Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
954/17.8GBBCL-A.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PRAZO
PEDIDO DE PROTECÇÃO JURÍDICA
ARTºS 24º
Nº 4
DA LEI Nº 34/2004
DE 29 DE JUNHO E 68º
Nº 4
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Decorre do disposto no artº 68º, nº 4, do CPP que requerida a constituição de assistente, o juiz, após dar a possibilidade de exercício do contraditório ao Ministério Público e ao arguido, decide.

II) Deste modo, não tem o requerente de assistente, previamente à prolação do despacho do juiz, de ser notificado da promoção do Ministério Público que se pronuncia pelo indeferimento do requerimento de constituição de assistente, seja com fundamento na extemporaneidade, seja com qualquer outro fundamento.

III) O prazo para a constituição de assistente que esteja em curso, não se interrompe com a apresentação junto da Segurança Social do pedido de proteção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono, sendo que a interrupção de tal prazo só ocorre com a junção aos autos, pelo requerente da constituição de assistente, do documento comprovativo da apresentação daquele pedido, conforme resulta do disposto no artigo 24º, nº. 4, da Lei nº. 34/2004, de 29 de junho.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 – RELATÓRIO

Por despacho de 09/11/2017, proferido no processo de inquérito nº. 954/17.8GBBCL, foi indeferido o requerimento de constituição de assistente apresentado pela ofendida/queixosa C. L., melhor identificada a fls. 13.

Inconformada com o assim decidido veio a ofendida/requerente, em 17/11/2017, interpor recurso, apresentado a correspondente motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões:

