Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1706/19.6T8VCT-C.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
CRITÉRIO DE ATRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Os critérios que devem presidir à atribuição da casa de morada de família são nomeadamente a necessidade da casa por cada um dos ex-cônjuges e o interesse dos filhos.
II- Na quantificação da renda haverá que ter atenção às circunstâncias do caso, mais concretamente a situação patrimonial de quem a casa for atribuída, e não aos valores de mercado, sob pena de se poder inviabilizar o objectivo da lei de atribuir a mesma a quem dela mais precise.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

L. C. intentou, por apenso à acção de divórcio sem o consentimento do outro conjuge, a presente acção de atribuição da casa de morada de família contra A. C. pedindo:

a) que lhe fosse atribuído o direito de utilização exclusivo da casa de morada de família, a título gratuito, por ser ela o cônjuge que mais necessita e considerando o superior interesse das suas filhas menores, com quem lhes foi fixada residência.
b) que seja ordenado ao réu que, nessa medida, abandone a casa de morada de família, devendo aplicar-se uma sanção pecuniária de € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que vier a ser proferida, no sentido do exposto no pedido formulado na alínea anterior.

Alega, em síntese, que, na sequência do decretamento do divórcio foi atribuído provisoriamente a casa de morada de família à requerente, contudo o requerido persiste em lá dormir. A requerente precisa dessa casa para lá habitar com as suas filhas menores uma vez que, auferindo € 600,00 e tendo o seu vencimento penhorado, não consegue pagar uma renda de € 500,00, preço praticado para um apartamento ou casa no concelho de ..., ainda que afastado do centro da vila. Acresce que o requerido não lhe paga a pensão de alimentos referente às filhas menores que foi fixada pelo Tribunal, nem as despesas da casa onde vivem.
Não pode viver com os seus pais, pois estes vivem num apartamento com apenas um quarto. Nem os seus pais, nem outros familiares, a podem ajudar.
O requerido tem uma empresa de construção civil que se encontra a laborar normalmente. Os seus pais vivem numa vivenda com cinco quartos sendo que apenas dois estão ocupados. É, aliás, nesta casa que o requerido toma as refeições e que alguém cuida das suas roupas.
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Procedeu-se a tentativa de conciliação, mas não foi possível obter um acordo.
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O requerido apresentou contestação, mas a mesma não foi admitida por ter sido considerada extemporânea.
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Procedeu-se a inquirição das testemunhas arroladas pela requerente, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos:

“Consideramos procedente o pedido da L. C. e atribuímos a esta o arrendamento da casa nº ... da Rua de ..., ..., ....
Estabelecemos a renda no montante de € 175,00, aplicando-se no mais as regras do arrendamento para habitação. (…)”
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Não se conformando com esta sentença veio o requerido dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida, que decidiu atribuir à recorrente o direito de uso da casa de morada de família, através do arrendamento da mesma pelo valor mensal de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros).
2- O aqui recorrente não se conforma com o decidido pelo douto Tribunal, pois no caso está em causa, o destino da casa de morada de família, dispondo-se a propósito no artigo 1793º, n.º 1 do Código Civil: “pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”.
3- O critério geral a seguir é assim, o da necessidade da casa de morada de família – “premência da necessidade”, referem PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA in Curso de Direito da Família, I, 726. Devendo o tribunal considerar, para o efeito, em primeiro lugar, e entre diversos elementos: as necessidades os ex-cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
4- Estamos perante a questão fulcral: será que a Requerente logrou provar que a sua necessidade real da casa para habitação é maior que a do seu ex-cônjuge? Será que foi produzida prova para lhe ser atribuída a casa de morada de família? Entende o aqui recorrente que não.
5- Com efeito, o Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1º L. C. casou com A. C. em - de Agosto de 1999.
2º Na ocasião ela tinha 20 anos de idade e ele tinha 23 anos de idade.
3º A e R instalaram a sua habitação no n.... da Rua de ..., ..., ....
4º M. F. e J. S. nasceram em -/9/2002 e -/7/2009 respectivamente, e são filhas de L. C. e de A. C..
5º Em -/5/2019, L. C. iniciou processo de divórcio.
6.º No mesmo foi atribuída, provisoriamente a casa de morada à A.
7º. Em 10 de Outubro de 2019 foi proferida sentença. Esta foi impugnada e confirmada, havendo transitado.
