Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7072/18.0T8VNF-B.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: DECLARAÇÕES DE PARTE
COMPARÊNCIA
ADIAMENTO DO JULGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A parte que deixa para a audiência de julgamento a apresentação de requerimento a pedir as suas próprias declarações de parte, ao abrigo do direito potestativo conferido pelo art. 466º,1 CPC, tem o ónus de estar presente, para as mesmas poderem ser tomadas sem perturbação nem adiamento da audiência. 2. Admite-se, como excepção a esta regra, que a parte possa estar impossibilitada de todo de comparecer na audiência, caso em que deverá alegar e comprovar isso mesmo, e o Juiz designará nova data para essa diligência de prova. 3. Mas quando o mandatário formula o requerimento para a parte ser ouvida em declarações, esta não está presente, e nem sequer apresenta uma justificação aceitável para essa ausência, deve o Juiz indeferir liminarmente ao requerido.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. A parte que deixa para a audiência de julgamento a apresentação de requerimento a pedir as suas próprias declarações de parte, ao abrigo do direito potestativo conferido pelo art. 466º,1 CPC, tem o ónus de estar presente, para as mesmas poderem ser tomadas sem perturbação nem adiamento da audiência. 2. Admite-se, como excepção a esta regra, que a parte possa estar impossibilitada de todo de comparecer na audiência, caso em que deverá alegar e comprovar isso mesmo, e o Juiz designará nova data para essa diligência de prova. 3. Mas quando o mandatário formula o requerimento para a parte ser ouvida em declarações, esta não está presente, e nem sequer apresenta uma justificação aceitável para essa ausência, deve o Juiz indeferir liminarmente ao requerido.

I- Relatório

Correm termos uns autos de Embargos de Executado, sob o P. 7072/18.0T8VNF-A, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão - Juiz 2, em que é Embargante/Executado P. V., e Embargado/Exequente X - Sociedade de Garantia Mútua, S.A.

No processo executivo de que esses embargos são dependência, foi dada à execução uma livrança no valor de € 67.610,87, subscrita por Y – Confecções, Lda, e avalizada pelo executado.

Na oposição por embargos, o executado veio alegar:

a) o requerimento executivo carece de qualquer factualidade que permita concluir sobre a razão material subjacente à execução;
b) o embargante vem invocar a relação subjacente, que foi um contrato de mútuo celebrado entre a sociedade subscritora com a entidade BANCO ..., o qual só foi celebrado com a exigência que a exequente prestasse uma garantia, e daí a emissão da livrança;
c) para tal, a exequente exigiu à Y – Confecções, Lda, a emissão de uma livrança em branco com o respectivo aval do gerente da mesma.
d) A Y – Confecções, Lda, deixou de conseguir fazer face às suas obrigações, nomeadamente perante a BANCO ...;
e) o pacto de preenchimento celebrado entre as partes não foi respeitado pela exequente, ao apor o valor na livrança;

No início da audiência de julgamento o Embargante apresentou o seguinte requerimento:

"Nos termos do disposto no art. 466º do CPC e tendo em conta que as testemunhas a apresentar não se encontram presentes nos autos, requer-se as declarações de parte do aqui embargante quanto aos factos vertidos nos artigos 11º a 21º, 23º, 24º e 34º a 36º da oposição à execução, por se tratarem de factos em que o autor interveio pessoalmente, deles tendo conhecimento directo, pelo que, se requer que seja designada nova para a sua audição”.

No exercício do contraditório, a Embargada consignou:

"Oponho-me ao requerido, uma vez que o embargante teve a oportunidade para requerer o seu depoimento de parte, não fez até esta data, só agora porque as testemunhas que se comprometeu a apresentar, não estão presentes, toda a prova dos autos está feita documentalmente e é exaustiva, não se vê em que termos o depoimento de parte do embargante poderá vir a provar de maneira diversa e portanto não se vê qualquer utilidade nessa diligência”.

Seguidamente, pela Mmª Juíza foi proferido o seguinte despacho:

"Atenta, a oposição manifestada pela embargada á prestação de declarações de parte, ora requerida; uma vez que é o entendimento deste tribunal que as declarações de parte requeridas em audiência, pressupõem que a parte se encontra presente, não apenas para manifestar a sua concordância com esse pedido, mas também, fundamentalmente, tendo em conta o princípio da inadiabilidade da audiência; entende este Tribunal que é de indeferir o requerimento de declarações de parte, atenta a ausência na audiência da parte, tanto mais, que não foi adiantada qualquer justificação para que a parte não tenha comparecido nesta audiência para prestar as declarações que agora requer. Afigura-se, assim, que as declarações requeridas visam apenas, e não só, o adiamento da audiência, pelo que, contende, precisamente, com o alegado princípio da sua inadiabilidade”.