1. O Juiz de Instrução Criminal – Juízo Local Criminal, Juiz 1, decidiu, em Douto Despacho proferido em 09.11.2017, “(…) verificando-se excedido o referido prazo e inexistindo fundamento para que o mesmo houvesse de ser suspenso ou interrompido – posto que o pedido de apoio judiciário foi requerido depois de decorrido o referido prazo de 10 dias – resta indeferir a constituição de assistente”.
2. Decisão proferida na sequencia de uma promoção que lhe o remetida pela Procuradoria do Ministério Público de Barcelos no mesmo e exacto sentido.
3. Ora, por não concordar com esta decisão, o aqui recorrente interpõe este recurso, por, em nossa modéstia opinião, não ter sido dada à aqui ofendida/denunciante o direito ao exercício do contraditório.
4. Na medida que, da promoção feita pelo Ministério Público não foi aqui recorrente dela notificada.
5. Na referida promoção, o Ministério Público alegou factos fundamento da extemporaneidade do pedido de constituição como Assistente formulado pela aqui recorrente, que se consubstanciam-se numa verdadeira “defesa por excepção”, tal como definida pela Lei Processual Civil.
6. Ora, não tendo notificada do teor e conteúdo da dita promoção, não foi dada a possibilidade de a aqui recorrente rebatesse a “execpção” invocada pelo MP e, assim, fundamentasse a tempestividade do seu pedido.
7. Pedido esse que foi apresentado dentro do prazo legal previsto no art. 68º, nº 2 do CPP. Senão vejamos,
8. Pese embora conste dos presentes autos, um documento denominado por “Notificação para constituição de assistente”, com a advertência expressa contida da obrigatoriedade de constituição de assistente, e cuja assinatura foi aposta pela aqui recorrente,
9. A verdade é que, atento que a aqui recorrente é de nacionalidade Colombiana, atento de que a mesma apenas se encontra a residir em Portugal desde Abril do corrente ano, e, por isso, não compreender a língua portuguesa, advertência contida da dita notificação não produziu o alcance desejado nem o seu propósito.
10. Além que, aquando da apresentação da queixa, a aqui recorrente não foi, como devia, advertida pelos OPC da necessidade de se constituir como assistente nos presentes autos por se tratar de um crime de natureza particular.
11. O Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão proferido em 16.05.2012, decidiu a este respeito que, e se passa a citar, “Como resulta do art.68 nº 2 do CPP, tem de haver sempre aquela advertência e só após se inicia o prazo para apresentar requerimento a solicitar a admissão como assistente nos autos. Antes da advertência não se inicia qualquer prazo pelo que não pode haver preclusão do direito (o sublinhado é nosso).
12. De modo que, só em 12.09.2017 – data em que se dirigiu ao MP - é a aqui recorrente foi advertida nos termos e para os efeitos do nº 2º do art. 68 do CPP e, assim, da necessidade da sua constituição de assistente nos presentes autos para o inquérito prosseguisse os demais termos.
13. Pelo que, só nessa data se iniciou o prazo de 10 dias para a sua constituição de assistente.
14. Dispõe o nº 4 do art. 24º Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
15. Ora, atento que nesse dia (12.09.2017), a aqui recorrente apresentou junto da Segurança Social do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo para constituição como assistente “interrompeu-se” nessa data.
16. Dispõe a alínea a) do nº 5 Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação”.
17. Posto isto, referido prazo de constituição de assistente ora interrompido apenas se “reiniciou-se” em 12.10.2017, data da notificação ao patrono nomeado da sua designação.
18. Tendo o pedido de constituição de assistente sido formulado no dia 20.10.2017, temos que concluir que o mesmo é tempestivo.
19. Dispõe o nº 4º do art. 68º do CPP que “O juiz, depois de dar ao Ministério Público e ao arguido a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento, decide por despacho, que é logo notificado àqueles.
20. Conforme se pode extrair dos autos, antes de promover junto do JIC pelo indeferimento do pedido de constituição de assistente por parte da aqui recorrente, o Ministério Público proferiu Despacho de Arquivamento com fundamento na extemporaneidade do pedido de constituição de Assistente.
21. Porém, não podia o MP proferir despacho de arquivamento com fundamento no indeferimento do pedido de constituição de assistente, enquanto o Juiz de Instrução não proferisse decisão nesse sentido, atento que esta decisão é da exclusiva competência do JIC.
22. Não o tendo feito dessa forma, o MP violou regras processuais previstas no CPP, que consubstanciam uma nulidade insanável e cuja violação expressamente e desde já se impugna.
23. Violação de regras procedimentais essas, que não só constituem uma nulidade insanável, como provocam a sujeição da aqui recorrente a dois despachos completamente distintos e uja sindicância é diferente.
24. Por um lado, o despacho de arquivamento por si proferido, sindicável somente por meio de recurso hierárquico.
25. Por outro lado, na sequência da sua promoção ocorrida no decurso do prazo do recurso hierárquico ou recurso ao JIC, desencadeou a prolação do despacho proferido pelo JIC de indeferimento da sua constituição como assistente, cuja sindicância apenas se promove por apresentação de recurso junto do Tribunal da Relação.
26. Porém, com o despacho indeferimento do pedido de constituição proferido por parte do JIC, o recurso hierárquico torna-se manifestamente inútil atento a sua “validação” por parte do poder jurisdicional.
27. É por estas razões e pelo facto de terem sido violadas as normas contidas no art. 68º, nº 2 e 4, art. 92º nº 2 e 6, art. 118º do CPPº, art. 246º nº 4, art. 268º, todos do CPP e, ainda, nº 5 do art. 32º CRP, não se conformando a aqui recorrente C. L. com a decisão ora recorrida, interpõe recurso desta decisão.

Nestes Termos,

E nos mais de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, assim, ser revogada a decisão que antecede, substituindo-a por outra que admita a aqui recorrente a constituir-se e a intervir como assistente nos autos, retroagindo os seus efeitos à data da apresentação do respetivo requerimento, anulando-se todos e quaisquer atos processuais posteriores que afetem o seu direito a ter essa qualidade nos autos, nomeadamente o Despacho de Arquivamento proferido pelo Ministério Público, por forma a permitir-lhe a dedução de acusação e a formulação de pedido de indemnização civil.
Ou, em alternativa, e em face das circunstâncias factuais supra expostas, seja o despacho ora recorrido e substituído por outro que ordene a notificação da aqui recorrente da promoção operada pelo Ministério Público de indeferimento do pedido de constituição de assistente por forma a que a aqui recorrente, querendo, exerça o seu direito ao contraditório e, ainda, promova pela realização das diligencias processuais probatórias que sejam requeridas a fim de o Juiz de Instrução Criminal possa aferir, formal e materialmente, da tempestividade ou da extemporaneidade do pedido de constituição como assistente.
Mais devem ainda serem julgadas as nulidades invocadas, como verificadas, e, assim e consequentemente, serem julgados inválidos os actos em que se verificarem as nulidades bem como os que dele dependerem e aquelas que puderem afectar.

