Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
962/15.3T9BRG.G1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: CRIMES FISCAIS
PEDIDO CÍVEL ENXERTADO
DISSOLUÇÃO PESSOA COLECTIVA
RESPONSABILIDADE AGENTE CRIME
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - Nos crimes de natureza fiscal, a procedência do PIC decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente (gestor) do facto ilícito e culposo gerador de danos, e não da responsabilidade tributária do sujeito passivo desta relação (pessoa coletiva).

2 - Assim, tal PIC, por força do princípio da adesão, tem que ser formulado no âmbito do processo criminal.

3 - A dissolução da pessoa coletiva e respetivo registo da liquidação, antes da dedução do PIC, não obsta à apreciação da sua responsabilidade criminal, mas impede a instauração de ações cíveis contra a mesma.

4 - Todavia, tal dissolução não tem qualquer efeito quanto à apreciação da responsabilidade por facto ilícito do gestor/agente do crime, que o tribunal deve conhecer.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1. Em processo comum (singular) com o nº 962/15.3T9BRG a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Competência Genérica de Póvoa de Lanhoso, foi proferida sentença no dia 23/05/2019 e depositada na mesma data, com a seguinte decisão (transcrição):

“III. A DECISÃO
Pelo exposto:
o Condeno o arguido A. M. pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. pelo art. 107, nº 1, do RGIT e artigos 26.º e 30.º, n.º 2, ambos do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco) que autorizo seja paga em cinco prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira dez dias após trânsito e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
o Condeno a arguida J. M. & Filhos Lda. (apesar de civilmente extinta) pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. pelos arts. 7º, 105.º, n.ºs 1, 4, e 7, e 107.º, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, e artigos 26.º e 30.º, n.º 2, ambos do Código Penal, na pena de duzentos dias de multa, à taxa diária de € 10,00, o que perfaz a multa de € 2.000,00 (dois mil euros).
o Declaro extinto o procedimento civil deduzido contra A. M. e a extinta sociedade J. M. & Filhos Lda., remetendo o demandante para os meios comuns (cf. ponto I., parte final, supra).
*
Custas crime a cargo dos arguidos, fixando-se a taxa de justiça individual no mínimo legal.
Sem custas na parte cível.
Remeta boletins.
Deposite.”
***
2 – Não se conformando com a decisão, o demandante cível Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital de Braga, interpôs recurso, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição):