Inconformado com esta decisão, o embargante dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (artigo 853º,2,c,4 CPC).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. Vem o embargante apresentar recurso de douto despacho que indeferiu o requerimento de declarações de parte em sede de audiência final, com fundamento no facto de, no entendimento do Tribunal recorrido, as declarações de parte requeridas em audiência pressuporem a presença da parte e, no caso, o recorrente não ter justificado a sua falta.
2. São pressupostos legais da admissibilidade da prestação das declarações de parte: a) que elas sejam requeridas pela própria parte; b) que sejam requeridas até ao início da fase das alegações orais na audiência de discussão e julgamento em 1ª instância; c) que elas se reportem a factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo; d) e que esses factos sejam indicados pelo requerente no requerimento em que formula esse seu pedido. III- A tomada das requeridas declarações de parte só pode ser recusada pelo tribunal quando os factos indicados no requerimento já estejam plenamente provados por documentos ou por outro meio de prova com força obrigatória plena.
3. Acontece, porém, que no caso em apreciação, o embargante cumpriu com todos os requisitos a que estava obrigado para que fossem admitidas as suas declarações de parte.
4. Ademais, como é defendido jurisprudencialmente, a tomada das requeridas declarações de parte só pode ser recusada pelo tribunal quando os factos indicados no requerimento já estejam plenamente provados por documentos ou por outro meio de prova com força obrigatória plena.
5. O que não aconteceu no presente caso, pois que os fundamentos do Tribunal recorrido nenhumas ligações têm com o ponto precedente, nem os factos indicados no requerimento estão plenamente provados por documentos ou por outro meio de prova com força obrigatória plena.
6. Com efeito, e salvo melhor entendimento, ao contrário do que fundamenta a Mm.ª Juiz a quo, o embargante, para ver admitido o requerimento para prestações de declarações de parte feito em audiência, não está obrigado a estar presente e muito menos vinculado ao ónus de justificar a sua falta, porquanto, a mesma não lhe era exigível.
7. Daí que, atento o quadro legal do regime, nos pareça inadmissível sustentar esses requisitos de iure constituto, defendendo por isso, e salvo melhor opinião, que a tese da Mm.ª Juiz a quo não encontra respaldo na lei.
8. Pelo que deverão as declarações de parte do embargante ser admitidas, o que culminará com a revogação do despacho proferido em sede de audiência final.

Não houve contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se deveria ter sido admitido o dito meio de prova.

III
Tudo o que é necessário para a decisão encontra-se descrito supra.

IV
Conhecendo do recurso.

O requerimento do Embargante para a admissão do meio de prova “declarações de parte” foi apresentado com o fundamento de que as testemunhas a apresentar não se encontravam presentes.
A oposição deduzida pela Embargada assenta na inutilidade do referido meio de prova, por “toda a prova dos autos estar feita documentalmente e ser exaustiva”.
O despacho judicial indeferiu o requerimento do Embargante com o fundamento de ser entendimento do Tribunal que as declarações de parte requeridas em audiência pressupõem que a parte se encontra presente, tendo em conta o princípio da inadiabilidade da audiência, e que como a parte a inquirir não estava presente, o requerimento em causa mais não seria do que uma desculpa para obter o adiamento da audiência, violando o princípio da sua inadiabilidade.
A lei dispõe que “as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo (art. 466º,1 CPC).
No caso, não há dúvida que o requerimento apresentado foi tempestivo, por ter sido apresentado antes de se iniciarem as alegações orais.
Também não há dúvidas que o art. 466º configura as declarações de parte como um verdadeiro direito potestativo da parte, que lhe permite apresentar-se a prestar declarações, desde que respeitado o conteúdo das mesmas imposto pelo nº 1 do citado artigo.
Porém, a situação dos autos coloca com acuidade uma questão a que a lei não dá resposta imediata. Quid iuris se o mandatário da parte apresentar o requerimento em causa sem que a parte a depor esteja presente?
De imediato se percebe que tal situação, a fazer prevalecer o direito da parte prestar depoimento, levará necessariamente ao adiamento da audiência, o que viola o princípio da continuidade da mesma (art. 606º,2 CPC).
É certo que, como afirmam Abrantes Geraldes e outros, in CPC anotado, I volume, 2ª edição, trata-se de um princípio programático, que se traduz numa tentativa de maior responsabilização e comprometimento de todos os sujeitos, procurando reduzir as dilações, e, de acordo com o Acórdão do STJ de 12.1.2010 (1310/04), a violação da regra da continuidade da audiência não parece estar sancionada processualmente, não gerando qualquer nulidade.
Mas isto não quer dizer que em toda e qualquer situação seja de aceitar que uma das partes, usando este mecanismo de requerer as suas próprias declarações de parte, provoque o adiamento da audiência, não estando presente no momento em que o seu mandatário faz o respectivo requerimento.
Entendemos que deve ser feita uma conciliação entre estes dois interesses, analisando sempre a situação em concreto.
Assim, à luz do princípio da cooperação, previsto no art. 7º,1 CPC, a parte que sabe que vai requerer as suas próprias declarações em audiência tem o dever de estar presente no Tribunal para ser ouvida, pois sabe que se trata de um direito potestativo, que o Juiz não poderá recusar. O dever de gestão processual (art. 6º,1 CPC) determina que o Juiz do processo possa e deva indeferir o requerido, quando a parte que se propõe depor não estiver presente, injustificadamente.
Claro que pode suceder uma situação em que a parte queria estar presente para prestar declarações, mas por motivo de força maior (doença, impedimento absoluto, etc) não o pode fazer. Nesse caso, sendo alegada e demonstrada a existência desse motivo, o Juiz do processo não terá outra solução que não deferir ao requerido, e adiar a audiência para que a parte possa comparecer a prestar depoimento.
É a solução que igualmente decorre do dever de boa-fé processual (art. 8º CPC).
E é a solução que é igualmente defendida no CPC anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, e ainda no Acórdão do TRP de 25.3.2019, proferido no Proc. 13083/16.