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes de fls. 29 a 35, que aqui se dão por reproduzidos, formulando, a final, as seguintes conclusões:

1. A denunciante apresentou a queixa que deu origem ao inquérito n.°954/17.8 GBBCL, no dia 29 de Agosto de 2017 — cfr. fls. 13 a 14, e nessa queixa relatou com precisão e pormenor os factos que imputava ao Manuel, seu cunhado, não resultando daquele auto, nem tendo nele ficado consignado qualquer dificuldade de comunicação ou desconhecimento da língua portuguesa por parte da mesma.
2. Nesse mesmo dia foi a denunciante notificada de que tinha o prazo de 10 dias, contado da mesma, para se constituir assistente, tendo então sido advertida de que se não o fizesse os presentes autos viriam a ser arquivados.
3. Contudo, mesmo que valesse a tese de que teria existido justo impedimento por parte da recorrente (desconhecimento do teor e alcance da notificação que lhe fora feita) sempre o mesmo tinha que ser arguido imediatamente, aquando do requerimento de constituição de assistente, nos termos do disposto no artigo 139.° e 140.° do Código do Processo Civil, aplicável por força do n.° 4 do Código do Processo Penal.
4. No dia 12 de Setembro de 2017, data em que requereu na Segurança Social o pedido de protecção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono, em nosso entender, já tinha decorrido o prazo de 10 dias em que a mesma poderia requerer a sua constituição como assistente, ficando assim precludido o seu direito, na esteira do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 1/2011, de 16/12/2010, in DR 1.a série, n.° 1$, de 26/01/2013.
5. Mas ainda que assim não fosse, e que se entendesse que o aludido prazo se iniciou no dia 12 de Setembro de 2017, para beneficiar da interrupção do prazo para requerer a constituição como assistente, teria que ter junto aos autos comprovativo do pedido de protecção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono, e que tal junção deveria ser feita dentro do prazo legal fixado no n.º 2 do artigo 68º do mesmo diploma, o que não fez.
6. O despacho de arquivamento proferido nos autos não padece de qualquer nulidade, uma vez que foi proferido em data anterior ao requerimento de constituição como assistente em causa nos autos, e caberia à denunciante reagir do mesmo, por via da reclamação hierárquica ou do requerimento de abertura de abertura de instrução.
7. O despacho em crise nos autos tem por base o teor do requerimento apresentado pela recorrente, cujo teor foi dado conhecimento ao Ministério Público, e sobre o qual se pronunciou, não existindo qualquer violação do princípio do contraditório.
8. Foram cumpridas todas as formalidades a que alude o artigo 68º, n° 4 do Código do Processo Penal, não padecendo o despacho recorrido de quaisquer vícios.
Nestes termos, deverá negar-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Neste Tribunal da Relação, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, a fls. 41 a 46, cujo teor aqui se dá por reproduzido, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e confirmado o despacho recorrido.
Foi cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, sem resposta da recorrente.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Delimitação do objeto do recurso

É consabido que as conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P. –, sem prejuízo do conhecimento dos vícios e nulidades principais, como tal tipificadas na lei, de conhecimento oficioso.
No caso vertente, atentas as conclusões extraídas pela recorrente da motivação de recurso apresentada, são suscitadas as seguintes questões:

- Violação do princípio do contraditório da ora recorrente, em relação à promoção do M.P. que recaiu sobre o requerimento de constituição de assistente que apresentou;
- Tempestividade do requerimento de constituição de assistente;
- Nulidade do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público.

Para que possamos apreciar a enunciada, importa ter o teor do despacho recorrido e os factos/ocorrências processuais que, para o efeito, relevam e que se passam a enunciar:

