Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
130/15.4T8MTR.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: CONDOMÍNIO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - O condómino que pretenda impugnar em juízo deliberações tomadas numa dada assembleia, terá de intentar a correspondente ação contra todos os condóminos individualmente considerados, com exceção daqueles que tenham manifestado a sua discordância relativamente à deliberação.
2 – No entanto, a fim de evitar a intervenção efetiva de todos os condóminos o A., ao abrigo do disposto no art. 1433º, nº 6 do C. Civil, poderá requerer a citação de todos os réus apenas na pessoa do administrador ou o representante especial.
3 – Caso tenha sido demandada a administração do condomínio em nome próprio, o A. não se pode socorrer do incidente de intervenção de terceiros para fazer intervir na ação os condóminos uma vez que aquela não se encontra numa posição igual à do réu, sendo antes um caso de demanda de entidade diversa daquela(s) que devia estar na ação, não sendo pois, uma situação de regularização da instância através da intervenção das restantes pessoas que deveriam estar na ação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Relatório:
J, SA intentou ação com processo comum para impugnação de deliberação de assembleia de condóminos, contra “Condomínio do Centro Comercial C” representada por P, Lda. Alegou em síntese, que é condómina do Centro Comercial acima referido e que não concorda com a deliberação tomada em assembleia de condóminos relativa à aprovação de orçamento para obras nas partes comuns.
Pede se declare a nulidade da mencionada deliberação.
A ação foi contestada, tendo a Administração do condomínio invocado a sua ilegitimidade passiva, dizendo que a ação deveria ter sido intentada contra todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação e não contra o condomínio.
Notificada da contestação, sustentou a autora a improcedência da exceção, na medida em que a legitimidade para assegurar a representação dos condóminos cabe ao administrador do condomínio, sendo que, no caso vertente, o administrador do condomínio foi também a pessoa que representou a maioria dos condóminos que tomaram a deliberação.
Em sede de despacho saneador foi julgada procedente a exceção dilatória da ilegitimidade, entendendo o Tribunal a quo que a ação deveria ter sido intentada contra todos os condóminos.
Na sequência deste despacho a A. deduziu incidente de intervenção de terceiros, pedindo a intervenção na ação dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que pretende impugnar e ainda dos que se abstiveram.
Sobre este requerimento foi proferido despacho nos seguintes termos:
A fls. 56 e segs., veio a autora J, S.A. deduzir incidente de intervenção principal provocada, ao abrigo do artigo 316.º do Código de Processo Civil de José M, Senhorinha G, Francisco G, Manuel G, Horácio B, Maria H, Joaquim A, Fátima J, Domingos F, Júlio L, António M, Dinis A, Manuel F, Mário L, Fernando A. Francisco B e Angelina A, alegando, em síntese, que, nos presentes autos, por sentença proferida a 29 de Março de 2016, foi julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e que, em consequência, se absolveu da instância o réu, por se entender que a acção deveria ter sido intentada, nos termos do artigo 1433.º n.º 6 do Código Civil, contra os condóminos que aprovaram a deliberação da Assembleia de Condóminos impugnada, bem como contra os que se abstiveram.
Mais alegou que, nesses termos, por se verificar uma preterição de litisconsórcio necessário, ao abrigo do artigo 261.º e 316.º do Código de Processo Civil, o autor pode chamar as pessoas em falta à causa.
Cumprindo proferir despacho liminar sobre o incidente deduzido, desde já se diga que não assiste razão ao autor e que a questão até já havia sido abordada no saneador-sentença proferido nos autos.
Disse-se, nessa sede, que:
“A ilegitimidade passiva é, à luz do disposto no artigo 577.º alínea e) do Código de Processo Civil, uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso (artigo 578.º do Código de Processo Civil), que determina a absolvição do réu da instância (artigos 278.º n.º 1 alínea d) e 576º n.º 2 todos do Código de Processo Civil), sendo certo que, in casu, por estarmos perante uma situação de ilegitimidade singular, que não é passível de ser sanada, não cabe ao Tribunal, oficiosamente, promover qualquer sanação ou sequer formular um convite à autora para suprir aquela exceção (sob pena de se proceder a uma modificação subjetiva de uma instância que se encontra já estabilizada, numa situação não prevista por lei – cfr. artigo 260.º do Código de Processo Civil).”.