1. “Em processo penal, vigora o princípio da adesão sendo que o pedido de indemnização por perdas e danos sofridos com o ilícito criminal só pode ser exercido no próprio processo penal, nele se enxertando o procedimento cível a tal destinado.
2. A indemnização por perdas e danos sofridos com o ilícito criminal só pode ser exercido no próprio processo penal nele se enxertando o procedimento cível a tal destinado. E esta indemnização funda-se nos mesmos factos que são pressupostos da responsabilidade criminal.
3. Nos termos do citado segmento normativo o tribunal comum (ou tribunal criminal com competência especializada) tem competência para decidir qualquer pedido civil fundado na prática de um crime e para apreciar e decidir sobre a condenação do demandado cível.
4. Ou, citando o acórdão do STJ de 15-09-2010, publicado em www.dgsi.pt, “A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a ação penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo.” (Neste sentido também o acórdão de 09-09-2010, do S.T.J., igualmente publicado em www.dgsi.pt).
5. A condenação dos arguidos no pedido cível, resulta de responsabilidade civil, decorrendo da prática de um facto ilícito tipificado na lei como crime, ou seja, de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social.
6. Apesar dos factos geradores da obrigação de indemnizar e da obrigação tributária poderem ser parcialmente coincidentes, não podem ser confundidos os seus fins e regimes, pelo que a condenação no pedido cível deve fazer-se com base nas regras do direito civil e não da lei geral tributária.
7. A causa de pedir invocada no pedido civil deduzido pelo ora recorrente não é a obrigação legal que impende sobre os arguidos de descontar nas remunerações dos trabalhadores da sociedade arguida as suas contribuições obrigatórias para a segurança social e de as entregar à respetiva entidade, bem como na percentagem que por lei cabe à entidade patronal, mas a prática de uma facto ilícito que a lei tipifica como crime e que ao demandante provocou prejuízos, ainda que possam ser coincidentes com dívidas exigidas em processos de execução fiscal.
8. Aliás, só a circunstância de a ação cível no processo penal não visar o pagamento de obrigações tributárias permite a condenação cível dos gestores das sociedades, uma vez que a responsabilidade destes não emerge do facto de serem o sujeito passivo da relação tributária (o sujeito passivo é a sociedade), mas de, ao não fazerem as entregas devidas, terem praticado um facto ilícito.
9. O cerne da questão passa necessariamente pelo interesse processual em agir, isto é, pelo interesse em deduzir o pedido de indemnização cível contra todos os demandados/arguidos com responsabilidade solidária no pagamento da divida apurada (e isto mesmo se quanto à sociedade já exista titulo executivo).
10. Nesta senda se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra (proc. n.º 187/06.9 IDACB de 01 de outubro de 2008).
11. Com esta dedução visa-se apenas a condenação pela apropriação ilícita das retenções efetuadas.
12. É no momento da consumação do crime – que, consiste em o agente, após ter deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições devidas a título de contribuição para o sistema de segurança social, não as entregar no tempo devido às instituições a que eram destinadas - que ocorre a lesão do bem jurídico protegido e é esta atuação que dá causa à obrigação de indemnizar os prejuízos.
13. É que a indemnização destes autos não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a Segurança Social (para a qual a lei estabelece mecanismos próprios), mas sim de um montante que foi fixado segundo os critérios da lei civil.
14. O não pagamento das contribuições representa, de per si, um dano para a Segurança Social concretizado numa diminuição de receitas e num aumento das despesas. Deste modo, mostram-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.
15. No caso em apreço, e por tudo o explanado, ao concluir que a atuação dos arguidos consubstancia um ato ilícito e culposo deveria o tribunal a quo (nos termos do artigo 483 C.C.) impor, senão à sociedade entretanto declarada extinta pelo menos ao sócio gerente, a obrigação de pagar o peticionado pelo ora recorrente atento o prejuízo provocado no respectivo erário.
16. Deste modo, reunidos todos os elementos constitutivos do crime em causa (razão pela qual prosseguiu o procedimento criminal contra os dois arguidos), deverá haver lugar ao pagamento da indemnização devida por efetivos danos causados em consequência da conduta infratora relativa à não entrega, por decisão dos arguidos na qualidade de gerentes, das contribuições deduzidas e não entregues à segurança social.
17. E, assim, deverão os arguidos (ou, se assim não se entender atenta a dissolução e encerramento da liquidação da pessoa coletiva, o seu gerente) ser condenados ao pagamento da quantia de €5.107,27 acrescidos dos inerentes juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
18. Ao ter-se decidido como se decidiu, desconsiderando o pedido de indemnização previamente admitido, violou a douta sentença a quo o disposto nos artigos 7.º n.º 1 C.P.P., artigo 71.º C.P.P., artigos 76.º n.º 1 e 77.º n.º 1 C.P.P., 129.º do Código Penal, artigo 483.º C.C., artigos 562.º C.C., artigo 563.º C.C., artigo 564.º n.º 1 C.C., artigo 566.º n.º 1 e 2 C.C..

Termos em que,
nos melhores de direito e com o mui sempre douto suprimento, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença,
como é de JUSTIÇA.”
*
3 – A Exma. Procuradora-Adjunta na primeira instância apresentou resposta ao recurso, alegando, em síntese, que o pedido de indemnização cível foi deduzido já após a extinção da sociedade arguida, o que impede a verificação dos requisitos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar enxertada no processo criminal, impondo a extinção da instância cível e o envio das partes para os meios comuns, em conformidade com o disposto nos artigos 162º e 163º do Cód. Sociedades Comerciais. Conclui pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.
4 – Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, considerando que o recurso se restringe a matéria cível, limitou-se a apor o seu visto.
5 – Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, do Código de Processo Penal.
* * *
II - Fundamentação

1 - O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação (artº 412º, nº 1, do Código de Processo Penal e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº 7/95, de 19/10, publicado no DR de 28/12/1995, série I-A), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com a nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades não sanadas (artigos 379º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal) – cf. Acórdãos do STJ de 25/06/98, in BMJ nº 478, pág. 242; de 03/02/99, in BMJ nº 484, pág. 271; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, págs. 320 e ss; Simas Santos/Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3ª edição, pág. 48.
2 - A única discordância do recorrente consiste na declaração de extinção do procedimento civil deduzido contra os arguidos (pessoa singular e pessoa colectiva) nos presentes autos e no reenvio do demandante para os meios comuns, a fim de fazer valer o seu direito.
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3 – Fundamentação constante da sentença recorrida, assim como da questão prévia apreciada (transcrição):

QUESTÃO PRÉVIA
Foi suscitada a questão da extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva uma vez que foi objecto de registo a sua dissolução e encerramento e, bem assim, o cancelamento da matrícula – cf. fls. 326v.
A S. Social pronunciou-se sobre a questão (cf. fls. 328 e 329) bem como o MºPº (cf. fls. 331).

