Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5656/11.2TBBRG.G1
Relator: ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. A norma do art. 1098º n.º 2 do Código Civil é imperativa.
II. É assim ilegal a cláusula em contrato de arrendamento (celebrado anteriormente à Lei nº 31/2012) que estabelece um período mínimo de vigência do contrato de 36 meses para que o arrendatário possa denunciar o contrato.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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C…, Ld.ª intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra S… e A…, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia de 17.550,00€ (dezassete mil quinhentos e cinquenta euros), acrescida de juros moratórios, contados desde a citação até integral pagamento.
Invoca, para tanto e em suma, que celebrou com a primeira ré um contrato de arrendamento de duração efectiva (cinco anos), nos termos do qual lhe proporcionou o gozo de um imóvel (que identifica), contra o pagamento de uma renda mensal de 450,00€ (quatrocentos e cinquenta euros), mais tendo ficado, expressamente, convencionado que tal contrato tinha um período mínimo de vigência de 36 meses, sendo certo, no entanto, que após o pagamento da primeira renda, a ré declarou não mais pretender permanecer no arrendado.
Alega, por outro lado, que o segundo réu outorgou tal contrato na qualidade de fiador e principal pagador, assegurando, por esta via, o exacto cumprimento de todas as obrigações decorrentes do mesmo.
Pretende, assim, a autora obter a condenação dos réus no pagamento do remanescentes das rendas incluídas no período mínimo de vigência do contrato (35 rendas) e, bem assim, as quatro rendas relativas ao período de aviso prévio em falta (art.º 1098.º, n.º 2, do CC).
Citados, contestaram os réus invocando, desde logo, a nulidade do contrato, reputando de “cláusula proibida” o segmento final da 1.ª cláusula (estabelecimento de período mínimo de vigência de 36 meses), tudo em conformidade com o disposto nos artigos 8.º, al. c), 9.º, n.º 2, 12.º, 15.º 18.º, al. j) e 22.º, al. a), do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro (Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais).
Acrescentam, por outro lado, que as suas vontades reais não coincidem com as ali declaradas, na medida em que não se aperceberam do conteúdo do acordado («maxime» da referida cláusula), ora referindo que não tinham consciência da declaração emitida (art.º 246.º, do CC), ora invocando o designado erro-obstáculo (art.º 247.º, do CC), para, em ambos os casos, concluírem pela nulidade do contrato.
Prosseguem, noutra perspectiva, invocando que o arrendado padece de vício que não lhe permite realizar cabalmente o fim a que se destinava (habitação), na medida em que os ruídos oriundos das máquinas do novo Hospital de Braga provocam insónias à ré, que obstam ao seu condigno repouso, tanto mais que, à data, a mesma se encontrava em período de convalescença, na sequência de problema oncológico detectado, o qual, de resto, era conhecido da autora.
Esclarece, então, que logo após o início do contrato, pretendeu a ré proceder à entrega do arrendado, pelas referidas razões, altura em que a autora e os réus acordaram que deveriam estes diligenciar por encontrar novo arrendatário, o que, todavia, não lograram, em virtude da renda ser elevada.
Respondeu a autora, referindo, em suma, que a razão pela qual ficou estabelecido, de comum acordo com os réus, um período de vigência do contrato por 36 meses, resulta da exigência destes em que o arrendado tivesse mobília, a qual foi ali propositadamente colocada pela autora, pedindo, a final, a condenação dos réus como litigantes de má-fé.
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O processo foi saneado, mas dispensada a condensação da matéria de facto.
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Efectuado o julgamento, a final foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção totalmente procedente, por integralmente provada e, consequentemente, condenar, solidariamente, os réus S… e A… no pagamento à autora C…, Ld.ª da quantia de 17.550,00€ (dezassete mil quinhentos e cinquenta euros), acrescida de juros moratórios à taxa de 4%, contabilizados desde a citação até efeito e integral pagamento, condenando-se, ainda, aqueles a suportarem as custas processuais da acção.
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Inconformados com o assim decidido vieram os RR. interpor recurso de Apelação, finalizando com as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
Não foram apresentadas contra-alegações
Cumpre agora decidir.

