como provado que “21. Até ao ano de 2011 foram efetuadas atualizações da tabela salarial acordadas na negociação coletiva, comunicadas no portal da intranet a todos os trabalhadores e por ato de gestão, eram alargadas percentualmente aos trabalhadores pertencentes à macroestrutura como era o caso do Autor/Recorrido/Requerido; 22.A partir do ano de 2012 não foram efetuadas atualizações salariais aos trabalhadores enquadrados na macroestrutura da Recorrente, que auferiam uma retribuição superior à prevista para a letra Q, salvo por ato de gestão, decorrente de alteração de funções.”, porquanto tal resultou da prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos:…
L. É manifestamente diferente, em termos decisórios, considerar que o A. Tinha uma expectativa de atualização decorrente de um “direito garantido a atualização” ou considerar que, até 2011, por decisão de gestão da Ré (que a tal não estava obrigada) os trabalhadores com remuneração acima da letra Q viram atualizada a sua remuneração e que, a partir de 2012, exatamente porque esta decisão de gestão da Ré nunca representou um “direito garantido” dos trabalhadores da macroestrutura (com remuneração acima da letra Q), essa atualização das remunerações acima da letra Q deixou de ocorrer e com ela o Autor se conformou até 2020.
M. Também o ponto 2º da matéria de facto dado como não provada, deverá ser considerado provado, com a seguinte redação: “O diretor de recursos humanos afirmou ao Autor/Recorrido que a atualização prevista no acordo de pré-reforma, era nos termos dos seus pares, isto era, dos trabalhadores inseridos na macroestrutura como Autor e que auferiam uma remuneração superior à prevista na letra Q do acordo coletivo de trabalho”, em consequência da prova testemunhal produzida, designadamente: …
N. O ponto 2 e bem assim o ponto 3 da matéria de facto dada como não provada, deverão ser considerados como provados, porquanto não se vislumbram razões nem existe qualquer fundamentação do douto Tribunal a quo para ter valorado as declarações de parte do Autor em detrimento do depoimento da testemunha E. C., pelo que, a ter considerado a versão do Autor, deveria ter considerado também a versão da testemunha aqui em causa e considerar como provados os pontos 2 e 3 da matéria de facto dada como não provada, porquanto corroborados pela restante prova testemunhal produzida e assinalada nas alegações de recurso.
O. Levar os pontos 2 e 3 da matéria de facto dada como não provada à matéria de facto provada tem como consequência a alteração de Decisão recorrida… seria reconhecer que o Autor não poderia ter qualquer “legitima expectativa” a ser atualizado anualmente à semelhança das atualizações remuneratórias decorrentes da negociação coletiva para os trabalhadores com remunerações mais baixas (inferiores à letra Q)…
P. O Tribunal a quo fez uma errada subsunção dos factos ao Direito, ao concluir que o Autor/Recorrido tem direito à atualização da sua prestação pecuniária mensal de pré-reforma em condições, percentagem e momento iguais aos do aumento de retribuições que, no âmbito da Ré, se verificaram, verificam e venham a verificar no futuro, para a generalidade dos trabalhadores.
Q. Perante a presente divergência de interpretação revela-se imperativo e necessário recorrer às regras legais da interpretação da declaração negocial estabelecidas no artigo 236.º do CC.
R. No entanto, o douto Tribunal, em benefício da tese que pretende sustentar nos presentes autos, negligencia os elementos que apontam para a vontade real do declarante e, na aplicação da teoria da impressão do destinatário, não pondera a exigência legal de colocação do declaratário normal na posição do real declaratário, tendo em conta as expectativas do declarante.
S. A solução alcançada na sentença não se revela justa e razoável, porquanto o Recorrido, auferindo a prestação mensal de pré-reforma de montante superior ao valor das bases de remuneração previstas na tabela salarial para o respetivo nível de enquadramento (letra Q), é largamente privilegiado em relação aos trabalhadores que, em situação idêntica, não beneficiam de qualquer atualização remuneratória com caráter generalizado e tal não pode o recorrido considerar e muito menos o Tribunal que seria a vontade declarada das partes em sede do acordo em mérito nos autos em recurso.

U. O Recorrido nunca demonstrou discordar da cláusula 2.ª n.º 3 ou 3.ª, n.º 2, do Acordo de Antecipação à Pré-Reforma e Acordo Pré-Reforma, respetivamente, inclusive durante a fase de negociação ou formalização, o que permite concluir que, em bom rigor, aquele sentido da declaração corresponde à vontade real de ambas as partes no acordo.
V. A que acresce o facto também não considerado pelo Tribunal a quo do Autor/Recorrido se ter conformado com a situação de não atualização da sua prestação de pré-reforma, desde 2011, i.e., durante 8 anos.