8º A e R. deixaram de partilhar refeição em Julho de 2018.
9º. L. C. iniciou processo de regulação, vindo a ser proferida decisão provisória em 10/10/2019, estabelecendo-se a residência das filhas junto da A e condenando-se o R. a prestar alimentos no valor de € 125 para cada filha. A 17/12 foi homologado acordo com igual teor.
10.º M. F. informou pouco se relacionar com o progenitor, mal se cumprimentando um ao outro e preferir viver com a A.
11º O R. continua a ir dormir à casa do n.....
12º Os pais da A vivem em casa com um só quarto.
13º O pai da A está acamado e em cama articulada
14º A A estão de relações cortadas com o irmão.
15º foi reconhecido incumprimento do R. quanto à prestação dos alimentos para as filhas.
16º A A é operária fabril. Em outubro de 2019 tinha o vencimento base de € 655. O total da remuneração nesse mês foi de € 783,92, sofrendo desconto judicial de € 107,61.
17º A A tem despesas e é ela quem recebe os abonos relativos às filhas.
18º O R é construtor e constituiu sociedade com o seguinte objecto: construção de edifícios, obras públicas, acabamentos, outras obras.
19º Os pais do R. têm casa com quartos desocupados.
20º O R. passa tempo em casa dos pais e aí toma refeições.
21º O R. tem outro endereço para as comunicações da água e electricidade (Rua de ... n....)
22º O R. suporta os gastos com o crédito habitação construção e habitação permanente respeitante à casa do nº ... (€ 202, mais € 52 em seguros no mês de Março de 2020). E tem gastos com consumos da casa.
23º A casa foi construída pelo casal.
24º No município de ... arrenda-se um T3 por € 350.
6- Por outro lado, na sua motivação o tribunal a quo refere na sua motivação que teve em conta os seguintes documentos:- as certidões - o teor dos apensos, - recibo de vencimento (10/19), A documentação relativa à empresa X, Lda., as facturas de água e edp, o documento do Banco ....
7- Por outro lado, o Tribunal a quo refere ainda que baseou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas arroladas: - m. s. (mãe da A. conhecedora da vida desta e das netas, das relações familiares e das condições da respetiva habitação, abonos), M. F. (filha e conhecedora da vida da A e R e familiares), M. A. (esposa do padrinho do R e vizinha), J. A. (pai do R. esclareceu as condições da habitação e entende que aquele e quem tem direito à casa, construída em terrenos dados por ele, não revelando conhecer qualquer transmissão de propriedade), M. D. (tia do R. conhece a casa dos pais deste) e C. S. (amigo e pessoa que trabalhou na construção da casa do casal).
8- Entende o aqui recorrente que ponderando os factos provados e tendo em conta o critério legal geral da necessidade da casa, entendido nos termos supra delineados, não poderia o Tribunal a quo deixar de concluir pela verificação de uma situação que não justifica a atribuição da casa de morada de família à Requerente.
9- Com efeito, no entendimento do aqui recorrente, resulta que ponderados os factos provados, não poderia o Tribunal a quo considerar que a requerente é quem tem uma posição menos favorável relativamente ao recorrente sem possibilidade de ser acolhida pelos pais, e considerar que o recorrente pode socorrer-se do apoio dos pais na habitação daqueles.
10- Importava ao Tribunal a quo saber quais os proventos e encargos que cada um deles tem em concreto e quais os meios de que dispõe para sobreviver, bem como ponderar as necessidades de cada um dos cônjuges, pelo que nessa medida teríamos de nos centrar nas necessidades de cada um dos cônjuges aferida pela situação patrimonial de cada um dos cônjuges e à maior ou menor necessidade de cada um dos ex-cônjuges em residir na casa de morada de família.
11- Verifica-se assim que não foi feita a prova de que a A. tinha mais necessidade da casa do que o R., pois de acordo com a prova produzida, verifica-se que a situação económica do recorrente é débil, pois ficou provado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas J. A., M. H. e C. S., que o recorrente se encontra de baixa médica há longos meses, fruto de um acidente de trabalho, e que é ele quem paga as despesas da casa.
12- Senão vejamos o depoimento da testemunha J. A., pai do recorrente prestado no dia 29/06/2020 pela testemunha J. A. de minutos 01:28 a minutos 05:50, da testemunha M. H. prestado no dia 29-06-2020 de minutos 03:37 a minutos 05:55 e o depoimento prestado no dia 29/06/2020 pela testemunha C. S. de minutos 08:26 a minutos 9:28”.