2.2. Despacho recorrido

«Fls. 18 e ss.:
C. L. veio, por requerimento remetido aos autos em 20/10/2017 requerer a sua constituição como assistente.
Previamente, no dia 29/08/2017 apresentou a respectiva denúncia contra Manuel a quem acusa de a ter injuriado.
Nessa data foi a denunciante notificada de que tinha o prazo de 10 dias, contado da mesma, para se constituir assistente, tendo então sido advertida de que se não o fizesse no referido prazo os autos viriam a ser arquivados.
Como bem se refere na douta promoção que antecede, os factos em investigação são passíveis de configurar, em abstracto, a prática de um crime de natureza particular — crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.°, n.° 1, do Código Penal — sendo que, como decorre do artigo 188.º do mesmo Código, o respectivo procedimento criminal depende de acusação.
Por sua vez, dispõe o artigo 68.°, n.° 2, do CPP estatui expressamente que “tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento [para constituição de assistente] tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.° 4 do artigo 246.° [do CPP]”.
De resto, e como se aduz na douta promoção que antecede, já o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n° 1/2011, decidiu que: “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito no prazo fixado no n° 2 do artigo 68° do Código de Processo Penal”.
No caso dos autos, verificando-se excedido o referido prazo e inexistindo fundamento para que o mesmo houvesse de ser suspenso ou interrompido — posto que o pedido de apoio judiciário foi requerido depois de decorrido o referido prazo de 10 dias — resta indeferir a constituição de assistente requerida.
Notifique.»

2.3. Factos/ocorrências processuais relevantes para a decisão

a) Os autos de inquérito nº. 954/17.8GBBCL, de onde foi extraído o presente translado, tiveram origem na denúncia apresentada pela ora recorrente, em 29 de Agosto de 2017, perante a GNR, contra Manuel, a quem imputou a prática de factos suscetíveis de integrar o crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal (cfr. fls. 1 a 3);
b) Aquando da apresentação da aludida denúncia, foi a denunciante, ora recorrente, notificada, além do mais, para a constituição de assistente, assinando a respetiva notificação, de cujo teor consta: “Em cumprimento do disposto no artigo 68.º do CPP, fica notificado(a) do seguinte:
Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular (artigo 50.º, n.º 1, do CPP)., devendo para o efeito apresentar requerimento dirigido ao Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal onde corre o processo. Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias (artigo 68º, nº. 2, do CPP) a contar da presente notificação.
O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória (artigo 246.º, nº. 4, do CPP) sob pena de os autos serem arquivados.
Os assistentes são sempre representados por advogado (artigo 70.º, nº. 1, do C.P.P.).
Foi informado(a) sobre o regime do direito de queixa e suas consequências processuais, bem como sobre o regime jurídico do apoio judiciário (artigo 247.º, n.º 2, do CPP).
(…).
A constituição de assistente dá lugar ao pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais (artigo 519.º, n.º 1, do CPP) – 1 Unidade de Conta.

O presente documento foi integralmente lido e revisto por todos os signatário que declaram ter ficado cientes de todo o seu conteúdo e recebido cópia no acto.(cfr. fls. 16);

c) Remetida a denuncia ao Ministério Público, foi proferido, pelo Magistrado titular do inquérito, em 05/09/2017, despacho determinando que se aguardasse o decurso do prazo para a constituição como assistente da denunciante (cfr. fls. 17);
d) Em 12/10/2017, deu entrada nos autos, ofício da Ordem dos Advogados, comunicando que na sequência do deferimento do apoio judiciário referente ao processo em referência, foi nomeada para o patrocínio da beneficiária, ora recorrente, o Sr. Advogado DR Bruno (cfr. fls. 17v);
e) Na sequência da comunicação mencionada em d), foi a denunciante notificada para juntar aos autos cópia do pedido de proteção jurídica por si solicitado e foi oficiado à Segurança Social, solicitando que informasse em que data a denunciante requereu a proteção jurídica, tendo esta entidade vindo informar que o requerimento foi apresentado em 12-09-2017 (cfr. fls. 18 e 19);
f) Em 19/10/2017, O Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no artigo 277º, nº. 1, do C.P.P., com fundamento em que sendo os factos denunciados suscetíveis de integrar o crime de injúria, p. e p. pelo artº. 181º, nº. 1, do C.P., o qual reveste natureza particular, dependendo o procedimento criminal de queixa e acusação particular (artigo 188º do C.P.), sendo, para tanto, obrigatória a constituição de assistente, que não foi requerida pela denunciante, no prazo legal de 10 dias, carecendo o Ministério Público de legitimidade para promover o procedimento criminal (cfr. fls. 20);
g) A denunciante e o il. patrono que lhe foi nomeado, foram notificados do referido despacho de arquivamento e para os efeitos do disposto nos artigos 278º e 287º do CPP (cfr. fls. 21, 22, 24 e 25);
h) Em 20/10/2017, a denunciante apresentou nos autos requerimento de constituição de assistente, apresentando comprovativo do deferimento do pedido de apoio judiciário e manifestando o propósito de deduzir pedido de indemnização civil (cfr. fls. 22v e 23);
i) O Ministério Público promoveu o indeferimento da requerida constituição de assistente, por extemporaneidade (cfr. fls. 26), vindo o Sr. JIC a proferir o despacho ora recorrido, indeferindo a constituição de assistente.
Com referimos supra, suscita-se a questão prévia da tempestividade ou intempestividade do recurso, o que se relaciona com a substituição do defensor oficioso nomeado ao arguido e suas consequências em termos de interromper ou não o prazo em curso para a interposição de recurso.

