Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO BUCHO | ||
Descritores: | RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/12/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | JULGADA IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - O esbulho pressupõe uma privação total ou parcial da posse. II - No caso do esbulho, para que o mesmo seja declarado violento, deve ser levado a cabo através de uma acção que constrangendo o esbulhado, o coloque numa situação de incapacidade de reagir perante o acto de desapossamento, permitindo-o III - Na ausência de prova dos pressupostos do deferimento da providência concretamente requerida de restituição provisória de posse, e na impossibilidade de convolação para a providência cautelar comum, por inexistência dos pressupostos de que dependia o seu decretamento, impunha-se a improcedência da referida providência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães Proc. n.º 1004/08-2 Apelação. Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira. I – AA..., com sede na Rua ..., intentou procedimento cautelar de restituição provisória da posse contra BB..., residente na Av. ..., n.º..., ..... Alegou, para o efeito, que adquiriu um prédio rústico em 06/03/2006 e que em Dezembro de 2007 tomou conhecimento de que o requerido, proprietário de um prédio confinante, procedeu ao derrube de uma vedação no lado poente do prédio da requerente, implantou um palheiro, alterou o portão e substituiu a respectiva fechadura, ocupando parte do terreno da requerente e impedindo o acesso ao prédio em causa. Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pela requerente. Após a inquirição foi proferida sentença na qual se decidiu: Pelo exposto, julgo improcedente o pedido de restituição provisória da posse. Inconformada a requerente interpôs recurso, cujas alegações de fls. 71 a 85, terminam com as seguintes conclusões, assim sintetizadas: A recorrente entende estarem preenchidos os requisitos e fundamentos para o decretamento da providência de restituição provisória de posse. A jurisprudência tem sido unânime em considerar esbulho o acto de derrubar vedações e mudar fechaduras, donde se conclui que, neste caso, o requerido praticou um acto de esbulho sobre a parcela de terreno, conforme se verifica nos actos provados 10º a 12º. Estes factos não podem ser dissociados dos factos provados em 1 e 7: actividade desenvolvida pela requerente e objectivo da mesma em relação ao prédio: urbanização e construção de moradias para venda, para se considerar que, apesar do pequeno portão por onde pode ainda entrar – facto 14, a requerente ficou totalmente impedida de, atentos os referidos objectivos, de utilizar máquinas de grande porte de modo a urbanizar e construir no terreno, ou seja, ficou impedida de exercer a posse como a vinha exercendo até aqui. O tribunal a quo fez má interpretação e aplicação do artigo 1261º, n.º 2 do Código Civil. O acto de mudança da fechadura que dá acesso ao imóvel e o derrube da vedação existente, configura um acto violento, para os efeitos previstos no artigo 1261º do C. C., independentemente da presença física do esbulhado. Para a análise da existência ou não do requisito da violência, não seria necessário procurar saber se a requerente foi constrangida ou intimidada, bastando a existência dos referidos actos violentos sobre a coisa possuída. E, para a hipótese de se considerar não preenchidos os requisitos da providência de restituição provisória de posse, sempre havia que convolar para procedimento inominado, em cumprimento do disposto no artigo 392º e 395º do C.P.C.. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – Nos termos do artigo 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do artigo 660º do mesmo código. Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: A autora tem como actividade comercial a construção de imóveis para venda, compra dos prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, prospecção, estudos, comercialização e assistência técnica, no âmbito de construção de imóveis, administração de propriedades próprias ou alheias, compra e venda de bens imóveis, engenharia, arquitectura e projectos e prestação de serviços em geral. No exercício da sua actividade, em 6/3/06, a autora comprou o prédio rústico composto de pinhal, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Cerveira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira, sob o n.º..., inscrito na matriz sob o artigo ..., e agora registado a seu favor através da inscrição G-1/2006/03/15. A partir dessa data a requerente passou a ocupar aquele prédio. Procedendo na parte poente do terreno à sua vedação através de malha sol e estacas de madeira cravadas no terreno – na zona indicada na planta junta como doc. n.