X. Não é admissível que o Recorrido venha alegar – só nos presentes autos – que desconhecia que seria esse o sentido atribuído à cláusula pela Recorrente, pois que, “(…), sabiam, como não podiam deixar de saber, que a sua prestação tinha um valor superior à letra Q do Anexo ao ACT, que os Trabalhadores com regime remuneratórios individualizados acima daquela letra não eram aumentados com base na negociação coletiva nem em ato de gestão com eficácia geral desde 2012, que o ACT também não previa aumentos acima desta letra, e até que, uma vez reformados, beneficiariam de um complemento de reforma não atualizável (…)”
Y. Mesmo que se admitisse que o Recorrido desconhecia a vontade real da Recorrente, a conclusão seria a mesma, ao abrigo da teoria da impressão do destinatário: atentas as condições privilegiadas de conhecimento, experiência e capacidade do Recorrido, este não poderia concluir que, apesar de os trabalhadores com remunerações acima da letra Q não serem aumentados desde 2012 e de o ACT não prever esse aumento, a prestação de pré-reforma seria aumentada todos os anos independentemente do enquadramento previsto para tal aumento em sede de negociação coletiva.
Z. Veja-se que, mesmo que se sustentasse o sobredito entendimento, nunca a Recorrente, no papel de declarante, poderia conformar-se com o mesmo, porquanto, desde 2011 que a negociação coletiva no âmbito do ACT do Grupo X apenas abrange trabalhadores integrados com bases remuneratórias até ao valor da letra Q do Anexo V.
AA. Os trabalhadores com remuneração acima da letra Q, …, situa-os, incontornavelmente, num patamar de “profundo conhecimento da empresa e das respetivas regras de atuação” com a “diligência superior ao homem médio”, não podendo vingar a posição do Recorrido e do Tribunal a quo em como um trabalhador em situação de pré-reforma pode vir a ter um aumento anual, mas quando um trabalhador no ativo que auferisse um quantitativo idêntico não o possui…

FF. A interpretação realizada pelo douto Tribunal, contrariamente ao previsto no artigo 237.º, n.º 1 do CC, não conduz ao maior equilíbrio das prestações: não pondera a relevância do processo negocial e, sobretudo, despoleta uma evidente desigualdade entre os trabalhadores.
GG. A cláusula 2.ª n.º 3 do Acordo de Antecipação à Pré-Reforma e a cláusula 3.ª, n.º 3 do Acordo de Pré-Reforma devem ser interpretadas como prevendo que o Recorrido apenas veria a prestação de pré-reforma atualizada na exata medida em que, por hipótese, estando no ativo, fosse aumentado, à semelhança dos seus pares, donde, sem direito à atualização no valor peticionado nos presentes autos ou qualquer outro.
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Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
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Factualidade:

