Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4762/17.8T8GMR-A.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: DECISÃO SURPRESA
DIREITO À DEFESA
CONTRADITÓRIO
SANEADOR SENTENÇA
VALIDADE FORMAL DA DECISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Não há violação do princípio do contraditório, nem do direito de defesa das partes, se o tribunal recorrido decide conhecer no despacho saneador do objeto da causa, por considerar que se encontrava já munido de todos os elementos de prova necessários para tomar uma decisão conscienciosa.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Fernando Fernandes Freitas
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Tendo sido proferida decisão singular nestes autos, nos termos do artº 656º do CPC, veio a recorrente, FREGUESIA DE X, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 652º do CPC, requerer que sobre a questão por si sucitada no recurso recaia acórdão, o que se passa a fazer.
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Nos presentes autos de Oposição à Execução que Y-IMOBILIÁRIA, LDA., melhor identificada nos autos, move a FREGUESIA DE X e outra, melhor identificadas nos autos, foi proferida a seguinte decisão:

“…O estado dos autos, dado o teor do título executivo e o resultado inequívoco do relatório pericial realizado nos autos principais, já nos permite proferir uma decisão quanto ao mérito da presente oposição mediante embargos à execução (…).

7.1.- O título executivo determina os fins e limites da execução, ou seja, o tipo de ação, o seu objeto, bem como, a legitimidade ativa e passiva e por isso, constitui um pressuposto específico do processo de execução – artigo 703.º, C.P.C.

A este respeito refere Abrantes Geraldes que:“ O título executivo não é em si o facto jurídico gerador do direito à prestação exequenda, na medida em que “ facto e documento são conceitos que não podem nem devem confundir-se. Tendo em conta a necessária revelação da obrigação exequenda através de um documento, este não passa, apesar disso, de um meio probatório da relação jurídica que constitui a génese do vínculo obrigacional que liga o exequente e o executado. “(A Reforma da Acção Executiva”, pag. 36 )

A enumeração dos títulos executivos é taxativa, conforme resulta da previsão do artigo 703.º, C.P.C., sendo que a sentença condenatória faz parte dessa enumeração.

Baseando-se a execução a que os presentes embargos correm por apenso, em acórdão judicial, transitado em julgado, os embargos à execução apenas poderão ser sustentados nas situações previstas nas alíneas do artigo 729.º, do C.P.C., as quais são taxativas.

Dispõe, assim, o artigo 729.º, do Código de Processo Civil, que «[fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.»

Ora, da análise dos fundamentos invocados pela embargante, verifica-se que a transação fixa de forma clara e inequívoca a obrigação que a executada não pretende realizar, apesar do prazo que outrora acordou com a exequente.

Neste contexto, resultando dos autos que a embargante, injustificadamente, não cumpriu a obrigação que assumiu até à presente data, e não resultando dos autos qualquer impedimento legal, administrativo ou privado para esse incumprimento, é manifesto que os presentes embargos de executado terão de julgados manifestamente improcedentes (…).

Pelo exposto, decido:

8.1.- julgar os presentes embargos improcedentes e, em consequência, determino o prosseguimento da instância executiva.
8.2.- Custas pela embargante.
8.3.- Registe e notifique.
8.4.- Informe o AE do teor da presente sentença…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a embargante FREGUESIA DE X interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

a) Da decisão-surpresa:

1- Na verdade, o Tribunal "a quo" nunca poderia proferir uma decisão desta natureza, como a que decorre dos presentes autos.
2- Decorre expressamente do artº 3° nº 3 do CPC, que o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
3- No caso dos autos, o Tribunal recorrido, proferiu a decisão, sem proceder previamente à audição das testemunhas arroladas pela embargante/recorrente, não lhe dando sequer oportunidade de produzir contraprova relativamente ao teor do relatório pericial, o que diga-se, num juízo prudencial deveria ter feito.
4- De tal forma que, o tribunal "a quo" ao proferir a sentença recorrida sem que, previamente, desse à embargante a possibilidade de contraditar a prova pericial, através da prova testemunhal que esta tinha arrolado, proferiu decisão surpresa.
5- Existe, assim, na sentença proferida a fls. uma frontal e indiscutível violação do princípio consignado no artº 3°, nº 3, do Código de Processo Civil, que não foi devidamente observado.
6- Assim, inobservada que foi uma regra processual crucial, e porque essa omissão gera nulidade, impõe-se a anulação da sentença recorrida nesta parte.

b) Do erro de julgamento:

7- No caso em apreço, o Tribunal "a quo" norteou a sua convicção, tendo por base única e exclusivamente o relatório pericial junto aos autos, considerando-o claro e inequívoco, de tal forma que, concluiu inexistir necessidade de qualquer outra prova adicional que tivesse a virtualidade de prejudicar o teor desse mesmo relatório.
8- Salvo o devido respeito, que é muito, a tese defendida pelo tribunal recorrido não tem razão de ser.
9- Com efeito, as partes têm o direito, como manifestação do princípio do contraditório, à admissão de todas as provas que se mostrem relevantes para a decisão da causa.
10- À face do nosso direito probatório vigente, não há nenhuma imposição legal de que determinados factos só admitam prova pericial, isto é, só possam ser provados através de prova pericial.
11- Daí que, por muito conveniente e adequada que seja a prova pericial para a demonstração de certos factos, nada obsta a que a sua prova seja obtida com recurso à prova testemunhal ou à prova documental.
12- Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponto de vista da jurisdicidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas.
13- Assim, tratando-se de prova gerada a partir da emissão de juízos de ordem técnica elaborados por especialistas, a sua livre apreciação apresenta naturais limitações mas não a transforma em prova plena que tenha um valor tal que seja insindicável pelas instâncias e a que estas estejam vinculadas.
14- A prova pericial não faz prova absoluta e não prevalece em relação às demais provas que estejam presentes nos autos.
15- O Tribunal recorrido não fez uso adequado dos seus poderes no que respeita ao julgamento da matéria de facto, tanto mais que, não atendeu a meios de prova apresentados pela embargante/apelante, nomeadamente à prova testemunhal, que era admissível, necessária e pertinente.
16- No nosso entender, por maior que seja o convencimento relativamente a um relatório pericial, tal não permite formar a convicção do Mmº Juiz a quo, quanto à certeza de determinados factos, quando nem sequer foram ouvidas as testemunhas arroladas pela embargante/recorrente, relativamente aos mesmos factos em litígio.
17- Com efeito, o grau de provável obtido na perícia, coadjuvado pelas regras da experiência e pela ausência absoluta de referências probatórias em sentido contrário, ou seja, ausência de contraprova, pode ser suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração de determinado facto.
18- Todavia, não se consegue compreender como é que o tribunal recorrido, concluiu, sem mais, pelo grau de provável obtido na perícia, se a mesma nem sequer foi contraditada, ou seja, nem sequer houve contraprova.