13- O tribunal a quo sustenta que o recorrente se pode apoiar junto dos pais nomeadamente no plano habitacional, o que não corresponde à realidade, e foi confirmado pelo pai do recorrente, a testemunha J. A..
14- Contudo, da prova produzida resulta evidente que o ora recorrente é a parte que apresenta mais dificuldades económicas, tendo em conta que aufere pouco mais que o montante referente ao salário mínimo e tem mais encargos com a habitação e com a prestação de alimentos com as duas filhas menores do que a requerente.
15- Face à carência do recorrente, pode afirmar-se ser infeliz a ideia de que o recorrente deve procurar um novo lar, abandonando a casa de morada de família apesar de continuar a ter que pagar um longo empréstimo hipotecário mensal ao banco, tendo em conta que teria de arcar também com as despesas deste.
16- Com efeito, dos autos resulta provado que é o recorrente quem suporta o montante do empréstimo da casa, pagando o valor mensal de € 202,00 acrescido de 52 euros em seguros.
17- Assim dos autos resulta por demais evidente que o ora recorrente é a parte que apresenta mais dificuldades económicas, tendo em conta que aufere pouco mais que o montante referente ao salário mínimo e que é o recorrente que com o seu salário suporta todos os encargos com a habitação, nomeadamente despesas de luz, agua, gás e ainda é o requerido que suporta a prestação mensal do crédito no valor mensal médio de € 260,00.
18- Relativamente à requerente L. C. ficou demonstrado que o seu vencimento é de 783,92, e de considerar-se provado que a mesma recebe o abono de família das filhas, não se apurou qual o montante do referido abono, não tendo ficado demonstrado qual o montante mensal de que a mesma efectivamente dispõe, para considerar-se que a mesma tem uma posição menos favorável do que o recorrente.
19- Pelo que face a tais elementos, não poderia o Tribunal considerar que é esta quem carece mais da habitação, uma vez que com tais rendimentos a mesma poderia perfeitamente suportar o pagamento de uma renda de € 350,00, renda média para os apartamentos t2 e t3 nas freguesias de ..., ou ainda pedir à camara municipal um apartamento de renda apoiada que a camara de ... tem disponíveis.
20- Pelo que atente aos depoimentos de pai do recorrente prestado no dia 29/06/2020 pela testemunha J. A. de minutos 01:28 a minutos 05:50, da testemunha M. H. prestado no dia 29-06-2020 de minutos 03:37 a minutos 05:55 e o depoimento prestado no dia 29/06/2020 pela testemunha C. S. de minutos 08:26 a minutos 9:28”, deveria o tribunal a quo ter concluído que face à carência do requerente, não deveria ser este a procurar um novo lar, e abandonar a casa de morada de família, continuando a ter que pagar um longo empréstimo hipotecário mensal ao banco, tendo em conta que teria de arcar também com as despesas deste.
21- Além disso, resulta ainda da prova documental de fls que é o requerido que se encontra a suportar a prestação do crédito habitação e não tem para onde morar.
22- Da prova testemunhal recolhida e produzida nos autos, nomeadamente os depoimentos mencionados, e documentos juntos aos autos conforme resulta provado no ponto 22º da matéria de facto provada, resulta provado que:
-O Recorrente está de baixa médica auferindo um valor mensal correspondente ao salário mínimo nacional.
- O Recorrente tem uma despesa mensal fixa que, actualmente, ascende a € 252,00 para a aquisição da sua casa, que é a casa de morada de família;
- O recorrente suporta as despesas com os consumos da casa, nomeadamente água, luz, e gás, no valor médio aproximado de 140 euros, conforme consta dos documentos juntos sob os nºs 2, e 3 a fls
- O Recorrente tem, por isso, uma situação mensal patrimonial líquida no valor de € 238,00, com a qual tem de que fazer face a todas as despesas de saúde, alimentação, vestuário, água, luz, telefone, entre outras, e proceder ao pagamento da prestação de alimentos às filhas menores.
- O Recorrente não tem qualquer outra habitação para onde possa ir morar.
- O Recorrente não tem outros bens que lhe possibilitem adquirir ou arrendar outra habitação para morar;
23- A diferença da situação patrimonial líquida entre os dois cônjuges permite assegurar que entre os requerentes, quem necessita mais da casa de morada de família é o recorrente.