º 5. Bem como à colocação de uma fechadura nova no portão de acesso ao prédio pela Estrada Nacional 302, passando o mesmo a estar totalmente vedado do modo exemplificado na planta supra referida. O que fez à vista de todas as pessoas, de forma ininterrupta e sem oposição de quem quer que seja. A requerente pretende urbanizar o referido terreno, construindo um empreendimento urbano de moradias, dado que o referido terreno, segundo o PDM, pertence a espaço urbano, conforme resulta da informação da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira. O requerido adquiriu em hasta pública o prédio vizinho, anteriormente pertencente a M....., identificado na planta supra, como B. Até 14/02/2008, o requerido não havia registado a propriedade em seu nome. Em Dezembro de 2007, a requerente tomou conhecimento que o requerido procedeu ao derrube da vedação colocada na parte poente do prédio da requerente e que confina com o prédio do requerido. Bem como retirou a fechadura colocada pela requerente e colocou uma nova. Alterou o portão, substituindo a malha verde do portão por chapa . Acresce que junto ao portão de entrada pela Estrada Nacional, também sem qualquer autorização , implantou um palheiro em cimento de cor vermelha, conforme resulta das fotografias juntas como doc. de fls. 14. A requerente deixou de poder aceder ao prédio por aquele portão, restando outro, embora de menor dimensão. Tais actos foram praticados sem comunicação à requerente. ** Considerou-se na decisão recorrida que não se verifica o esbulho, mas apenas actos de turbação da posse da requerente. E assim, a questão não está apenas centrada na existência ou não da violência, mas também se no caso se verifica o esbulho. Antes de mais, há a referir que no artigo 14º da petição, a requerente alegou que o requerido ocupou parte do terreno, assim como está a impedir o acesso ao seu prédio. Conforme consta da matéria de facto dada como provada, apenas se provou que a requerente deixou de aceder ao prédio por aquele portão ( que o requerido alterou), e que o requerido derrubou a vedação colocada a poente. Não se provou que a requerente está impedida de aceder ao prédio, nem que o requerido ocupou parte do prédio. De acordo com o disposto no artigo 1276º do Código Civil, o recurso aos meios de tutela judicial da posse pode ter lugar sempre que haja um facto que viole ou constitua uma ameaça de violação da relação possessória. A restituição provisória de posse tem lugar quando : a) haja posse; b) seguida de esbulho; c) com violência. O esbulho pressupõe uma privação total ou parcial da posse. De acordo com o disposto no artigo 1277º do Código Civil, o possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do artigo 336º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse. A manutenção da posse tem lugar quando o possuidor não foi esbulhado da coisa, mas houve mera turbação da sua posse; havendo esbulho o meio adequado é a restituição. E de acordo com o disposto no artigo 1279º do citado código, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador. Sendo este procedimento cautelar um meio de defesa da posse, deve atender-se ao conceito de violência consagrado na lei. De acordo com o disposto no artigo 1261º n.º 2 do Código Civil, considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255º. No caso do esbulho, para que o mesmo seja declarado violento, deve ser levado a cabo através de uma acção que constrangendo o esbulhado, o coloque numa situação de incapacidade de reagir perante o acto de desapossamento, permitindo-o . Como vem sendo entendido, maioritariamente pela jurisprudência se essa acção recair sobre coisas e não directamente sobre pessoas, a mesma só poderá ser considerada violenta se, indirectamente coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois só assim estará em causa a liberdade de determinação humana (Ac. da Rel. do Porto de 16/10/06, disponível em www.dgsi.pt). No caso dos autos não houve privação total, nem parcial da posse de todo o prédio ou de parte determinada do prédio. Não se tendo provado o esbulho desde logo falta um dos requisitos da providência. No caso em apreço apenas se verificou o derrube da vedação e mudança do portão, e não o desapossamento por parte da recorrente da totalidade ou parte do prédio. E por isso, concordamos com a decisão recorrida, que considerou não se verificar, no caso, o esbulho violento, mas apenas uma turbação da posse da recorrente. Refere a recorrente que mesmo que o tribunal entendesse não se verificarem os requisitos da providência cautelar de restituição de posse deveria ter convolado os autos para o procedimento cautelar comum. Também entendemos que no caso de não se verificarem todos os pressupostos da providência cautelar de restituição provisória de posse o requerente pode utilizar o procedimento cautelar comum, de acordo com o disposto no artigo 395º do Código de Processo Civil. Este procedimento para além da possibilidade de contraditório, exige a prova de que existe um fundado receio de que a demora da respectiva acção (acção de restituição ou manutenção de posse) causará ao requerente lesões graves e de difícil reparação – artigo 381º do Código de Processo Civil. Ora, no caso nada se alegou, e muito menos se provou, em relação ao perigo de lesão grave e dificilmente reparável do direito. O que se provou é que existiu turbação da posse por parte da recorrente, mas não que a mesma está impedida de entrar no prédio e aí exercer a sua actividade, nem se alegaram e provaram prejuízos, nem a sua quantificação, nem a dificuldade em obter a sua reparação. Por outro lado, a falta de audição do requerido constitui uma nulidade do procedimento cautelar comum, caso a mesma não seja justificada. Na ausência de prova dos pressupostos do deferimento da providência concretamente requerida pela recorrente, e na impossibilidade de convolação para a providência cautelar comum, por inexistência dos pressupostos de que dependia o seu decretamento, impunha-se a improcedência da referida providência. ** III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.Custas pela recorrente. Guimarães, 12 de Junho de 2008 |