Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
228/14.6JABRG-A.G1
Relator: PAULA ROBERTO
Descritores: INSTRUÇÃO
RAI SUBSCRITO PELO ARGUIDO
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) Nos termos do artº 40º, nº 2 do CPC, o arguido pode apresentar, por si só, exposições, memoriais e requerimentos, no entanto, nestes não podem suscitar-se questões de natureza jurídica.
II) No caso dos autos, uma vez que o RAI foi apresentado e subscrito apenas pelo arguido e nele, o recorrente suscita, desde logo, a questão da "caracterização da negligência que lhe foi imputada" e a suspensão provisória do processo, impõe-se concluir que tal requerimento não pode ser admitido por não ter sido subscrito por advogado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

Relatório
No âmbito do Processo nº 228/14.6JABRG que corre termos na 1ª Sec. Ins. Criminal (J1) da Inst. Central de Braga, comarca de Braga, em que, entre outros, é arguido João M., na sequência de despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz que indeferiu o Requerimento de Abertura de Instrução, veio o arguido interpor o presente recurso em que formula as conclusões que se transcrevem:
A. Resulta do despacho supratranscrito que, o Mmo. Juiz de Instrução rejeitou, declarando de nenhum efeito, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido, por o mesmo não ter sido subscrito por advogado, nem, posteriormente, e após notificação aos advogados nomeados, em sucessão, para juntarem aos autos declaração a ratificar o requerimento de abertura de instrução, tais convites não terem sido correspondidos.
B. Mais refere ser obrigatória a representação do arguido por defensor em fase de instrução, “incluindo desde a data de apresentação do requerimento destinado à respectiva abertura, em particular em casos como o presente, em que por essa via, são suscitadas, para além do mais, questões de direito”.
C. Entende o Recorrente ter-se verificado uma incorrecta aplicação do direito por parte do Meritíssimo Juiz “a quo”, violando vários preceitos legais, designadamente o disposto nos artigos 61º, nº 1 al. g), 64º, nº 1 al. c) e nº 2, 98º, nº 1, 287º, nº 2 do Código de Processo Penal, o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e, ainda, o artigo 6º, al. c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
D. A lei – concretamente os arts. 61º, nº 1, al. g), 64º, nº 1, al. c) e nº 2, 98º nº 1, e 287º, nº 2, 3 e 4, do Código de Processo Penal e o art. 6º al. c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – apontam no sentido de que o requerimento de abertura de instrução pode ser assinado pelo próprio arguido, sobretudo quando se limita a contrariar e/ou reanalisar a prova indiciária em que se baseia a acusação e a requerer novas provas.
E. No requerimento de abertura de instrução é efectuada, exclusivamente, uma análise crítica sobre as provas indiciárias recolhidas em sede de inquérito e sobre a interpretação que o Ministério Público faz das mesmas.
F. Portanto deveria o requerimento de abertura de instrução ser integralmente admitido, e jamais poderia ter sido rejeitado pelo Mmo. Juiz de Instrução.
G. Mas, mesmo que fosse entendido que é necessária a subscrição do requerimento por advogado, sempre deverá aqui assinalar-se que a consequência não é, nem nunca poderia ser, a rejeição liminar do requerimento, pois isso seria, transverter o direito que a lei confere a favor do arguido de ser assistido por advogado num ónus contra ele.
H. E, s.m.o., é esse o sentido e as consequências que se contêm no despacho recorrido.
I. De facto, e nessa interpretação mais formalista da lei e desconforme com a ratio subjacente ao pretendido na consagração do acesso ao direito no nosso ordenamento jurídico e em diplomas legislativos internacionais que procuram salvaguardar este direito fundamental, deveria ter-se verificado o procedimento previsto no artigo 48.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal, de modo a permitir ao arguido diligenciar, em prazo adequado pela ratificação do requerimento por advogado.
J. E, para que o procedimento fosse o correcto, sempre teria de ser o arguido notificado pessoalmente, no sentido de providenciar pelo suprimento da irregularidade do requerimento,
K. Ao contrário do que fez o tribunal recorrido, o qual notificou apenas os defensores nomeados.
L. Ora, in casu,
M. O arguido não teve qualquer conhecimento das referidas notificações, quer porque nunca foi notificado ou contactado pelo Tribunal para suprir eventual irregularidade do requerimento de abertura de instrução, quer porque os defensores nomeados, por razões totalmente alheias ao arguido, logo pediram escusas do patrocínio e nunca o contactaram.
N. E note-se também que entre esses defensores nomeados, e o arguido, nunca existiu uma qualquer relação de mandato, pelo que este nada lhes poderia exigir - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-10-2010 – Procº 674/08.4YXLSB.L1-7.