1. No dia - de outubro de 1981, o autor foi admitido ao serviço da ré, como seu trabalhador, para exercer as funções de gestão de projetos e obras das instalações de produção térmica e apoio técnico na exploração;
2. No dia 31 de dezembro de 2005, o autor e a ré celebraram o acordo de antecipação à situação pré-reforma que consta de fls. 18 e 19 e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. O autor passou à situação de pré-reforma a partir do dia 31 de dezembro de 2005;
4. Ficou acordado o seguinte:
Cláusula segunda
1. Sempre prejuízo do disposto nos números seguintes, durante o período de dispensa da prestação de trabalho mantêm-se os direitos e deveres dos contraentes na medida em que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho.
2. Durante o período de dispensa de prestação de trabalho, o segundo contraente mantém o direito à retribuição mensal no valor de € 4.650,00 e aos correspondentes subsídios de férias e Natal.
3. O valor da retribuição mensal referida no número anterior será atualizado em percentagem e momentos iguais aos do aumento de retribuições que se venham a verificar no âmbito da primeira contraente para a generalidade dos trabalhadores.
5. A celebração do acordo de antecipação à situação de pré-reforma foi proposta ao autor pelo diretor de recursos humanos da ré;
6. A questão da atualização da prestação pecuniária mensal de pré-reforma era relevante para os trabalhadores que se encontravam na mesma situação do autor;
7. Esta questão também era relevante para o autor;
8. Por este motivo, esta questão foi discutida expressamente com o diretor de recursos humanos;
9. O texto do acordo e a redação das respetivas cláusulas foram elaborados pela ré;
10. O autor apenas podia aceitar ou recusar o acordo sem qualquer margem de negociação;
11. Na altura em que foi celebrado o acordo o autor desempenhava as funções de assessor de produção;
12. Além da retribuição base mensal, o autor tinha outros benefícios, como um veículo atribuído pela ré, e auferia outros valores como uma remuneração de antiguidade, um prémio de assiduidade e um subsídio de coordenação;
13. Com a passagem à situação de pré-reforma o autor deixou de ter estes benefícios e auferir estes valores, passando a auferir apenas prestação pecuniária mensal de pré-reforma;
14. A prestação pecuniária mensal de pré-reforma que foi acordada era inferior à retribuição mensal que o autor auferia;
15. No dia 1 de agosto de 2010, o autor passou definitivamente à situação de pré-reforma e a prestação pecuniária mensal de pré-reforma foi alterada para o valor de € 5.195,89;
16. No dia 1 de janeiro de 2011, o valor da prestação pecuniária mensal de pré-reforma foi atualizado para € 5.289,75;
17. A partir desta data, a ré deixou de proceder à atualização deste valor;
18. No âmbito da negociação coletiva, a tabela salarial da ré teve as seguintes atualizações:
Ano Valor (com arredondamento ao euro superior)
2012 1,70%
2013 1,61%
2014 1,17%
2015 1,00%
2016 1,30%
2017 1,30%
2018 1,14%
2019 1,20%
2020 1,00%
19. Aplicando estas atualizações à prestação pecuniária mensal de pré-reforma que foi acordada, o autor devia ter auferido os seguintes montantes:
Ano Valor Pago Devido Em falta
2012 € 5.289,75 € 5.379,68 € 1.259,02
2013 € 5.289,75 € 5.466,29 € 2.471,86
2014 € 5.289,75 € 5.530,25 € 3.367,00
2015 € 5.289,75 € 5.585,55 € 4.141,24
2016 € 5.289,75 € 5.658,16 € 5.157,74
2017 € 5.289,75 € 5.731,72 € 6.187,53
2018 € 5.289,75 € 5.811,96 € 7.310,94
2019 € 5.289,75 € 5.881,70 € 8.287,30
2020 € 5.289,75 € 5.940,52 € 5.856,93
Total € 44.039,26
20. A prestação pecuniária mensal de pré-reforma que foi acordada com o autor era superior ao montante da retribuição previsto para a letra Q das categorias profissionais previstas no Acordo Coletivo de Trabalho do Grupo X de 28 de junho de 2000;
21. Até ao ano de 2011 as atualizações da tabela salarial acordadas na negociação coletiva eram alargadas através de um ato da administração aos trabalhadores cuja retribuição era superior à prevista para a letra Q para que fossem incluídos todos os trabalhadores da ré;
22. A partir do ano de 2012 a administração da ré deixou de proceder a este alargamento e os trabalhadores cuja retribuição era superior à prevista para a letra Q passaram a ter aumentos salariais baseados em critérios relacionados com o mérito;
23. As atualizações da tabela salarial que foram acordadas na negociação coletiva para os anos de 2012 a 2020 terminavam na letra Q.
2. Factos não provados:

Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente os seguintes:

1. O diretor de recursos humanos da ré garantiu ao autor que a prestação pecuniária mensal de pré-reforma que foi acordada seria atualizada até que o autor passasse à reforma;
2. O diretor de recursos humanos afirmou ao autor que a prestação pecuniária mensal de pré-reforma seria atualizada nos mesmos termos da retribuição que o autor auferia se estivesse no ativo e se tal fosse acordado na negociação coletiva;
3. A partir do ano de 2012 os trabalhadores cuja retribuição era superior à prevista para a letra Q não tiveram aumentos salariais.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:
- Nulidade nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, al. c) e n.º 4 e 617.º do Código de Processo civil (“CPC”), por oposição ou ambiguidade entre a fundamentação da matéria de facto no que se refere aos pontos 6 7. e 8. da matéria de facto …
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto, relativamente aos pontos:
3 dos “Factos provados” deverá corrigir-se/alterar-se para “O autor passou à situação de pré-reforma a partir do dia 01 de agosto de 2010” ou, não sendo corrigido/alterado, deverá ser levado à matéria de facto não provada;
O ponto 5 dos “Factos provados” deverá corrigir-se/alterar-se para “A celebração do acordo de antecipação à situação de pré-reforma foi proposta ao autor pelo então diretor de recursos humanos da ré, o Engº E. C.”.
Os artigos 6, 7 e 8 da matéria de facto dada como provada, devem ser dados como não provados.
Deve ser dado como provado que “O Autor durante mais de 8 anos não reclamou à Ré qualquer atualização decorrente do Acordo de Pré-Reforma outorgado.”
Deverá ser dado como não provado o ponto 6, 7, 8, 11, 19, ponto 11, deve ter a seguinte redação; “Na altura em que foi celebrado o acordo de antecipação à situação de pré-reforma, o autor desempenhava as funções de assessor”.
devem ser alterados os factos constantes dos pontos 21. e 22., devendo ser considerado como provado que “21. Até ao ano de 2011 foram efetuadas atualizações da tabela salarial acordadas na negociação coletiva, comunicadas no portal da intranet a todos os trabalhadores e por ato de gestão, eram alargadas percentualmente aos trabalhadores pertencentes à macroestrutura como era o caso do Autor/Recorrido/Requerido; 22.A partir do ano de 2012 não foram efetuadas atualizações salariais aos trabalhadores enquadrados na macroestrutura da Recorrente, que auferiam uma retribuição superior à prevista para a letra Q, salvo por ato de gestão, decorrente de alteração de funções.”
o ponto 2º da matéria de facto dado como não provada, deverá ser considerado provado, com a seguinte redação: “O diretor de recursos humanos afirmou ao Autor/Recorrido que a atualização prevista no acordo de pré-reforma, era nos termos dos seus pares, isto era, dos trabalhadores inseridos na macroestrutura como Autor e que auferiam uma remuneração superior à prevista na letra Q do acordo coletivo de trabalho”
o ponto 3 da matéria de facto dada como não provada, deverá ser considerado como provados.
- Interpretação da vontade das partes – cláusula relativa à atualização da pensão
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- Nulidade nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, al. c) e n.º 4 e 617.º do Código de Processo civil (“CPC”), ex vi artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho (“CPT”).
Refere a recorrente que os fundamentos aparentam estar em oposição com a Decisão ou, sempre contribui, pelo menos, para a manifesta ininteligibilidade da mesma por ambiguidade na real “Motivação”. Reporta-se aos pontos 6, 7 e 8 e correspondentes dados como não provados, na parte atinente às conversações sobre a questão da atualização. Refere que da Decisão recorrida resulta que o douto Tribunal a quo fundou a sua convicção nas declarações de parte do Autor bem como no depoimento das testemunhas ouvidas e nos documentos juntos aos autos, mas que adiante refere, “o tribunal não considerou provado que o diretor de recursos humanos da ré garantiu ao autor que a prestação pecuniária mensal de pré-reforma que foi acordada seria atualizada até que o autor passasse à reforma e, em sentido contrário, que o diretor de recursos humanos afirmou ao autor que a prestação pecuniária mensal de pré-reforma seria atualizada nos mesmos termos da retribuição que auferia se estivesse no ativo e se tal fosse acordado na negociação coletiva porque a este propósito foram apresentadas pelo autor e pelo diretor de recursos humanos duas versões opostas sendo que se tratou de uma conversa que ocorreu somente entre os dois”
Alude ao facto de se ter dado como provado os aludidos pontos, referindo as declarações de parte do autor, não valorando a do depoente E. C., sem justificar a razão pela qual valorou as declarações do autor,

Refere o artigo 615.º do CPC:
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