Com efeito, nos termos do artigo 316.º do Código de Processo Civil, o recurso ao mecanismo processual do incidente de intervenção principal provocada de terceiros por parte do autor apenas será de admitir em três situações distintas: i) ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário (n.º 1); ii) nos casos de litisconsórcio voluntário (n.º 2 primeira parte); iii) dedução de pedido nos termos do artigo 39.º do mesmo diploma, isto é, em casos de pluralidade subjetiva subsidiária (n.º 2 parte final).
Ainda com pertinência para a apreciação da questão, dispõe o artigo 318.º do Código de Processo Civil que “o chamamento para intervenção só pode ser requerido: a) no caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.º; b) nas situações previstas no n.º 2 do artigo 316.º, até ao termo da fase dos articulados; c) nos casos previstos no n.º 3 do artigo 316.º e no artigo anterior, na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito. (…)”.
No caso concreto do litisconsórcio necessário, importa atender, ainda, ao disposto no artigo 261.º do Código de Processo Civil que refere “até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir nos termos dos artigos 316.º e seguintes.”.
Ora, da conjugação dos normativos citados resulta que o recurso ao mecanismo previsto nos artigos 261.º e 316.º do Código de Processo Civil apenas é admissível, como forma de suprir a exceção dilatória da ilegitimidade passiva por faltar na ação uma determinada pessoa que se encontra numa relação de litisconsórcio necessário e, nesse sentido, em caso de legitimidade plural, isto é, quando a ação deveria ter sido, obrigatória e necessariamente, instaurada por ou contra uma pluralidade de partes, não tendo sido isso cumprido.
O litisconsórcio ocorre quando se discute em juízo uma determinada relação jurídica que envolve diversos sujeitos, os quais, em virtude de serem titulares da relação material controvertida, são interessados na ação. Ou seja, à unicidade da relação controvertida corresponde uma pluralidade de partes.
Este litisconsórcio pode ser voluntário ou necessário. Nesta última hipótese, que importa para o caso sub judice, o litisconsórcio necessário corresponde a uma pluralidade de partes obrigatória, não dependente da simples vontade dos interessados, significando isto que têm que estar em juízo todos os interessados na relação controvertida, sob pena de ilegitimidade, tal como estabelece o n.º 1 do artigo 33.º do Código de Processo Civil. Esta obrigatoriedade da presença simultânea de todos os interessados pode resultar da lei, do negócio ou da natureza da relação controvertida.
Ora, é justamente neste ponto que se verifica o óbice da pretensão agora manifestada pelo autor. É que, salvo melhor opinião, os terceiros que o autor pretende chamar não se encontram numa situação de litisconsórcio necessário (nem sequer de litisconsórcio voluntário, nem sequer ainda de coligação) com o réu originário, P, Lda.. Haverá sim uma situação de litisconsórcio necessário entre todos os chamados, o qual decorre do citado artigo 1433.º n.º 6 do Código Civil (litisconsórcio necessário fundado na lei), mas estes não se encontram em igual relação com o réu da ação.
Daí que, no saneador-sentença, se tenha dito que, in casu, estávamos perante uma situação de ilegitimidade singular e não de ilegitimidade plural, razão essa que obstava a que o Tribunal, oficiosamente, convida-se o autor a suprir tal ilegitimidade plural, deduzindo o incidente que agora o autor, por sua iniciativa, veio suscitar.
É que a ilegitimidade singular é, pela sua própria natureza, insanável, conduzindo obrigatoriamente à absolvição da instância do réu.
A ser assim, o presente incidente não pode ser admitido, pois o autor, quando muito, deveria instaurar nova ação, desta feita, contra os agora terceiros chamados.
Em face do exposto, ao abrigo do artigo 226.º n.º 4 alínea d) do Código de Processo Civil, indefere-se liminarmente o incidente de intervenção de terceiros requerido pelo autor.
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Inconformada veio a A. interpor recursos dos dois despachos mencionados formulando as seguintes conclusões relativamente ao despacho que declarou a ilegitimidade do Réu:
I - O presente recurso versa sobre a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, através da qual absolveu da instância o Recorrido, porquanto, julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, por aquele invocada; defendendo, em síntese, que a ação de impugnação de deliberação tomada em Assembleia de Condóminos, deve ser intentada, nos termos do Art.º 1433º n.º 6 do Cod. Civil, não contra o condomínio, mas sim contra “... os condóminos que a votaram positivamente ou, pelo menos, que se abstiveram na votação, muito embora estes sejam representados judiciariamente pelo Administrador do Condomínio, na pessoa do qual deverão ser citados”
II - O Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, ao proferir a referida sentença violou salvo o devido respeito, por errada interpretação, o disposto no Art.º 1433º n.º 6 do Cód. Civil, e ainda os arts 12º al. e) e 30º do Cod. de Processo Civil.