O. Portanto, a decisão de indeferimento do requerimento de instrução, nos termos em que foi sustentada e decidida, é violadora dos mais elementares direitos de defesa do arguido, aqui recorrente, sendo geradora, também, nos termos do artigo 119º nº 1, al. d), de uma nulidade, por falta de instrução, que aqui expressamente se argui.
P. Ainda,
Q. Refere também o nº 3 do artigo 287º os casos em que o requerimento de abertura de instrução pode ser rejeitado.
R. A falta de subscrição do requerimento de abertura de instrução, por advogado, não figura nem se inscreve em nenhum dos casos previstos.
S. Mas apenas e tão só à exclusão de eventuais questões de direito que nele estivessem suscitadas.
T. No nosso entender, será esta a interpretação compatível com todas as normas legais já supracitadas - arts. 61º, nº 1, al. g), 64º, nº 1, al. c) e nº 2, 98º nº 1, e 287º, nº 2, do Código de Processo Penal e do art. 6º al. c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - que permitem que o arguido apresente, em qualquer fase do processo, requerimentos assinados por si e arrole provas.
U. O que quer dizer que, se o Mmo. Juiz “a quo” entendia haver alguma questão de direito invocada no requerimento do arguido, deveria ter excluído da instrução essa ou essas questões,
V. Aproveitando, no entanto, o requerimento quanto às questões atinentes à matéria de facto, à análise das provas, e, sobretudo, quanto ao requerimento de novas provas arroladas e apresentadas.
W. A rejeição liminar do requerimento, nos termos em que foi efectuada, viola as normas legais citadas e configura uma obstrução grave do direito de defesa do arguido.
X. Assim, a decisão de indeferimento do requerimento de abertura de instrução apresentado nos autos viola o disposto nos artigos 98º, nº 1, 287º, nº 1, 2 e 3 do Código de Processo Penal, bem como, o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, o que determina a invalidade daquela decisão e a nulidade insanável, prevista no art. 119º nº 1 al. d), por falta de instrução, que aqui expressamente se argui.
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O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido e apresentando as seguintes conclusões:
A) As normas dos arts. 61º nº 1 alínea g), 64º nºs 1 alínea c) e 2, 98º nº 1 e 287º nº 2 do CPP devem ser lidas em conjugação umas com as outras e com a norma do nº 3 do art. 64º, resultando das mesmas que a assistência de defensor ao arguido é obrigatória, pelo menos, a partir da dedução da acusação, podendo inclusive ser decretada oficiosamente pelo tribunal em momento anterior, bastando para tanto que as circunstâncias do caso revelem a necessidade ou conveniência do arguido ser assistido.
B) O arguido não pode invocar que agiu ao abrigo do direito de intervir na instrução, oferecendo provas e requerendo diligências, porque o RAI que apresentou é obviamente anterior à existência da fase instrutória;
C) A exigência de que o RAI seja ratificado pelo defensor oficioso nomeado não belisca o direito de acesso ao direito e aos tribunais, previsto no art. 20º da Constituição, pois tal direito de acesso deve respeitar as normas processuais vigentes;
D) Da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem resulta que é reconhecida aos Estados membros do Conselho da Europa uma margem de discricionariedade na apreciação da questão de saber se os interesses da justiça e, em particular, as garantias de defesa, ficarão melhor satisfeitas mediante a nomeação de defensor oficioso ou com a admissão da autodefesa, sem que tal nomeação colida com o disposto no art. 6º nº 3 alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem em matéria de autodefesa;
E) O RAI apresentado pelo recorrente coloca questões de direito, nomeadamente quanto ao preenchimento do conceito de negligência inconsciente e quanto à análise da culpa do arguido para efeitos de suspensão provisória do processo;
F) O que permite concluir que o autor desse RAI é uma pessoa com formação jurídica, desconhecendo-se se se encontra em condições de exercer o mandato judicial;
G) A admissão de um RAI nestas circunstâncias violaria as normas legais sobre o exercício do mandato judicial;
H) Por todas estas razões, bem andou a M.ª Juiz a quo ao rejeitar o RAI apresentado pelo ora recorrente;
I) Tal rejeição deriva da inadmissibilidade legal de uma instrução requerida nestes termos e não implica o cometimento de qualquer nulidade, designadamente a prevista na alínea d) do art. 119º do CPP;
J) Com efeito, a nulidade em causa está pensada para os casos em que a instrução é obrigatória, ou seja, aqueles em que o RAI não é rejeitado.