A nulidade invocada respeita à estrutura da decisão, a uma incongruência no silogismo judiciário. Entre os fundamentos e a decisão tem que ocorrer uma contradição lógica. A norma visa a própria decisão relativa ao direito ajuizado, no confronto com os seus fundamentos, a aplicação do direito aos factos, efetuada no processo discursivo que culmina naquela decisão.
Diferente é o caso de erro de julgamento, que ocorre quando o julgador entende erradamente que dos factos provados resulta determinada consequência jurídica. Estaremos então perante erro de interpretação e não perante um caso de nulidade.
A questão levantada reporta-se à apreciação doa prova, de depoimentos prestados e explicitação da sua valoração no processo de fundamentação das respostas dadas à matéria de facto. Questiona-se sim o entendimento do tribunal relativamente à falta de indicação das razões de valoração em determinada matéria do depoimento do autor. Tal questão não integra a invocada nulidade.
Sendo que atualmente a fundamentação da decisão de facto é um dos elementos da sentença, conforme artigo 607º, 4 do CPC, devendo a respetiva fundamentação permitir às partes perceber o itinerário cognitivo seguido pelo julgador, devendo permitir conhecer as razões por que ele decidiu como decidiu e não de outra forma, isto independentemente de se concordar ou não com a análise efetuada; as questões a esta relativa não integram aquela norma, solicitando reação em sede dos artigos 640º e 662º do CPC.
Na apreciação relativa ao cumprimento ou não do dever de fundamentação da matéria de facto, importa ter em atenção o disposto nos artigos 607º, 4 e 5 do CPC e 396 do C.C., dos quais resulta que a apreciação da prova está sujeita ao princípio da livre apreciação (salvas as exceções expressamente consagradas), segundo prudente convicção do julgador. A fundamentação visa permitir além do mais o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto.
Tal obrigação implica que o julgador indique quais os concretos meios probatórios considerados e quais as razões – objetivas e racionais -, pelas quais tais meios obtiveram no seu espírito credibilidade ou não. Nisto consiste a análise crítica da prova. Deve o julgador indicar a razão de credibilidade ou não credibilidade dos meios probatórios produzidos. Deve indicar-se porque se deu crédito a determinada perícia, porque se acreditou numa testemunha e não noutra, - através designadamente da indicação de outros meios corroborantes ou não do testemunho, do modo como a testemunha depôs, reações, hesitações, interesse demonstrado perante o resultado do litigio… tudo o mais que na “imediação” possa servir para formar a convicção do julgador -.
Contudo a falta de fundamentação das respostas dadas à matéria da base instrutória, ou uma grave incongruência, não implica desde logo nulidade. A irregularidade tem um regime próprio.
Não estando devidamente fundamentada a decisão, a relação determinará nos termos da al. d) do nº 2 do artigo 662º do CPC que o tribunal supra a deficiência, fundamentando os pontos relativamente aos quais ocorra tal falta, renovando prova se necessário – al. b) do nº 3. Sendo impossível obter a fundamentação ou repetir a prova, o juiz limita-se a justificar a razão dessa impossibilidade. Poderá então a relação, tendo em consideração designadamente a relevância dos factos carecidos de fundamentação, anular ou não o julgamento.
No caso presente a decisão de facto mostra-se fundamentada de forma clara e suficiente para se perceber porque se decidiu como se decidiu.
Relativamente à questão levantada explica-se a razão pela qual, e relativamente ao que foi falado sobre o sentido da cláusula relativa à atualização, não se considerou qualquer das versões trazidas aos autos, a do autor e a do depoente E. C.. Ninguém presenciou essa conversa e os depoimentos são completamente irreconciliáveis. Assim refere-se:
“ O tribunal não considerou provado que o diretor de recursos humanos da ré garantiu ao autor que a prestação pecuniária mensal de pré-reforma que foi acordada seria atualizada até que o autor passasse à reforma e, em sentido contrário, que o diretor de recursos humanos afirmou ao autor que a prestação pecuniária mensal de pré-reforma seria atualizada nos mesmos termos da retribuição que auferia se estivesse no ativo e se tal fosse acordado na negociação coletiva porque a este propósito foram apresentadas pelo autor e pelo diretor de recursos humanos duas versões opostas sendo que se tratou de uma conversa que ocorreu somente entre os dois.”
Relativamente aos pontos 6 e 7, o julgador refere o depoimento do autor, referindo na fundamentação o que este a propósito referiu. Resulta da fundamentação que ambos os depoimentos foram julgados credíveis, com exceção da parte relativa aos termos da conversação havida entre ambos sobre o concreto sentido da cláusula em questão. Não resulta qualquer ambiguidade ou incoerência na fundamentação.
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Correção solicitada ao ponto 3.

Pretende-se seja considerado o nos seguintes termos:
“O autor passou à situação de pré-reforma a partir do dia 01 de agosto de 2010”.
Refere-se a prova documental, o depoimento do autor e prova testemunhal.

Consta do item:
3. O autor passou à situação de pré-reforma a partir do dia 31 de dezembro de 2005.
Como resulta dos itens 4 e 5 a data indicada refere-se ao momento inicial relativo à antecipação da pré-reforma. Importa proceder a correção, nos seguintes termos:
3. O autor passou à situação de antecipação de pré-reforma a partir do dia 31 de dezembro de 2005, nos termos do acordo datado de 31-12-005. Passou à situação de pré-reforma a partir de 1-8-2010, conforme acordo datado da mesma data.
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Pretende-se alteração do posto 5 dos “Factos provados” para “A celebração do acordo de antecipação à situação de pré-reforma foi proposta ao autor pelo então diretor de recursos humanos da ré, o Eng.º E. C.”.
Corresponde ao alegado e resulta da prova, altera-se nos termos requeridos.
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Quanto ao ponto 11 a recorrente propõe a seguinte redação:

Na altura em que foi celebrado o acordo de antecipação à situação de pré-reforma, o autor desempenhava as funções de assessor”
O depoente referiu que na altura era adjunto da administração numa subsidiária. Procede-se a correção solicitada.
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Pretende-se sejam dados como não provados os pontos 6. e 7, 8 e 19 da matéria de facto dada como provada, devendo os pontos 6. e 7. substituir-se por um único ponto com a seguinte redação “O Autor durante mais de 8 anos, desde 2011, não reclamou junto da Ré qualquer atualização decorrente do Acordo de Pré-reforma por si outorgado a 01.08.2010”.
Teor dos itens:
6. A questão da atualização da prestação pecuniária mensal de pré-reforma era relevante para os trabalhadores que se encontravam na mesma situação do autor;
7. Esta questão também era relevante para o autor.
Vejamos a prova:
O depoente E. C., que foi quem propôs as reformas na altura, perguntado como eram as atualizações dos trabalhadores em 2005, refere que para os trabalhadores até letra Q, havia negociação com sindicatos, e quanto aos outros, da macroestrutura, era por ato de gestão. Refere que houve aumentos na macroestrutura de 2001 a 2005, estes aumentos não decorriam da negociação com sindicato. Crê que de 2005 a 2010 esses trabalhadores foram aumentados, referindo-se à macroestrutura. Crê que foram aumentados até 2011. Adiante esclareceu, quanto aos termos do aumento, com “um número equivalente ao que foi dado aos restantes trabalhadores do grupo”.
Confirmou que foi o depoente que falou com o autor sobre a pré-reforma, bem como com a generalidade dos colegas na mesma situação, em quanto esteve nos recursos humanos. Referiu que o texto era uma minuta fechada, bem como as alternativas colocadas, pré-reforma ou rescisão amigável. Quanto à cláusula referiu que dizia aos trabalhadores que era o que era aplicada “à população” da macroestrutura. A atualização era em linha com os seus pares, disse. A partir 2011 acha que não houve atualizações aos de alta direção, por regra geral.
O autor, C. G., referiu que a saída da empresa e para o depoente, era critica, devido à perda de rendimentos. Referiu a importância da atualização, designadamente para si próprio. Confirmou que até 2004 teve cargo de direção depois passou a assessor. Referiu que estava letra S. e aludiu aos benéficos que perdeu com a antecipação, aluindo a impacto significativo, referindo redução significativa dos rendimentos. Referiu que os aumentos quando vinham era para toda a gente. Sempre entendeu que sempre que fossem aumentados os trabalhadores da X seria aumentado. Refere que o Srº E. C., não referiu qualquer imputação à letra Q, nem tal se punha, depondo dando a entender ter sido garantida a atualização. Refere que só teve contactos em 2005, ficou logo acordada a situação da pré-reforma. Esta questão resulta em conformidade com o depoente E. C.. Depoente refere que a certeza era que se houvesse aumentos na X seria atualizada. Referiu que a partir do segundo ano em que não foi aumentado fez telefonemas, alguns para a empresa. Não resulta assim que o autor não tenha reagido durante todos estes anos.
Américo Claro, confirmou que sempre o valor de atualização negociado foi estendido a todos os trabalhadores, até 2011. Exatamente da mesma maneira, era um aumento efetivamente para a generalidade dos trabalhadores. Referiu que o sentido da expressão “generalidade dos trabalhadores”, na altura não distinguia entre os da tabela e os fora da tabela.
O depoente M. R., que chegou a pertencer à macroestrutura, referiu, em concordância com o depoente E. C., que o normal era os aumentos da macroestrutura corresponderem ao que era para a generalidade dos trabalhadores. Também o depoente C. M., referiu que no seu entender as macroestruturas aram atualizada na mesma forma.
O depoente M. S., que também foi assessor, referiu que as macroestruturas eram aumentadas por ato da administração, a generalidade dos trabalhadores era pela negociação sindical. Referiu não saber como era a atualização salarial da macroestrutura, e que não havia publicidade relativamente a esses aumentos. Sobre a cláusula, refere que houve várias alterações de contratos. Parece resultar do depoimento que terá havido modelos diversos. O texto do acordo, referiu, era feito pela X de acordo com o negociado.
As dúvidas surgidas em primeira instância justificam-se. Os depoimentos do autor e E. C., no que se refere ao sentido da cláusula da atualização, são contrários. Sempre se refira que tendo até aí sido aumentados os do dito “macroestrutura”, nos mesmos termos dos restantes, como resulta até do depoimento de E. C., não se afigura normal uma especial referencia a uma distinção, que na prática nunca tinha ocorrido. Outras testemunhas referiram que os aumentos na prática sempre foram iguais. Não se mostra pois muito clara e credível a referencia do depoente E. C. no sentido de uma referência especifica a que a atualização seria de acordo com os seus pares, até pelos termos do cláusulado. Bastaria dar uma redação diferente à cláusula, referenciando a atualização “como se estivesse no ativo”, ou referenciando uma determinada letra. Note-se, a crer no depoimento de M. S. relativamente à falta de publicidade quanto aos aumentos da macroestrutura, mais se imporia uma redação clara quanto a essa referência, a um padrão que não o da generalidade dos trabalhadores.
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Quanto ao item, tem o seguinte teor:
19. Aplicando estas atualizações à prestação pecuniária mensal de pré-reforma que foi acordada, o autor devia ter auferido os seguintes montantes:
Ano Valor Pago Devido Em falta
2012 € 5.289,75 € 5.379,68 € 1.259,02
2013 € 5.289,75 € 5.466,29 € 2.471,86
2014 € 5.289,75 € 5.530,25 € 3.367,00
2015 € 5.289,75 € 5.585,55 € 4.141,24
2016 € 5.289,75 € 5.658,16 € 5.157,74
2017 € 5.289,75 € 5.731,72 € 6.187,53
2018 € 5.289,75 € 5.811,96 € 7.310,94
2019 € 5.289,75 € 5.881,70 € 8.287,30
2020 € 5.289,75 € 5.940,52 € 5.856,93
Total € 44.039,26