24-Temos de nos centrar nas necessidades de cada um dos cônjuges aferida pela situação patrimonial de cada um dos cônjuges e à maior ou menor necessidade de cada um dos ex-cônjuges em residir na casa de morada de família e essa necessidade há-de ser aferida em função de outros fatores, a inferir, nomeadamente, da sua situação económica líquida, do tipo de vida que têm, da localização da casa em relação aos seus locais de trabalho e da possibilidade de disporem de outra casa para nela instalar a sua residência. A premência da necessidade ditará a solução in concreto.
25-Tendo em conta o critério legal geral da necessidade da casa, entendido nos termos supra delineados, não se poderia deixar de concluir pela verificação de uma situação que não justifica a atribuição da casa de morada de família à Requerente, mas outrossim ao requerido.
26- A douta sentença recorrida não aplicou corretamente o disposto no artigo 1793º do Código Civil, pelo que deva esta ser revogada por outra que confira ao recorrente esse direito, até que se encontre findo o processo de inventário para partilha dos bens após o divórcio.
27- Além disso, entende o aqui recorrente que atente as passagens da gravação já referidas, os concretos pontos de facto incorretamente julgados são os seguintes:
- Pontos 17º uma vez que apesar de considerar que a requerente recebe abono de família das filhas não concretizou o montante, 18º, 19º, 23º, dos factos provados
- deveria ter considerado provado que o requerido se encontra de baixa médica, e que o seu pai não tem capacidade para o acolher uma vez que os pais do recorrente são ambos reformados e já a acolhem uma familiar idosa e dão apoio a todos os filhos e netos.
28- Todos estes factos não poderiam ter sido dados como provados e não provados, sendo que, outro entendimento constitui uma violação das regras probatórias, designadamente o disposto no artigo 342º do Código Civil.
29- Ao decidir em contrário, à matéria de facto alegada e provada em audiência de julgamento, a sentença violou por erro na apreciação da prova o disposto no artigo 662, n.º 1 do NCPC
30- Houve, pois, erro notório na apreciação da prova a legitimar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 662.º, do Código de Processo Civil.
31 - Além disso, ainda que se admitisse atribuir a casa de morada de família á requerente, através do pagamento de ume renda mensal, sempre se dirá que o Tribunal a quo não dispunha de elementos para fixar o valor da locação da casa de morada de família em 175 euros.
32- Com efeito, tal montante não foi fixado mediante a avaliação por perito, e sendo o imóvel em causa uma moradia unifamiliar de tipo T3, o montante de 175 euros fixado não se encontra fundamentado em nenhum elemento de prova e é alias muito inferior à realidade do mercado de arrendamento – tratando-se de uma moradia daquela tipologia o valor praticado nunca seria inferior a 500 euros mensais,.
33- Além disso, esta conclusão do Tribunal entra até em contradição com o facto provado n.º 24 que refere que em ... se arrenda um T3 por 350 euros, para depois concluir dar o imóvel de arrendamento mediante uma renda mensal de 175 euros.
34- Com efeito, no tipo de processo, o julgamento pode seguir o critério da equidade, não se podendo contudo aceitar que o Tribunal assuma uma posição de distanciamento face às circunstâncias de facto, quando a realidade demonstra que o valor de locação de mercado de uma moradia unifamiliar de tipo T3 nunca será inferior a 500 euros mensais.
35- Na sentença proferida o Tribunal a quo não dispunha de elementos deprova suficientes, para determinação do valor da renda do imóvel no montante de 175 euros mensais.
36- Na sentença recorrida não se atendeu ao valor de mercado, sendo que o montante fixado não encontra qualquer sustento probatório, seja através de avaliação por perito, ou prova testemunhal, discordando por isso da decisão que fixou a renda de 175 euros mensal, pela atribuição da casa de morada de família, uma vez que entende que o Tribunal a quo não fundamentou a sua decisão com base em elementos de prova ou peritagem.
37- Pelo que ao decidir em contrário, o Tribunal a quo violou o artigo 1793 n.º 1 do CC, o artigo 67 da CRP, o artigo 389 do CC, e violou ainda o princípio da equidade.
38 Entende o recorrente, que ainda que não se conforme com a atribuição da casa de morada de família à requerente a título de arrendamento, a ser aplicado algum valor, o valor da renda nunca deverá ser inferior a 500 euros mensais.