K) A entender-se de outra maneira, qualquer rejeição do RAI seria sempre ferida de nulidade.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-geral Adjunta emitiu Parecer em que afirma entender que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação
A decisão sob recurso é a seguinte:
Conforme dos autos decorre, o arguido João M. apresentou-se, desacompanhado de defensor, a requerer, a fls. 1000 a 1007, a abertura da instrução.
A representação do arguido por defensor é obrigatória em fase de instrução, incluindo desde a data de apresentação do requerimento destinado à respectiva abertura, em particular em casos, como o presente, em que, por essa via, são suscitadas, para além do mais, questões de direito [neste sentido vd., entre outros, Ac. da Relação de Guimarães de 06.05.2013, Proc. nº 1508/09.8TAGMR.G1, Ac. da Relação de Évora de 24.09.2013, Proc. nº 599/09.6TAOLH; e Ac. da Relação de Coimbra de 03.06.2015, Proc. nº 2320/12.2TALRA-A.C1, todos in http://www.dgsi.pt].
Por decorrência disso, e aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no art. 48º do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do preceituado no art. 4º do Cód. de Proc. Penal – que comanda seja fixado prazo a quem dispõe de poderes para o efeito para ratificar o correspondente acto – foi determinada, por duas vezes, a notificação dos ilustres advogados nomeados, em sucessão, para assegurar a defesa daquele arguido para juntarem aos autos declaração a ratificar o requerimento por ele apresentado sem os necessários poderes.
Não tendo sido, como não foram, correspondidos aqueles convites, impõe-se declarar de nenhum efeito o RAI apresentado, a fls.1000 a 1007, pelo arguido João M., com a consequente rejeição da instrução por ele requerida, o que se decide em conformidade.
* * *

Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre averiguar:
- se o requerimento de abertura de instrução tem que ser subscrito por advogado;
- se a notificação para ratificar peça processual necessariamente subscrita por advogado (e que foi subscrita apenas pela parte) pode ser feita apenas ao defensor nomeado ou se tem também que o ser à parte;
- se havia causa para a rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução.
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Da subscrição por advogado do requerimento de abertura de instrução
Alega o recorrente que o disposto nos arts. 61º, nº 1 al. g), 64º, nº 1 al. c) e nº 2, 98º, nº 1, 287º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, o art. 20º da Constituição da República Portuguesa e, ainda, o art. 6º, al. c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem apontam no sentido de que o requerimento de abertura de instrução pode ser assinado pelo próprio arguido, sobretudo quando se limita a contrariar e/ou reanalisar a prova indiciária em que se baseia a acusação e a requerer novas provas.
O art. 61º, nº 1 al. g) do Cód. Proc. Penal, regendo sobre os direitos do arguido, assegura que este tem, salvas as excepções da lei, o direito de intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias. E o art. 98º, nº 1 do Cód. Proc. Penal aceita que “o arguido, ainda que em liberdade, pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. As exposições, memoriais e requerimentos do arguido são sempre integradas nos autos”.
O art. 20º da Constituição da República Portuguesa postula que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais.
O art. 6º, nº 3, alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem estipula que “o acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: … defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem”.
O art. 64º, nº 1, al. c) e nº 2, do Cód. Proc. Penal estabelece que é obrigatória a assistência do defensor, entre outros casos, no debate instrutório podendo ainda ser nomeado defensor ao arguido sempre que as circunstâncias do caso revelarem a necessidade ou a conveniência de o arguido ser assistido.
Com base nestes preceitos, defende o recorrente que pode ser admitido a requerer por si (isto é, desacompanhado de defensor) a abertura de instrução, só sendo obrigatória a assistência do defensor no debate instrutório.
A instrução, de acordo com o preceituado no nº 1, do art. 286º, do Cód. Proc. Penal, “visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
A instrução pode ser requerida pelo arguido (relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação) ou pelo assistente (se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação) – cfr. o nº 1 do art. 287º do mesmo Código.
Estabelece o nº 2 do citado art. 287º que “o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do art. 283º”.
E, do n.º 4 do mesmo normativo resulta que no despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado.
Acresce que, o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo, especificando a lei as fases em que a assistência por advogado é obrigatória – artigo 32.º, n.º 3, da CRP.
Ora da conjugação de todos estes normativos e ponderando mais concretamente que o requerimento de abertura de instrução, pese embora não esteja sujeito a formalidades especiais, deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação, entendemos que o arguido não pode, por si, desacompanhado de advogado requerer a abertura de instrução.
Na verdade, a instrução é uma fase processual que exige conhecimentos técnico jurídicos, pelo que, o requerimento de abertura de instrução deve ser subscrito por advogado.