Trata-se de um facto conclusivo, dependendo da prova de outros factos, pelo que se elimina.
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Pretende-se a alteração dos pontos 21 e 22 referindo-se a seguinte redação:

“21. Até ao ano de 2011 foram efetuadas atualizações da tabela salarial acordadas na negociação coletiva, comunicadas no portal da intranet a todos os trabalhadores e por acto de gestão, eram alargadas percentualmente aos trabalhadores pertencentes à macroestrutura como era o caso do Autor/Recorrido/Requerido;
22.A partir do ano de 2012 não foram efetuadas atualizações salariais aos trabalhadores enquadrados na macroestrutura da Recorrente, que auferiam uma retribuição superior à prevista para a letra Q, salvo por ato de gestão, decorrente de alteração de funções.”

Teor dos pontos:
21. Até ao ano de 2011 as atualizações da tabela salarial acordadas na negociação coletiva eram alargadas através de um ato da administração aos trabalhadores cuja retribuição era superior à prevista para a letra Q para que fossem incluídos todos os trabalhadores da ré;
22. A partir do ano de 2012 a administração da ré deixou de proceder a este alargamento e os trabalhadores cuja retribuição era superior à prevista para a letra Q passaram a ter aumentos salariais baseados em critérios relacionados com o mérito;
O ponto 21 traduz o que resulta dos depoimentos. Até aquela data os valores de atualização negociados, sempre foram por ato da administração alargados aos trabalhadores não abrangidos pela atualização constante do CCT. O próprio depoente E. C. referiu que era pelos mesmos números.
Relativamente ao teor do ponto 22, não se indica prova ou motivo para alterar o seu teor. Refere-se para este facto e para a parte final a referência, “salvo por ato de gestão, decorrente de alteração de funções”, mas não se indica a prova que sustente a pretensão.
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Quanto aos pontos dados como não provados, são de manter pelas razões que resultam do acima exposto. De todo, a prova não aponta no sentido de que o diretor de recursos humanos afirmou ao Autor/Recorrido que a atualização prevista no acordo de pré-reforma, era nos termos dos seus pares, isto era, dos trabalhadores inseridos na macroestrutura como Autor e que auferiam uma remuneração superior à prevista na letra Q do acordo coletivo de trabalho. E julgamos até, dados os termos em que os aumentos sempre tinham ocorrido, sem divergências entre a “generalidade dos trabalhadores” e os da “macroestrutura”, embora estes por ato de gestão, seria estranha a preocupação em efetuar tal referência, quando a mesma não resulta minimamente dos termos da cláusula, e poderia com manifesta simplicidade resultar.
Quanto ao ponto 3 contende com o facto 22, remetendo-se para as considerações a propósito tecidas.
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Passando à questão de direito.

- Interpretação da vontade das partes – cláusula relativa à atualização da pensão
Da factualidade não resulta demonstrada a real vontade das partes.
A questão colocada pela recorrente, reconduz-se à interpretação da vontade das partes manifestada no acordo celebrado.
Antes de entrarmos na interpretação da vontade das partes importa deixar referido que a matéria em causa pode ser livremente negociada, como resulta do teor do nº 2 do artigo 359º do CT 2003 (atual 320) e se refere no douto parecer junto pela ré.

Referia-se no artigo 359.º do CT 03, aplicável ao caso,

1 - A prestação de pré-reforma inicialmente fixada não pode ser inferior a 25% da última retribuição auferida pelo trabalhador, nem superior ao montante desta retribuição.
2 - Salvo estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma, a prestação referida no número anterior é atualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação.
3 - A prestação de pré-reforma goza de todas as garantias e privilégios reconhecidos à retribuição.