Pugna pela revogação da decisão recorrida, pela atribuição da casa de morada de família ao recorrente até que se mostre findo o processo de inventário para separação de meações.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Apurar se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto;
B) E erro na subsunção jurídica.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. L. C. casou com A. C. em 14/08/1999.
2. Na ocasião ela tinha 20 anos de idade e ele tinha 23 anos de idade.
3. A e R instalaram a sua habitação no nº ... da Rua de ..., ..., ....
4. M. F. e J. S. nasceram em -/09/2002 e -/07/2009 respectivamente e são filhas de L. C. e de A. C..
5. Em -/05/2019 L. C. iniciou processo de divórcio.
6. No mesmo foi atribuída provisoriamente a casa de morada à autora.
7. Em 10/10/2019 foi proferida sentença. Esta foi impugnada e confirmada havendo transitado.
8. Autora e réu deixaram de partilhar refeição em Julho de 2018.
9. L. C. iniciou processo de regulação, vindo a ser proferida decisão provisória em 10/10/2019, estabelecendo-se a residência das filhas junto da autora e condenando-se o réu a prestar alimentos no valor de € 125,00 para cada filha. Em 17/12/2019 foi homologado acordo com igual teor.
10. M. F. informou pouco se relacionar com o progenitor, mal se cumprimentando um ao outro e preferir viver com a autora.
11. O réu continua a ir dormir à casa do nº ....
12. Os pais da autora vivem em casa com um só quarto.
13. O pai da autora está acamado e em cama articulada
14. A autora está de relações cortadas com o irmão.
15. Foi reconhecido incumprimento do réu quanto à prestação dos alimentos para as filhas.
16. A autora é operária fabril. Em Outubro de 2019 tinha o vencimento base de € 655,00. O total da remuneração nesse mês foi de € 783,92, sofrendo um desconto judicial de € 107,61.
17. A autora tem despesas e é ela quem recebe os abonos relativos às filhas.
18. O réu é construtor e constituiu sociedade com o seguinte objecto: construção de edifícios, obras públicas, acabamentos, outras obras.
19. Os pais do réu têm casa com quartos desocupados.
20. O réu passa tempo em casa dos pais e aí toma refeições.
21. O réu tem outro endereço para as comunicações da água e electricidade (Rua de ... nº ...)
22. O réu suporta os gastos com o crédito habitação construção e habitação permanente respeitante à casa do nº ... (€ 202, mais € 52 em seguros. no mês de Março de 2020). E tem gastos com consumos da casa.
23. A casa foi construída pelo casal.
24. No Município de ... arrenda-se um T3 por € 350,00.
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A) Reapreciação da matéria de facto

Insurge-se o apelante contra a matéria de facto dada como provada sob os nº 17, 18, 19 e 23 defendendo que o primeiro não concretizou o montante dos abonos, os demais deviam ser dados como não provados e ainda que devia ser dado como provado que o réu se encontra de baixa médica, que os seus pais não têm capacidade para o acolher uma vez que são reformados, acolhem uma familiar idosa e dão apoio a todos os filhos e netos.
A apelada entende que tal matéria de facto foi correctamente apreciada.
Vejamos.
O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.
Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.
Não havendo motivo de rejeição procede este Tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Não deixando de ter presente que o tribunal da 1ª instância, por força da imediação, é o tribunal melhor posicionado para proceder ao julgamento de facto, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido desde que tenha bases sólidas e objectivas.
Uma vez que o apelante assinala os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, a decisão que deve ser proferida e indica os concretos meios probatórios em que se baseia (depoimento das testemunhas J. A., M. H. e C. S.) inexiste fundamento de rejeição do recurso nesta parte.
Tendo por base estas considerações e ouvida a prova produzida importa analisar os factos acerca dos quais o apelante discorda.
- facto provado nº 17
É de manter este facto uma vez que se apurou que é a requerente quem recebe os abonos referentes às filhas, como aliás não podia deixar de ser, dado que o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente das menores ficou a caber à progenitora e a residência das mesmas foi fixada na morada da progenitora. Exactamente por não se ter apurado, designadamente mediante prova documental, o valor de tais abonos é que não se fez menção ao mesmo e bem. A este propósito apenas a testemunha J. A. aludiu a um valor (€ 200,00), mas não tendo o mesmo revelado conhecimento directo, não merece credibilidade.