III - Tal como referiu o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, a questão da legitimidade passiva do Condomínio, quando está em causa a impugnação de deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos, é uma questão controversa, que divide doutrina e jurisprudência, (não tendo ainda sido proferido pelo STJ Ac. uniformizador), tendo o Mmo. Juiz optado pela posição, que considera ser a maioritária, e com a qual discorda a Recorrente.
Com efeito
IV - A legitimidade, tal como dispõe o Art.º 30 do C.P.C, deve ser aferida pela titularidade da relação material controvertida, nomeadamente no interesse em contradizer, que se manifesta pelo prejuízo que advenha da procedência da ação – Art.º 30º n. 1 e 2 do C.P.C.
V - O condomínio, enquanto órgão colegial, está obrigado/vinculado às deliberações aprovadas em assembleia, pelo que quem tem interesse direto em contradizer no pleito, é o condomínio, e não cada condómino de per se. De facto, e tal
VI - Como defende Sandra Passinhas in a Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª edição, Almedina, pág. 346, também referida pelo Mmo. Juiz; do tribunal “a quo”
- “A deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação). E sendo um ato do condomínio a legitimidade passiva cabe ao administrador. …”
VII - No mesmo sentido, se pronunciaram os Srs. Juízes Conselheiros do STJ, no Acórdão prolatado a 29.05.2007, Proc. n.º 07A1484, relator: Urbano Dias, disponível in www.dgsi.pt, tendo consignado no sumário que:
- “É ao administrador que cabe a representação do condomínio com vista a assegurar o contraditório numa ação de impugnação de deliberações, a menos que a assembleia consigne outra pessoa para tal”. - vide no mesmo sentido Ac. TRG, prolatado a 06.01.2011, Proc. n.º 2488/10.2TBBRG.G1, relator: Manso Rainho, da mesma relação Ac. prolatado a 03-04-2014, Proc. n.º 1360/10.0TBVCT.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
VIII - A partir da reforma processual civil de 1995/96, o Art.º 16º al. e) do CPC do anterior CPC; atual Art.º 12º al. e) do CPC; passou a atribuir ao condomínio personalidade judiciária relativamente às questões, que se insiram no âmbito dos poderes do administrador, (note-se que a lei fala em poderes do administrador – o que engloba o poder de representação – e não em funções como, sucede no Art.º 1436º do CC), deixando assim de existir razão justificativa para demandar individualmente os condóminos.
IX - Aragão Seia, a propósito da alteração introduzida no então Art.º 6º do CPC, e relacionando este com o disposto no n.º 6 do Art.º 1433º do CC; refere in Propriedade Horizontal, 2ª ed.; págs. 216 e 217, que:
– “Face à atual redação da alínea e) do artigo 6º do CPC, em consonância com o n.º 6 citado, diversamente do que acontecia antes da reforma de 1995, o condomínio, ou seja o conjunto dos condóminos, pode ser diretamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio – n.º 1 do artigo 231º do CPC (atual artigo 223º) – embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir a ação”.
