Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HIGINA ORVALHO CASTELO | ||
Descritores: | CONFISSÃO DEPOIMENTO DE PARTE ADMISSIBILIDADE DO DEPOIMENTO DE PARTE VALOR PROBATÓRIO DE DEPOIMENTO DE PARTE LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/18/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1º SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. O depoimento de parte (contrária ou comparte) destina-se a obter a confissão – reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária –, pelo que é de indeferir o requerimento de depoimento de comparte que tem nos autos a mesma posição do requerente. II. A inadmissibilidade do requerimento do depoimento de parte não contende com a livre apreciação de depoimento de parte sem caráter confessório, pois a primeira questão diz respeito à apreciação do requerimento probatório e a segunda respeita ao valor probatório de depoimento prestado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães*: I. Relatório AA, interveniente principal do lado passivo na ação movida por BB, notificada do despacho que indeferiu o seu requerimento de depoimento dos compartes ecom ele não se conformando, interpôs o presente recurso. A ação iniciou-se por um requerimento de injunção apresentado pela autora contra CC e Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de DD, com vista ao pagamento da quantia de € 25.120,91, acrescida de juros vincendos, por serviços prestados no exercício da profissão de advogada. O tribunal determinou que os autos seguissem a forma de processo comum de declaração. Posteriormente, e após convite para o efeito, a autora suscitou o incidente de intervenção principal provocada de todos os herdeiros do falecido, tendo o mesmo sido admitido. Uma vez citada, a interveniente, ora recorrente, apresentou contestação, impugnando os factos alegados pela autora e alegando outros, requerendo, em suma, a improcedência da ação e que a ré herança e todos os intervenientes fossem absolvidos do pedido com as legais consequências. Na mencionada contestação, a interveniente requereu como meio de prova o depoimento pessoal dos intervenientes compartes, para prova dos n.ºs 4 a 26, 29 e 46 a 49 da contestação, que têm interesse para a boa decisão da causa e que são do conhecimento pessoal dos intervenientes. Na audiência prévia do dia 18 de janeiro de 2017, o depoimento pessoal dos intervenientes, tal como requerido no requerimento de prova da ora recorrente, foi indeferido por despacho que, na parte que importa, é do seguinte teor: "Indefere-se o depoimento pessoal dos restantes intervenientes identificados na al. d), pelas seguintes razões: sendo propósito da interveniente requerer as declarações de parte dos demais ali indicados, tal não lhe é autorizado pelo artigo 466.º do Código de Processo Civil, dado que a parte apenas pode requerer as suas próprias declarações nessa qualidade; sendo propósito da interveniente requerer o depoimento de parte dos restantes ali indicados, não lhes sendo desfavorável a matéria a quem vem indicado esse depoimento, o mesmo seria insuscetível de gerar confissão (cfr. o artigo 352.º do Código Civil)". Com este despacho não se conformou a ora Recorrente. Extratando o essencial, a Recorrente conclui nas suas alegações de recurso: «1. Na contestação apresentada pela recorrente Augusta, a mesma requereu, como meio de prova, o depoimento pessoal de outros compartes identificados na al. d) do seu requerimento probatório, à matéria dos n.ºs 4 a 26, 29 e 46 a 49 da contestação. 2. O douto despacho recorrido indeferiu o depoimento pessoal dos intervenientes, requerido pela recorrente, por entender, por um lado, que tal não lhe é autorizado pelo artigo 466.° do Código de Processo Civil e, por outro, que sendo propósito da interveniente requerer o depoimento de parte dos restantes ali indicados, não lhes sendo desfavorável a matéria a quem vem indicado esse depoimento, o mesmo seria insuscetível de gerar confissão (artigo 352° do Código Civil). 3. A interveniente podia, como pode, requerer o depoimento dos outros intervenientes, seus compartes, conforme lhe é permitido pelo artigo 453.° n.º 3 do CPC. 4. “Nos termos do disposto no n.