Vejamos mais de perto a argumentação desenvolvida neste último Acórdão:

ao contrário dos restantes meios de prova que têm que ser deduzidos com os respectivos articulados, sendo esta a regra geral, as declarações de parte são, portanto, uma excepção quanto ao momento para a indicação dos meios de prova. O regime previsto para as declarações de parte, cuja prestação pode ser requerida depois de produzidos todos os meios de prova em audiência de julgamento, demonstra que o recurso a este meio visa colmatar falhas ao nível da produção da prova. Trata-se do último expediente de que as partes podem lançar mão para tentar criar no Juiz a convicção da realidade dos factos. (…) Na falta de norma legal quanto à ordem de produção de prova, parece que ao Juiz competirá determinar qual o momento mais adequado, ao abrigo do dever de adequação e gestão processual. Com efeito, e seguindo a linha de entendimento de PAULO RAMOS FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, em anotação ao artigo 466º do Código de Processo Civil, “[a prova por declarações de parte] é um meio a apresentar pela requerente, pelo que, sendo requerido no decurso da audiência final, deve a parte estar em condições de o produzir de imediato. Não pode o mandatário requerer a prestação de declarações do seu constituinte, não presente, solicitando a suspensão dos trabalhados e a designação de nova sessão da audiência final, para assim conseguir a sua comparência”. [FARIA, Paulo Ramos de, LOUREIRO, Ana Luísa, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – os artigos da reforma, Volume I, Almedina, Coimbra, 2013, página 365] negrito e sublinhado nossos. Neste mesmo sentido, entende ABÍLIO NETO que “(...) para que [o requerimento de prova por declarações de parte] possa ser feito deve a parte em apreço encontrar-se presente, quer para o mandatário se assegurar da sua anuência prévia, quer em obediência ao princípio da inadiabilidade da audiência (...)” [NETO, Abílio, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição revista e ampliada, Ediforum, Lisboa, 2014, página 535]”.

Tudo visto e ponderado.
Quando a parte deixa a apresentação do requerimento para as suas próprias declarações de parte para a audiência de julgamento, tem o ónus de estar presente, para as mesmas poderem ser tomadas sem perturbação nem adiamento da audiência.
Admite-se, como excepção a esta regra, que a parte possa estar impossibilitada de todo de comparecer na audiência, caso em que deverá alegar e comprovar isso mesmo, caso em que deverá o Juiz designar nova data para essa diligência de prova.
Quando a parte formula o requerimento para ser ouvida em declarações, não está presente, e nem sequer apresenta uma justificação aceitável para essa ausência, deve o Juiz indeferir liminarmente o requerimento.
É o caso dos autos, em que o Ilustre Mandatário do embargante nem sequer se dignou apresentar uma razão para explicar a não presença do seu constituinte, apesar de saber que o requerimento levaria, se deferido, ao adiamento da audiência. Outro entendimento que não este equivale na prática a dar às partes o direito potestativo a obter o adiamento da audiência quando assim o entenderem, violando o disposto no art. 606º,2 CPC.
Pelo exposto, a decisão recorrida merece ser confirmada.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 14/10/2021

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)