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Objecto do recurso
Considerando que:
- o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes (artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil), estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil – das formuladas pela Apelante resulta que as questões colocadas à nossa apreciação são as seguintes:
- Nulidade nos termos do art. 195 n.º 1 do C. P. Civil.
- Impugnação da matéria de facto.
- Errado entendimento do artigo 1098º do Código Civil
- Nulidade da cláusula primeira do contrato de arrendamento junto aos autos nos termos do artigo 280º do Código Civil.
- Além do mais, a cláusula primeira deve ser considerada uma cláusula abusiva contrária à boa-fé, sendo, por isso, proibida, para além de configurar um abuso de direito.
- Nulidade do contrato de arrendamento, nos termos dos artigos 247.º e seguintes e 287.º e seguintes do Código Civil, por existir divergência entre a vontade real e a vontade declarada, devendo, por isso, ser declarado
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Vejamos então.
A) Foram dados como Provados os seguintes FACTOS:
1. Por acordo reduzido a escrito, datado de 02 de Maio de 2011, a autora C…, Ld.ª e a ré S…, declararam que, entre si, celebram um «contrato de arrendamento», referente à fracção “I” (T1-2.º-Letra B), do prédio sito na Rua Engenheiro Nuno Álvares Pereira, n.º 1, Gualtar, Braga que, entre o mais que consta de fls. 11 e 12, se regia pelas seguintes cláusulas: «1.º Este arrendamento é válido pelo prazo de 5 anos, nos termos da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, a começar a 01 de Junho de 2011 e a terminar a 31 de Maio de 2016, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de 1 ano, e nas mesmas condições, enquanto, por qualquer das partes, não for denunciado nos termos da lei. Todavia, o segundo outorgante poderá denunciar o presente contrato, com 120 dias de antecedência, somente após 36 meses de vigência. (…) 3.º a) A renda inicial acordada é a de 450,00€, com condomínio incluído, durante a vigência deste contrato; b) A renda das renovações subsequentes será aquela que resultar da actualização legal (…)»;
2. O réu A… outorgou o acordo aludido em 1) e nele declarou que «fica por fiador e principal pagador do arrendatário, pelo exacto cumprimento de todas as condições contratuais inerentes a este contrato e suas prorrogações (...)»;
3. Por conta do acordo aludido em 1), a ré S… procedeu ao pagamento da primeira renda, no valor de 450,00€;
4. A ré S… padece de doença do foro oncológico (cancro da mama);
5. O apartamento aludido em 1) situa-se nas imediações do novo Hospital de Braga;
6. Em meados de Junho de 2011, a ré S… declarou perante a autora que não pretendia permanecer no mesmo, invocando que os barulhos provenientes do Hospital lhe provocavam insónias;