2.3. Conhecimento do mérito do recurso

1ª – Da violação do princípio do contraditório da ora recorrente, em relação à promoção do M.P. que recaiu sobre o requerimento de constituição de assistente que apresentou:

Defende a ora recorrente que devia ter sido notificada da promoção do Ministério Público que se pronunciou pela extemporaneidade do requerimento de constituição de assistente apresentado pela ora recorrente, para que pudesse exercer o contraditório.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não assistir razão à recorrente, na medida em que a lei não prevê a notificação ao requerente do teor da promoção do Ministério Público sobre o requerimento da constituição de assistente, decorrendo do disposto no artigo 68º, nº. 4, do C.P.P., que o juiz decide de imediato.

Apreciando:
Sobre a constituição de assistente, na parte que aqui releva, dispõe o artigo 68º, nº. 4, do C.P.P.: O juiz, depois de dar ao Ministério Público e ao arguido a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento, decide por despacho, que é logo notificado àqueles.
Tal como defende o Ministério Público não tem o requerente da constituição de assistente, previamente à prolação do despacho do juiz, de ser notificado da promoção do Ministério Público que se pronuncia pelo indeferimento do requerimento de constituição de assistente, seja com fundamento na extemporaneidade, seja com qualquer outro fundamento.
Como decorre do disposto no citado artigo 68º, nº. 4, do C.P.P., requerida a constituição de assistente, o juiz, após dar a possibilidade de exercício do contraditório ao Ministério Público e ao arguido, decide.

Por conseguinte, improcede, este fundamento do recurso.

2ª - Da (in)tempestividade do requerimento de constituição de assistente

Na decisão recorrida foi indeferida a constituição de assistente, requerida pela denunciante, ora recorrente, com fundamento na extemporaneidade do respetivo requerimento, mostrando-se ultrapassado o prazo de 10 dias, após a apresentação da denúncia e da notificação da denunciante, com a advertência da obrigatoriedade de constituição nessa qualidade e, ainda que, tenha deduzido, perante a Segurança Social, pedido de apoio judiciário, abrangendo modalidade de nomeação de patrono, fê-lo já depois do terminus daquele prazo, além de que a denunciante/requerente, não juntou aos autos, como se impunha que o fizesse, comprovativo da apresentação desse pedido, pelo que, não se verificou a interrupção do prazo para a constituição de assistente.
A requerente/recorrente insurge-se contra a decisão de indeferimento da constituição de assistente, defendendo a tempestividade do requerimento apresentando, com os seguintes fundamentos:

- Pese embora tenha aposto a sua assinatura, na “Notificação para constituição de assistente”, não compreende a língua portuguesa, pelo que, a advertência contida na dita notificação não produziu efeito;
- Não foi advertida pelo OPC, quando apresentou a queixa, de que a constituição de assistente era obrigatória, por estar em causa um crime de natureza particular e só em 12/09/2017, quando se dirigiu aos Serviços do Ministério Público foi advertida nesses termos, pelo que a contagem do prazo de 10 dias para a constituição de assistente, só se iniciou nessa data;
- No próprio dia 12/09/2017, a ora recorrente apresentou junto da Segurança Social pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, o prazo para a constituição de assistente interrompeu-se, nessa data e só se reiniciou, em 12/10/2017, em que foi notificado o patrono nomeado da sua designação, nos termos do disposto nos artigos 24º, nº. 4 e nº. 5, al. a), da Lei nº. 34/2004, de 29 de julho.