º 3 do art. 553.º do CPC, cada uma das partes pode requerer o depoimento de parte dos seus compartes, independentemente do interesse que cada um possa ter na ação, não sendo legítimo indeferir o depoimento de parte dos intervenientes principais, compartes dos requerentes, com fundamento em que eles têm na ação interesse idêntico ao dos autores, quando os mesmos não apresentaram articulado próprio ou apresentaram articulado coincidente com o dos autores”, conforme douto Acórdão da Relação de Guimarães de 10/11/2011, Proc. 1932/09.6TBVCT-A.G1, www.dgsi.pt. 5. Embora o depoimento de parte seja um meio processual destinado, prima facie, a provocar a confissão judicial, mostra-se ultrapassada a conceção restrita de tal depoimento vocacionado exclusivamente àquela obtenção, já que o mesmo tem um âmbito de aplicação muito mais vasto, sendo os depoimentos de parte sempre valorados segundo o prudente arbítrio do julgador, mesmo que versem sobre factos favoráveis à parte que foi ouvida como declarante, não violando este procedimento o princípio processual da igualdade das partes. 6. O depoimento dos demais intervenientes é importante para a boa decisão da causa, por terem conhecimento direto dos factos em questão, sendo o seu depoimento imprescindível para a boa decisão da causa e esclarecimento da verdade material. 7. O douto despacho recorrido viola, no entendimento da interveniente, o disposto nos artigos 452.°, 453.°, 454.° 455.° e 466.° do CPC.» Não houve contra-alegações. O recurso foi admitido, e bem, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo. Nada obsta ao conhecimento do mérito. Objeto do recurso Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC). Tendo em conta o teor daquelas, a questão que se coloca é a de saber se o interveniente principal pode pedir o depoimento de parte dos seus compartes sobre factos insuscetíveis de confissão. II. Fundamentação de facto Os factos relevantes são os que constam do relatório. III. Apreciação do mérito do recurso Cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também o dos seus compartes – assim o determina o art. 453, n.º 3, do CPC (que repete ipsis verbis o n.º 3 do art. 553 do CPC revogado). Todavia, para tanto, necessário é que a matéria indicada para ser objeto do depoimento seja desfavorável ao depoente e favorável a quem requer o depoimento, pois só assim o depoimento de parte (ou de comparte, como é o caso) poderá alcançar o seu desiderato: a confissão. Isto resulta desde logo do título da secção do CPC que regula o depoimento de parte: «Prova por confissão das partes». A confissão, estabelece o art. 352 do CC, é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária. Como bem decidiu o tribunal a quo, os compartes não podem ser chamados a depor sobre matéria que lhes é favorável ou quando têm sobre ela a mesma posição que a comparte que os chama a depor. Lembramos que não foram pedidas, nem estão em causa no recurso (releiam-se as alegações e, maxime, as suas conclusões), declarações de (com)parte. A causa é de grande simplicidade e sobre o tema existe abundante jurisprudência no sentido do decidido pelo tribunal de primeira instância. Recordamos que a matéria é tratada nos arts. 452 a 465 do CPC vigente em moldes idênticos aos dos arts. 552 a 563, 566 e 567 do CPC revogado, pelo que mantém atualidade toda a jurisprudência anterior. Leiam-se alguns trechos de sumários de acórdãos no sentido do exposto, todos disponíveis em www.dgsi.pt: Ac. TRP de 14/12/2000, proc. 0031509: «I - Não é de admitir o depoimento de parte requerido por comparte no processo, se tal depoimento incidir sobre factualidade que ambos alegaram conjunta e identicamente, sem qualquer divergência que beneficie um e desfavoreça outro. II - Da mesma forma, não é de admitir o requerido depoimento de comparte, se este incidir sobre factualidade que a ambos favoreça, ou, desfavorecendo-os, não seja admissível confissão relevante sobre esses factos, como por exemplo, acontece no caso de litisconsórcio necessário.» Ac. TRC de 08/06/2004, proc. 1700/03: «13. Embora o art. 553.º, n.