19- O Tribunal de 1ª instância, ao ater-se somente ao relatório pericial e ao ter desconsiderado em absoluto os demais meios de prova (ao não ter inquirido as testemunhas arroladas pela embargante), violou os princípios da livre apreciação da prova e da fundamentação que o obrigava a ter em conta todos os meios de prova constantes do processo e fazer uma avaliação criteriosa e fundada na relevância ou na maior relevância que dá a um deles em detrimento dos demais.
20- Com efeito, o laudo de perícia é um mero meio de prova, que, com os demais, o Tribunal está obrigado a sopesar, de forma livre (artº 607º nº 5 do CPC), e decidir fundamentadamente, não lhe bastando por isso decidir, como decidiu, que não necessitava de prova adicional, sem que a mesma tivesse sido sequer produzida, o que consubstancia claramente violação daquele normativo.
21- De igual modo, ao não ouvir as testemunhas arroladas pelas partes (mormente executadas), as quais têm conhecimento direto dos factos, pois tiveram intervenção direta, quer na aprovação do loteamento, quer no projeto da estrada, o Meritíssimo Juiz "a quo" cerceou o direito de defesa da executada, legal e constitucionalmente consagrado, violando, nomeadamente, os princípios constitucionais da igualdade e do acesso à justiça (artºs 13º, 18º, nº 2 e nº 3, 20º, 202º, nº2 e 204º da CRP).
22- O direito de defesa traduz-se na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas.
23- A decisão recorrida ao decidir pura e simplesmente pela desnecessidade de atender a qualquer outra prova adicional para além da prova pericial, cerceou, em absoluto, o exercício do contraditório, olvidou a proibição da indefesa constitucional consagrada e como que decidiu a causa principal com prova indiciária.
24- Ora, a circunstância de a decisão ter sido proferida sem audição das testemunhas arroladas pela embargante/recorrente traduz-se sempre numa significativa desvantagem para esta, já que, nomeadamente, se vê impedida de contrapor a sua versão factual à alegada pela embargada, e de participar na instrução do processo, ao não intervir na produção de prova.
25- Assim sendo, impedir a embargante/recorrente de utilizar meios de prova processualmente previstos, designadamente, no caso em apreço, a prova testemunhal, por considerar desnecessário qualquer meio de prova adicional, constitui uma violação do princípio da igualdade das partes, segundo o qual o tribunal deve assegurar a ambas as partes as mesmas condições, seja para exercer o seu direito à prova de um facto, seja para exercer o seu direito à contraprova ou à prova do contrário de determinado facto.
26- A atuação do Mmº Juiz a quo, salvo o devido respeito, conduz a uma autêntica indefesa, ou seja, a uma privação ou limitação do direito de defesa da embargante/recorrente.
27- A douta sentença proferida violou o disposto nos arts. 3°,nº3; artº 411º e 607º nº 4, 1ª parte, todos do CPC, e os artºs 13º, 18º nº2 e 3, 20º, 202º nº2 e 204º da CRP.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente Apelação ser provida, e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, e ainda inobservada que foi uma regra processual crucial (artº 3º nº3 do CPC), e porque essa omissão gera nulidade, impõe-se a anulação da sentença recorrida nesta parte, com as legais consequências…”.
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Pela embargada foram apresentadas contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir é apenas a de saber se foi violado, pelo tribunal recorrido, o princípio do contraditório e o direito de defesa da recorrida, ao proferir saneador/sentença, considerando desnecessária a produção da prova por ela indicada nos autos.
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Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os mencionados na decisão recorrida, para os quais remetemos, e ainda os seguintes:

- Por despacho de 16/02/2018, proferido nos autos principais da Execução, foi determinado pelo tribunal que "considerando a causa de pedir vertida em ambos os embargos de executado e os fundamentos legais em que os mesmos podem subsistir (cfr. artigo 729.º do CPC), afigura-se determinante para o normal prosseguimento dos presentes autos e respectivos apensos, a realização de uma perícia singular ao local dos factos (aliás, como peticionado pela exequente)”, com o seguinte objecto:

"1.- Verificar se os executados já cumpriram a obrigação [Os executados obrigaram-se a restituir à exequente a parcela de terreno que se demonstre ter sido ocupada pelas obras efectuadas na via pública, na designada Rua …, e depois dos limites do referido prédio (lote de terreno), serem implantados no local, em conformidade com a planta de loteamento da designada zona industrial do …, promovido pela Câmara Municipal ..., implantação essa a fazer pelos serviços de topografia do executado Município ... e com a inspecção da exequente. Ainda os executados se obrigaram a fazer o serviço referente à implantação do lote e as obras de restituição da parcela, no prazo de 40 dias, a contar de 03/12/2015, consistindo a restituição na destruição das obras construídas na parcela a restituir e respectiva reposição da morfologia anterior]”.

"2.- Caso essa restituição ainda não tenha ocorrido aquando da perícia, informar os autos do prazo necessário para a sua concretização; obras necessárias para a sua concretização e valor dessas mesmas obras".

- Realizada a perícia, apresentou o Senhor Perito o respectivo relatório nos autos principais da Execução, onde concluiu que:

1-) "De acordo com a Planta Geral da Câmara Municipal ..., do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística que se anexa, bem como Plantas de Localização da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal ..., o lote propriedade do Exequente (...) tem 3.725,00 m2";
2-) "(...) após realização de um levantamento topográfico (...) que se anexa, verifica-se que o mesmo se apresenta com uma área de 3.698,00 m2";
3-) "A área de terreno em falta localiza-se na parte do lote virada a este ou nascente que confina com caminho ou estrada municipal"; e
4-) "(...) os executados, à data da perícia, ainda não cumpriram a obrigação da restituir à exequente a área do terreno em falta".
- A Embargante solicitou esclarecimentos ao Senhor Perito, que lhos prestou.
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Da violação do princípio do contraditório e do direito à defesa:

Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida, alegando no essencial que a mesma constitui uma decisão surpresa e que violou o princípio do contraditório, já que foi proferida sem a audição das testemunhas por si arroladas, não lhe dando oportunidade de produzir contraprova relativamente ao teor do relatório pericial existente no processo executivo.

Mais invoca a violação dos princípios da livre apreciação da prova e da fundamentação, que obrigava o tribunal a ter em conta todos os meios de prova constantes do processo e fazer uma avaliação criteriosa, fundada na relevância ou na maior relevância que dá a um deles em detrimento dos demais.

Invoca ainda a violação do seu direito de defesa, legal e constitucionalmente consagrado, nomeadamente os princípios constitucionais da igualdade e do acesso à justiça, e o princípio da igualdade das partes, segundo o qual o tribunal deve assegurar a ambas as partes as mesmas condições, seja para exercer o seu direito à prova de um facto, seja para exercer o seu direito à contraprova ou à prova do contrário de determinado facto.
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Mas sem razão, podemos adiantar desde já.

Como decorre da decisão proferida, acima transcrita, entendeu o Mm.º Juiz a quo, para proferir decisão de imediato no despacho saneador, que "O estado dos autos, dado o teor do título executivo e o resultado inequívoco do relatório pericial realizado nos autos principais (...) permite proferir decisão quando ao mérito da presente oposição mediante embargos à execução".

E fê-lo ao abrigo do disposto no artº 595º do CPC, no qual se prevê que o despacho saneador destina-se a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente, e a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial do ou dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção peremptória (alíneas a) e b) do nº 1 do preceito).

Acrescenta ainda o nº 3 do mesmo preceito legal que na hipótese prevista na alínea b), o despacho fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.

Ou seja, é a própria lei a reconhecer poderes ao juiz de decidir, de acordo com a sua análise dos factos e das provas existentes nos autos, que a questão pode ser decidida logo no despacho saneador apenas com as provas produzidas, não se podendo considerar que haja aqui qualquer violação, quer do princípio do contraditório, quer do direito à defesa que a recorrente sente que lhe foi coartado.

Caber-lhe-ia apenas, caso considerasse que a decisão proferida não foi a acertada em termos de direito, impugná-la quanto ao seu mérito, podendo vir a considerar-se, analisada a decisão proferida, que o juízo do tribunal recorrido não foi o mais correto quanto à suficiência das provas existentes nos autos, carecendo a prova de ser ampliada, nos termos previstos no artº 662º nº2, alínea c) do CPC (em sede de impugnação da matéria de facto).