X - Também Moitinho de Almeida, in Propriedade Horizontal, pág. 98; após as alterações legislativas ocorridas, defende que:
- “Além das funções enumeradas no art.º 1436º, compete também ao administrador, nos termos do art.º 1433º n.º 6, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações anulatórias de deliberações de condóminos”
XI - Com relevo, para a questão agora sobre recurso, leia-se o mui douto aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, prolatado a 28.03.2006, Proc. n.º 2075/2005-7, relator: Arnaldo Silva, disponível in www.dgsi.pt, em que pelo acerto, rigor e profundidade exegética, se transcrevem alguns dos seus excertos fundamentais:
i) - “ A ação de impugnação das deliberações da assembleia de condomínio tem de ser intentada contra o administrador do condomínio, porque é este que representa processualmente o condomínio, e é este enquanto conjunto organizado de condóminos que, tem interesse em contradizer (art.º 26º n.º 1 - atual art.º 30º n.º 1 – do cód. de proc. civil)”
ii) - “Com a concessão da personalidade judiciaria ao condomínio, pela reforma processual de 1995/96 (DL n.º 329-A/ 95, de 12-12, com a redação do Dec. Lei n.º 180/96, de 25-09), deixou de haver qualquer razão para demandar os condóminos votantes, como anteriormente justificadamente sucedia. Por isso tem de se concluir que, com a reforma processual de 1995/96 o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do n.º 6 do art.º 1433º do cód. civil « a representação judiciaria dos condóminos contra quem as ações são propostas (...)» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que « a representação judiciaria do conjunto dos condóminos contra quem as ações são propostas (…) », já que o condomínio, a quem o legislador veio conceder personalidade judiciária após a reforma processual de 1995/96, é o conjunto organizado dos condóminos”
XII - Acresce que, a demanda do condomínio, também se justifica pelo facto de prevenir/evitar dificuldades reais, não só para quem demanda (atendendo à eventual dificuldade em identificar cabalmente todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação e ainda os que se abstiveram), bem como para quem contesta, pela dificuldade em mobilizar todos os condóminos, para uma defesa comum.
XIII - No caso sub iudice, e atendendo às razões supra expostas, não se verifica, ao contrário do defendido pelo Mmo. Juiz do tribunal “a quo”, a ilegitimidade passiva do Recorrido, podendo e devendo aquele ser demandado na ação sob recurso, cabendo a sua representação em juízo ao administrador, ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
XIV - Acrescente-se ainda que, e tal como referido pela Recorrente na resposta que apresentou (cfr. req. ref.ª 21817949) que o administrador do condomínio foi também a pessoa que representou a maioria dos condóminos que tomaram a deliberação, bastando atentar na ata (cfr. doc. n.º 2 junto com a P.I), para constatar que quem assinou pela quase totalidade dos condóminos, foi a sociedade P, identificada nos autos.
Termos em que deve ao presente recurso ser concedido provimento, sendo revogada a sentença proferida nos presentes autos, e proferido Acórdão que declare, que:
- O condomínio é parte legítima, não se verificando por conseguinte a exceção dilatória invocada; devendo a lide prosseguir os seus ulteriores trâmites, afim de se decidir o mérito da ação.
As conclusões no recurso do despacho que indeferiu o incidente de intervenção de terceiros, são as seguintes:
I - O presente recurso versa sobre o despacho proferida pelo Mmo. Juiz do tribunal “a quo”, através do qual indeferiu liminarmente o incidente, deduzido pela Recorrente, de Intervenção Principal Provocada dos condóminos que votaram favoravelmente a decisão adotada na assembleia extraordinária, de condóminos realizada em 29 de Junho de 2015, em Montalegre; por considerar que inexiste litisconsórcio necessário entre “... os terceiros que o Autor pretende chamar...” e “ … o réu originário P, Lda”.
II - O Mmo. Juiz do tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, ao proferir o referido despacho violou, por errada interpretação, o disposto nos Arts 33º n.º 2, 261º e 316º do CPC. Com efeito, e
III – Nos termos da lei, a figura/instituto do litisconsórcio – Art.º 33º CPC, surge, quando em juízo, se discute uma determinada relação jurídica que envolve diversos sujeitos, os quais, são por isso, partes na ação; ou seja à unicidade da relação controvertida
corresponde, uma pluralidade de partes.
IV - De acordo com o supra referido normativo, o litisconsórcio diz-se necessário, quando os diversos sujeitos (do lado ativo/passivo) que envolve a relação jurídica, tem obrigatoriamente que estar presentes em juízo, não dependendo tal presença da simples vontade dos interessados, podendo aquela obrigatoriedade resultar da lei, do negócio e até da natureza da relação controvertida.
V – Ao litisconsórcio necessário natural (i.e resultante da natureza da relação controvertida), em causa nos presentes autos, refere-se o n.º 2 do Art.º 33º do CPC, estipulando que:
- É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal” acrescentando o n.º 3 do aludido normativo que “A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado”.
VI - Segundo Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto in “ Código de Processo Civil Anotado” Vol. I, 1999, pág. 58, “A pedra de toque do litisconsórcio necessário é … a impossibilidade, de tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando – o, ou ainda nas ações de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar” (os nºs 2 e 3 do Art.º 33º, do atual CPC, têm a mesma redação dos nºs 2 e 3 do Art.º 28, do CPC de 1961).