7. Em meados de Junho de 2011, a ré S… mudou-se para casa do seu pai, o réu A…;
8. Aquando do referido em 6) e 7), a ré S… permaneceu com as chaves do apartamento;
9. A autora declarou não aceitar a desvinculação da ré S…, por ainda não haver decorrido o prazo de 36 meses;
10. Os réus promoveram o arrendamento do apartamento através da publicação de anúncios no jornal «Correio do Minho»;
11. O réu A… contactou o legal representante da autora, pois queria arrendar uma casa para a sua filha, a ré S…;
12. Exigindo que a casa fosse mobiliada;
13. A autora aceitou e mobilou o apartamento, e;
14. Como contrapartida, autora e réus aceitaram que o contrato referido em 1) teria a duração mínima de 36 meses.
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Foram os seguintes os Factos dados como NÃO PROVADOS
a) Aquando da assinatura do acordo escrito indicado em 1), os réus S… e A… não se aperceberam do teor da parte final da cláusula 1.ª;
b) Aquando da assinatura do acordo escrito indicado em 1), os réus S… e A… desconheciam o seu teor;
c) Os réus S… e A… apenas tomaram conhecimento do teor da parte final da cláusula 1.ª, quando manifestaram perante a autora que não pretendia cumprir o contrato e esta lhes invocou que a primeira ré havia assumido a obrigação de permanecer no apartamento durante 36 meses;
d) Aquando da outorga do acordo aludido em 1), a autora tinha conhecimento dos problemas de saúde da ré S…;
e) Após a ré S… e o seu filho menor terem passado a habitar o apartamento, aquela começou a sofrer de insónias e perturbações, em consequência do ruído provindo do novo Hospital de Braga;
f) Em virtude do referido em e) o estado de saúde da ré S… agravou-se, por não suportar o ruído provindo do novo Hospital de Braga;
g) Os réus acordaram com a autora que os primeiros deveriam diligenciar por encontrar novo inquilino para o apartamento;
h) Os réus não lograram encontrar novo inquilino, em virtude da renda ser alta;
i) Os réus prontificaram-se junto dos potenciais inquilinos a suportar, pelo menos, uma parte do valor da renda.
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A – A Nulidade nos termos do art. 195 n.º 1 do C. P. Civil.
(…)
Improcede assim a arguida nulidade.
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B – Alteração da Matéria de Facto dada como provada
(…)
Improcede assim este fundamento do recurso.


C - Errado entendimento do artigo 1098º do Código Civil, e nulidade da cláusula.
Sustentam os RR. que o art. 1098º do C. Civil configura uma norma imperativa que não pode ser afastada ou regulamentada quanto à sua extensão por vontade das partes.
Assim, ainda que tivesse sido acordado pelos Recorrentes a cláusula primeira do contrato de arrendamento junto aos autos pelo Recorrido com a sua Petição, sempre teria a mesma que ser considerada nula, nos termos do artigo 280º do Código Civil.
Além do mais, a cláusula primeira deve ser considerada uma cláusula abusiva contrária à boa-fé, sendo, por isso, proibida, ao afastar o período estabelecido no artigo 1098º do Código Civil que apenas determina o período de 6 meses de contrato a partir do qual se pode denunciar o contrato.
Vejamos.
Diz o senhor juiz a quo quanto a essa matéria:
“- O CONTRATO
Mostra-se indisputado, atenta a matéria de facto provada que, a autora e a primeira ré se celebrou um contrato de locação, o qual surge definido na lei como sendo «o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição», denominando-se o mesmo de arrendamento, quando o objeto mediato do contrato verse sobre coisa imóvel (artsº 1022º e 1023º, do Código Civil).
Por outro lado, tendo presente que os contratos de arrendamento urbano para habitação podem ser celebrados com prazo certo ou por duração indeterminada (artº 1094, n.º 1, do CC1), é inequívoco que o contrato ajustado entre as partes se qualifica como contrato de arrendamento, com prazo certo, porquanto resulta, expressamente, da sua cláusula 1.ª que o mesmo terá a duração efetiva de 5 anos (art.º 1095º, nºs 1 e 2, do CC).
1 As alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto ao NRAU, bem como ao Código Civil, não colhem aplicação nos autos, visto que, nos termos do artigos 12º, n.ºs 1 e 2, do CC, apenas devem regular os factos jurídicos processados após o seu início de vigência (cfr., neste sentido, BAPTISTA MACHADO, em “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, págs. 108 e 109).
No que tange ao modo de extinção do contrato em apreciação nos autos (denúncia pelo arrendatário), determinava o artigo 1098º, n.º 2, do CC que “após seis meses de duração efetiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio, com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato, produzindo esta denúncia efeitos no final de um mês do calendário gregoriano”, acrescentando, no entanto, o seu n.º 3 que “a inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta”.
(…)
Deste modo, tratando-se de norma que confere ao arrendatário, em determinadas condições, a faculdade de denunciar o contrato em causa, estamos perante uma norma dispositiva (no caso, facultativa ou permissiva) (cfr., BAPTISTA MACHADO, op. cit., pág. 93 a 97) e, como tal, suscetível de ser alterada por acordo, sob a égide do princípio da liberdade contratual (art.º 405.º, do CC), em que uma das sua variantes consiste, precisamente, na possibilidade das partes regulamentarem convencionalmente os seus interesses, de tal sorte que, após esse momento, o contrato deve ser pontualmente cumprido como se de lei se tratasse, por efeito do artigo 406.º, n.º 1, do CC («pacta sunt servandae»). Foi, precisamente, isto que as partes fizeram quando, distanciando-se do período mínimo de seis meses, a partir do qual o arrendatário ficava habilitado a poder denunciar o contrato (art.º 1098.º, n.º 2, do CC), acordaram no alargamento do período de duração mínima do contrato para 36 meses, como forma de compensar a autora pelo investimento realizado com a colocação de mobília no apartamento, o que lhes era perfeitamente lícito fazer”.
Vejamos então.
O contrato em análise nos autos foi celebrado em 2 de Maio de 2011, para ter início em 1 de Junho de 2011, pelo período de 5 anos, com término em 31 de Maio de 2016. Na cláusula 1.ª estabeleceu-se que «1.º Este arrendamento é válido pelo prazo de 5 anos, nos termos da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, a começar a 01 de Junho de 2011 e a terminar a 31 de Maio de 2016, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de 1 ano, e nas mesmas condições, enquanto, por qualquer das partes, não for denunciado nos termos da lei. Todavia, o segundo outorgante poderá denunciar o presente contrato, com 120 dias de antecedência, somente após 36 meses de vigência do contrato”.
A acção foi intentada em 7 de Setembro de 2011.
Assim, como bem diz o senhor juiz a quo, as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto ao NRAU, bem como ao Código Civil, não colhem aplicação nos autos, visto que, nos termos do artigos 12º, n.ºs 1 e 2, do CC, apenas devem regular os factos jurídicos processados após o seu início de vigência.
Ora, o art. 1098 n.º 2 do C. Civil, na redacção vigente na altura, estabelecia que “Após seis meses de duração efectiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação escrita ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato, produzindo essa denúncia efeito no final de um mês do calendário gregoriano”.
O n.º 3 do referido artigo diz que “A inobservância do estabelecido nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta.”.
Segundo referem Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, in Arrendamento Urbano, novo regime anotado…, 2,ª reimpressão, Quid Juris 2006, pág. 221 “Agora, no NRAU, quando se alude a denúncia tem-se em vista, conforme explica o Conselheiro Pinto Furtado “designar a manifestação de vontade de cessação do contrato, sem dependência do comportamento da outra parte e sem esperar pelo termo da duração contratual. É o que acontece na situação prevista no n.º 2 do art. 1098 do CC, porquanto aí se consagra o direito potestativo do arrendatário, mediante declaração unilateral dirigida ao senhorio, por termo ao contrato, após 6 meses de duração efectiva, sem qualquer fundamento”.
Diz o senhor juiz a quo que “estamos perante uma norma dispositiva (no caso, facultativa ou permissiva) e, como tal, susceptível de ser alterada por acordo, sob a égide do princípio da liberdade contratual (art.º 405.º, do CC), em que uma das sua variantes consiste, precisamente, na possibilidade das partes regulamentarem convencionalmente os seus interesses, de tal sorte que, após esse momento, o contrato deve ser pontualmente cumprido como se de lei se tratasse, por efeito do artigo 406.º, n.º 1, do CC, tendo sido precisamente isso que as partes fizeram quando, distanciando-se do período mínimo de seis meses, a partir do qual o arrendatário ficava habilitado a poder denunciar o contrato (art.º 1098.º, n.º 2, do CC), acordaram no alargamento do período de duração mínima do contrato para 36 meses, como forma de compensar a autora pelo investimento realizado com a colocação de mobília no apartamento, o que lhes era perfeitamente lícito fazer”.
Parece-nos não estar inteiramente correcto este raciocínio.
Na verdade, apesar de no contrato constar essa cláusula dos 36 meses de duração mínima do contrato, no mesmo não se refere expressamente que esse período mínimo era uma forma de compensar a autora pelo investimento realizado com a colocação de mobília no apartamento. Como bem dizem os RR. a compensação pelo facto de estar mobilado o apartamento poderá muito bem ser o montante da renda…
Por outro lado, apesar de haver, em princípio liberdade das partes na formação dos contractos, há normas que sendo imperativas, não podem ser afastadas pela vontade das partes.(cfr. art. 1080 do C. Civil).
Como bem diz Maria Olinda Garcia “Arrendamento Urbano anotado”, pág. 28 (1.ª edição) “Efectivamente, na anterior versão do art. 1080º era atribuída natureza imperativa às normas integradoras da Subsecção IV (intitulada “cessação” onde se incluem os artigos 1079 a 1087, apesar de algumas destas normas não terem conteúdo imperativo. Por outro lado, existem normas de conteúdo imperativo sobre cessação do contrato que se encontram fora dessa Subsecção, como as normas sobre denúncia do contrato inseridas entre as disposições especiais do arrendamento para habitação (Subsecção VII)”.
No art. 1098º n.º 2 do CC. estabelece-se, como vimos, um período mínimo de vigência do contrato (seis meses) e um período de pré-aviso de 120 dias.
A nosso ver esta norma é imperativa, pelos motivos já expostos.
Assim, podendo o arrendatário denunciar o contrato antes do seu fim, estabelece-se um período mínimo de vigência do mesmo (na altura de 6 meses, e agora de um terço – Lei n.º 31/2012) como forma de protecção do senhorio garantindo-lhe um período de duração mínima do contrato conforme as suas expectativas.
Como bem diz a autora citada (Maria Olinda Garcia, loc. Cit. Pág. 53), no domínio da nova lei, mas inteiramente aplicável á lei aplicável nos autos “…, prevê-se a denúncia do contrato a prazo por iniciativa do arrendatário, o que conduz a uma extinção antecipada da relação de arrendamento quando o arrendatário não pretende a sua vigência até ao final do prazo inicial ou renovado. O exercício de tal direito encontra-se porém condicionado pela verificação de determinados requisitos temporais, que são: o decurso de um prazo mínimo de vigência do período inicial ou de renovação do contrato e a observância de determinados prazos de antecedência em relação ao momento no qual o efeito extintivo deva produzir-se”.
Como corolário de tudo quanto fica dito, entendendo a norma do art. 1098 n.º 2 do C. Civil como norma imperativa segundo a qual as partes não podem estipular um período inicial para a denúncia de menos de 6 meses de duração efectiva do contrato de arrendamento habitacional com prazo, também não poderá estabelecer um prazo superior sob pena de gerar um desequilíbrio muito grande entre as partes.
Assim, entendemos que é ilegal a cláusula que estabelece um período mínimo de vigência do contrato de 36 meses para poder o arrendatário denunciar o mesmo, pois que a norma (imperativa) do art. 1098 n.º 2 estabelece um período de 6 meses de duração efectiva do contrato.
Assim, a nosso ver, tendo o contrato início em 1 de Junho de 2011 só em 30 de Novembro de 2011 a arrendatária poderia proceder à denúncia do mesmo, mas, mesmo assim, com um pré-aviso de 120 dias ou seja, só para o fim de Março de 2012 poderia exigir o fim do contrato.
Não o tendo feito, ou seja, não tendo cumprido essas exigências, terá de pagar as rendas correspondentes ao período em falta de vigência do contrato (5 meses pois só pagou a renda de Junho de 2011), bem como as rendas respeitantes ao período de pré-aviso em falta, ou seja, um período de 9 meses (5 + 4).

D – O Vício da vontade.
(…)
Improcede assim este fundamento do recurso.
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Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, e, na revogação parcial da sentença recorrida decidem condenar, solidariamente, os réus S… e A… no pagamento à autora C…, Ld.ª da quantia de €4.050,00 (quatro mil e cinquenta Euros) correspondente ao montante das rendas do período em falta de vigência do contrato (5 meses pois a Ré só pagou a renda de Junho de 2011), bem como as rendas respeitantes ao período de pré-aviso em falta – 120 dias - (ou seja, um período de 9 meses x €450,00) acrescida de juros moratórios à taxa de 4%, contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Custas por Recorrentes e recorrida na proporção do decaimento.
Guimarães, 25 de Setembro de 2014.
José Estelita de Mendonça
Conceição Bucho
Antero Veiga