Cumpre decidir.

Deve começar por dizer-se que a arguida/pessoa colectiva não foi declarada insolvente.
Por isso, ao caso não é aplicável a argumentação da S. Social.
É inegável, contudo, que a referida sociedade foi dissolvida e liquidada ao abrigo do disposto nos arts. 141 e ss. do C.S.C. pela AP. 439 de 12.3.2018 e a matrícula cancelada por registo desse mesmo dia.
Acontece, porém, que essa dissolução se verificou na pendência do presente processo crime já depois de a sociedade ter sido constituída arguida e, mesmo, depois de ter sido suspenso provisoriamente o processo (cf. despachos de fls. 236 e 245).
Ora, esta extinção da pessoa colectiva não pode ter como um dos seus efeitos a extinção da sua responsabilidade penal, como é evidente.
De outra forma, as pessoas colectivas eximir-se-iam à sua responsabilização penal através do instrumento da dissolução.

Tem plena aplicação ao caso, o Ac. da Relação de 2.5.2006 (1) que, na parte relevante, se transcreve (e que deve ser lido com as devidas adaptações ao caso dos autos):

“A acusação deduzida pelo Ministério Público, em 27 de Janeiro de 2003, reportava-se a factos típicos ocorridos nos anos de 1995 a 1998.
E da certidão que serviu de base ao despacho recorrido proferido em 26 de Janeiro de 2005, consta: Dissolução e encerramento da liquidação-Data da aprovação das contas: 19 de Julho de 2004.
Como consta do artigo 5º do Regime Geral das Infracções Tributárias,(RGIT) as infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou no caso de omissão, devia ter actuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido, (...)
Já o artigo 3º do Código Penal, aplicável subsidiariamente quanto a crimes nos termos do artigo 3º do RGIT, estabelece que o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido. Salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. Artº 11º do CP
É certo que “A regra de que relativamente aos crimes previstos neste Código e em geral as pessoas colectivas não são susceptíveis de responsabilidade criminal admite excepções quase inabarcáveis, designadamente nos crimes contra a economia, contra a saúde pública, fiscais e informática.”- Maia Gonçalves, in Código Penal Português. Anotado e comentado, 15ª edição, nota 2.
Mas como explica o mesmo Autor (ob. citada, p. 93): “Na generalidade dos sistemas jurídicos, reconhece-se às pessoas colectivas uma responsabilidade de direito público, na qual se inclui ou pode incluir a criminal, embora só para hipóteses que fortes razões pragmáticas aconselhem a sujeitar a essa disciplina. A regra geral, portanto, e no campo do direito criminal é a de que só as pessoas físicas ou singulares são passíveis de responsabilidade criminal; porém, excepcionalmente, pode haver razões pragmáticas que aconselhem outra solução. Por isso se considerou necessário ressalvar eventuais disposições em contrário, em que a lei pode mandar punir pessoas colectivas, cabendo-lhes então normalmente penas pecuniárias ou medidas de segurança.”
É o caso do artigo 7º do RGIT que estabelece que as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo (nº 1)
Tal responsabilidade de pessoas colectivas e equiparadas apenas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito (nº 2 do preceito) E, segundo o nº 3, a responsabilidade criminal das entidades referidas no nº 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes.
Na verdade, uma coisa é a responsabilidade criminal das pessoas colectivas e outra a responsabilidade criminal dos órgãos daquelas, nos termos do artº 12º do C.Penal.
Para que as pessoas colectivas sejam susceptíveis de responsabilidade criminal é necessário que a lei expressamente o diga. Todavia, mesmo quando está prevista na lei a responsabilidade criminal das pessoas colectivas, os titulares dos órgãos daquelas continuam a ser susceptíveis de responsabilização penal no exercício dessas funções. (Ac. do STJ de 2 de Fevereiro de 2000, proc.nº 606/99- 3ª, SASTJ, nº 38, 68) Contudo, o artigo 12º do CP “é particularmente impressivo quando exige a vontade como elemento essencial para que a responsabilidade possa ser imputada ao agente da infracção (Faria e Costa, in Aspectos fundamentais da Problemática da Responsabilidade objectiva no Direito Penal Português, separata do Bol da Fac. De Dir. de Coimbra, p. 47) “(Maia Gonçalves , ibidem)
Este desiderato legal já tradicionalmente era considerado pelo artigo 7º do RJIFNA A responsabilização criminal da pessoa humana é norteada pela ideia de culpa na violação do bem jurídico, ao passo que a responsabilização criminal da pessoa colectiva é norteada pela actividade ou omissão ilegal na prossecução dos seus fins, com implicações nefastas para a realidade social onde se encontra estruturada. Daqui resulta que se a responsabilidade penal das pessoas colectivas ou equiparadas resulta de leis próprias, de igual modo a extinção da responsabilidade das mesmas deve resultar de forma específica do teor de tais leis. Isto significa, por outro lado que a morte como causa de extinção da responsabilidade criminal prevista no artigo 127º do Código Penal, não equivale a dissolução da pessoa colectiva, como causa da sua extinção.
A morte é uma realidade biológica, produtora de efeitos jurídicos, em que por intransmissível a responsabilidade criminal, a mesma fica totalmente apagada.
Mas a dissolução da pessoa colectiva, é um conceito jurídico de extinção da pessoa colectiva que não exclui a responsabilização da mesma, por actos praticados na sua vida jurídica.