VII - No caso sub judice, considera a Recorrente existir litisconsórcio necessário natural porquanto a decisão/sentença a proferir só produzirá o seu efeito útil normal, só regulara definitivamente a situação concreta das partes (declarando nula a deliberação adotada), se na lide intervierem não só os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, posta em crise pela Recorrente, mas também aqueles que não estiveram presentes, nem representados, na assembleia de condóminos, na qual foi aprovada a referida deliberação.
VIII - Condóminos que, na lide, são representados, pelo condomínio. De facto
IX - As ações de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, devem ser propostas (legitimidade passiva) de acordo com uma das correntes, defendidas pela doutrina e jurisprudência Portuguesas, contra os condóminos que a(s) votaram favoravelmente - Art.º 1433º n.º 6 do CC (vide neste sentido Ac. TRP, prolatado a 04.10.2012, Proc. n.º 1371/11.9TJPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt); e que no caso em apreço, são, precisamente, os condóminos, que foram chamados à lide, pela Recorrente, ao deduzir o Incidente de Intervenção Principal Provocada.
X - Ora, para além dos condóminos que votaram favoravelmente a aludida deliberação, existem outros, que também fazem parte do condomínio do Centro Comercial C, que não estiveram presentes, nem foram representados (cfr. doc. n.º 2 junto com a P.I do incidente, ou seja ata n.º 29 e fl. de presenças anexa) na assembleia extraordinária de condóminos realizada em 29 de Junho de 2015, em Montalegre; e
XI - Que também devem, ser abrangidos pela sentença a proferir, nos autos principais, de modo a que esta componha definitivamente o litígio, dado estes nos termos do disposto no Art.º 286º do CC, terem legitimidade, agora ativa, para intentarem a todo o tempo, ação destinada a declarar a nulidade, da deliberação adotada pela assembleia extraordinária de condóminos – vide neste sentido Sandra Passinhas in “A ASSEMBLEIA DE CONDOMINOS E O ADMINISTRADOR NA PROPRIEDADE HORIZONTAL”, 2ª edição, Almedina, pág. 251.
Nulidade, invocada nos autos principais. Efetivamente
XII - A Recorrente, no caso sub iudice, intentou contra Recorrida, ação de Impugnação de Deliberação da Assembleia de Condóminos, sob a forma de processo comum, com o intuito de que fosse declarada nula, por exorbitar a esfera de competências da referida assembleia, a deliberação aprovada em 29 de Junho do ano transato, nos termos da qual foi aprovado o orçamento para “... obras de manutenção dos terraços de cobertura da zona do rés-do-chão com entrada para a Avenida Nuno Alvares Pereira ...”, tendo os encargos com tais obras, sido distribuídos, não só pelos condóminos do centro comercial C, mas também por não condóminos, ou seja pelos proprietários de duas frações autónomas, do 1º andar do prédio contiguo.
XIII - Acresce que, na presente lide, também se justifica, a intervenção do Condomínio do Centro Comercial C, representada por P, Lda, pelo facto, de o Administrador ter representado a maioria dos condóminos que tomaram a deliberação, bastando atentar na ata da dita assembleia, para constatar, que quem assinou pela quase totalidade dos condóminos, foi a já referida, sociedade P.
XIV - Perante as razões supra aduzidas, considera a Recorrente que se verifica litisconsórcio necessário passivo, entre “... os terceiros que o Autor pretende chamar...” e “ … o réu originário P, Lda”, pelo que tem pleno cabimento a dedução do Incidente de Intervenção Principal Provocada, nos termos conjugados dos Arts 261º e 316º do CPC.
Termos em que deve ao presente recurso ser concedido provimento, sendo revogada o despacho proferido nos presentes autos, e proferido Acórdão que declare, que:
- Se verifica litisconsórcio necessário natural entre o réu originário P, Lda e os terceiros (condóminos), que a Recorrente chamou a intervir, mandando prosseguir os ulteriores trâmites do incidente deduzido, como é de JUSTIÇA.
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O Réu não apresentou contra alegações.
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Questões a decidir:
- Analisar se o Réu é parte legítima na ação.
- Concluindo-se pela ilegitimidade do réu., verificar se é de admitir a intervenção dos terceiros requerida pelo A..