- facto provado nº 18
É igualmente de manter este facto face ao teor da certidão de registo comercial junta pelo réu, nos termos da qual este é o único sócio e gerente da sociedade “AC. – Unipessoal, Lda.” que tem por objecto social a “Construção de edifícios; obras públicas; acabamentos de construção; outras obras de construção”. Acresce que as testemunhas inquiridas aludiram à profissão de construtor do réu e a testemunha C. S. referiu que o réu “tem uma empresa” (embora desconhecesse que está activa e se o réu tem ainda empregados).
- facto provado nº 19
Face à prova testemunhal produzida este facto é de manter.
Desde logo, a testemunha J. A., pai do réu, referindo-se à sua própria casa, admitiu que esta tem três quartos no andar de cima e um da parte de baixo e que nela apena vive ele, a mulher e uma sua irmã e tia do réu, que dorme no quarto de baixo). O mesmo referiram as testemunhas M. H., tia do réu, M. F., filha da autora e do réu, e D. M., familiar do réu. Esta última testemunha acrescentou que os dois quartos vagos correspondem aos “quartos de solteiro” do réu e do irmão.
- facto provado nº 23
Também é de manter este facto.
A este propósito a testemunha J. A. afirmou: “eu doei o terreno onde eles fizeram a casa”. O mesmo resulta do depoimento da testemunha C. S., que referiu ter trabalhado na construção da mesma.
O próprio réu juntou parte de documento emitido pelo Banco ..., onde na parte referente a empréstimos e tipo de crédito, consta: “Cred. Habitação – Constru.Hab. Permanente”, o que equivale a crédito referente à construção de habitação permanente.
- factos a aditar
1.
Não obstante nos encontrarmos perante um processo de jurisdição voluntária em que o tribunal pode investigar livremente os factos (art. 986º nº 2 do C.P.C.) o facto referente à baixa médica do réu não pode constar como provado.
Desde logo porque não se mostra junto qualquer documento comprovativo da mesma (declaração médica de baixa e eventual pagamento de prestação social) sendo certo que o réu o poderia ter junto, à semelhança dos demais documentos que apresentou.
Acresce que os depoimentos das testemunhas J. A. e M. H. a este propósito não se afiguram suficientes para lograr convencer este Tribunal, pois o primeiro aludiu vagamente a um acidente de trabalho, a uma operação à coluna, mas não existem nos autos documentos que comprovem estas afirmações, e a segunda testemunha, apesar de referir que o sobrinho estava de baixa, acabou por dizer que “acho que está doente” e disse não saber “se recebe alguma coisa”. As demais testemunhas nada disseram a este respeito.
2.
Não é de aditar que os pais do réu “não têm capacidade para o acolher uma vez que são reformados, acolhem uma familiar idosa e dão apoio a todos os filhos e netos”.
Primeiro porque a expressão “ter capacidade” é conclusiva retirando-se (ou não) de factos. Depois, porque tal afirmação não faz sentido. Com efeito, o que tem que ver a “capacidade para acolher” o réu em sua casa com o facto de estarem reformados, terem a viver com eles uma familiar e darem apoio aos filhos e aos netos?
Acresce que, da matéria de facto provada, resulta que a casa é grande e tem quartos desocupados pelo que não se vislumbra a alegada falta de “capacidade” para acolher o filho.
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B) Subsunção jurídica

Os cônjuges escolhem a residência da família (art. 1673º do C.C.), mas com o divórcio, cessando o dever de coabitação (art. 1672º do C.C.), coloca-se a questão de saber a qual dos cônjuges atribuir a casa de morada de família quando inexiste acordo.

Em sede de efeitos do divórcio dispõe o art. 1793º do C.C., sob a epígrafe “Casa de morada da família”:

1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3 - O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.

E em sede de processos de jurisdição voluntária, de providências relativas aos filhos e aos cônjuges, dispõe o art. 990º do C.P.C., sob a epígrafe “Atribuição da casa de morada de família”:
1 - Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.