Como bem salienta o Exmo Procurador-Geral Adjunto em seu douto Parecer: “(...) em sede contra-ordenacional e relativamente a situações de fusão, o Supremo Tribunal de Justiça fixou já Jurisprudência no sentido de que "a extinção, por fusão, de uma sociedade comercial com efeitos do artigo 112. alíneas a) e b), do Código das Sociedades Comerciais, não extingue o procedimento por contra-ordenação praticada anteriormente à fusão nem a coima que lhe tenha sido aplicada " (Acórdão para Fixação de Jurisprudência n° 5/2004 de 02/06/2004, publicado no Diário da República, n. 141, Série I-A de 21/06/2004). (...) A assimilação a extensão ou a equiparação da noção de "morte ", exclusiva, na natureza e na configuração directamente normativo-jurídica, das pessoas singulares às formas de extinção das pessoas colectivas para os efeitos de determinar a aplicabilidade (ou as dimensões relevantes de aplicabilidade) dos artigos 127. e 128., n. 1, do Código Penal e 90. do RGDMOS, só poderá, pois, ter lugar se e enquanto puder compreender-se e ser pensada nos critérios e instrumentos metodológicos do pensamento analógico... ". (...)A extinção de uma pessoa colectiva diversamente, por ser uma criação instrumental do direito, pode não determinar, por si mesma, que nada de si permaneça, continuando alguma substância afecta ao desempenho, ainda, sob uma outra perspectiva jurídico-funcional, das finalidades da pessoa colectiva que foram a sua razão de ser ... ".
Aliás, como resulta do mesmo acórdão (e assinalado também no douto Parecer do Ministério Público nesta Relação), «a “morte”, como categoria da natureza com relevância normativo-jurídica, é co-natural ao homem; as pessoas colectivas, como tal, não estão tocadas pelo momento da “morte”, que faz cessar a personalidade da pessoa singular (artigo 68º nº 1, do Código Civil); as pessoas colectivas, neste sentido, não “morrem”, embora, como entidades com existência determinada por actos de vontade de criação e de extinção, possam extinguir-se, deixando, então, de ser construções instrumentais do homem para agirem com centros autónomos de imputação de direitos e deveres.”
Inexiste identidade analógica entre a morte inerente à pessoa singular e, a dissolução de pessoa colectiva, para que possa fazer-se uma interpretação extensiva como fez a decisão recorrida. Como resulta das conclusões da motivação de recurso, “a responsabilidade criminal por infracções fiscais e contra a Segurança Social, nos termos do RJIFNA e do RGIT atinge pessoas singulares e colectivas, podendo estas ter ou não personalidade jurídica.
Por outro lado, os entes equiparados a pessoas colectivas, designadamente as sociedades irregulares e as associações de facto podem ser responsabilizadas criminalmente, nos termos dos arts. 7° e 7°-A do RJIFNA e 7°, no1 e 5 do RGIT, bem como do art. 11° do Cód. Penal.
A S não carece de gozar de personalidade jurídica para ser responsabilizada criminalmente pelos crimes que lhe são imputados, nem é pelo facto de a não ter que se extingue a sua responsabilidade, quer à luz do RJIFNA, quer à luz do RGIT.
É irrelevante que por os representantes da sociedade arguida (também eles arguidos nos autos) terem registado a dissolução e encerramento das contas da S (sendo certo que subsistem quantias em dívida pelo menos à Segurança Social), seja declarado extinto o procedimento criminal contra a referida arguida. Aliás, quando existe extinção da sociedade comercial, nos termos do disposto no artº 160º nº 2 do Cód. das Sociedades Comerciais, excepcionam-se os casos de acções que estejam pendentes e em que a sociedade seja parte (artº 162º), casos de passivo superveniente (artº 163º), pelo que permanecerem relações de crédito ou de débito a pessoa jurídica não se extingue com o encerramento da liquidação.