Vejamos:
Dispõe o artigo 246º do C.P.P., que tem por epígrafe “Forma, conteúdo e espécies de denúncias”:
(…)
4. “O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir -se assistente. Tratando -se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar”.
5. Sem prejuízo do disposto no artigo 92º e 93º, caso o denunciante não conheça ou domine a língua portuguesa a denúncia deve ser feita numa língua que compreenda.
(…).
E sob a epígrafe “Assistente”, preceitua o artigo 68º, nº 2, do C.P.P., “Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no nº 4 do artigo 246º”.

Temos, assim, que no caso de se tratar de procedimento dependente de acusação particular, o prazo de 10 dias, para requerer a constituição de assistente conta-se a partir da advertência feita ao denunciante da obrigatoriedade de se constituir nessa qualidade constituição como assistente e dos procedimentos a observar, para o efeito.
No caso dos autos, a denúncia foi apresentada pela recorrente, em 29/08/2017, perante Órgão de Polícia Criminal, mais concretamente, perante a GNR, tendo a denunciante sido, nesse ato, notificada para a constituição de assistente, nos termos que foram dados como assentes supra, sob a al. b). Consta do teor dessa notificação, designadamente, que o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias, a contar dessa notificação e que tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração de que deseja constituir-se assistente é obrigatória (artigo 246º, nº. 4, do CPP) sob pena de os autos serem arquivados.

Temos, assim, que a denunciante, ora recorrente, foi notificada pelo OPC, perante quem apresentou a denúncia para se constituir assistente.

A questão que se poderá colocar é a de saber se a recorrente entendeu o alcance da notificação e mais concretamente se ficou ciente de que, perante os factos denunciados, a constituição de assistente, a requerer no prazo e com observância do procedimento constantes da notificação, era obrigatória, sob pena de os autos serem arquivados.
E ainda que não pelas razões invocadas pela recorrente, quais sejam a de que não domina a língua portuguesa, sendo que do auto de denúncia não consta que tenha revelado quaisquer dificuldades em relatar, em português, os factos que denunciou, a questão pode suscitar-se, tendo em conta que, o teor da notificação para a constituição de assistente, tratando-se de um formulário, não é expresso, no sentido de que, na situação concreta, estando-se em causa procedimento criminal dependente de acusação particular, a constituição de assistente, no prazo de 10 a contar da notificação, era obrigatória, sob pena de os autos serem arquivados, pois que, a informação é veiculada em termos genéricos: “Quando o procedimento depender de acusação particular …”; “Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular …”.
Nestas situações, para que não seja dado azo à dúvida e de modo a que o denunciante fique ciente da obrigatoriedade de constituição de assistente, no prazo legal previsto para o efeito, sob pena de arquivamento dos autos, a advertência deve ser expressa.
O certo é que, no caso vertente, mesmo a admitir-se, que a denunciante, ora recorrente, não entendeu o sentido e o alcance da notificação efetuada, pelo OPC, para a constituição de assistente, que teve lugar em 29/98/2017, tendo em conta que admite que, tendo-se dirigido aos Serviços do Ministério Público, em 12/09/2017, foi advertida nos termos e para efeitos do disposto no artigo 68º, nº. 2, do C.P.P., ou seja, da obrigatoriedade de se constituir assistente para que os autos prosseguissem os seus ulteriores termos, sempre haveria que concluir que o requerimento para a constituição de assistente que apresentou, em 20/10/2017, é intempestivo, por se mostrar excedido o prazo de 10 dias, a contar da advertência, tratando-se de um prazo contínuo e perentório, que, contrariamente, ao que sustenta a recorrente, não foi interrompido, com o pedido de proteção jurídica que apresentou, perante a Segurança Social.
Na verdade, mesmo na hipótese de o aludido prazo de 10 dias se ter iniciado a partir de 12/09/2017 o seu terminus verificou-se em 22/09/2017 e o requerimento de constituição de assistente só foi apresentado pela denunciante, ora recorrente, em 20/10/2017.
Não assistente razão à recorrente quando defende que o aludido prazo se interrompeu com a apresentação, junto da Segurança Social, de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, o que aconteceu em 12/09/2017, pois que, conforme decorre do disposto no artigo 24º, nº. 4, da Lei nº. 34/2004, de 29 de junho, a interrupção do prazo ocorre com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação, nos Serviços da Segurança Social, do requerimento através do qual esse pedido de apoio é formulado e com que é promovido o procedimento administrativo.