2 - O juiz convoca os interessados ou ex-cônjuges para uma tentativa de conciliação a que se aplica, com as necessárias adaptações, o preceituado nos nºs 1, 5 e 6 do artigo 931º, sendo, porém, o prazo de oposição o previsto no artigo 293º. (…)

Assim, encontramo-nos perante um processo que, não obstante se encontrar sujeito ao princípio do pedido, tem a natureza de processo de jurisdição voluntária. Ora, “Embora nos processos de jurisdição voluntária os critérios de legalidade estrita não se imponham totalmente ao tribunal quando lhe é solicitada a adopção de uma resolução, isso não significa, nem pode significar, que lhe seja lícito abstrair em absoluto do direito positivo vigente, como se ele não existisse e como se, acima das normas legais, estivesse o critério subjectivo do julgador ou os interesses individuais das partes” – Ac. da R.C. de 01/02/2000, C.J./2000, Tomo I, p. 16. Quando está em causa a aplicação e interpretação dos critérios normativos pertinentes para a decisão é admissível, em certas condições, o recurso para o S.T.J. – Ac. deste Tribunal de 17/12/2019 (Maria João Vaz Tomé).
Do art. 1793º nº 1 do C.C. resultam os critérios que devem presidir à decisão de atribuição da casa de morada de família, mas os mesmos não são taxativos conforme decorre da expressão “nomeadamente”.

Estes critérios são:
a) a necessidade da casa por cada um dos ex-cônjuges
A este propósito refere Pereira Coelho, in R.L.J., nº 122, Ano 1989-1990, p. 137-138, 207-208: “(…) a lei quererá que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro (…) Trata-se, quanto à “situação patrimonial” dos cônjuges ou ex-cônjuges, de saber quais os rendimentos e proventos de um e de outro (…)”.
Pretende a lei proteger o ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar.
b) o interesse dos filhos do casal
A propósito deste critério refere o mesmo autor, ob. cit.: “(…) No que se refere ao “interesse dos filhos”, há que saber a qual dos cônjuges ou ex-cônjuges ficou a pertencer a guarda dos filhos menores (…)”.
Lê-se no Ac. do S.T.J. de 11/12/2001 (Silva Salazar), in www.dgsi.pt.: “(…) é aos filhos menores que a lei dedica a sua protecção. Isto é, o interesse dos filhos, como critério para resolução de uma questão como a dos autos, prende-se com a situação dos filhos menores, confiados à guarda de um dos pais, e que, para não ficarem sujeitos a outro trauma para além do que normalmente lhes resulta do divórcio destes, a lei entende por bem proteger de forma a que possam continuar a viver com estabilidade na habitação a que estavam habituados, sem mais mudanças para além da própria situação familiar.”
Estes critérios são os mais importantes, “apenas havendo que recorrer a outros em caso de dúvida ou de situação de igualdade entre ambos os cônjuges com o recurso àqueles” como se lê no mesmo aresto.
Pereira Coelho, ob. cit., refere ainda: “Haverá que considerar ainda as demais “razões atendíveis”: a idade e o estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e outro, o facto de algum deles dispor eventualmente de outra casa em que possa estabelecer a sua residência, etc.”. Ainda como critério suplementar no Ac. da R.C. de 09/01/2018 (Luís Cravo) alude-se à “maior ligação de cada um dos ex-cônjuges em relação à casa em disputa”.
O arrendamento a que se refere o art. 1793º do C.C. é um arrendamento judicial constituído por sentença.
Na quantificação da renda haverá que ter em atenção as circunstancias do caso, mais concretamente a situação patrimonial de quem a casa for atribuída, e não aos valores de mercado, sob pena de se poder inviabilizar o objectivo da lei de atribuir a mesma a quem dela mais precise. Neste sentido vide Ac. desta Relação de 17/05/2011 (Ana Cristina Duarte).

Esta legislação respeita a Constituição, pois, como referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, vol. I, 4ª ed., p. 675, “a lei terá sacrificado o direito de propriedade, constitucionalmente protegido (cfr. Art. 62.º CRep), ao interesse da família, igualmente objecto de protecção constitucional (art. 67.º)”. O direito constitucional a uma habitação é uma norma programática dirigida ao Estado e, de modo algum, o direito subjectivo a esta ou aquela habitação.
Revertendo ao caso em apreço nada há a censurar ao tribunal recorrido.
A casa em disputa foi construída pelo casal, que para financiar esta construção contraiu empréstimo junto de instituição bancária.
Da análise das circunstâncias do caso concluímos que a necessidade da casa pela autora é superior à necessidade do réu.