Do exposto é pois de concluir que a extinção do procedimento criminal instaurado contra uma Sociedade Comercial não se extingue com a extinção da própria Sociedade operada nos termos do disposto no nº 2° do artigo 160° do Código das Sociedades Comerciais, não equivalendo tal extinção à morte prevista nos artigos 127° e 128° nº 1 ° do Código Penal

Em face do exposto, indefere-se a requerida extinção do procedimento criminal.

E o procedimento cível enxertado?

Aqui, a solução terá que ser diferente.
Na verdade, ao nível da responsabilização civil tem que se ter em conta as normas civis e comerciais e, obviamente, processuais, que regem a matéria.
Ora, o pedido de indemnização civil foi deduzido pela S. Social a 10 de Outubro de 2018 ou seja, já depois de extinta a pessoa colectiva.
E é bem sabido que a instância cível (qualquer que ela seja, autónoma ou enxertada) não pode iniciar-se contra um ente juridicamente inexistente.

A lei comercial (art. 162 do CSC) resolve a questão quanto às acções pendentes:

Artigo 162.º
(Acções pendentes)
1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2 e e e e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.
E quanto às novas acções (como seria o caso a 10 de Outubro de 2018) também há solução legal (cf. art. 163 do CSC):
Artigo 163.º
Passivo superveniente
1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
2 - As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
3 - O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no n.º 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas.
4 - Os liquidatários darão conhecimento da acção a todos os antigos sócios, pela forma mais rápida que lhes for possível, e podem exigir destes adequada provisão para encargos judiciais.
5 - Os liquidatários não podem escusar-se a funções atribuídas neste artigo, sendo essas funções exercidas, quando tenham falecido, pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade.

Assim sendo, a instância cível não poderá prosseguir, devendo ser julgada extinta e remetido o demandante para os meios comuns a fim de, querendo, fazer valer o seu direito contra o responsável (ou responsáveis) civil.
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Nada mais obsta ao conhecimento do mérito, razão pela qual cumpre agora decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. OS FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão, ficaram provados os seguintes factos:

a) A empresa J. M. Filhos, Lda. à data dos factos era uma sociedade comercial por quotas, contribuinte n.º …, com sede no Lugar …, Póvoa de Lanhoso.
b) O arguido A. M. era, à data dos factos, gerente dessa sociedade, sendo este que a administrava e tomava todas as decisões referentes à mesma.
c) Nesta qualidade, o arguido A. M. estava obrigado a descontar, nas remunerações pagas aos trabalhadores daquela sociedade, a cotização de 11%, e naquelas pagas aos sócios gerentes, a cotização de 10 %, 9,3 % e 11 % (esta última a partir de Janeiro de 2013), bem como a entregar o seu valor nos serviços da Segurança Social, até ao dia 15 do mês seguinte àquela a que as contribuições respeitavam – cf. artº 10º nº 2 do Dec.-Lei nº 199/99, de 08/06. d) No entanto, não entregou, nos serviços da Segurança Social, o valor das cotizações retidas nos salários dos trabalhadores, à taxa de 11%, bem como não foram pagas as cotizações retidas nos salários pagos a gerentes à taxa de 10%, 9,3% e 11 %, esta última desde Janeiro de 2013, com a entrada em vigor do Código Contributivo, nos meses Abril de 2010 a Março de 2014.
e) Os meses, valores das remunerações pagas aos trabalhadores, da taxa e das contribuições retidas e não entregues nos serviços da Segurança Social são os seguintes: f) A entrega, nos serviços da Segurança Social, do valor das cotizações supra mencionadas, devia ter sido efetuada até ao dia quinze do mês seguinte àquele a que as cotizações respeitavam, nos termos do art.10º, nº2 do D/L nº 199/99 de 8 de junho e a partir de janeiro de 2011, com a entrada em vigor do novo Código Contributivo (Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro), a entrega das cotizações deveria ter sido efetuada entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam.
g) Não tendo os arguidos regularizado tais entregas nos noventa dias subsequentes, nos termos do artigo 105º, n.º 4, alínea a) do Regime Geral Infracções Tributárias, nem nos trinta dias, após terem sido efetuadas as notificações para o efeito, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do R.G.I.T., na redacção dada pelo artigo 95º da Lei n.º 3-A/2006, de 29 de Dezembro.
h) A arguida, representada pelo arguido, procedeu ao pagamento dos salários, sem que tivesse entregue o valor das quotizações deduzidas, nas instituições da Segurança Social, nos prazos legais, de acordo com o disposto nos artigos 56º, 57º e 59º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as bases gerais do sistema de Segurança Social.
i) Assim, permanecem em divida as cotizações relativas aos períodos de Abril de 2010 a Março de 2014, no montante de € 4.052,80 (quatro mil e cinquenta e dois euros e oitenta cêntimos).
j) Após efectuar a retenção das cotizações acima indicadas, o arguido A. M. ingressou os respectivos valores no património da sociedade referida, bem sabendo que não eram sua pertença mas sim do Estado.
k) O arguido A. M. agiu de modo livre, voluntário e consciente, no propósito de se apoderar, para fazer ingressar no giro comercial, das quantias acima descriminadas, actuando de forma homogénea e no quadro da mesma solicitação exterior, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
l) Os arguidos não têm antecedentes criminais.
m) O arguido A. M. descende de uma família ligada ao fabrico e comercialização de artigos de ourivesaria; iniciou a sua actividade profissional junto do pai após concluir o 6º ano de escolaridade; o arguido divorciou-se há cerca de dois anos; o arguido vive com a sua mãe de quem continua a beneficiar de apoio; o arguido apresenta problemas de saúde, nomeadamente diabetes que já motivou internamento hospitalar, em 2018; foram-lhe também diagnosticados, em 2018, problemas do foro psiquiátrico - quadro depressivo com instabilidade de humor; vai realizando alguma actividade comercial mas sem regularidade, obtendo rendimento pouco significativo apenas para as suas despesas pessoais.
n) A arguida pessoa colectiva foi dissolvida e liquidade e a sua matrícula cancelada por registo de 12.3.2018.

2. OS FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que o arguido não auferisse qualquer salário de gerente (cf. fls. 320, ponto 14).
No mais, não há factos não provados com relevância para a decisão da causa.

3. A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

O arguido A. M. confessou integralmente e sem reservas os factos imputados, mostrando sincero arrependimento. Resulta do art. 344.º do código de processo penal que a confissão do arguido, isto é, o reconhecimento de factos que o desfavorecem, pode revestir duas modalidades: a confissão integral e sem reservas ou a confissão parcial e com reservas. A confissão é rodeada de um formalismo processual preciso, tendo em vista a liberdade na sua prestação. Assim, nos termos do n.º1, daquele preceito processual, perante a declaração feita pelo arguido, no início da audiência de julgamento, de que pretende confessar os factos que lhe são imputados, há que apurar se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas. Deve considerar-se confissão integral aquela que abrange todos os factos imputados, e confissão sem reservas aquela que não acrescenta novos factos susceptíveis de dar aos imputados um tratamento diferente do pretendido. Quer na hipótese de confissão integral e sem reservas nos casos previstos no n.º 3 deste art.344.º, quer no caso de confissão parcial ou com reservas, o tribunal mantém a liberdade de admitir ou não a confissão e em que medida deve ter lugar, quanto aos factos confessados, a produção da prova. De acordo com o n.º2 do art.344.º do CPP., a confissão integral e sem reservas implica: a) renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados; b) passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável; e c) redução da taxa de justiça em metade. A confissão, bem como a decisão sobre o valor da confissão conferido pelo tribunal, deverá ficar documentada em acta de audiência de julgamento, segundo as regras gerais.
Foi isso que, sem dúvida, ocorreu em audiência.