Tanto assim é que, como já referimos é obrigatória a nomeação de defensor ao arguido quando contra ele for deduzida acusação e o juiz deve nomear defensor ao arguido logo no despacho de abertura de instrução.
É certo que o arguido pode apresentar, por si só, exposições, memoriais e requerimentos, no entanto, nestes não podem suscitar-se questões de natureza jurídica (cfr. artigo 40.º, n.º 2, do CPC), como ocorre, no requerimento de abertura de instrução apresentado nos autos no qual o arguido suscita, desde logo, a questão da “caracterização da negligência que lhe foi imputada” e a suspensão provisória do processo.
Neste sentido que vimos sufragando, podem ler-se os acórdãos desta Relação de 06/05/2013, da Relação de Évora de 24/09/2013 e da Relação de Coimbra de 03/06/2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Nestes se refere que a instrução constitui um conjunto de atos processuais que se exprimem na produção de prova e/ou reavaliação da prova produzida nos autos, em termos de facto e de direito, o que exige não só uma perspetiva descomprometida relativamente ao caso, mas também um especial conhecimento técnico jurídico quanto àquilo que está em discussão, o que só verdadeiramente se alcançará quando o arguido esteja assistido por advogado. Por isso se entende que o requerimento para abertura de instrução deve ser subscrito pelo defensor do arguido.
Em suma, o requerimento de abertura de instrução tem de ser subscrito por advogado, não pode ser apresentado e subscrito apenas pelo arguido.
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Mas o recorrente, alega, ainda, que mesmo que se entenda que é necessária a subscrição do requerimento por advogado, a consequência nunca poderia ser a da rejeição liminar do mesmo, pois isso seria transverter o direito que a lei confere a favor do arguido de ser assistido por advogado num ónus contra ele, pelo que, o arguido sempre teria de ser notificado pessoalmente no sentido de providenciar pelo suprimento da irregularidade do requerimento, ao contrário do que fez o tribunal recorrido que notificou apenas os defensores nomeados.
Vejamos:
Conforme resulta do artigo 48.º, do CPC:
<<1. A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.
2. O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário,(…)>>.
Ora, como já referimos, estamos perante um requerimento para abertura de instrução subscrito pelo arguido que não tem competência/habilitação técnica nem autonomia para elaborar o mesmo.
Significa isto que não se trata de falta de poderes por parte do arguido, sendo que, é aquela que origina a necessidade de ratificação dos atos praticados por parte de quem os tem.
Na verdade, a norma supra citada está prevista apenas para a situação de falta de poderes do advogado que tem capacidade de praticar o ato mas não lhe foram concedidos poderes para tal, razão pela qual, além do mais, o mandante terá de ratificar o processado do mandatário.
Salvo o devido respeito, não vemos qualquer fundamento legal para ordenar a notificação dos defensores e do arguido para juntarem aos autos requerimento com ratificação do processado, subscrito pelo defensor advogado, sob pena de inversão do instituto da ratificação, pois seria o advogado a ratificar o ato praticado pelo arguido, ou seja, o mandatário a ratificar o processado do mandante, quem está habilitado a praticar o ato a ratificar o processado de quem não tem capacidade.
Concluindo, as normas da ratificação estão destinadas aos atos praticados por quem não tem poderes mas que posteriormente os adquire e que, por isso, têm de ser ratificados pela parte que os concedeu.
Assim sendo, não acompanhamos, nesta parte, o que foi decidido nos citados acórdãos no sentido de que uma rejeição sem mais constitui ilogismo – pois se a assistência do defensor visa proteger o arguido, a falta daquela não pode justificar sem mais uma agravação da posição processual deste e, ainda, de que se deve conceder prazo para suprimento da irregularidade do patrocínio judiciário, com ratificação do processado, devendo notificar-se arguido e defensor/advogado para, no prazo geral de 10 dias, juntarem aos autos requerimento com ratificação do processado, subscrito pelo defensor advogado, sob pena de rejeição da instrução, por inadmissibilidade legal.
Na verdade, não está em causa a agravação da posição processual do arguido nem a irregularidade do patrocínio mas sim a prática de um ato por parte de quem não tem competência/habilitação técnica para o mesmo, sendo certo que tendo sido deduzida acusação contra o arguido foi-lhe necessariamente nomeado um defensor.
Pelo exposto, o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo arguido recorrente não pode ser admitido como o não foi no despacho recorrido.
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Decisão
Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, em conferência, na improcedência do recurso, em manter o despacho recorrido.
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Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
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Guimarães, 2017/01/09
(processado e revisto pela relatora)
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(Paula Maria Roberto)
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(Alda Tomé Casimiro), vencida nos termos da declaração anexa.