A questão da atualização é matéria na disponibilidade das partes, podendo ser acordado a não sujeição a atualizações.
A ré defende que se pretendeu com a cláusula referenciar os trabalhadores do mesmo nível do autor, e é, seria atualizado, como o seria se estivesse no ativo.
Importa sublinhar, que estamos face a um “acordo”, nos termos do qual o trabalhador se desvincula da obrigação de prestar o trabalho, deixa de ser ativo. A comparação com os colegas da mesma categoria que estão no ativo, e em termos de atualizações, efetuada sem mais, carece de sentido. Não só o trabalhador não está no ativo, como, o que ocorre no caso presente, não aufere os mesmos rendimentos globais daqueles seus colegas.
A situação é outra, e tem por base um acordo, um novo contrato. Em face das concretas circunstâncias, não será assim tão chocante que uns aufiram atualização e outros não.
Se for acordada a pré-reforma sem atualização, serão os que estão no ativo que eventualmente terão atualizações sem reflexo no trabalhador que está em situação de pré-reforma. Do mesmo modo, se for acordada a atualização da pensão de reforma, sem vinculação à situação dos trabalhadores ativos, poderá ocorrer que esta seja atualizada e aqueles não tenham qualquer atualização. Uma situação e outra, têm na sua base um acordo, um contrato, cujos termos devem ser respeitados.
Vejamos então.
Não se provando a vontade real das partes, no que tange a determinada cláusula contratual, o acordado deve ser interpretado de acordo com o que seria a vontade normal das partes. Tal vontade deve ser interpretada nos termos dos arts. 236ss. do C.C.. O tribunal deve socorrer-se de todas as circunstâncias suscetíveis de esclarecer o sentido querido pelas partes, de acordo com os artigos 237º e 238º do CC.

Referem as normas do CC:
Artigo 236.º
(Sentido normal da declaração)
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Artigo 237.º
(Casos duvidosos)
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Artigo 238.º
(Negócios formais)
1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
Consta da cláusula:
3. O valor da retribuição mensal referida no número anterior será atualizado em percentagem e momentos iguais aos do aumento de retribuições que se venham a verificar no âmbito da primeira contraente para a generalidade dos trabalhadores.
Para efeitos do disposto no artigo 238º, pode dizer-se que no presente caso qualquer das teses teria um mínimo de acolhimento no texto da cláusula. Assim, quando se refere “generalidade dos trabalhadores”, a consideração de uma referência aos trabalhadores do mesmo nível, tem um mínimo de acolhimento.
Tendo em conta todo o circunstancialismo que envolveu as negociações e as práticas então correntes na empresa relativamente aos aumentos salarias, não é esta, contudo, a melhor interpretação.
A nossa lei consagra a teoria objetiva denominada “teoria da impressão do destinatário”. Nos termos desta teoria a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do real declaratário, deduziria da declaração. Faz-se na lei uma concessão subjetivista, nos termos da qual aquele sentido não valerá se o declarante, “não puder razoavelmente contar com ele”.
Para apuramento do sentido relevante são atendíveis todas as circunstâncias envolventes que uma declaratário normal atenderia. Assim designadamente, os interesses em jogo e finalidades perseguidas, as negociações prévias, usos da prática.
Resulta da factualidade que à data da celebração do acordo, em termos práticos, os aumentos eram iguais para todos, embora no que se refere aos trabalhadores da dita macroestrutura, por ato de gestão. Conjugando esta realidade com a circunstância sabida de que o poder de compra de determinado rendimento tende a degradar-se por força da inflação, que de outro modo ficaria na mão da declaratário o fazer ou não a atualização, seja, repor ou não o poder de compra da pensão acordada, e os termos do acordo, é de concluir pelo sentido que o autor defende. Saliente-se que os temos da redação foram efetuados pela ré, referindo expressamente “generalidade dos trabalhadores”, quando poderia simplesmente ter referenciado que a atualização seria efetuada de acordo com as atualizações de trabalhadores do mesmo nível no ativo, ou outra que traduzisse o sentido que ora pretende atribuir-lhe.
Os termos da cláusula são diversos do caso tratado no Ac. STJ de 13-10-2021, processo nº2399/19.6T8LSB.L1.S1, disponível na net. No caso presente os termos da cláusula, referenciando a “generalidade dos trabalhadores”, destaca claramente – por acordo - a situação dos pré-reformados da macroestrutura, da situação dos trabalhadores desta macroestrutura que se mantiveram no ativo.
Consequentemente e pelas demais razões constantes da decisão recorrida, é de confirmar a mesma.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
Custas pela recorrente.
15-6-22

Antero Veiga
Alda Martins
Vera Sottomayor