Junto aos autos temos:

· Participação a fls. 4 e ss.
· Mapa com a identificação das cotizações em falta a fls. 9 e ss.
· Notificações para pagamento a fls. 29 e 30.
· Listagem da conta corrente a fls. 86 e ss.
· Certidão da CRC a fls. 106 e ss.
· Pesquisa informática a fls. 112 e ss.
· Extracto de remunerações a fls. 116 e ss.
· Pesquisa informática a fls. 126 e ss.
· Pesquisa informática a fls. 188 e ss.
· Pesquisa informática a fls. 196 e 197.
· Cálculo de juros de mora a fls. 205.
· Parecer final a fls. 210 e ss.
· CRC´s a fls. 223 e fls. 228.
· Cálculo de juros de mora a fls. 289v.
· Relatório social (sem entrevista) a fls. 311 e 312.
· Informação do Portal da Justiça a fls. 313.
· Documentação médica a fls. 320v. e 321.
· Certidão permanente a fls. 332.

Nenhuma prova foi feita (documental, testemunhal ou outra) de que o arguido não tivesse auferido salário de gerente.”
***
III - Apreciação do recurso

Como é sabido, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

Assim, o tribunal de recurso somente tem que apreciar as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respectivas conclusões. Isto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam nulidades não sanadas e vícios decisórios (artigo 410º, nºs. 2 e 3, do CPP).

No caso em apreço não se vislumbra qualquer nulidade ou vício de conhecimento oficioso.

O recorrente apenas questiona a decisão do Tribunal a quo que declarou “extinto o procedimento cível deduzido contra A. M. e a extinta sociedade J. M. & Filhos Lda., remetendo o demandante para os meios comuns”.
Em síntese, o recorrente alega que o pedido cível de indemnização formulado não visa o pagamento de prestações tributárias (em que o sujeito passivo é apenas a sociedade), antes emerge da responsabilidade por factos ilícitos resultante da apropriação das retenções feitas, motivo por que só podia ser deduzido no próprio processo penal, por força do princípio da adesão.
Conclui que, consubstanciando a atuação dos arguidos um ato ilícito e culposo, o Tribunal recorrido deveria – senão à sociedade já declarada extinta – ter conhecido da responsabilidade civil, pelo menos, do demandado sócio-gerente.
*
Sintetizemos alguns factos decisivos constantes do processo:

- as quotizações retidas nas remunerações e não entregues à Segurança Social respeitam ao período de Abril de 2010 a Março de 2014 –alíneas d) e e) dos factos provados;
- a sociedade arguida foi dissolvida e liquidada e a sua matrícula cancelada por registo de 12/03/2018 – alínea n) dos factos provados;
- o requerimento formulado pelo recorrente de instauração do pedido cível de indemnização deu entrada em tribunal em 10/10/2018 – cfr. fls. 286 e segs. dos autos;
- a dissolução da sociedade arguida e o cancelamento da respectiva matrícula só foi conhecida a 26/03/2019, aquando do início da audiência de julgamento – cfr. ata de fls. 315 e segs e documento então junto;
- a decisão sobre a questão suscitada – extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva –, após audição dos intervenientes processuais, foi relegada para a sentença e veio a ser indeferida nos termos já supra transcritos;
- a apreciação da questão prévia estendeu-se ao procedimento cível enxertado, concluindo-se, em síntese, que, tendo ele sido deduzido após a extinção da pessoa colectiva, a instância cível deve ser julgada extinta e o demandante remetido para os meios comuns, a fim de fazer valer o seu direito.
É contra esta decisão que o recorrente se insurge, pugnando por que, pelo menos no que toca ao demandado pessoa singular, se revogue tal decisão.

Apreciando.

Como bem refere o recorrente, Instituto da Segurança Social, a causa de pedir invocada não é a obrigação legal que impende sobre as entidades patronais (sujeitos passivos da relação tributária) de descontar nos salários e outras remunerações as contribuições obrigatórias para a segurança social e de as entregar a esta entidade, caso em que seria suficiente o recurso às normas previstas na Lei Geral Tributária (LGT).