Do que não podemos falar, contrariamente ao defendido pela recorrente é que tenha havido, na decisão proferida, a violação, por parte do tribunal, quer do princípio do contraditório, quer do seu direito de defesa.

O princípio do contraditório é, de facto, a garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirectamente, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, pp. 7-8; Ac desta Relação de Guimarães, de 26/09/2013; Ac da Relação do Porto de 18.06.2007 - ambos disponíveis em www.dgsi.pt; e Acórdão do Tribunal Constitucional - Acórdãos do TC, 11.° vol., pág. 741 e 20.° vol., pág. 495).

Acresce que o princípio do contraditório só é correctamente observado se for de molde a que cada uma das partes possa, não apenas deduzir as suas razões, de facto e de direito, e oferecer as suas provas, mas também controlar as provas do adversário, discreteando sobre o valor e resultado de umas e de outras.

Ora, a recorrente em momento algum das suas alegações refere que lhe tenha sido coartada a possibilidade de participar efectivamente em todo o decurso do processo, nomeadamente na produção da prova (pericial) ordenada pelo tribunal no processo executivo, tendo inclusivamente, como consta da matéria de facto, solicitado esclarecimentos ao sr. perito, após a apresentação do respectivo relatório, que lhos prestou.

Questão bem diferente, que a recorrente também vem suscitar nos autos, é a de saber se poderia o tribunal decidir, como decidiu, à margem das provas por si indicadas, considerando que se encontrava já munido de todos os elementos de prova necessários para tomar uma decisão conscienciosa, decidindo do mérito da causa sem necessidade de fazer seguir o processo para julgamento, nomeadamente para produção de outras provas, entre elas as indicadas pela embargante. Essa tomada de decisão, que a lei lhe permite como vimos (em homenagem ao princípio da economia processual consagrada no artº 130º do CPC), não contende, no entanto, com a alegada violação do princípio do contraditório nem com a alegada violação do direito de defesa da recorrente, pois as provas indicadas pelas partes servem apenas para formar a convicção do julgador e ele, em consciência, pode já considerar-se satisfeito com as provas produzidas nos autos no momento de proferir o despacho saneador.

Também não se pode falar aqui de uma decisão surpresa, porque as regras processuais são do conhecimento das partes e dos seus mandatários, sendo admissível, à luz do citado artº 595º, que o juiz possa decidir a questão suscitada nos autos logo no despacho saneador, o qual tem como uma das suas funções, expressamente consagradas na lei, a de nele poder vir a conhecer-se do mérito da causa, ficando aquele despacho a ter o efeito de uma sentença final.

Por outro lado, o direito à defesa - traduzido no direito das partes de produzirem todos os meios de prova por si indicados e admitidos nos autos, nomeadamente o direito de produzirem a prova testemunhal por si indicada -, é um direito a respeitar pelo tribunal em sede de audiência de julgamento, mas esse direito das partes cede, caso a decisão seja proferida no despacho saneador, perante o poder que o juiz tem de prescindir da produção das provas indicadas pelas partes, se as considerar desnecessárias para a decisão da causa.

E claro que este tribunal de recurso não pode apreciar se as provas indicadas pelas partes eram ou não necessárias para a decisão da causa, se a embargante não põe em causa no recurso o mérito da decisão; se se limita a invocar – como faz a apelante -, a violação de princípios processuais relacionados com a sua defesa e apenas susceptíveis de afetar a validade formal da decisão; não a sua validade substancial.

Improcedem, assim, na totalidade, as alegações de recurso da apelante.
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Decisão:

Pelo exposto, Julga-se improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) a cargo da recorrente.
Notifique.
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Sumário do acórdão:

Não há violação do princípio do contraditório, nem do direito de defesa das partes, se o tribunal recorrido decide conhecer no despacho saneador do objecto da causa, por considerar que se encontrava já munido de todos os elementos de prova necessários para tomar uma decisão conscienciosa.
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Guimarães, 14.3.2019