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Nada obstando ao conhecimento do objeto dos recursos, cumpre apreciar e decidir.
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No presente recurso cabe analisar se o condomínio pode representar os condóminos numa ação em que é pedida a declaração de nulidade de uma deliberação tomada na assembleia de condóminos.
Vejamos:
Em face do disposto art. 12º - e) do C. P. Civil, o condomínio resultante da propriedade horizontal, tem personalidade judiciária relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
Como se vê dos arts. 1430º a 1433º, 1435º e 1436º do C. Civil, o administrador é o órgão executivo da administração das partes comuns do edifício, enquanto a assembleia é o órgão deliberativo. Entre os poderes do administrador contam-se os inerentes à representação judiciária contra quem sejam propostas ações de impugnação de deliberações da assembleia, salvo se outra pessoa for nomeada pela assembleia, conforme preceitua o art. 1433º, nº 6 do C. Civil.
Nas ações de impugnação das deliberações a representação judiciária do condomínio cabe ao administrador ou a outra pessoa para o efeito designada pela assembleia.
Destina-se essa representação, permitida por lei, a facilitar o desenvolvimento da ação e evitar a intervenção efetiva de todos, o que significa que o autor poderá requerer a citação de todos os réus apenas na pessoa do administrador ou do representante especial, se o houver (v. Abílio Neto in Direitos e Deveres dos Condóminos na Propriedade Horizontal, 1988, pág. 114).
Contudo, o condómino que pretenda impugnar em juízo deliberações tomadas numa dada assembleia, terá de intentar a correspondente ação contra todos os condóminos individualmente considerados, que hajam aprovado as deliberações impugnadas, se tenham abstido ou que não tenham estado presentes ou representados, os quais serão, assim, os verdadeiros réus na ação. Com efeito, todos eles podem ser prejudicados ou beneficiados com a decretação da nulidade pedida e a deliberação constitui ato unitário (v. Abílio Neto, ob. cit., pág. 114).
Com efeito, a propósito da necessidade de propor a ação contra todos os condóminos, com exceção daqueles que tenham manifestado a sua discordância relativamente à deliberação, há que ter presente o preceituado n.º 6 do art. 1432º, segundo o qual, as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias e estes têm, após a receção da carta, 90 dias para comunicar por escrito, à assembleia de condóminos, o seu assentimento ou a sua discordância com a deliberação (n.º 7), sendo que o seu silêncio deve ser considerado como aprovação da deliberação (n.º 8).
Assim, a Autora deveria ter intentado a ação contra todos os condóminos, com exceção dos que votaram desfavoravelmente a deliberação ora impugnada, identificando-os.
Na verdade, as ações de anulação de deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra os condóminos porque são eles que têm interesse em contradizer a posição de quem visa destruir os efeitos de uma decisão relativa ao interesse comum subjacente àquelas deliberações, só fazendo sentido uma decisão judicial de anulação de um ato que a todos obriga igualmente se for oponível a todos os condóminos, sendo um caso de litisconsórcio necessário passivo (arts. 30º, nºs 1 e 2 e 33º, ambos do C. P. Civil).
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Posto isto, entramos no objeto do 2º recurso interposto.
Assim, havendo aqui uma situação de ilegitimidade passiva, resta saber se o tribunal a quo andou bem ao indeferir o incidente através do qual a Autora pretendia fazer intervir na ação os condóminos que votaram a deliberação e os que se abstiveram, de forma a, no seu entender, regularizar a instância.
Do nº 1 do art. 316º do C. P. Civil decorre que, ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
Ora, no caso a administração do condomínio não tem que intervir na ação ao lado dos condóminos mas sim em representação destes, como decorre do acima exposto.
Conforme se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/02/09 (in www.dgsi.pt ) a propósito de uma situação semelhante, no caso estamos “perante a demanda de entidade diversa daquelas que deveriam estar na ação, ou seja, somos confrontados com um caso de substituição da parte incorretamente demandada por uma outra, legalmente reconhecida como aquela que deve estar nos autos”, não sendo pois, uma situação de regularização da instância através da intervenção das restantes pessoas que deveriam estar na ação.
O incidente de intervenção de terceiros foi, pois, bem indeferido pelo tribunal a quo.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgar improcedentes os recursos, confirmando as decisões recorridas.
Custas pela Recorrente.
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Guimarães, 24 de novembro de 2016
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria de Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)