O que se invoca é a apropriação ilícita das retenções efectuadas, cujo interesse em agir permite a dedução do pedido cível contra todos os demandados/arguidos com responsabilidade solidária no pagamento da dívida.
É a responsabilidade civil por factos ilícitos que constitui a causa de pedir fundamentadora do PIC formulado pelo Instituto da Segurança Social.
A distinção entre a responsabilidade civil por facto ilícito fundado na prática de crime e a responsabilidade tributária foi já objecto de inúmeras decisões jurisprudenciais.
É o caso do Acórdão deste Tribunal da Relação de 06/03/2017 (proc. 2026/13.5TAGMR.G1), com o sumário “O pedido de indemnização civil enxertado em processo criminal por abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social, não tem por objecto o acto tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa.”, procedendo a uma extensa análise da distinção e, citando a lição do Prof. Germano Marques da Silva: “o valor do dano causado à administração tributária corresponde, em regra, ao valor da prestação tributária em falta, mas a causa do dano é outra, é a prática do crime. Pode até suceder que o crime não tenha causado prejuízo equivalente ao da prestação tributária em dívida, ou porque não existe qualquer prestação tributária em dívida ou porque o prejuízo causado pelo crime foi inferior ao do valor da prestação tributária devida. Nem o RGIT nem a LGT ‘afastam a regra geral constante dos arts. 483° a 498° do Código Civil, aplicáveis por remissão do art. 129° do Código Penal, porque nunca se referem aos danos emergentes do crime, salvo quando o art. 3°, al. c), do RGIT manda aplicar subsidiariamente as disposições do Código Civil. A unidade e coerência do sistema impõem que se distinga a responsabilidade pelo pagamento do imposto (responsabilidade tributária), sendo então aplicável a legislação tributária, nomeadamente a Lei Geral Tributária, e a responsabilidade emergente do crime, consequência civil resultante da prática do ilícito criminal causador de dano à administração tributária ou à administração da segurança social.”.
Mas também - todos no mesmo sentido distintivo - os acórdãos deste Tribunal de 15/12/2016 (proc. 285/10.4TAVVG.G1), de 03/03/2014 (proc. 152/10.1 IDBRG.G1) e de 02/06/2014 (proc. 968/11.1TAGMR.G1), do Tribunal da Relação do Porto de 19/04/2017 (proc. 131/12.4T3AGD.P1) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/11/2011 (proc. 668/09.2TDLSB.L1-5), todos disponíveis na base de dados da DGSI.
É o que resulta do preceituado nos arts. 129º do Cód. Penal e 71º do Cód. Processo Penal, os quais determinam que “a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime/fundada na prática de um crime, é regulada pela lei civil” (condensação do texto e sublinhado nossos), remetendo para as normas aplicáveis do Cód. Civil (v.g., arts. 483º, 494º, 496º, 564º), relativos aos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos”.
Em conclusão e de todo o exposto, não ficam quaisquer dúvidas que, por força do princípio da adesão, o pedido cível de indemnização (com este fundamento) tinha que ser deduzido nos presentes autos, como de facto ocorreu.
A sentença em causa condenou ambos os arguidos (a sociedade e o sócio-gerente, responsável legal e de facto da mesma) pela prática do ilícito criminal imputado.
A decretada extinção da instância cível é inquestionável no que toca à sociedade, porquanto esta já estava dissolvida (e feito o respectivo registo) à data em que o pedido foi formulado.
Mas o mesmo não pode concluir-se quanto ao demandado A. M., gerente de direito e de facto da sociedade, não se vislumbrando qualquer motivo impeditivo do conhecimento da sua responsabilidade civil que justifique o envio para os meios comuns.
Efetivamente, da factualidade provada resulta estarem preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, assim como todos os elementos indispensáveis à decisão sobre o pedido cível deduzido.

Nestes termos, impõe-se concluir pela procedência do recurso no que concerne ao demandado A. M., condenando-o no pagamento das quantias retidas e não entregues ao Instituto da Segurança Social (no montante de € 4.052,80), bem como nos juros de mora legais, vencidos desde o dia 20 do mês seguinte àquele a que as quotizações respeitam (que, à data da dedução do pedido, se computam em €1.054,47), bem como nos vincendos até efectivo pagamento.
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IV – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo demandante Instituto da Segurança Social, IP e, em consequência, condenar o demandado A. M., no pagamento:

- das quotizações retidas no montante de € 4.052,80 (quatro mil e cinquenta e dois euros e oitenta cêntimos);
- dos juros de mora vencidos, desde o dia 20 do mês seguinte àquele a que as quotizações respeitam, até à data da dedução do pedido, à taxa legal, que se computam em €1.054,47 (mil e cinquenta a quatro euros e quarenta e sete cêntimos);
- dos juros vincendos, à taxa legal, desde aquela data e até efectivo e integral pagamento.
No demais, manter a decisão recorrida.
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Sem custas.
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).
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Guimarães, 27 de Janeiro de 2020

(Mário Silva - Relator)
(Maria Teresa Coimbra - Adjunta)


1 - Cf. https://blook.pt/caselaw/PT/TRE/187459/