E como bem se decidiu no Ac. da R.E. de 28/05/2013, proferido no proc. nº. 1026/11.4GBLLE-A.E1, acessível no endereço www.dgsi.pt: “Para beneficiar da interrupção do prazo para requerer a constituição de assistente, a junção ao processo do documento comprovativo do pedido de proteção jurídica, em que se requereu também a nomeação de patrono, terá de ser feita dentro do prazo legal fixado no n.º 2 do artigo 68.º do mesmo diploma”. No mesmo sentido, cfr., ainda, entre outros, Ac. da R.P. de 28/9/2015, proferido no proc. nº. 659/13.9TVPRT.P1.

Por conseguinte, conforme se decidiu no Ac. da R.C. de 06/11/2013, proferido no proc. nº. 40/13.0GBAGD-A.C1, disponível no referenciado endereço eletrónico: “Se, aquando da entrega em juízo desse documento, já estiver esgotado o aludido prazo, não faz sentido retroagir ou repristinar a interrupção para momento anterior, uma vez que, tratando-se de prazo peremptório, se extinguiu o direito correspondente.”
Ora, in casu, não tendo a denunciante/requerente/recorrente diligenciado pela junção aos autos, no decurso do prazo legal de 10 dias, para a constituição de assistente, do documento comprovativo da apresentação, junto dos Serviços da Segurança Social, do requerimento do pedido de apoio judiciário, abrangendo a modalidade de nomeação de patrono, não se operou a interrupção daquele prazo, que se completou em 20/10/2010.

Assim sendo, mesmo na hipótese que é considerada pela recorrente, de a contagem do prazo para a constituição de assistente se ter iniciado a partir de 12/09/2017, sempre seria de concluir pela intempestividade do requerimento de constituição de assistente que apresentou, em 20/10/2017.
Não merece, pois, qualquer censura, o despacho recorrido, que, com esse fundamento na intempestividade, decidiu pelo indeferimento do requerimento de constituição de assistente.

3ª – Da nulidade do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público

Sustenta a recorrente que não podia o Ministério Público proferir despacho de arquivamento com fundamento no indeferimento do pedido de constituição de assistente, enquanto o JIC não proferisse decisão nesse sentido, já que essa decisão é da exclusiva competência do JIC e que, não tendo feito dessa forma, o MP violou regras processuais previstas no CPP, que consubstanciam uma nulidade insanável.

O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não ocorrer a nulidade arguida pela recorrente, porquanto o despacho de arquivamento foi proferido em data anterior à da apresentação do requerimento de constituição como assistente, podendo a denunciante reagir contra aquele despacho, por via da reclamação hierárquica ou do requerimento de abertura de instrução.

Apreciando:

Tal como faz notar o Ministério Público, a denunciante, ora recorrente, apresentou requerimento de constituição de assistente, em momento posterior àquele em que o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento dos autos, ao abrigo do disposto no artigo 277º, nº. 1, do C.P.P. e, mais concretamente, o requerimento foi apresentado no dia seguinte àquele em que ocorreu a prolação daquele despacho.
Não assiste, pois, razão à recorrente quando sustenta que o dito despacho de arquivamento se fundamentou no indeferimento do pedido de constituição de assistente, pois que, nem sequer havia apresentado nos autos requerimento para o efeito.
O despacho de arquivamento proferido pelo MP teve por fundamento a falta de constituição de assistente, no prazo legal, que se encontrava já decorrido, sendo os factos denunciados suscetíveis de integrar crime de natureza particular, dependendo o procedimento criminal de acusação particular e carecendo o MP de legitimidade para promover esse procedimento, levando em linha de conta a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ (de Uniformização de Jurisprudência), nº 1/2011, de 16/12/2010 (publicado no D.R., 1ª Série, nº 18, de 26/01/2011), no sentido de que “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal.”
Neste contexto, é manifesto que não se verifica a nulidade arguida pela recorrente.
*
Perante todo o exposto, improcede o recurso interposto pela denunciante.

3 – DISPOSITIVO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pela denunciante C. L. e, em consequência, manter o despacho recorrido.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Notifique.
Guimarães, 7 de maio de 2018