º 3, do CPC, outorgue efetivamente legitimidade para requerer o depoimento de parte ao comparte do depoente, mister se torna que esse requerente tenha um interesse próprio, por definição antagónico ao do depoente, na prova dos factos sobre os quais pretende obter a confissão.» Ac. TRL de 26/06/2008, proc. 4954/2008-6: «1.ª – O n.º 3 do artigo 552.º CPC confere legitimidade para requerer o depoimento de parte ao comparte do depoente. Mas para que o possa fazer, o requerente deve ter um interesse próprio, por definição antagónico ao do depoente, na prova dos factos sobre os quais pretende obter a confissão. 2.ª – Deste modo, se a ação tiver sido proposta por marido e mulher, porque não podem dissociar-se os seus interesses, o autor (marido) não tem legitimidade para requerer o depoimento de parte da sua mulher (comparte na ação).» Ac. TRL de 02/12/2009, proc. 230/08.7TBCSC-B.L1-7: «É inadmissível o pedido de prestação de depoimento de parte de uma das R., formulado pela sua comparte, se inexistir uma divergência de posicionamento, e concretização fáctica, face à pretensão deduzida pelo A.» Ac. TRP de 06/05/2010, proc. 2793/08.8TBOAZ-A.P1: «I – O comparte só pode pedir o depoimento do seu comparte se houver entre eles diferente posição quanto aos factos, mas não quando ela for coincidente. II – Se a diversidade de posições entre os compartes for alegada pela parte contrária e esses factos forem suscetíveis de confissão, ainda assim o comparte não pode pedir o depoimento do seu comparte, por isso implicar promover a prova de factos que devem ser provados por quem os alega, o que desvirtua a teleologia da confissão e das regras do ónus da prova.» Ac. TRG de 07/04/2011, proc. 138/10.6TBCMN-A.G1: «I - Só é admissível o depoimento de parte do comparte se este interveio no processo, tomando posição ou alegando factos que lhe são desfavoráveis. II - Não tendo o comparte réu contestado, não pode dizer-se que assumiu na ação posição divergente do requerente do depoimento, pelo que a prestação do depoimento não é admissível.» Ac. TRG de 29/09/2011, proc. 278/08.1TCGMR-B.G1: «III - Só é admissível o depoimento do comparte se este toma posição ou alega factos diferentes do comparte que requer o seu depoimento, favoráveis a este e desfavoráveis àquele.» Ac. TRE de 13/12/2011, proc. 2112/09.6TBSTB-A.E1: «1 – O depoimento de parte, conforme decorre do disposto no art.º 552.º n.º 1 do CPC, é um meio de provocar a confissão da parte sobre os factos em que o mesmo incide, podendo também, independentemente da concretização da eficácia confessória, servir para reconhecer realidade de factos que possam ser desfavoráveis à parte que o presta. 2 – O depoimento tem incidência, de acordo com o disposto no art.º 554.º n.º 1 do CPC, sobre factos pessoais ou sobre factos de que o depoente deva ter conhecimento.» Ac. TRL de 20/11/2014, proc. 24233/13.0 T2SNT-A.L1-6: «- O depoimento de parte (da parte contrária ou de co-Réu) destina-se a obter a confissão, pelo que a sua admissibilidade depende de o conteúdo ser coerente com o disposto no artigo 352.º do CC, que a caracteriza como o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. - Requerendo-se depoimento de parte quanto a factos que nunca poderiam, caso o Réu os admitisse como verdadeiros, integrar confissão, deve o mesmo ser indeferido. - A tal não obsta a possibilidade de o depoimento de parte ser livremente apreciado quando não tenha caráter confessório, pois a questão em sede de apreciação do requerimento probatório não é a do valor probatório de depoimento prestado, mas a da admissibilidade da sua prestação. - A prestação de declarações pelas partes fora do regime da confissão está prevista no artigo 466.º, do CPC, embora apenas a requerimento da própria parte, e no artigo 452.º, n.º 1, do CPC, por iniciativa do juiz que, aliás, pode ser suscitada pelas partes.» IV. Decisão Face ao exposto, os juízes desta Relação acordam em julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo o despacho objeto de recurso. Custas pela Recorrente. Guimarães, 18/05/2017 Higina Orvalho Castelo João Peres Coelho Pedro Damião e Cunha *Escrevemos todo o texto, incluindo citações de obras ou trechos de decisões escritas à luz do Acordo Ortográfico de 1945, em conformidade com a grafia vigente, do Acordo Ortográfico de 1990. |