No que concerne à autora, desde logo, em 17/12/2019, foi fixada residência, por acordo, às filhas do casal na morada da autora; na data da prolação da decisão recorrida as mesmas tinham 17 e 10 anos; não se apurou que a autora fosse titular de qualquer direito real ou obrigacional de gozo sobre um qualquer outro prédio urbano que lhe permitisse deixar a casa de morada de família e passar a aí viver; não se apurou que os seus pais e irmão tivessem condições e/ou vontade de a ajudar financeiramente, aliás a mesma encontra-se de relações cortadas com o segundo; os seus pais vivem numa casa com um só quarto; tem um rendimento mensal de cerca de € 650,00 proveniente do seu vencimento e descontada uma penhora que incide sobre o mesmo; tem despesas com a alimentação, dela e das filhas.
Recebe naturalmente os abonos sociais referentes às filhas pagos pelo Estado, mas este é um direito daquelas e não da autora, e o seu valor (qualquer que seja) não permite fazer face às despesas de uma criança sendo apenas uma pequena ajuda.
Devia receber a quantia de € 125,00 para cada filha a título de pensão de alimentos paga pelo réu, sendo que também é um direito das filhas e não da autora, mas este não paga, o que deu origem a um incidente de incumprimento (Apenso B) e a execução.
Acresce que o interesse das filhas é continuar a viver na casa onde sempre viveram.
No que diz respeito ao réu apurou-se que este se dedica profissionalmente à construção civil sendo o único sócio de uma sociedade com este objecto; não se apuraram os seus rendimentos mensais; não se apurou se o mesmo é titular de qualquer direito real ou obrigacional de gozo sobre um outro prédio urbano que lhe permita ir para lá viver (o facto de pagar água e electricidade de outra morada, por si só, não permite concluir a relação que tem com tal espaço); o mesmo toma as suas refeições em casa dos pais; paga uma prestação mensal ao banco de cerca de € 202,00 e seguros conexos no valor de cerca de € 52,00; paga os consumos da casa; e na casa dos pais há quartos que pode ocupar sendo que nenhuma animosidade entre ele e os seus progenitores, se provou, bem pelo contrário.
Assim sendo, conclui-se que tem a autora mais necessidade da casa do que o réu, pois, se deixar a mesma ela não tem para onde ir – importa não olvidar que as filhas residem consigo – e a quantia que efectivamente aufere, depois de pagas as suas despesas (alimentação, roupa, calçado, de saúde, etc), a sua parte nas despesas das filhas, não permite arrendar uma casa atento o preço de mercado no Município de ....
Quanto ao réu, este tem a possibilidade de, pelo menos, temporariamente, viver em casa dos pais tendo inclusive um quarto só para si. Não se apuraram os seus rendimentos, mas apurou-se que paga cerca de € 254,00 ao banco e paga as consumos da casa, bem como de outro espaço e que, em 17/12/2019, acordou em pagar a cada filha uma pensão de € 125,00 (ainda que não o faça), o que permite concluir que a sua situação financeira não será tão “apertada” como a da autora.
No que concerne à quantificação da renda, se bem que os elementos constantes dos autos sejam escassos ainda assim permitem fixar um valor. Atenta a situação financeira da autora - presume-se que gasta com cada um das filhas, pelo menos, € 125,00, quantia igual aquela que o réu aceitou pagar; tem as suas próprias despesas de alimentação, roupa, calçado, de saúde; passará a assegurar os consumos da casa - afigura-se-nos equilibrado o valor fixado pelo tribunal recorrido de € 175,00. Como vimos supra, neste tipo de decisão, não há que atender ao valor de mercado do imóvel, sob pena de, não obstante a autora necessitar da casa, a mesma não poderia ser-lhe atribuída ficando ela e as filhas sem casa para viver.
Pelo exposto, improcede a apelação.
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As custas da apelação são da responsabilidade do apelante face ao seu decaimento (art. 527º, nº 1, 2 do C.P.C.).
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - Os critérios que devem presidir à atribuição da casa de morada de família são nomeadamente a necessidade da casa por cada um dos ex-cônjuges e o interesse dos filhos.
II - Na quantificação da renda haverá que ter em atenção às circunstâncias do caso, mais concretamente a situação patrimonial de quem a casa for atribuída, e não aos valores de mercado, sob pena de se poder inviabilizar o objectivo da lei de atribuir a mesma a quem dela mais precise.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
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Guimarães,17/12/2020

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade