Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2001/15.5T8VRL.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

1- São requisitos cumulativos do instituto do enriquecimento sem causa: a) que haja um enriquecimento patrimonial de alguém (vantagem patrimonial em qualquer das suas modalidades); b) que esse enriquecimento careça de causa justificativa à luz do ordenamento jurídico, seja por essa causa nunca ter existido, seja porque, entretanto, deixou de existir; e c) que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição, de modo a existir um nexo causal entre o enriquecimento do enriquecido e o empobrecimento da pessoa que exige a restituição.

2- Ocorre sub-rogação quando um terceiro cumpre uma dívida de outrem ou empresta dinheiro ou outra coisa fungível ao devedor para esse cumprimento, adquirindo os direitos de credor originário em relação ao devedor.

3- O traço distintivo entre sub-rogação e direito de regresso reside no facto de na sub-rogação, mediante o cumprimento, total ou parcial, do crédito ao credor, o terceiro fica investido, na medida desse cumprimento, no mesmo direito de crédito que o credor originário detinha sobre o devedor. Já no direito de regresso, mediante o cumprimento, total ou parcial, do crédito ao credor, o terceiro extingue, na medida desse cumprimento, o crédito que o credor originário detinha sobre o seu devedor, mas nasce na esfera jurídica desse terceiro, ex novo, um direito de crédito, em função do cumprimento que fez, sobre esse devedor.

4- Por força do art. 36º da Convenção Sobre Segurança Social celebrado entre Portugal e a Suíça, aprovado pelo Decreto n.º 30/76, de 16/01, e do art. 93º, n.º 1 do Regulamento (CEE) n.º 148/71, do Conselho de 14/06/1971, as instituições de previdência suíças gozam do mesmo direito de sub-rogação legal que é reconhecido pela legislação nacional à segurança social em relação a terceiros.

5- As prestações sociais pagas pela segurança social têm finalidades distintas do direito indemnizatório que assiste aos seus beneficiários sobre terceiros sujeitos passivos do ato determinante da responsabilidade civil.

6- Em caso de acidente de trabalho, o crédito indemnizatório que assiste ao trabalhador sobre a sua entidade empregadora radica na responsabilidade infortunística desta. Já o direito do trabalhador de receber prestações sociais da segurança social radica na sua qualidade de beneficiário daquela instituição e de ter estado doente e ter ficado incapacitado (em consequência do acidente) e, consequentemente, a sua qualidade de beneficiário, doença e incapacidade lhe conferir direito a receber essas prestações sociais de acordo com a legislação da segurança social.

7- Estando o trabalhador a quem foi reconhecido o crédito indemnizatório sobre a sua entidade empregadora decorrente do acidente de trabalho, a receber uma pensão de invalidez da segurança social por via da incapacidade definitiva com que ficou afetado em consequência daquele acidente de trabalho, nos casos em que a segurança social não exerceu o direito de sub-rogação legal contra a entidade empregadora em relação às pensões de invalidez já pagas ao trabalhador, o facto deste reclamar da entidade empregadora a totalidade do crédito indemnizatório que lhe foi reconhecido por via do acidente de trabalho, não determina qualquer enriquecimento sem causa do trabalhador à custa da entidade empregadora.

8- A dupla indemnização do trabalhador decorrente do relatado em 7) ocorre à custa da segurança social.

9- A questão dessa dupla indemnização carece unicamente de ser suscitada e dirimida nas relações beneficiário (trabalhador)/segurança social, à qual a entidade empregadora é totalmente alheia.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I- RELATÓRIO.

L. G., residente na Rua …, Chaves, instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMPRESA X, LDA., com sede na Av. … Lisboa, com anterior denominação FF, LDA; MANUEL, residente na Rua … Chaves; EMPRESA Y, S.A., com sede na Estrada … Chaves; JORGE, residente na Avª … Chaves; HUGO, residente na Avª … Chaves; MARIA, residente na Rua … Chaves; e FÁTIMA, residente na Avª … Chaves, pedindo que:

a) seja declarada a responsabilidade solidária do disposto na decisão proferida em 2º pelos gerentes de facto e de direito da sociedade 1ª Ré e 3ª Ré;
b) se condene os Réus a pagar quantia de € 114.499,42 acrescido dos valores vincendos a apurar em execução de sentença, bem como os respetivos juros de mora;

Subsidiariamente,

c) seja declarada e decretada a ineficácia em relação ao Autor dos atos que possibilitaram a entrega de bens e direitos referidos em 22 a 29º desta petição, devendo ainda ser ordenado à 3ª Ré, a restituição dos mesmos, de modo a que o Autor se possa pagar à custa desses bens e direitos.

Para tanto alega, em síntese, ter sido trabalhador da 1ª Ré FF, Lda., atualmente com a denominação Empresa X, Lda., e que sofreu um acidente de trabalho quando trabalha sob ordens, autoridade e fiscalização daquela, ficando com uma IPP de 90 %;
Por sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho, transitada em julgado, a 1ª Ré foi condenada a pagar-lhe uma determinada indemnização, que não pagou voluntariamente;
O Autor não tem conseguido cobrar essa indemnização no âmbito da execução que instaurou para o efeito, devido à inexistência de bens no património da 1ª Ré;
Desde o ano de 2014 foi suspensa a atividade da 1ª Ré, que não apresentou vendas, apesar de em cada um dos dois anos anteriores ter apresentado vendas de valor superior a um milhão de euros e ser uma empresa bem referenciada e conhecida na região;
A 3ª Ré Empresa Y, S.A. teve um percurso meteórico ascendente, com o sócio gerente da 1ª Ré e seus filhos como partes do conselho de administração, duplicando o seu volume de vendas, comprando aos fornecedores da 1ª Ré, tendo ao seu serviço os trabalhadores da 1ª Ré, recebendo a clientela da 1ª Ré, ocupando a sede, instalações e estabelecimento desta, e utilizando os respetivos equipamentos, ficando com os stocks da 1ª Ré, mantendo nas faturas e internet a imagem, cores, correio eletrónico e números de telefones da 1ª Ré, usando grande parte da frota desta e tendo um objeto social coincidente;
Todos os Réus tinham plena consciência que era devida ao Autor a quantia fixada a título de indemnização;
A desativação da 1ª Ré para beneficiar a 3ª Ré aconteceu com a colaboração de todos os Réus e com a intenção de impedir o Autor de ver satisfeito o seu crédito, já que a 1ª Ré ficou sem património para satisfazer o mesmo.

Os Réus Empresa Y, S.A., JORGE, HUGO e FÁTIMA contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocaram e exceção dilatória da ilegitimidade passiva dos Réus Hugo e Fátima para os termos da presente ação, sustentando que estes nunca detiveram as funções de gerentes ou de sócios da 1ª Ré Empresa X, Lda., anteriormente, denominada FF, Lda., sequer lhes é imputada qualquer participação, quer em nome próprio, quer em representação de outrem, designadamente dos demais Réus, em ato ou negócio suscetível de afetar o património da pretensa devedora, não existindo, por isso, causa de pedir que possa estribar a instauração da presente ação contra aqueles;
Invocaram a exceção perentória do enriquecimento sem causa do Autor, sustentando que este, desde 01/01/2007, recebe da “CSC”, instituição de previdência de direito Suíço, uma pensão de invalidez, que até 01/01/2013, perfez a quantia global de 77.206,58 euros;
Os fundamentos subjacentes à atribuição dessa pensão de invalidez e a pensão vitalícia, subsídio de elevada incapacidade e prestação suplementar para assistência permanente de terceira pessoa, que lhe foram arbitradas pelo Tribunal do Trabalho, têm subjacente o mesmo facto, isto é, o acidente sofrido pelo Autor em 10/01/2006 e a incapacidade dele resultante;
Concluem que encontrando-se o Autor a receber aquela pensão da “CSC”, derivada da incapacidade decorrente do mencionado acidente, sempre terá o respetivo valor (já pago e o que vier a ser pago, num total de 287.057,71 euros), de ser deduzido ao pretenso montante a pagar pelos Réus ao Autor, sob pena deste vir a receber, em dobro, a mesma indemnização.
Impugnaram os factos alegados pelo Autor.
Concluem pedindo que a ação seja julgada improcedente e que sejam absolvidos do pedido.

Os Réus MANUEL e mulher, MARIA e Empresa X, Lda. contestaram invocando, também, a exceção do enriquecimento sem causa, sustentando que o Autor está a receber uma pensão da Instituição da Suíça devido à incapacidade resultante do acidente em causa, pelo que a receber o que reclama estaria a receber duas vezes pelo mesmo dano.
Impugnaram a factualidade aduzida pelo Autor.
Concluem pela improcedência da ação e pedindo a sua absolvição dos pedidos.

Procedeu-se à audiência prévia, onde se concedeu a palavra ao Autor para se pronunciar, querendo, quanto às exceções deduzidos pelos Réus na contestação, o que fez.
Fixou-se o valor da ação, proferiu-se despacho saneador em que se conheceu da exceção da ilegitimidade passiva arguida pelos Réus Hugo e Fátima, que se julgou improcedente.
Relegou-se o conhecimento da exceção do enriquecimento sem causa do Autor para sentença final e fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo sido apresentadas reclamações.

Realizada audiência final proferiu-se sentença, que consta da seguinte parte dispositiva:
“Julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Declaro e decreto a ineficácia em relação ao Autor dos atos que possibilitaram a entrega dos bens e direitos referidos em 21º a 28º dos factos provados, ficando o autor autorizado a pagar-se à custa desses bens e direitos.
b) Absolvo os réus dos demais pedidos formulados.
c) Custas a cargo do autor e dos réus, na proporção de metade para cada uma das partes”.

Inconformadas com o assim decidido vieram as Rés Empresa X, Lda. e Empresa Y, S.A. interpor o presente recurso de apelação, em que apresentam as seguintes conclusões:

1. A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se, ante a matéria de facto alegada, os depoimentos prestados, a prova documental existente nos autos, se poderia ter proferido a sentença, ora recorrida, nos termos em que o foi, considerando-se pois, que esta padece de erro, na apreciação das provas, tal como, na aplicação ou interpretação das normas aplicáveis ao caso sub judice.
2. Pelo que, o presente recurso tem por objecto a matéria de facto e de direito da sentença proferida.
3. As aqui Recorrentes entendem que foram incorretamente julgados os factos constantes dos Pontos 3.º na parte que diz “(…) pagamento voluntário, apesar de notificada,(…)”, 9.º, 21.º, 23.º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º, 32.º, 33.º, 34.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 42.º 43.º dos factos provados, os quais deveriam, atendendo à prova produzida, ter sido dados como provados.
4. Por sua vez, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos: - “os danos ressarcidos pela indemnização fixada no processo de acidente de trabalho e os que fundamentam a pensão que o Autor recebe da Suíça são sobrepostos, existindo uma relação de identidade entre eles”; - “O Réu HUGO nunca exerceu nenhuma função de gerência de facto, na sociedade Empresa X, Lda., anterior FF, Lda.; - “ A gerência de facto na sociedade Empresa X, Lda., que também nunca recaiu ou incumbiu sobre o Réu Jorge que relativamente à identificada sociedade nunca praticou qualquer acto de gestão, não comprou, vendeu, negociou, contratou ou por si obrigou a sociedade Empresa X, Lda. (anterior FF, Lda.)”; - “ A Ré MARIA, nunca foi gerente de facto, ou administradora de nenhuma sociedade, nem da Empresa X, Lda. e Empresa Y, S.A.”.
5. De referir que as testemunhas do Autor são todas pessoas bastante próximas a ele, pois um é cunhado (A. E.), outra é a esposa (A. T.) e outra é vizinha (C. F.), fator que deveria necessariamente ter sido ponderado na avaliação do valor intrínseco de cada um dos depoimentos e que foi totalmente desvalorizado pelo Tribunal a quo. Aliás, da audição dos depoimentos prestados pelas referidas testemunhas verifica-se que os mesmos revelam uma evidente falta de isenção e uma clara vontade de ajudar o Autor, pelo que, não deveriam merecer a credibilidade que o Tribunal a quo lhes atribuiu, devido, ate às constantes contradições entre eles.
6. Existiu, pois, um erro na apreciação da prova carreada para os autos, tendo a Meritíssima Juiz a quo, também, interpretado de forma errónea a prova documental constante dos autos.
7. No que respeita ao Ponto 3 dos factos dados como provados na parte que diz “(…) pagamento voluntario, apesar de notificada,(…)”, tal facto nunca poderia ter sido dada como provado, na medida em que o Autor não fez prova do mesmo, já que, não se encontra junto aos autos nenhum documento que prove que a 1.ª Ré foi interpelada ou notificada para o efeito, sendo que nenhuma das testemunhas se referiu expressamente a essa matéria, pelo que, deverá tal facto ser dado como não provado e, em consequência, o ponto 3.º dos factos dados como provados deverá ser alterado, em consonância com a prova documental e testemunhal produzida, devendo passar a ter a seguinte redacção “ Não tendo a 1.ª Ré efectuado o pagamento voluntário o Autor instaurou execução que corre por apenso ao processos principal.”
8. Quanto aos factos dados como provados nos pontos 9.º, 33.º, e 34.º, nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento referiram que os filhos do gerente, Jorge e Hugo, exercia cargos de gestão, passando cheques, assinando contratos, representavam a empresa, nomeadamente o Jorge como Director Comercial e financeiro e o Hugo como Director comercial, os quais tinham autonomia na tomadas de decisões e que o faziam sempre com o conhecimento e consentimentos dos sócios e do gerente de direito (pai), sendo que o depoimento de parte do Autor não versou sobre esta matéria e a sua esposa, a testemunha A. T. – cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento realizada a 05/05/2017, das 11:27:55 às 11:33:59 e se encontra gravado no sistema áudio de gravação digital do tribunal Ficheiro 20170505112753_1272512_2871877- nunca entrou sequer nas instalações da FF, Lda., pelo que nem sequer as conhece, sendo que resultou do seu depoimento que quem contratou o marido foi o Réu MANUEL, não tendo feito sequer qualquer referência aos Réus Hugo ou Jorge, aos demais Réus, aos demais trabalhadores, clientes e fornecedores da aqui Recorrentes; aos camiões de que era proprietária a FF, Lda.; aos materiais que aí eram vendidos ou ao objecto social das Recorrentes. O depoimento desta testemunha resumiu-se a relatar ao acidente e a explicar ao tribunal a que título o seu marido recebe a pensão da suíça.
9. A testemunha A. E. – cujo depoimento e foi prestado na audiência de julgamento realizada a 05/05/2017, das 10:25:07 às 11:03:57 e se encontra gravado no sistema áudio de gravação digital do tribunal Ficheiro 20170505102506_1272512_2871877 – que é cunhado do autor, e que prestou um depoimento pautado pela pouca isenção e total falta de credibilidade, disse ao tribunal que chegou a gastar material da empresa FF, Lda. e ainda gasta, nos biscates de construção que faz, ou seja, segundo a testemunha é cliente das Rés. Quanto à matéria constante do ponto 9 dos factos provados, tal como se pode constatar, aliás da própria fundamentação da sentença, mais concretamente a folhas 15 e 16, nada disse já que a esse respeito não foi inquirido. E nem esta testemunha poderia dizer algo quanto a essa matéria pois, como é que um cliente que vai lá ocasionalmente (veja-se que a última vez que disse que foi à empresa comprar matérias foi há cerca de meio ano) sabe quem é que passa cheques, assina os contratos dos trabalhadores e representa a empresa?
10. Da audição da gravação do depoimento desta testemunha resulta evidente que não prestou um depoimento espontâneo já que, constantemente, a instâncias do Ilustre Mandatário do Autor era conduzido por este para a resposta pretendida, ou seja, o Ilustre Mandatário questionava-o e dava por este a resposta, facto que foi completamente desvalorizado pelo Tribunal a quo.
11. A testemunha C. F. - cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento realizada a 05/05/2017, das 11:34:33 às 11:50:18 e se encontra gravado no sistema áudio de gravação digital do tribunal Ficheiro 20170505113431_1272512_2871877 - e que é vizinha do Autor tentou convencer o tribunal que conhece bens todos os Réus bem como o funcionamento das Rés, dizendo que sempre que precisava de material vai lá comprá-lo, mas no decurso do seu depoimento acaba por dizer que, não precisa de muito material, pelo que se conclui que poucas vezes se descolocou às instalações. Referiu que era sempre atendida pelo Ré Hugo, que era ele que lhe fazia os preços mas que não sabe quem mandava na empresa tendo referido que o Réu Jorge só o conhece de vista, de o ter lá visto duas vezes e que nunca o lá tinha visto antes. Nunca esta testemunha fez qualquer referencia à Ré Fátima e quanto á Ré MARIA disse que a viu lá algumas vezes não fazendo sequer menção a que título a mesma se encontrava na empresa.
12. A testemunha M. C. - cujo depoimento e foi prestado na audiência de julgamento realizada a 05/05/2017, das 11:04:32 às 11:27:15 e se encontra gravado no sistema áudio de gravação digital do tribunal Ficheiro 20170505110431_1272512_2871877 – ao longo do seu depoimento nem sequer se referiu ao Réu Jorge, e quanto à gerência, efetivamente esta testemunha disse que, a esse respeito nada sabia, tendo referido que conhecia o Réu Hugo que costumava estar no escritório, mas que nunca o viu passar cheques ou dar ordens.
13. Ora, de acordo com a prova testemunhal produzida, nomeadamente pelas testemunhas supra referidas, os pontos 9.º, 33.º e 34.º dos factos dados como provados, terão necessariamente que ser dados como NÃO PROVADOS, por ausência total de prova dos mesmos, pois para além de nenhuma prova testemunhal ter sido produzida nesse sentido (não foram juntos quaisquer cheques, contratos de trabalho ou quaisquer outros documentos subscritos pelos Réus Jorge e Hugo) e as testemunhas por mais que se tivessem esforçado para ajudar o Autor, em concreto, quanto à gerência e direcção nada sabiam, sendo que as mesmas nem sequer conheciam o Réu Jorge.
14. Não se trata, pois, de algo que as testemunhas disseram e que foi erradamente valorado pelo tribunal, mas sim, de uma total ausência de prova dos factos o que, indubitavelmente terá que levar a que os mesmos seja dados como não provados.
15. Mas, em contrapartida, teria que ser dado como provado que: - “ O Réu HUGO nunca exerceu funções de gerência de facto, na referida sociedade (Empresa X, Lda. anterior FF)” – ponto 2.º dos factos dados como não provados; - “Gerência de facto na sociedade Empresa X, Lda., que também nunca recaiu ou incumbiu sobre o Réu Jorge que relativamente à identificada sociedade nunca praticou qualquer ato de gestão, não comprou, vendeu, negociou, contratou ou por si obrigou a sociedade Empresa X, Lda.( anterior FF, Lda.)” - ponto 3 dos factos dados como não provados; - “ A Ré MARIA, nunca foi gerente de facto, ou administradora de nenhuma sociedade, nem da Empresa X, Lda. e Empresa Y, S.A.” – ponto 11 dos factos dados como não provados, atendendo aos depoimentos das testemunhas, supra transcritos; às certidões permanentes da Empresa X, Lda. e da Empresa Y, S.A. juntas aos autos e ainda ao depoimento de parte do Réu Jorge - cujo depoimento e foi prestado na audiência de julgamento realizada a 04/07/2017, das 09:58:28 às 10:28:10 e se encontra gravado no sistema áudio de gravação digital do tribunal Ficheiro 20170704095825_1272512_2871877 - que quanto a esta matéria referiu que nunca teve qualquer intervenção na Empresa X, Lda., nunca assinou documentos e que nessa empresa não fazia rigorosamente nada, era o seu pai que ai mandava.
16. Quanto aos Pontos 21º e 26.º dos factos dados como provados, afigura-se-nos que, também o Autor não logrou fazer prova dos mesmos. Aliás, é caso para perguntar como é que tais testemunhas poderiam ter conhecimento de quais os fornecedores das aqui Recorridas? Como é que tais testemunhas podem ter conhecimento de que a 1.º Ré transmitiu à 3.º Ré todos os materiais de construção e os Stocks existentes? Quais eram esses materiais em concreto? E em que quantidade? Como é que meros clientes ocasionais podem ter conhecimento de tais factos? Resulta das regras da experiencia comum que clientes ocasionais, como é o caso da testemunhas A. E., cunhado do Autor, e da testemunha C. F., vizinha do Autor, não podem ter conhecimento dos materiais de construção, tais como telhas, tijolos, mosaicos etc. e dos respectivos stocks que, em concreto, existiam na esfera da 1.º Ré.
17. O Depoimento do Autor e da esposa deste, a testemunha A. T., não versou sobre tais factos, a testemunha M. C. nunca se referiu sequer aos fornecedores ao longo de todo o seu depoimento, nem muito menos à quantidade ou qualidade dos materiais existentes e stocks, tendo feito, apenas menção aos artigos que aí comprava quando lá se deslocava e que era atendido pelo Réu Hugo; a testemunha C. F. apenas disse que quando vai à instalações o material é o mesmo (continua haver cimento, telhas, matérias de construção e casa de banho) o mesmo tendo acontecido com a testemunha A. E., o qual, por si só, tal como resulta da respectiva gravação, prestou um depoimento vago e impreciso, pelo que, sem qualquer outra prova, nomeadamente documental, nunca o depoimento da testemunha A. E. poderá ter a virtualidade de dar como provado que a 3.º Ré passou a comprar aos fornecedores habituais da 1.º Ré.
18. Resulta das regras da experiencia comum que as empresas que se dedicam à venda de materiais de construção tenham todas telhas, cimento, vigas, etc. iguais ou similares. Mais, como resulta das regras da experiência comum, poderemos estar perante fornecedores diferentes que forneçam material igual, semelhante e até da mesma marca. Nunca esta testemunha, nem as demais, referiu quantidades, nem sequer descreveu o material de construção que lá existia, tendo-se apenas referido, de forma vaga, a telhas, blocos e cimento. Se V.Exas. ouvirem a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento constatarão que, efectivamente, esta testemunha, à semelhança das demais, não tem qualquer conhecimento directo acerca de tais factos, os quais para serem dados como provados teriam que ter suporte documental, nomeadamente, contabilístico, o que não se verifica in casu.
19. Como recaía sobre o Autor o respectivo ónus da prova e, não o tendo logrado, os factos dados como provados na sentença sob ponto 21 e 26, terão forçosamente que ser dados COMO NÃO PROVADOS, devido a ausência total da sua prova.
20. Não se vislumbra, também, que tenha sido produzida prova para que o tribunal tenha dado como provado o ponto 23 dos factos provados, nomeadamente pelos mesmos argumentos supra aduzidos relativos ao pontos 21 e 26. Efectivamente, nenhuma das testemunhas inquiridas, que, como já supra se disse, eram clientes ocasionais, fizeram sequer quaisquer referencia a outros clientes da 1.ª Ré que fossem agora clientes da 3.º Ré. O facto da testemunha A. E. ser cliente da Empresa X Lda. e posteriormente ser cliente da Empresa Y.S.A., e de se encontrarem junto aos autos duas faturas de aquisição de produtos por parte deste, não traduz, só por si, e desacompanhado de quaisquer outros meios de prova, que a clientela da 1.ª Ré foi direcionada para a 3. Ré. Assim, também quanto ao ponto 23 dos factos dados como provados perfilhamos do entendimento que o tribunal a quo fez uma incorreta análise da prova, a qual foi claramente insuficiente, para não dizer nula, pelo que o facto constante do ponto 23 terá que ser dado, também como NÃO PROVADO.
21. Da prova produzida também nunca se poderá dar como provado o Ponto 25 dos factos provados pois na ausência total de prova documental produzida apenas nos podemos socorrer da prova testemunhal e quanto a este respeito temos que, o depoimento e parte do Autor e o depoimento da sua esposa, não incidiu sobre essa matéria. A testemunha C. F. apenas referiu que “está tudo igual como estava” e que o escritório onde vai fazer os pagamentos é o mesmo, sempre que lá vai vê as mesmas coisas. A Testemunha M. C. referiu que existem lá empilhadores mas que não sabe se são os mesmos da FF, Lda. e a testemunha A. E. que “desde que comecei a lá a comprar até hoje é sempre igual”.
22. As testemunhas C. F., M. C. e A. E. prestaram, pois, quanto a esta matéria, um depoimento bastante vago e impreciso, quando era essencial precisão para se dar como provado tal facto.
23. Afinal quais eram esses empilhadores, utensílios e equipamentos, em concreto? E quais eram as marcas, características, qualidades, etc, dessas secretárias, empilhadores, utensílios e computadores? Ao Tribunal a quo bastaram respostam imprecisas como “está tudo igual” para dar como provado a matéria constante do 2. É caso para perguntar: Mas afinal o que está igual? O que estava, em concreto antes, que, também está agora? Não se sabe em concreto, pois nenhuma testemunha inquirida soube precisar com alguma clareza e precisão a matéria constante do ponto 25 dos factos dados como provados, pelo que, não tendo sido produzida qualquer outra prova, nomeadamente documental, o tribunal não poderia formular uma convicção quanto a essa matéria, pelo que, também quanto ao ponto 25 dos factos dados como provados perfilhamos do entendimento que o mesmo terá necessariamente que ser dado como NÃO PROVADO, por ausência total de prova.
24. Relativamente ao ponto 28 dos factos dados como provados também a prova testemunhal foi inócua quanto a esta matéria, pois os depoimentos das testemunhas resumiram-se a dizer ao Tribunal, a testemunha M. C. que há lá camiões e carrinhas, tem lá uns TIRs estacionados, 10 ou 12 camiões a dizer Empresa Y ou BM; a testemunha A. E. referiu que tinham 6 ou 7 camiões que ainda lá estão, mas, quando questionado, não conseguiu dizer nem as matriculas dos mesmos.
25. Por sua vez, o Réu Jorge, foi confrontado com as certidões do registo automóvel que se encontram junta aos autos e referiu que não comprou quaisquer camiões à Empresa X, Lda., que tais camiões tinham sido por si comprados a uma empresa espanhola e que tinha, inclusive documentos de tais aquisições se fosse necessário.
26. Na sequência do depoimento de parte do Réu Jorge, foram por este juntos os autos documentos mais concretamente faturas e comprovativos do pagamento por parte da Ré Empresa Y, S.A. que atestam que esta empresa adquiriu 4 viaturas, mais concretamente as viaturas com as matrículas QQ, ZS, ZO, a uma empresa espanhola com sede em …, Espanha, viaturas estas que o Tribunal a quo deu como provado que a 1.º Ré transmitiu à 3.º Ré.
27. O Tribunal a quo desvalorizou o depoimento do Réu Jorge e dos referidos documentos, não tendo, sequer, feito qualquer referência aos mesmos na sentença recorrida nomeadamente referindo o porquê de não lhes ter sido atribuída qualquer relevância.
28. Ora, o contrato de compra e venda de veículo automóvel é meramente consensual, sendo a obrigatoriedade do registo declarativa ou funcional. Trata-se de um contrato com eficácia real ou contrato real, porque a transferência da propriedade se dá por efeito dele (arts.408 e 874 do CC). Por isso, a validade do contrato de compra e venda de veículo automóvel não depende do registo, por não ter natureza constitutiva, mas antes enunciativa ( cf. Ac STJ de 24/2/77, BMJ 264, pág.179, de 3/3/98, BMJ 475, pág.629, Ac RL de 3/11/87, C.J. ano XII, tomo V, pág.88)A presunção do art.7º do CRP, aplicável ao registo automóvel, sendo juris tantum, importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a outra parte a prova do contrário (arts.347 e 350 do CC) do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.
29. Com os documentos juntos e com o depoimento de parte do Réu Jorge provou-se que a Empresa X, Lda. não vendeu quaisquer veículos automóveis à 3.º Ré, nomeadamente os com as matrículas ZO, ZS e GO, os quais forma adquiridos por esta a uma empresa espanhola, pois dado o carácter consensual (não formal) da venda de um veículo automóvel, a aquisição não registada deste, quando efetivamente apurada em sede de audiência de julgamento, como aconteceu in casu, não deixa de produzir efeitos substanciais quanto à propriedade desse veículo.
30. Afigura-se-nos que o Tribunal a quo ao desprezar os documentos juntos sob o requerimento 26391502, analisou incorrectamente a prova produzida, a qual terá que, necessariamente levar a que o Ponto 28.º dos factos dados como provados seja tido como NÃO PROVADO.
31. Quanto aos Ponto 29.ºe 39.º dos factos dados como provados, o ónus da prova cabia, também ao Autor e atendendo a que nenhuma prova, nem documental, nem testemunhal, foi produzida quanto a esse facto o mesmo terá impreterivelmente que ser dado como NÃO PROVADO, pois se V.Exas. procederem a audição das gravações dos depoimentos das testemunhas constatarão que nenhuma das testemunhas foi inquirida quanto a esta matéria, a qual, salvo melhor entendimento, só poderia ser dada como provada com base prova documental, já que, mesmo que as testemunhas tivessem sido inquiridas acerca da mesma, atendendo a que se tratam de meros clientes ocasionais das Rés, segunda as regras da experiencia comum normalmente os clientes não são conhecedores dos atos constitutivos das sociedades nem muito menos da forma como se transmitem as quotas ou o património, qual valor pago por tais transmissões, etc., pois tratam-se de actos alheios ao clientes. Ou seja, não resultou provado da prova produzida que esses tais actos tenham sido gratuitos.
32. Aliás, diz-nos a experiencia da vida que, nas actuais sociedades, a regra é a da onerosidade dos actos ou negócios, sendo a gratuitidade dos mesmos a excepção.
33. É nosso entendimento que na presente ação estando em causa a gratuitidade ou onerosidade dos actos impugnados e porque aquela – porque dispensa a prova do requisito má-fé - beneficia ou aproveita ao Autor, impende sobre este o ónus da prova do "animus donandi" ou do "espírito de liberalidade", prova essa, que como supra se disse, não logrou o Autor fazer.
34. Pelo que, não tendo o Autor feito prova da gratuitidade dos atos, teria que, provar a má fé dos aqui Réus, o que, salvo melhor entendimento também não logrou fazer.
35. Quanto pontos 32, 36, 38, 40 42.º e 43.º dos factos dados como provados, também estes foram incorretamente julgados pois, em concreto, nenhuma prova foi produzida para que o Tribunal a quo os pudesse dar como provados, já que resulta dos documentos juntos aos autos, nomeadamente das certidões judiciais que, em consequência do acidente de que o Autor foi vítima, e que serve de fundamento à presente acção, correu termos pelo entretanto extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, a acção n.º 1017/08.2TBCHV, a qual foi intentada pelo aqui Autor contra a W Companhia de Seguros, S.A. a peticionar a condenação desta no pagamento dos danos e da incapacidade por este sofrida em consequência dos acidente por si sofrido em 10 de Janeiro de 2006.
36. No âmbito de tal processo judicial foi proferida a 26 de abril de 2011, douta sentença, que condenou a dita seguradora a pagar ao aí e aqui Autor a quantia de € 393.477,70 (trezentos e noventa e três mil, quatrocentos e setenta e sete euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, devendo descontar-se dessa quantia ao equivalente em euros a 366,416,00 Francos Suíços. – veja-se a certidão junta aos autos com a Ref.ª 31257135.
37. Resulta, ainda, dessa mesma certidão judicial que nenhum dos aqui Réus foram parte na ação judicial supra referida e que a douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Chaves foi revogada pelo Tribunal da Relação do Porto, por decisão proferida a 26/04/2012, que absolveu a Ré Seguradora de todos os pedidos contra si formulados pelo aqui Autor, essencialmente por considerar que, em síntese, não ter ficado provado que o acidente que o Autor J. G. sofreu nas instalações da FF, Lda. se deveu á intervenção do veículo de matrícula ZO.
38. Ou seja, só depois de ter sido proferida o douto acórdão da Relação do Porto é que o aqui Autor intentou a acção no Tribunal de trabalho n.º 441/10.5TTVRL e cuja condenação serve de fundamento à presente acção.
39. Foi o próprio Autor caracterizou sempre o acidente de que foi vítima como acidente de viação, tendo intentado a respectiva acção contra a seguradora, pelo que, só após ter visto a sua pretensão negada pelo Tribunal da relação do Porto é que veio intentar nova acção desta vez por acidente de trabalho.
40. Tal como resulta, também, dos documentos juntos aos autos, nomeadamente da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Vila Real proferida no âmbito do processo n.º 441/10.5TTVRL e o acórdão da Relação do Porto que confirmou a decisão de 1.ª instância a FF, Lda., só no âmbito desta ação é que se viu confrontada com a possibilidade de vir a ser responsável pelo pagamento dos danos e pela incapacidade de que o Autor padeceu em consequência do acidente de que foi vitima, pois, no âmbito do processo judicial decorrente do acidente de trabalho, a questão principal centrou-se na validade do contrato de seguro celebrado entre a aqui ora Ré Empresa X, Lda., e a seguradora, por forma a determinar a entidade responsável pelo pagamento das quantias peticionas pelo Autor, bem como na determinação do grau de IPP de que o Autor ficou portador e fixação do respectivo quantum indemnizatório.
41. Resulta, também, de tal doutas decisões que a aqui Ré Empresa X, Lda. esteve sempre convicta da validade do contrato de seguro que havia celebrado com a ali Ré seguradora, e que, em consequência, era esta seguradora a responsável pelo pagamento das quantias peticionadas pelo aqui Autor no âmbito de tal acção decorrente de acidente de trabalho. Assim, quanto muito, só aquando da realização da tentativa de conciliação, realizada no âmbito do supracitado processo de acidente de trabalho, é que a Ré Empresa X, Lda. e o seu sócio gerente, o aqui Réu Manuel, se viram, pela primeira vez confrontados com o facto da seguradora declinar toda e qualquer responsabilidade emergente do acidente de trabalho sofrido pelo Autor.
42. Não faz qualquer sentido, porque viola as regras da experiencia comum que, estando a Ré FF, Lda. e o seu gerente convictos da validade do contrato de seguro de acidentes de trabalho que havia celebrado com a seguradora, o Tribunal a quo dê como provado os factos constantes dos pontos 32, 36, 38, 40 42.º e 43, tanto mais que não se alicerçou em nenhuma prova, nomeadamente documental ou testemunhal.
43. Efetivamente, qual foi a prova produzida para que se dê como provado que os Réus em conjugação de esforços desmantelaram a 1.º Ré com o intuito de prejudicar o Autor? Que a mudança de denominação, sedes, sócios, gerentes, sociedades tinha o propósito de confundir o Autor? E que ao realizar tais actos os Réus pretenderam unicamente evitar que a 1.º Ré fosse detentora de património e activos, bens ou rendimentos que pudessem satisfazer o montante em divida do Autor? Assistimos, pois, também, no que a esta matéria diz respeito a um verdadeiro vazio probatório, já que nenhuma prova em concreto foi produzida quanto a esta matéria, ou seja, que existiu concluiu entre todos os Réus.
44. Perante o depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, globalmente analisado, concomitantemente com a análise dos documentos juntos aos autos, entende-se que é de afastar a convicção do Tribunal a quo que levou a que tais factos fossem dados como provados, na medida em que, fazendo apelo ao disposto no artigo 346º do Código Civil e, sobretudo, ao que decorre do artigo 414º do NCPC (tal como já sucedia com o artigo 516º do revogado CPC) a dúvida sobre a realidade dum facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, pelo que sempre se teria de concluir, que não poderia ser dada como provada tal matéria constantes dos factos 32, 36, 38, 40 42.º e 43.º
45. Também no que respeita ao facto dado como provado no ponto 36.º é nossa modesta opinião que da prova produzida o mesmo não resultou provado, pois, e com base na prova documental constante dos presentes autos, apenas se pode dar como provado que a 1.º Ré e o Réu Manuel eram conhecedores do acidente de trabalho que o Autor sofreu, até porque foram parte no processo que correu termos no Tribunal do Trabalho de Vila Real sob o n.º 441/10.5TTVRL, no âmbito da qual a aqui 1.º Ré foi condenada a pagar ao aqui Autor nos termos constantes do ponto 2.º e 44.º dos factos provados contantes da sentença recorrida, pelo que terá que se ter como provado o conhecimento da 1.º Ré e do 2.º Réu.
46. No que respeita aos demais Réus, nenhuma prova foi produzida nesse sentido, pois nenhuma das testemunhas do Autor foram inquiridas acerca de tal matéria, sendo que todas elas nunca pronunciaram sequer o nome da Ré FÁTIMA, e o depoimento e parte do Réu Jorge também não incidiu sobre a mesma. Pelo que, atenta a prova produzida pelo tribunal a quo terá necessariamente que se dar como provado que “ A 1.º ré e o 3.º Réu são conhecedores do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, em Janeiro de 2006, do seu direito ao ressarcimento e da ausência de um seguro válido por parte da 1.º Ré”.
47. Aliás, se o Tribunal a quo deu como provado que nunca os Réus Empresa Y, S.A., HUGO e FÁTIMA foram sócio das sociedade Empresa X, Lda., anteriormente denominada FF, Lda. – ponto 50 dos factos dados como provados – e que nem os Réus Empresa Y, S.A., e a Ré FÁTIMA exerceram funções de gerência (de direito ou de facto) na referida sociedade (Empresa X; Lda. anterior FF, Lda.) – ponto 51 dos factos dados como provados - caberia sempre apurar, o que não se verificou, como é que tais Réus tomaram conhecimento do acidente de trabalho sofrido pelo Autor em Janeiro de 2006, de que este tinha direito a ser ressarcido e de que a 1.ª Ré não tinha um seguro de acidentes de trabalho Válido.
48. Mais, ao longo de todo o processo nunca se apurou, por ausência total e prova, qual era a relação da Ré FÁTIMA com os demais Réus.
49. Como também aqui o ónus da prova cabia ao Autor e este não logrou cumpri-lo afigura-se-nos que também aqui o Tribunal a quo procedeu a uma incorrecta análise/avaliação da prova produzida, devendo, em consequência, o ponto 36.º dos factos dados como provados ser alterado de acordo com o referido no ponto 46.º das presentes conclusões.
50. Acresce que, foi dado, pelo Tribunal a quo como não provado que “os danos ressarcidos pela indemnização fixada no processo de acidente de trabalho e os que fundamentam a pensão que o Autor recebe da Suíça são sobrepostos, existindo uma relação de identidade entre eles” quando quanto a esta matéria foi produzida prova, nomeadamente documental, mais que suficiente para que tal facto fosse dado como provado.
51. Do depoimento de parte do Autor resulta que este recebe uma pensão de invalidez da suíça, desde janeiro de 2010, a qual era inicialmente no valor de € 10.000,00 (dez mil euros) mensais e que actualmente recebe cerca de € 1.200,00 (mil e duzentos euros). O Autor não soube dizer ao Tribunal quanto é que recebeu até à data da CSC mas adiantou que, ao todo, irá receber €200.000,00 (duzentos mil euros). Segundo o Autor, essa pensão diz respeito a seguro a um complemento da reforma que só seria accionado quando atingisse a idade da reforma, mas que atendendo à sua incapacidade resultante do acidente, acionou mais cedo pelo que, ficará esgotado mais cedo.
52. A aqui Recorrente Empresa X, Lda. juntou com a sua contestação, sob documento n.º 1 um documento, devidamente traduzido, do qual consta que o Autor está a receber uma pensão Ordinária de invalidez pela CSC e foi, posteriormente, junta aos autos, com a Ref.ª 31257135, certidão judicial do Proc. n.º 328/13.0TBCHV que correu termos pelo, entretanto extinto, 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, da qual resulta que o Autor em consequência do acidente de que foi vítima, está a receber desde 01/01/2007, uma pensão de periodicidade mensal, por parte da CSC, que é uma instituição de previdência de direito Suíço a qual é de valor actualizável de acordo com o aumento do custo de vida na Suíça.(facto dado como provado na douta sentença – veja-se Ponto 65 do factos provados).
53. Dessa mesma certidão resultam os seguintes factos, os quais, aliás, foram dados como provados pelo Tribunal a quo: - “45.º O Autor, desde 01/01/2007, recebe da “CSC”, instituição de previdência de direito Suíço, pensão de invalidez em prestações de periocidade mensal.” - “46.º Prestação mensal que a partir de 01/02/2010 ascendeu a € 1.300,00” - “47.º Tendo o Autor recebido a esse título e da referida entidade, até ao dia 01/01/2013, a quantia de € 77.206,58.” - “48.º Sendo que, em Fevereiro de 2013, as prestações futuras a pagar pela “CSC” ao Autor se computa em € 209.851,13.” - “49.º pensão de invalidez – concedida pela CSC ao Autor – cuja atribuição teve por fundamento a incapacidade decorrente do acidente melhor concretizado nos autos sob o n.º 441/15.5TTVR1.” - “ 66.º E tal acontece porque o Autor é beneficiário da referida instituição de providencia Sucia, sendo titular da apólice n.º 756.9636.4705.79, em virtude deste ter mantido a sua residência na Confederação Suíça, em vários períodos compreendidos entre os anos de 1987 e 2003, bem como do facto de, durante tais períodos, ter exercido uma actividade lucrativa nesse Estado”.” - “67.º Em consequência da incapacidade do Autor, a CSC, passou a pagar ao Autor uma pensão, com prestações de periocidade mensal, a partir de 01/01/2007, de valor actualizável de acordo com o aumento do custo de vida na Suíça.” - “68.º O Autor recebeu da CSC, desde 01/01/2007, uma pensão mensal no valor de CHF.1.260,00 (cerca de 1.156,11 euros)” - “69.º A partir de 01/01/2009, o aqui Autor L. G., recebeu da referida instituição de providencia Suíça, a pensão mensal de CHF 1.300,00 (cerca de 1.192,82 euros)”. - 70.º A partir de 01/01/2011 o Autor recebeu de tal instituição, a quantia mensal de CHF 1.323,00 (cerca de 1.213,92 euros) a partir de 01/01/2013, tal prestação mensal foi atualizada para CHF 1.334,00 (1.224,01 euros)”. - “71.º O Autor recebeu da CSC, pelo menos, entre 01/01/2007 e 001/01/2013, o montante de CHF 94.426,00, ou seja € 77.206,58, sendo que, desde 01/01/2013 continuou o mesmo a receber por parte de tal instituição a pensão mensal, e que continuará a receber até que perfaça (contabilizada desde 01/01/2013) a quantia de € 209.851,13 (duzentos e nove mil oitocentos e cinquenta e um euros)”.
54. Da análise dessa mesma certidão, a qual serviu de alicerce para o tribunal dar como provados os factos 45, 46, 47, 48, 49, 65.º, 66.º 67.º, 68.º, 69.º, 70.º e 71.º nunca se pode extrair a fundamentação acolhida pelo Tribunal a quo que diz: “ (…) a pensão que o autor recebe da Suíça é proveniente de um seguro e parece tratar-se de uma quantia que o autor sempre teria direito a receber, independentemente de ter ficado inválido ou não, apenas tal seguro sendo acionado mais tarde, quando o autor atingisse a idade da reforma, pelo que a pensão e a indemnização não se afiguram coincidentes”.
55. Se a referida certidão serviu para dar como provados os factos 45, 46, 47, 48, 49, 65.º, 66.º 67.º, 68.º, 69.º, 70.º e 71, sendo que os mesmos não resultaram do depoimento de parte do Autor, sempre a mesma teria que servir de base para dar como provado que os danos ressarcidos pela indemnização fixada no acidente de trabalho e os que fundamentam a pensão que o autor recebe da Suíça são sobrepostos, existindo uma identidade entre eles, porque tal facto resulta dessa própria certidão.
56. Efectivamente dessa mesma certidão consta, inclusive que: - a obrigação de pagamento dessa pensão decorre da Convenção de Segurança Social entre Portugal e a Suíça, aprovada pelo Decreto n.º 30/76, de 16 de Janeiro, do artigo 93.º do Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho, de 14.06.1971, bem como da Lei suíça, nomeadamente da LAVS, LAI e ainda da LAA (lei Federal Suíça sobre seguros de acidentes de 20/03/1981), sendo esta última aplicável pelo facto do Autor ter exercido uma actividade profissional lucrativa na Confederação Suíça; - que, nos termos do artigo 1ºa/1, a) e b) da LAVS (Loi Fédérale sur l`Assurance Vieillesse et Survivants) qualquer pessoa com residência na Confederação Suíça ou que ai exerça uma actividade lucrativa é obrigatória e automaticamente abrangida pela protecção conferida pela citada lei, sem qualquer prazo de garantia, nos casos em que se verifiquem os sinistros previstos na mesma. - Nos termos do art.º 1 bI da LAI ( Loi Sur L`Assurance Vieillesse et Survivants – lei sobre o seguro de velhice e sobreviventes), qualquer pessoa abrangida pela cobertura da mencionada LAVS é, igualmente abrangida pelas disposições da LAI. - Assim, o Autor, a partir do momento em que residiu e prestou trabalho na Suíça, independentemente de aí manter a sua residência e/ou o exercício da sua actividade profissional lucrativa, passou a estra obrigatoriamente abrangido pela cobertura conferida pelas duas leis Suíças acima citadas, contrapartida dos pagamentos de quotizações exigidos pelo artigo 3.º /1 da LAVS. - Nos termos do disposto no artigo 36.º da Convenção da Segurança Social entre Portugal e a Suíça, a CSC fica, com a constituição da obrigação de pagamento das prestações mensais ao seu beneficiário - o aqui Autor – sub-rogada nos direitos deste último perante os responsáveis pelo acidente, sub-rogação que o estado português se obriga a reconhecer, por via do acima citado artigo 93.º do Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho, de 14.06.1971; - Que a reforma que foi atribuída na Suíça o Autor J. G. e que se encontra a ser paga pela CSC não é consequência da ocorrência de qualquer acidente de viação mas apenas de um eventual acidente de trabalho. – veja-se sentença proferida no âmbito do Processo n.º e que conta de fls. 74 e seguintes da referida certidão judicial.
57. Da certidão a judicial supra referida resulta à evidência, que a pensão que o Autor recebe da CSC resulta do acidente de trabalho de que o Autor foi vítima, e que os danos ressarcidos pela indemnização fixada no âmbito do processo de Trabalho e os que fundamentam a pensão que o Autor recebe da Suíça são sobrepostos, existindo, pois, uma identidade entre eles.
58. O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”.
59. A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.
60. Ora, quanto ao depoimento de parte do Autor dado o óbvio interesse que a Autor demonstra no desfecho desta ação, o que sempre permite colocar dúvidas quanto à sua isenção e objetividade, o Tribunal a quo apenas poderia atribuir-lhe relevância nas partes que constituíssem confissão e nas que se encontram confirmadas por outros elementos probatórios. E foi exactamente o que aconteceu em relação aos factos dados como provados nos pontos 45, 46, 47, 48, 49, 65.º, 66.º 67.º, 68.º, 69.º, 70.º e 71 os quais não foram confessados pelo Autor. Igual tratamento deveria, pois, merecer o facto que não foi dado como provado pelo tribunal a quo - “ os danos ressarcidos pela indemnização fixada no processo de acidente de trabalho e os que fundamentam a pensão que o Autor recebe da Suíça são sobrepostos, existindo uma relação de identidade entre eles”- já que o mesmo resulta do teor da referida decisão judicial.
61. Assim, salvo melhor opinião, entendemos que deve ser dado como PROVADO que “ os danos ressarcidos pela indemnização fixada no processo de acidente de trabalho e os que fundamentam a pensão que o Autor recebe da Suíça são sobrepostos, existindo uma relação de identidade entre eles”.
62. Os aludidos erros na apreciação/avaliação da prova produzida foram determinantes e condicionaram a decisão final da Meritíssima Senhora Juiz do Tribunal a quo que, condicionada pelas erradas decisões de facto que tomou, acabou por declarar e decretar a ineficácia em relação ao Autor dos atos que possibilitaram a entrega de bens e direitos referidos em 21.º a 28.º dos factos provados, ficando o Autor autorizado a pagar-se à custa desses bens e direitos, desvalorizando o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas – que pouco ou nenhum conhecimento tinham acerca dos factos me análise, sendo que em relação a muitos deles nem sequer foram inquiridos – e não cuidado de conjugar os mesmos com os documentos juntos, nomeadamente com a referida certidão judicial, que de forma absolutamente clara sustenta que a pensão que o Autor está a receber da CSC e os danos ressarcidos pela indemnização que lhe foi atribuída no âmbito do Processo de trabalho são sobrepostos, existindo uma relação d identidade entre eles.
63. Na fundamentação da sentença, o juiz deverá tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão, fazendo o exame crítico das provas (artº 607º do C.P.C.), deve avaliar os meios de prova atendíveis, lançando mão, se for o caso, das regras da experiência e da normalidade da vida, o que no caso dos autos não aconteceu pelo que, não tomou a Mma Juiz em devida consideração os fatos carreados para o processo e provados, nem efectuou o exame crítico que se impunha das provas, enfermando assim a fundamentação de facto da sentença recorrida de incorrecta interpretação e apreciação da prova produzida em audiência de julgamento; tendo, dessa forma, sido violados, entre outros, os artºs 607º, nºs 4 e 5 do C.P.C.
64. Em face do exposto, devem ser dados como não provados os Pontos 3.º na parte que diz “(…) pagamento voluntario, apesar de notificada,(…)”,, 9.º, 21.º, 23.º, 25.º 26.º, 28.º, 29.º, 32.º, 33.º, 34.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 42.º, 43, e como provado que:

- “os danos ressarcidos pela indemnização fixada no processo de acidente de trabalho e os que fundamentam a pensão que o Autor recebe da Suíça são sobrepostos, existindo uma relação de identidade entre eles”;
- “O Réu HUGO nunca exerceu nenhuma função de gerência de facto, na sociedade Empresa X, Lda., anterior FF, Lda. ;
- “ A gerência de facto na sociedade Empresa X, Lda., que também nunca recaiu ou incumbiu sobre o Réu Jorge que relativamente à identificada sociedade nunca praticou qualquer acto de gestão, não comprou, vendeu, negociou, contratou ou por si obrigou a sociedade Empresa X, Lda. ( anterior FF, Lda.)”;
- “ A Ré MARIA, nunca foi gerente de facto, ou administradora de nenhuma sociedade, nem da Empresa X, Lda. e Empresa Y, S.A.”.
65. Para além da impugnação da matéria de facto, impugnam, também, os aqui recorrentes a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, relativamente à matéria de direito, pois, consideram que não foi feita uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos em concretos.
66. As aqui recorridas, em sede de contestação, vieram em matéria de excepção dizer que o Autor em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima está a receber, desde 01/01/2007, uma pensão mensal, por parte da CSC, Instituição de providencia de direito Suíço, já que, o Autor é beneficiário de tal instituição, sendo que, no entendimento do aqui recorrente o Autor nunca pode cumular as duas pensões sob a pena de duplo recebimento, já que o Autor pretende ser ressarcido duas vezes pelo mesmo dano concreto o que configura um enriquecimento ilícito.
67. Efectivamente, tal como resulta dos documentos juntos aos presentes autos, o tribunal a quo deu como provado os seguintes factos:

- “ 65.º O Autor em consequência do acidente de que foi vítima, está a receber desde 01/01/2007, uma pensão mensal, por parte da CSC, que é uma instituição de previdência de direito Suíço
- “66.º E tal acontece porque o Autor é beneficiário da referida instituição de providencia Suiça, sendo titular da apólice n.º 756.9636.4705.79, em virtude deste ter mantido a sua residência na Confederação Suíça, em vários períodos compreendidos entre os anos de 1987 e 2003, bem como do facto de, durante tais períodos, ter exercido uma actividade lucrativa nesse Estado”.
- “67.º Em consequência da incapacidade do Autor, a CSC, passou a pagar ao Autor uma pensão, com prestações de periocidade mensal, a partir de 01/01/2007, de valor actualizável de acordo com o aumento do custo de vida na Suíça.”
- “68.º O Autor recebeu da CSC, desde 01/01/2007, uma pensão mensal no valor de CHF.1.260,00 (cerca de 1.156,11 euros)”
- “69.º A partir de 01/01/2009, o aqui Autor L. G., recebeu da referida instituição de providencia Suiça, a pensão mensal de CHF 1.300,00 (cerca de 1.192,82 euros)”.
- “70.º A partir de 01/01/2011 o Autor recebeu de tal instituição, a quantia mensal de CHF 1.323,00 (cerca de 1.213,92 euros) a partir de 01/01/2013, tal prestação mensal foi atualizada para CHF 1.334,00 (1.224,01 euros)”.
- “71.º O Autor recebeu da CSC, pelo menos, entre 01/01/2007 e 001/01/2013, o montante de CHF 94.426,00, ou seja € 77.206,58, sendo que, desde 01/01/2013 continuou o mesmo a receber por parte de tal instituição a pensão mensal, e que continuará a receber até que perfaça (contabilizada desde 01/01/2013) a quantia de € 209.851,13 (duzentos e nove mil oitocentos e cinquenta e um euros)”.
68. Como refere a sentença proferida pelo entretanto extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves no âmbito do processo n.º 328/13.0TBCHV, cuja certidão foi junta aos presentes autos pelo aqui recorrente, “ (…) o lesado tem direito a ser indemnizado pelo lesante e, quando exista seguro desse dano, pela seguradora, não seria justo que houvesse lugar a uma duplicação da indemnização”; e ainda que “ (…) Na verdade, a reforma que foi atribuída na Suíça ao Chamado L. G. e que se encontra a ser paga pela CSC não é consequência da ocorrência de qualquer acidente de viação mas apenas de um eventual acidente de trabalho (…)”
69. Tal como resulta do teor dessa mesma certidão junta aos presentes autos com a Ref.ª 31257135, o Autor em consequência do acidente de que foi vítima, está a receber desde 01/01/2007, uma pensão de periodicidade mensal, por parte da CSC, que é uma instituição de previdência de direito Suíço a qual é de valor atualizável de acordo com o aumento do custo de vida na Suíça.(facto dado como provado na douta sentença). E que tal obrigação de pagamento dessa pensão decorre da Convenção de Segurança Social entre Portugal e a Suíça, aprovada pelo Decreto n.º 30/76, de 16 de Janeiro, do artigo 93.º do Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho, de 14.06.1971, bem como da Lei suíça, nomeadamente da LAVS, LAI e ainda da LAA (lei Federal Suíça sobre seguros de acidentes de 20/03/1981), sendo esta última aplicável pelo facto do Autor ter exercido uma actividade profissional lucrativa na Confederação Suíça.
70. Tal instituição de previdência garante o pagamento de pensões de invalidez e/ou velhice a trabalhadores suíços.
71. Resulta de tal legislação que a pensão que o Autor recebe da Suíça não se trata de um seguro, e por isso facultativo, mas sim de descontos obrigatórios que são efectuados por qualquer pessoa que resida e trabalhe no estado Suíço.
72. Com o devido respeito, que é muito, não faz qualquer sentido o entendimento do tribunal a quo de que a pensão que o Autor recebe da Suíça se trata de um seguro, cujo valor o Autor sempre teria direito a receber, independentemente da validez.
73. Efetivamente, o Autor tem direito a receber a pensão de invalidez que está a receber e terá direito, quando atingir a idade necessária, a auferir a pensão de velhice! Quanto muito, esta pensão de invalidez quando o Autor atingir a idade legal de reforma transforma-se em pensão de velhice, pois é isso que resulta de tais documentos.
74. Também não perfilhamos o entendimento do douto tribunal a quo quando este diz que se trata de uma questão a decidir na execução que corre por apenso ao acidente de trabalho.
75. Desde logo pela evidente contradição com o facto do tribunal a quo ter dado como provado que o Autor instaurou a execução contra a aqui Recorrente e no âmbito da mesma se deparou com a inexistência de bens. (factos 3 e 4 dos factos dados como provados). Aliás, a presente ação funda-se exatamente no facto do Autor ter visto a sua pretensão de receber as quantias a que a Autora foi condenada a pagar-lhe gorada no âmbito de tal acção executiva. Assim sendo como é que tal questão teria que ai ser levantada (no processo e executivo)?!
76. É nosso entendimento que a sentença proferida nos presentes autos, da qual ora aqui se recorre, permite um duplo recebimento e um duplo enriquecimento do Autor e leva a que a aqui Recorrente pague duas vezes: Uma ao Autor e outra à CSC, a qual tem direito de regresso contra terceiros responsáveis em caso de acidente (tal como resulta da legislação supra citada e do teor da certidão junta aos autos com a Ref.ª 31257135).
77. Também não se entende, nem se aceita que o Tribuna a quo diga, na fundamentação da sentença que, “ nunca a Ré condenada a pagar a indemnização ao Autor poderia ficar livre de o fazer, devendo a situação ser resolvida nas relações entre as várias entidades obrigadas ao pagamento e não em relação ao credor” pois, tal afirmação, viola as mais elementares regras do direito de regresso já que resulta provado que a CSC tem direito de regresso sobre o responsável pelo acidente, neste caso, a aqui 1.ª Ré.
78. Pelo que, salvo melhor entendimento, com a sentença recorrida sempre o Autor irá ser ressarcido duas vezes, por duas entidades distintas, pelos mesmos danos decorrentes do acidente de trabalho, o que, a nosso ver, configura um enriquecimento ilícito (sem causa justificativa).
79. Afigura-se-nos pois, que, à semelhança do que se verificou na sentença proferida pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves que correu termos sob o n.º 1017/08.2TBCHV (e que consta da referida certidão judicial) o Tribunal a quo deveria, quanto muito, efectuar o desconto da quantia que deu como provado que o Réu já recebeu da CSC.
80. Sem prescindir, o Tribunal a quo violou, também o disposto nos artigos 610.º e seguintes do CC.
81. Efectivamente, podendo o ato impugnável ter caráter gratuito ou oneroso, para que seja havido por gratuito é necessário que o credor alegue e prove os factos dos quais resulta essa conclusão. Não tendo o Autor alegado e provado quaisquer factos que conduzam à qualificação dos actos como gratuitos, não podem eles ser qualificados como tal e impõe-se que sejam qualificados como onerosos.
82. Sendo o acto oneroso, exige o nº 1 do artigo 612º do Código Civil que tivesse havido má-fé na sua celebração, o que, como supra se referiu, não ficou, minimamente, provado. Pois, efectivamente o Autor não logrou provar:

- que os Réus agiram com o intuito de prejudicar o Autor;
- que os Réus Maria, Fátima, Empresa Y.,S.A., Jorge e HUGO fossem conhecedores de que a subtracção ao património do 1º Réu, dos bens questionados lesava os direitos do Autor ;
- que (sobretudo) as Rés Maria, FÁTIMA, Empresa Y, S.A., e os Réus Jorge e HUGO, eram conhecedores da existência da divida da 1º Ré para com o Autor e que esta não tinha, à data do acidente seguro de acidentes de trabalho válido, é manifesto que o elemento má fé se não mostra provado.
Não se mostra suficiente o raciocínio aduzido pelo Tribunal a quo de que, sem mais, diz que como os Réus pertencem todos à mesma família, todos tiveram conhecimento do acidente e da condenação da 1.º Ré e todos foram participando nas diversas alterações que levaram à transferência de todo o património da Ré devedora para a Empresa Y., S.A., sem que tenha sido, tal como supra se expos produzida prova nesse sentido.
83. Ao não considerar desta forma, violou o Tribunal a quo, entre outros, o disposto nos Artigos 610º e 612º do Civil, devendo ser revogada a Douta Sentença proferida.

Nestes termos, e sempre com o devido respeito por opinião contrária, atento os motivos expostos supra, requer-se a V. Ex.ªs se dignem revogar a Douta Sentença do tribunal a quo, substituindo-a por acórdão julgue a ação totalmente improcedente.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

a- se a sentença recorrida padece de erro de direito na seleção da matéria de facto que nela o tribunal a quo julgou como provada e não provada ao:
a.1- dar como provados os factos vertidos nos pontos 3.º na parte que diz “(…) pagamento voluntario, apesar de notificada,(…)”, 9.º, 21.º, 23.º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º, 32.º, 33.º, 34.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 42.º 43.º e se, uma vez reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova desses factos, sendo que quanto à matéria vertida no ponto 36º dos factos julgados como provados, apenas se impõe julgar como provado que: “ A 1ª Ré e o 3º Réu são conhecedores do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, em janeiro de 2006, do seu direito ao ressarcimento e da ausência de um seguro válido por parte da 1ª Ré”;
a.2- ao dar como não provados os factos vertidos nos pontos 1º, 2º, 3º e 11º dos factos julgados como não provados naquela sentença e se reponderada a prova produzida se impõe concluir pela prova dessa materialidade fática;
b- se a sentença recorrida, na sequência das alterações introduzidas à matéria de facto ou independentemente delas, padece de erro de direito, ao julgar procedente o pedido subsidiário formulado pelo apelados nos termos constantes da sua parte disjuntiva, impondo-se concluir pela total improcedência da ação.
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B- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O tribunal a quo julgou como provados e não provados os seguintes factos:

Considero provados os seguintes factos:

O Autor como trabalhador da 1ª Ré FF Lda., atualmente com a denominação Empresa X, Lda., no decorrer do seu trabalho sofreu um acidente de trabalho, ficando tetraplégico e com uma IPP de 90%.
Em sentença e acórdão que confirmou a sentença, já transitada em julgado, foi condenada a 1ª Ré no pagamento das seguintes quantias: a) Pagamento da pensão anual vitalícia de € 4.969,44 devida a partir de 28/11/2009; b) Pagamento de subsídio de elevada incapacidade no valor de € 4.630,80; c) Pagamento da quantia de € 28.388,36 a título de indemnização pelo período de ITA; d) Prestação suplementar correspondente à retribuição mínima garantida, para assistência permanente a 3ª pessoa; e) Pagamento da quantia de € 10.458,36 a título de despesas suportadas com a adaptação do veículo para permitir a mobilidade do A., € 214,46 a título despesas com bens adquiridos e deslocações e € 4.630,80 a título de obras com a sua habitação para adaptar às atuais limitações de mobilidade do Autor.
Não tendo a 1ª Ré efetuado o pagamento voluntário apesar de notificada, o Autor instaurou execução que corre por apenso ao processo principal.
O Autor deparou-se com a inexistência de bens.
A 1ª Ré, FF, Lda. com sede na …, foi criada em 1998 e, conforme inscrição 1, ap. 04 de 19980504, foi constituída pelos sócios MANUEL, aqui 2º Réu, esposa Maria, aqui 6ª Ré e seu filho JORGE, aqui 4º Réu - CP: 3113-8368-1252.
A 1ª Ré teve sempre como único gerente o Sr. MANUEL.
Porém, em 2014, conforme inscrição 3, ap. 02 de 20141020, foi sujeito a alterações o contrato de sociedade, alterando, deste modo, nome, objeto e tendo havido a cessão de quotas entre os sócios.
Em 20 de outubro de 2014, procederam a alterações ao contrato de sociedade inicial, procedendo através de ata nº 23, a alteração de nome, sede e cessão de quotas, passando então a ter a denominação Empresa X, Lda. com sede na Av. …, em Lisboa, onde por cessão ficou como detentor de todas as quotas que compunham o capital da sociedade o sócio e gerente MANUEL.
9º A 1ª R era uma empresa criada no seio da família F., onde além do gerente, habitualmente, se distinguiam e exerciam cargos de gestão, passando cheques, fazendo e assinando contratos de pessoal, representando a empresa, muitas vezes também como diretor geral e financeiro JORGE e como diretor comercial HUGO.
10º A atividade desta empresa foi suspensa em 2014 e não apresentou vendas.
11º No ano anterior, em 2013, esta sociedade tinha apresentado vendas na ordem de 1.435.004,36 € e em 2012 apresentou vendas na ordem de 1.167.209,29 €.
12º Nos anos 2012 e 2013, tinha pelo menos 10 empregados e em 2014 deixou de ter empregados.
13º A 1ª Ré era bem referenciada e conhecida na região essencialmente na comercialização de materiais para a construção.
14º Por outro lado, a 3ª Ré Empresa Y, S.A. teve um percurso meteórico em ascendente, tendo sido criada logo depois do malogrado acidente de trabalho do Autor, como sociedade Unipessoal por quotas, a TT, com sede nas residências do seu então único sócio e de ambos gerentes Jorge, 4ª Réu, e Manuel, 2º Réu, que se mantinha como gerente da 1ª Ré. CP: 3775-2128-1453.
15º Em 2011, a 3ª Ré foi transformada em sociedade por quotas, com um novo nome Empresa Y, Lda., passando a sede para a mesma localização da sede da 1ª Ré na Estrada …, onde passaram a ser sócios da sociedade com total participação, os gerentes Jorge, 4º Réu, com uma quota de € 50.000,00 e Manuel, 2º Réu, como uma quota de € 75.000,00, conforme inscrição 2, ap. 9 de 20110810.
16º Em 2013, o sócio e gerente Manuel dividiu a sua quota em 4 quotas menores € 37.500,00, € 6.500,00, € 25.000,00€, € 6.000,00 e cedeu aos seus filhos e esposa essas quotas, ficando este com uma quota de 6.000,00 €.
17º De seguida, é transformada a sociedade 3ª Ré em sociedade anónima, fazendo parte do conselho de administração, os Réus JORGE, HUGO e seu pai MANUEL.
18º A 3ª Ré tinha apresentado no ano 2012 um volume de vendas de € 1.226.687,21, com apenas 2 empregados.
19º Em 2013, apresentou um volume de vendas de € 2.145.198,22, passando a ter 21 empregados.
20º Em 2014, mais que duplicou o seu volume de vendas em relação a 2012, passando para € 2.513.014,77, passando a ter 28 empregados.
21º A 3ª Ré passou a comprar aos fornecedores habituais da 1ª Ré.
22º Os empregados da 1ª Ré foram transferidos para a 3ª Ré.
23º A clientela da 1ª Ré foi direcionada para a 3ª Ré.
24º A 3ª Ré ocupou a sede, as instalações e o estabelecimento da 1ª Ré.
25º A 3ª Ré passou a utilizar os computadores, secretárias, equipamentos, empilhadores e outros utensílios da 1ª Ré.
26º A 3ª Ré ficou com todos os materiais de construção objeto de vendas e stocks, como telhas, tijolos, loiças, mosaicos e outros que pertenciam à 1ª Ré.
27º A 3ª Ré utiliza nas faturas e internet a imagem, as cores, correio eletrónico e os telemóveis, telefone e fax da 1ª Ré.
28º A 1ª Ré transmitiu parte da frota de camiões para a 3ª Ré, nomeadamente os veículos com as matrículas ZO, ZS e GO.
29º A 1ª Ré não foi devidamente compensada por parte dos gerentes e sócios da 3ª Ré.
30º O objeto de ambas as sociedades é coincidente e o CAE é sobreposto, quanto a uma parte da atividade.
31º A FF, Lda. estava no mercado desde 1998, com estabelecimento conhecido na Estrada …, onde daqueles pavilhões, com reclames bem visíveis com referência a “BM”, todos os dias de segunda a sábado entravam e saiam veículos e clientes com bens e mercadorias, cujo volume de negócios para uma empresa da região é bem expressivo.
32º O 2º Réu foi gerente de ambas as sociedades num período alargado de tempo que lhe permitiu gerenciar todo o desmantelar da 1ª Ré com o propósito de prejudicar o Autor.
33º O 4º e 5º Réus tinham cargos diretivos na sociedade FF, Lda. e faziam a gestão desta sociedade com o seu pai e são atuais gerentes/administradores da sociedade Empresa Y, S.A..
34º Ademais, o 4º e 5º Réus sempre exerceram positivamente a gerência na FF, Lda., porquanto tinham autonomia na tomada de decisões e faziam-no sempre com o conhecimento e consentimento dos sócios e do gerente de direito.
35º Os sócios, acionistas e gerentes de ambas as sociedades foram e são do mesmo núcleo familiar.
36º Os Réus, em conjugação de esforços, desativaram a sociedade 1ª Ré que estava bem implantada e referenciada no mercado da região, para beneficiar uma outra sociedade, a aqui 3ª Ré.
37º Todos os Réus são conhecedores do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, em janeiro de 2006, do seu direito ao ressarcimento e da ausência de um seguro válido por parte da 1ª Ré. 38º Deste modo, e durante o período em que se discutia o apuramento dos danos e da responsabilidade nos tribunais, os Réus procederam a decisões das atividades das sociedades com manobras e aprovações sempre em unanimidade, colaborando assim no desmantelamento da 1ª Ré com o mesmo propósito de prejudicar o Autor.
39º A movimentação dos sócios através da cessão de quotas nas sociedades era feita sem transferência respetiva de capitais e sem comprovativos de suporte.
40º As mudanças de denominação, sedes, sócios, gerentes, sociedades tinha o propósito de confundir o Autor de modo a não conseguir obter o seu ressarcimento.
41º Decorridos cerca de 10 anos desde a data do acidente, a 1ª Ré não procedeu a qualquer pagamento ao Autor.
42º Os Réus esvaziaram todo o conteúdo societário da 1ª Ré, nomeadamente os seus ativos, pelo qual o Autor poderia satisfazer o ressarcimento dos danos sofridos no acidente de trabalho.
43º Ao realizar os atos descritos, os Réus pretenderam unicamente evitar que a 1ª Ré fosse detentora de património e ativos, bens ou rendimentos que pudessem satisfazer o montante da divida que esta tem para com o Autor.
44º A primeira Ré EMPRESA X, LDA., anterior FF, LDA., foi condenada no âmbito de ação decorrente de acidente de trabalho nº 441/10.5TTVR1 que correu termos no Tribunal do Trabalho de Vila Real, a pagar ao autor quantum indemnizatório (para reparação de danos patrimoniais sofridos pelo Autor em virtude do acidente dos autos) que engloba, entre outras quantias, o montante de € 5.946,40 a título de pensão anual e vitalícia devida a partir de 28/11/2009, a quantia de € 4.630,80 a título de subsídio de elevada incapacidade, o valor de € 28.388,36 a título de indemnização pelo período de ITA (incapacidade total permanente) e prestação suplementar para assistência permanente de 3.ª pessoa correspondente à retribuição mínima garantida.
45º O Autor, desde 01/01/2007, recebe da «CSC», instituição de previdência de direito suíço, pensão de invalidez em prestações de periodicidade mensal.
46º Prestação mensal que a partir de 01/02/2010 ascendeu a € 1.300,00.
47º Tendo o Autor recebido a esse título e da referida entidade, até ao dia 01/01/2013, a quantia de € 77.206,58.
48º Sendo que, em Fevereiro de 2013, as prestações futuras a pagar pela «CSC» ao Autor se computavam em 209.851,13 €.
49º Pensão de invalidez - concedida pela CSC ao Autor - cuja atribuição teve por fundamento a incapacidade decorrente do acidente melhor concretizado nos Autos sob o n.º 441/10.5TTVR1.
50º Nunca os Réus EMPRESA Y, S.A., HUGO e FÁTIMA foram sócios da sociedade EMPRESA X, LDA., anteriormente denominada FF, LDA.
51º Nem os réus Empresa Y, S.A. e a ré FÁTIMA exerceram funções de gerência (de direito ou de facto) na referida sociedade (Empresa X, LDA., anterior FF, LDA.).
52º A sociedade Empresa Y, S.A., anteriormente denominada Empresa Y, LDA. e TT – Unipessoal, Lda., foi constituída pelo Réu JORGE.
53º Com o objetivo de prosseguir a atividade relacionada com o transporte rodoviário nacional e internacional de mercadorias por conta de outrem e em especial o transporte internacional rodoviário de mercadorias (TIR).
54º Atividade para o exercício da qual era exigível o prévio licenciamento da empresa (TT – Unipessoal, Lda.), que se propunha prestar tal serviço, perante a autoridade reguladora - à data Direção-Geral dos Transportes Terrestres (DGTT).
55º Licença que se consubstancia «(...) num alvará (...) intransmissível», periodicamente renovável.
56º Sendo, entre outros, requisito de acesso ao exercício de tal atividade empresarial ou de obtenção do necessário alvará a «capacidade técnica ou profissional».
57º Que «(...) consiste na existência de recursos humanos que possuam conhecimentos adequados para o exercício da atividade, atestados por certificado de capacidade profissional (...)».
58º Certificado a emitir, à data, pelo Direção-Geral dos Transportes Terrestres (DGTT).
59º E que «(...) deve ser preenchida por administrador, diretor ou gerente (...)».
60º Atividade de transporte rodoviário (nacional e internacional) de mercadorias por conta de outrem que nunca foi prosseguida pela sociedade EMPRESA X, LDA., anterior FF, LDA.
61º Constituindo o transporte rodoviário de mercadorias a atividade efetivamente exercida a título principal (CAE 49410) pela EMPRESA Y, S.A.
62º E o comércio a retalho de materiais de construção civil (CAE 47523), a atividade secundária por si prosseguida.
63º No âmbito da última se incluindo o comércio de produtos da marca «BM».
64º Atividade relacionada com o aluguer de máquinas e equipamentos para construção e engenharia civil (CAE ...) que a sociedade EMPRESA X, LDA., anterior FF, LDA., também nunca exerceu.
65º O Autor, em consequência do acidente de que foi vítima, está a receber, desde 01/01/2007, uma pensão mensal, por parte da CSC, que é uma instituição de previdência de direito Suíço.
66º E tal acontece porque o Autor é beneficiário da referida instituição de providência Suíça, sendo titular da apólice nº 756.9636.4705.79, em virtude deste ter mantido a sua residência na Confederação Suíça, em vários períodos compreendidos entre os anos de 1987 e 2003, bem como do facto de, durante tais períodos, ter exercido uma atividade lucrativa nesse Estado.
67º Em consequência da incapacidade do Autor, a CSC, passou a pagar ao Autor uma pensão, com prestações de periocidade mensal, a partir de 01/01/2007, de valor atualizável de acordo com o aumento do custo de vida na Suíça.
68º O Autor recebeu da CSC, desde 01/01/2007, uma pensão mensal no valor de CHF 1.260,00 (cerca de 1.156,11 euros).
69º A partir de 01/01/2009, o aqui Autor L. G., recebeu da referida instituição de providência Suíça, a pensão mensal de CHF 1.300,00 (cerca de 1.192,82 euros).
70º A partir de 01/01/2011 o Autor recebeu de tal instituição, a quantia mensal de CHF 1.323,00 (cerca 1.213,92 euros) e a partir de 01/01/2013, tal prestação mensal foi atualizada para CHF 1.334,00 (1.224,01 euros).
71º O Autor recebeu, da CSC, pelo menos, entre 01/01/2007 e 01/01/2013, o montante de CHF 94.426,00, ou seja € 77.206,58, sendo que, desde 01/01/2013 continuou o mesmo a receber por parte de tal instituição a pensão mensal, e que continuará a receber até que perfaça (contabilizada desde 01/01/2013) a quantia de € 209.851,13 (duzentos e nove mil oitocentos e cinquenta e um euros).
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Com interesse para a decisão, não se provaram os factos seguintes:

- Os danos ressarcidos pela indemnização fixada no processo de acidente de trabalho e os que fundamentam a pensão que o autor recebe da Suíça são sobrepostos, existindo uma relação de identidade entre eles.
- O réu HUGO nunca exerceu funções de gerência de facto, na referida Sociedade (Empresa X, Lda., anterior FF, Lda.).
- Gerência de facto na sociedade EMPRESA X, LDA., que também nunca recaiu ou incumbiu sobre e ao Réu JORGE que relativamente à identificada sociedade nunca praticou qualquer ato de gestão, não comprou, vendeu, negociou, contratou ou por si obrigou a sociedade EMPRESA X, LDA. (anterior FF, LDA.).
- Sociedade na qual os Réus JORGE e FÁTIMA também nunca exerceram funções subordinadas.
- «Certificado de capacidade profissional» que o único sócio e fundador JORGE não dispunha, tendo, para o efeito e por força da referida exigência legal, integrado na gerência o Réu MANUEL, seu pai.
- Que de tal certificado era titular.
- Assim habilitando o Réu JORGE e a sua empresa com um dos requisitos exigíveis à obtenção do alvará imprescindível ao visado exercício do transporte rodoviário de mercadorias, mormente do internacional.
- O aluguer de máquinas e equipamentos para construção e engenharia civil (CAE ...) constituía uma atividade secundária prosseguida pela Empresa Y, S.A..
- E atividade empresarial da Ré EMPRESA Y, S.A. que a partir do ano de 2011 e seguintes foi significativa e progressivamente incrementada.
- Tendo, no ano anterior e até meados de 2011, estado em situação de inatividade.
- A Ré MARIA, nunca foi gerente de facto, ou administradora, de nenhuma sociedade, nem da Empresa X, Lda. e Empresa Y, S.A.”.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURIDICA.

B.1- Da impugnação da matéria de facto.

As apelantes impugnam a matéria de facto que foi julgada como provada na sentença recorrida nos pontos 3º, na parte em que se julgou como provado “…pagamento voluntário, apesar de notificada…”, 9º, 21º, 23º, 25º, 26º, 28º, 29º, 32º, 33º, 34º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 42º e 43º, requerendo que, uma vez reponderada a prova produzida, se modifique essa matéria assim julgada provada no sentido de se concluir pela não prova da mesma, devendo, quanto à matéria do ponto 36º, apenas ser julgado como provado que: “A 1ª Ré e o 3º Réu são conhecedores do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, em janeiro de 2006, do seu direito ao ressarcimento e da ausência de um seguro válido por parte da 1ª Ré”.

Impugnam ainda a matéria que foi julgada como não provada nos pontos 1º, 2º, 3º e 11º na sentença recorrida e pretendem que, reponderada a prova produzida, se conclua pela prova dessa concreta materialidade fáctica.
Antes de entrarmos na apreciação daquela impugnação da matéria de facto aduzida pelas apelantes, impõe-se verificar se as mesmas cumpriram com os ónus de impugnação da matéria de facto a que se encontram adstritas, posto que se trata de questão do conhecimento oficioso do tribunal ad quem, uma vez que caso aquelas não tenham cumprido com esses ónus, não estarão recolhidas as condições processuais que permitem ao Tribunal da Relação reapreciar a prova produzida e, por conseguinte, alterar a matéria de facto julgada como provada e não provada na sentença recorrida.
Depois, há que se enunciar os concretos critérios a que esta Relação se encontra subordinada em sede de reapreciação da prova produzida, até para se evitar eventuais equívocos da parte de quem quer que seja e, desde logo, da parte das apelantes.
Assim procedendo, impõe-se referir que com a reforma introduzida ao CPC. pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.
Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Como vem sendo repetidamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência daquelas alterações, o desiderato do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este, que tido por absoluto, transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil”(1).

Deste modo, perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância.
Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Nessa sua livre apreciação a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que a 1ª instância fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (2).
Não obstante o que se acaba de dizer, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela Relação em sede de matéria de facto se transformasse na repetição do julgamento realizado em Primeira Instância, sequer permitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.

Deste modo, com vista a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição dos julgamentos e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (3), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.

Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da autorresponsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclamava que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica, isto é, o porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.

Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).
Note-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.

Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (4), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações. É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.

A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (5).

Como consequência do que se vem dizendo, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (6).
Os critérios que se acabam de enunciar têm sido aqueles que têm sido seguidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, o qual, no entanto, tem operado uma distinção entre: a) ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de facto, onde os requisitos impostos à parte se encontram ligados com o mérito ou demérito da pretensão; e b) ónus secundários, que se prendem com os requisitos formais.

Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente, se impõe a rejeição do recurso.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os enunciados no n.º 2 daquele art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenha sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, a jurisprudência considera que embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do enunciado critério de rigor, não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” (7).

Argumenta-se que se está perante meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento” (8).

Conforme se lê no acórdão do STJ, cujo excerto se acaba de transcrever e infra identificado, “na interpretação da norma que consagra este ónus (...), não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao atual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de um interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação – evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjetivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais”.

Não obstante ser entendimento unânime do STJ no sentido de que aquele ónus de impugnação secundário tem de ser apreciado à luz de um critério da proporcionalidade, não sendo de rejeitar a impugnação da matéria de facto quando não exista dificuldade relevante na localização dos excertos da gravação em que a parte tenha fundado a sua impugnação, já existe discordância sobre as concretas condições que têm de ser observadas para que à luz do enunciado critério de proporcionalidade se considere estar cumprido minimamente esse critério (9).

Quanto a nós, sem perdermos de vista que o ónus enunciado na al. a) do n.º 2, do art. 640º é meramente processual, destinando-se a facilitar a localização pelo tribunal ad quem, mas também pelo recorrido, dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação, habilitando o último a exercer cabalmente o seu direito de defesa em sede de contra-alegações e a apreender o raciocínio seguido nessa impugnação pelo recorrente por referência a esses concretos elementos probatórios, e que a filosofia subjacente ao atual CPC acentua a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências meramente formais, reclamando que se interprete aquele preceito legal de forma funcionalmente adequada, atento o fim a que se destina, o que reclama o recurso ao princípio da proporcionalidade na apreciação do cumprimento daquele ónus, sendo de rejeitar toda e qualquer interpretação do enunciado normativo no sentido de impor o indeferimento do recurso da matéria de facto como decorrência automática do incumprimento do ónus que prescreve, propendemos para o entendimento que a apresentação de transcrições globais dos depoimentos não satisfaz as exigências do art. 640º, n.º 2, al. a) do CPC. É que, de contrário, não só estaríamos a fazer tábua rasa daquele preceito legal, que é expresso no sentido de impor ao recorrente a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, ou em alternativa, proceder à transcrição das mesmas, falando, aliás, em “transcrição de enxertos” de depoimento ou depoimentos que o recorrente “considere relevantes”, como se estaria a minorar os princípios da auto-responsabilidade das partes que, em sede de recurso, independentemente do valor da causa, têm de estar sempre representadas por técnico habilitado com os indispensáveis conhecimentos jurídicos – advogado -, além de se estar a restringir, minorando-os, os deveres de cooperação, lealdade e boa-fé processuais a que se encontram adstritas e, inclusivamente, se poder fazer perigar os direitos de defesa do recorrido, que desconheceria quais os concretos e específicos fundamentos probatórios em que o recorrente funda a sua impugnação e o raciocínio por ele seguido a partir desses fundamentos, por forma a poder cabalmente defender-se, em sede de contra-alegações, carreando para os autos outros excertos do depoimento daquela ou de outras testemunhas ou partes que sustentariam, na sua perspetiva, o julgamento feito pelo tribunal a quo.

Resulta do que se vem dizendo, que não pudemos deixar de sufragar a posição jurisprudencial que sustenta que ao cumprimento do ónus enunciado no art. 640º, n.º 2, al. a), não basta ao recorrente que pretende atacar a decisão quanto aos concretos pontos da matéria de facto dados como provados e/ou não provados pelo tribunal a quo indicar o início e o termos dos depoimentos que, na sua perspetiva, impõem solução diversa, sequer a transcrição integral desses depoimentos, mas antes reclama que o recorrente indique a(s) concreta(s) passagem(ns) em que se funda o seu recurso, indicando o início e termo do(s) excerto(s) dos depoimentos das partes e/ou testemunhas que impõem essa solução diversa ou proceda à transcrição desse(s) excerto(s).

Finalmente, incumbe referir que porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Significa isto que a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art. 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma.
Destarte, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (10).

B.1.2- Do cumprimento dos ónus da impugnação da matéria de facto por parte das apelantes.

Enunciados que estão os ónus a que as apelantes se encontram subordinadas em sede de impugnação da matéria de facto, da leitura das alegações de recurso que apresentaram é manifesto que aquelas cumpriram com esses ónus.

Com efeito, as apelantes deram cumprimento ao ónus enunciado na al. a), do n.º 1, do art. 640º do CPC, ao indicarem, nas conclusões, especificamente os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados e que, consequentemente, impugnam: os pontos 3º, na parte em que se julgou como provado “…pagamento voluntário, apesar de notificada…”, 9º, 21º, 23º, 25º, 26º, 28º, 29º, 32º, 33º, 34º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 42º e 43º da matéria de facto julgada como provada na sentença recorrida e, bem assim os pontos 1º, 2º, 3º e 11º da matéria de facto nela julgada como não provada.
As apelantes também deram cumprimento ao ónus prescrito pela al. c), daquele n.º 1 do art. 640º, ao indicarem a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas: a matéria impugnada que foi julgada como provada na sentença recorrida, deverá ser julgada como não provada, sendo que quanto à matéria do ponto 36º, apenas deverá ser julgado como provado que: “A 1ª Ré e o 3º Réu são conhecedores do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, em janeiro de 2006, do seu direito ao ressarcimento e da ausência de um seguro válido por parte da 1ª Ré” e a matéria nela julgada como não provada nos referidos pontos 1º, 2º, 3º e 11º, deverá ser julgada como provada.

Finalmente, as apelantes também deram cumprimento aos ónus enunciados no art. 640º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. a), na medida em que, conforme resulta da leitura das alegações de recurso que apresentaram e que infra se explanará a propósito dos concretos pontos da matéria de facto impugnada, indicam os concretos meios probatórios constantes do processo e da gravação dos depoimentos nele realizados em audiência final que, na sua perspetiva, suportam esse julgamento diverso que sufragam daquele que foi feito pelo tribunal a quo em relação à matéria que impugnam, fazendo uma análise crítica dessa prova que indicam, cotejando-a entre si e à luz das regras da experiência comum, por forma a indicarem o porquê dessa prova impor esse julgamento diverso que sufragam e, quanto à prova gravada, indicam o início e o termo dos excertos dos depoimentos a que recorrem como fundamento desse julgamento diverso do que foi feito pelo tribunal a quo, procedendo, inclusivamente, à transcrição desses excertos.
Decorre do exposto que, do ponto de vista processual, nada obsta a que este tribunal entre na reapreciação da prova produzida e, consequentemente, na sindicância que os apelantes fazem à decisão do tribunal a quo, quanto aos concretos pontos da matéria de factos que impugnam.

B.1.2.1- Da impugnação da matéria julgada como provada sob o ponto 3º

Sustentam as apelantes que o tribunal a quo não podia dar como provado no ponto 3º “… pagamento voluntário, apesar de notificada …”, na medida em que o Autor não fez prova dessa factualidade, posto que que não se encontra junto aos autos nenhum documento que prove que a 1ª Ré foi interpelada ou notificada para o efeito e nenhuma das testemunhas referiu expressamente essa matéria.
Conclui que, consequentemente, esse segmento do ponto 3º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, tem de ser julgado como não provado.

Vejamos se assiste razão às apelantes.
Adiante-se e esclareça-se desde já (para que dúvidas não subsistam no espírito de quem quer que seja) que procedemos à análise de toda a prova documental junta aos autos e, bem assim à audição da totalidade dos depoimentos de parte prestados pelo Autor e pelo acionista e administrador da Ré, Empresa Y, S.A, e também Réu nestes autos, JORGE, bem como da totalidade dos depoimentos testemunhais prestados em audiência final.
Esclareça-se que se é certo que não se encontra junta aos autos qualquer prova documental que permita dar como provado que o Autor tivesse interpelado a sua entidade empregadora – “FF, Lda.” -, a qual, em 2014 (vide ap. 02 de 20141020 da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial relativa a esta entidade empregadora, junta aos autos a fls. 92 a 95), alterou a sua denominação social para “Empresa X, Lda.” (1ª Ré), para que lhe pagasse as quantias indemnizatórias que lhe foram arbitradas por sentença proferida em 20/09/2013, pelo Tribunal de Trabalho de Vila Real, no âmbito dos autos de ação especial emergente de acidente de trabalho, que correram termos sob o n.º 441/10.5TTVRL, junta aos autos a fls. 12 a 23, sentença esta confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 15/09/2014, junto aos autos a fls. 24 a 85.
No entanto, contrariamente ao sustentado pelas apelantes, não é certo que nenhuma testemunha não se tivesse referido expressamente a esta matéria.
Com efeito, A. T., mulher do Autor, referiu-se expressamente a esta matéria, confirmando que o seu marido interpelou, por diversas vezes, a sua entidade empregadora, a 1ª Ré, e que esta nada lhe pagou, tendo sido, nessa sequência, que aquele acabou por instaurar a execução contra aquela com vista à cobrança coerciva da quantia indemnizatória que lhe foi arbitrada pelo Tribunal do Trabalho.

Relembra-se às apelantes que A. T. queixou-se, inclusivamente, que “eles” (referindo-se ao Réu Manuel, à mulher deste, Maria, e aos filhos do casal, os Réus Jorge, Hugo e Fátima) não quiseram saber “deles” – da depoente e do marido, o Autor. O Autor esteve internado no hospital durante nove meses e depois veio para casa e o casal debatia-se com dificuldades económicas, dado que, por via do estado em que ficou o Autor, aquele não podia trabalhar, e a depoente também não o podia fazer porque tinha de olhar por ele 24 horas por dia, e daí que, por via das dificuldades financeiras com que o casal estava a debater-se, o Autor teve de acionar o seguro da Suíça. “Logicamente”, referiu, o marido interpelou a sua entidade empregadora várias vezes e só porque esta nada lhe tivesse pago avançou para a execução.

Precise-se que conforme decorre do teor do documento de fls. 226, o apelado Autor intentou efetivamente execução contra a sua entidade empregadora, a 1ª Ré, com vista à cobrança coerciva da quantia indemnizatória que lhe foi arbitrada pelo Tribunal do Trabalho, execução essa que correu termos por apenso aos autos de ação especial emergente de acidente de trabalho em que aquela quantia indemnizatória lhe foi arbitrada (vide n.º da execução constante de fls. 226 verso e n.º dos autos de acidente de trabalho constante de 12 a 23, que comprovam que a execução é o apenso C daqueles autos principais de acidente de trabalho), e que essa execução veio a ser declarada extinta, por despacho proferido em 19/05/2017, por inexistência de bens da executada entidade empregadora (a 1ª Ré).

Enuncie-se que o depoimento de A. T. mostra-se conforme às regras da experiência comum, já que não se antolha como razoável aceitar-se que o apelado fosse avançar para a execução sem previamente interpelar a 1ª Ré para que esta lhe pagasse voluntariamente a quantia indemnizatória que lhe foi arbitrada pelo Tribunal do Trabalho.

Finalmente, incumbe referir que no âmbito do processo de acidente de trabalho, o Código de Processo do Trabalho (CPT) estipula regras especiais, entre as quais se conta o disposto no seu art. 90º, n.º 2, que impõe que sempre que seja proferida sentença condenatória em relação a direitos indisponíveis do trabalhador (como é o caso dos autos, em que a 1ª Ré foi condenada a satisfazer ao apelado indemnização por acidente de trabalho – logo, direitos indisponíveis deste), a condenada é notificada oficiosamente pela Secção, juntamente com a sentença condenatória, para, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado dessa sentença, juntar aos autos de acidente de trabalho documento de extinção de dívida, sob pena de não o fazendo, se iniciarem oficiosamente pela Secção, diligências com vista ao apuramento da existência de bens daquela suscetíveis de serem penhorados a fim de ser instaurada oficiosamente (pelo M.P.) execução para cobrança coerciva daquela dívida.

Significa isto que tendo, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 15/09/2014, no âmbito dos autos de ação especial emergente de acidente de trabalho, sido confirmada a sentença condenatória da 1ª Ré proferida pela 1ª Instância em 20/09/2013, a 1ª Ré teve, ex lege, de ser notificada pelo Tribunal do Trabalho, juntamente com aquele acórdão, nos termos e para os efeitos do enunciado art. 90º, n.º 2 do CPT, isto é, para, no prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado daquele acórdão, pagar ao apelado e juntar aos autos de acidente de trabalho o documento extintivo dessa dívida emitido pelo último.
Termos em que, sem maiores delongas, se conclui pela improcedência deste fundamento de recurso e, por conseguinte, mantém-se inalterada a resposta dada ao ponto 3º dos factos julgados como provados na sentença recorrida.

B.1.2 – Da impugnação da matéria dos pontos 9º, 33º e 34º dos factos julgados como provados e dos pontos 2º, 3º e 11º dos factos julgados como não provados na sentença recorrida.

No ponto 9º o tribunal a quo julgou como provado que: “A 1ª Ré era uma empresa criada no seio da família F., onde além do gerente, habitualmente, se distinguiam e exerciam cargos de gestão, passando cheques, fazendo e assinando contratos de pessoal, representando a empresa, muitas vezes também como diretor financeiro JORGE e como diretor comercial HUGO”.
Já no ponto 33º, aquele tribunal deu como provado que: “O 4º e 5º Réus tinham cargos diretivos na sociedade FF, Lda. e faziam a gestão desta sociedade com o seu pai e são atuais gerentes/administradores da sociedade Empresa Y, S.A”.
No ponto 34º o tribunal a quo deu ainda como provado que: “Ademais, o 4º e 5º Réus sempre exerceram positivamente a gerência na FF, Lda., porquanto tinham autonomia na tomada de decisões e faziam-no sempre com o conhecimento e consentimento dos sócios e do gerente de direito”.

Finalmente, aquele tribunal julgou como não provada a seguinte matéria:

2- “O Réu HUGO nunca exerceu funções de gerência de facto, na referida sociedade (Empresa X, Lda., anterior FF, Lda.)”;
3- “A gerência de facto na sociedade Empresa X, Lda., que também nunca recaiu ou incumbiu sobre o Réu JORGE, que relativamente à identificada sociedade nunca praticou qualquer ato de gestão, não comprou, vendeu, negociou, contratou ou por si obrigou a sociedade Empresa X, Lda. (anterior FF, Lda.”.
11- “A Ré MARIA, nunca foi gerente de facto, ou administradora, de nenhuma sociedade, nem da Empresa X e Empresa Y, S.A.”.
Sustentam as apelantes que ao julgar, respetivamente, como provada e não provada a enunciada matéria, o tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova produzida e que, uma vez reponderada essa mesma prova, se conclua pela não prova da matéria julgada como provada e pela prova da julgada como não provada.

Para tanto, argumentam que nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência final, referiram que os filhos do gerente, Jorge e Hugo, exerciam cargos de gestão, passando cheques, assinando contratos, representavam a empresa 1ª Ré, nomeadamente que Jorge fosse diretor comercial e financeiro e que Hugo fosse diretor comercial da 1ª Ré, sequer disseram que estes tinham autonomia na tomada de decisões e que o faziam sempre com o conhecimento e consentimentos dos sócios e do gerente de direito (o pai).

Mais sustentam que o depoimento de parte do Autor não versou sobre esta matéria; que a esposa do Autor, a testemunha A. T., nunca entrou nas instalações da 1ª Ré, pelo que nem sequer as conhece, sendo que resultou do seu depoimento que quem contratou o Autor foi o Réu Manuel, não tendo a mesma feito sequer referência aos Réus Hugo ou Jorge, aos demais trabalhadores, clientes e fornecedores da 1ª Ré, aos camiões de que era proprietária, materiais que aí eram vendidos ou objeto social das 1ª e 3ª Rés; que a testemunha A. E., cunhado do Autor, prestou um depoimento pautado pela pouca isenção e total falta de credibilidade, nada tendo referido quanto aos factos julgados como provados sob o referido ponto 9º, e nada podendo dizer quanto aos mesmos, uma vez que, como cliente, desloca-se ocasionalmente às instalações da 1ª Ré, a última das quais há cerca de meio ano, nada sabendo sobre quem passa cheques, assina contratos dos trabalhadores e representa a empresa, além de o seu depoimento não foi espontâneo; a testemunha C. F., é vizinha do Autor e tentou convencer o tribunal que conhece bem todos os Réus, bem como o funcionamento das Rés, dizendo que sempre que precisava de material vai lá comprá-lo, mas no decurso do seu depoimento acabou por dizer que não precisa de muito material, de onde se conclui que aquela poucas vezes se deslocou às ditas instalações, além de que referiu ser sempre atendida pelo Réu Hugo, que era este quem lhe fazia os preços, mas não sabe quem mandava na empresa e que apenas conhece o Réu Jorge de vista, por o ter visto lá duas vezes; a testemunha M. C., nem sequer se referiu ao Réu Jorge e quanto à gerência de facto da 1ª Ré, disse nada saber, que conhece o Réu Hugo, que costumava estar no escritório, mas que nunca o viu passar cheques ou dar ordens.

Concluem as apelantes que perante o acervo probatório que aduzem, necessariamente se impõe decidir pela não prova da matéria de facto julgada como provada na sentença recorrida sob os pontos 9º, 33º e 34º, por ausência total de prova, pois para além de nenhuma prova documental ter sido produzida nesse sentido (não foram, por exemplo, juntos cheques, contratos de trabalho ou quaisquer outros documentos subscritos pelos Réus Jorge e/ou Hugo), as testemunhas, por mais que tivessem querido ajudar o Autor, como resultou à evidência dos respetivos depoimentos, na realidade e em concreto nada sabiam no que à gerência e direção diz respeito e no que diz respeito ao Réu Jorge, nem sequer o conheciam.

Pelo contrário, impõe-se julgar como provada a matéria dos pontos 2º, 3º e 11º dos factos julgados como não provados atendendo aos depoimentos daquelas testemunhas, às certidões permanentes da 1ª e da 3ª Rés e ao depoimento de parte prestado pelo Réu Jorge em audiência final.
Antes de entrarmos na apreciação da concreta sindicância que a propósito da matéria em análise é feita pelas apelantes, vejamos quais foram os concretos fundamentos probatórios em que o tribunal a quo estribou o julgamento que fez da matéria em análise.

Lê-se a este propósito na sentença recorrida, o seguinte:

“A convicção do tribunal, no que diz respeito à decisão sobre a matéria de facto, baseou-se no conjunto de provas produzidas em audiência de julgamento e constantes dos autos e no seu confronto.

Assim, antes de mais, foi considerado o depoimento de parte do autor L. G., o qual confirmou que recebe uma pensão de invalidez, da Suíça, desde janeiro de 2010, a qual era inicialmente no valor de cerca de 1000 euros mensais e atualmente de cerca de 1.200 euros. Esclareceu que se trata de um seguro que era um complemento da reforma e seria acionado quando atingisse a idade da reforma, mas que acionou mais cedo por causa da invalidez que resultou do acidente, pelo que, como foi acionado antes da reforma, ficará esgotado mais cedo. Confirmou que a empresa para a qual trabalhava quando ocorreu o acidente era a FF, Lda., na qual apenas trabalhou cerca de uma semana. Referiu que o dono era o réu Manuel, o qual tinha também uma empresa de transportes.

A testemunha A. E., cunhado do autor, disse que chegou a gastar material da FF, Lda. e ainda gasta, nos biscates de construção que faz. Referiu que conhece o senhor Manuel desde os 10 anos de idade e que a empresa ainda existe e a conhece como tal, nunca tendo tido conhecimento de que agora tenha outra denominação, nomeadamente “Empresa Y” ou “Empresa X”. Afirmou que quem vê na empresa, em …, é o senhor Manuel e o filho Hugo, bem como os vendedores e empregados de sempre e também a esposa do senhor F., vendo também o outro filho, mas não trabalha tanto com ele. Referiu que a empresa é a mesma de sempre, no mesmo local, nos mesmos armazéns, com as mesmas pessoas, com um atendimento igual ao que sempre foi e com a mesma imagem da empresa. Disse também que para comprar, falava sempre com o réu Hugo que era quem estava no escritório, fazia os preços e era a quem pagava, sendo que agora, continua igual. Referiu que quem estava na empresa eram o Hugo, o senhor F. e a esposa. O filho Jorge costumava estar num escritório na parte de cima, nunca tendo contratado com ele. A testemunha afirmou que para ele continuou sempre a ser a mesma empresa, até porque também são os mesmos empregados e vendem os mesmos produtos ou materiais. Confirmou que as faturas juntas aos autos, a fls. 119 e seguintes, lhe foram emitidas em anos diferentes, nomeadamente 2011 e 2013, e que são iguais quanto ao telefone, quanto à imagem, quanto ao nome da firma e quanto à morada, o que, aliás, se vê da análise dos documentos referidos. Disse, ainda, que lhe parece que são usadas as mesmas empilhadoras, que nunca viu o armazém sem materiais e que vê lá os mesmos camiões. Referiu que a empresa tem o mesmo horário de funcionamento que sempre teve. Esclareceu que a última vez que foi lá comprar materiais, foi há cerca de meio ano e que viu lá, pelo menos, quatro empregados que já lá trabalhavam antes e continuam. Disse que não sabe esclarecer quais eram as marcas dos camiões, mas que eram, pelo menos, seis. Afirmou que a empresa vende os mesmos materiais que sempre vendeu, das mesmas marcas e dos mesmos fornecedores. Finalmente, referiu que o réu Hugo sempre o viu como patrão, até porque é filho do senhor F..

Também a testemunha M. C. disse que trabalha na zona de … e que nunca conheceu qualquer empresa “Empresa X”, mas conhece a FF, Lda. e a Empresa Y, quer porque passa lá, quer porque vai lá comprar materiais. Disse conhecer os donos, Senhor F., esposa e filhos. Afirmou que fizeram obras na empresa onde trabalha, que fica ao lado da empresa em causa, e que ia lá quase todos os dias buscar materiais, o que acontecia há 10, 8, 6 anos, sendo que a última vez que lá foi, foi na semana passada. Referiu que não notou qualquer diferença na empresa em relação há 10 anos atrás, apenas que os pavilhões estão maiores. Disse que as pessoas que lá trabalham são as mesmas, tanto os donos como os empregados. Afirmou que conhece aquela empresa como “BM – Empresa Y” e que a FF, para si, é a mesma empresa. Referiu que sabe que a empresa tem uma parte de transportes internacionais e outra de venda de materiais de construção. Disse que quando vai lá comprar materiais, fala com o réu Hugo que é quem está no escritório, sendo a mãe quem tira as faturas. Disse não saber quem manda. Referiu que alguns dos empregados são os mesmos de há 10 anos, no escritório parece-lhe estar tudo igual, as empilhadoras parecem as mesmas, e que também vê lá os camiões, embora não saiba se compraram veículos novos. Afirmou que vê aquilo como uma empresa só, conhecida como a “BM” e “ O F.”. Disse, ainda, que nunca viu o estabelecimento vazio de stocks, de materiais e nunca viu que parasse de laborar, funcionando de segunda-feira a sábado de manhã. Disse também não saber quem é o gerente da empresa, mas que não notou qualquer diferença. Confirmou a fatura de fls. 123, do ano de 2015, de uma aquisição de materiais em seu nome. Disse, ainda, que a empresa aumentou de tamanho, há cerca de um ano, mas que o que cresceu foi o terreno, onde agora tem camiões a dizer Empresa Y. Referiu que há duas empresas, tanto antes como agora, a dos transportes e a da venda de materiais de construção, e que tanto quanto sabe, são as duas do Senhor F., segundo dizem.
A. T. disse ser esposa do autor e afirmou que quem era patrão do autor, era o senhor Manuel. Referiu que o autor o interpelou várias vezes para lhe pagar. Confirmou que o autor recebe uma pensão de invalidez da Suíça, desde 2010, mas que se trata de um seguro privado, para o qual eram feitos descontos, com vista a receber na idade da reforma, como complemento da pensão. Como ficou com invalidez, o autor acionou o seguro, mas o que receber, já não irá receber como complemento da reforma.

C. F., por sua vez, disse ser vizinha do autor, tendo referido que ia à FF, Lda. comprar materiais de construção e que para si a Empresa Y é a mesma empresa. Referiu também que os donos são o Hugo e o senhor F. e também a esposa deste, vendo lá um outro senhor que será irmão do Hugo, segundo este lhe disse. Esclareceu que era com o Hugo que discutia os preços, sendo este quem fixava os preços e a quem pagava. Disse que nunca se apercebeu de mudanças na empresa, nem se apercebeu de qualquer mudança no nome. Referiu que as instalações lhe parecem iguais, os computadores parecem os mesmos e a imagem da empresa também. Disse que vê camiões com o mesmo nome “BM”, mas não sabe quem é o gerente ou quais são os cargos que os filhos do senhor F. exercem.

Face aos depoimentos referidos, não restaram dúvidas ao tribunal no sentido de que o património da primeira ré e o estabelecimento com tudo que o integrava, desde materiais e stocks, a empregados, equipamentos, instalações, fornecedores e clientes, bem como as pessoas que o geriam e tomavam decisões, passaram para a ré Empresa Y, S.A., a qual, aliás, continua a ser o negócio familiar que já a FF era.

Esta factualidade, por sua vez, não foi posta em causa pelo depoimento de parte do réu JORGE. Este afirmou que a Empresa Y, S.A. foi por si criada em 2006, por coincidência, diremos nós, no ano em que o autor sofreu o acidente de trabalho mencionado, e que tem por objeto o transporte com camiões, bem como a compra e venda de materiais de construção. Explicou a situação em que alegadamente necessitou da “capacidade profissional” de seu pai, o que, contudo, não é corroborado por outras provas. Disse que esta empresa, nada tem a ver com a FF, Lda., mas não nos parece ser o que resulta dos depoimentos referidos supra, nem da documentação junta aos autos, sendo sintomático o facto de a Empresa Y ter sofrido um aumento na sua faturação que coincide com a cessação da atividade da FF, sem qualquer motivo justificado, e consequente perda de faturação, numa altura em que lhe era exigido o pagamento da indemnização ao autor. De facto, o depoente mencionou uma crise na atividade da FF que levou ao seu encerramento, admitindo que ficou com alguns funcionários e fornecedores. Contudo, a verdade é que se provou que não ficou apenas com fornecedores e funcionários, mas também com tudo mais que fazia parte do estabelecimento e também com a faturação que a FF deixou de ter e a Empresa Y passou a fazer. Disse que não recebeu camiões da FF, mas não é o que resulta das certidões do registo comercial juntas aos autos a fls. 220 a 222, das quais se retira precisamente que as viaturas aí mencionadas estiveram registadas em nome da FF e passaram para a Empresa Y, S.A. Tentou justificar o uso dos mesmos números de telefone, fax e e-mail, da mesma imagem, mas não convenceu o Tribunal, como também não soube explicar por que motivo os clientes são os mesmos que eram clientes da FF e mantêm o mesmo número de cliente. Afirmou desconhecer a faturação da FF no ano anterior ao da cessação da atividade e não logrou explicar o aumento na faturação da Empresa Y, a qual, por coincidência, aumentou praticamente na medida em que a da FF deixou de se verificar por esta ter cessado a atividade.
Tudo o que se descreveu aliado às regras da experiência comum, não deixou qualquer dúvida sobre a decisão da matéria de facto, tal como se decidiu.

Aliás, os factos mostram-se também provados e os depoimentos das testemunhas corroborados pelos documentos constantes dos autos:
- A sentença proferida no processo de acidente de trabalho e acórdão do Tribunal Superior que a confirmou e que comprovam a condenação da primeira ré e o crédito do autor.
- A certidão permanente de fls. 92 a 95 que mostra as diversas alterações ao contrato de sociedade da FF, Lda., bem como a ata de fls. 96 a 97, onde constam as respetivas deliberações.
- O relatório e-informa junto a fls. 98 a 101, do qual se pode retirar o volume de vendas da Empresa X, Lda. (antes FF, Lda.) nos anos de 2012 e 2013, o qual em 2014 passou a zero, ao passo que a Empresa Y, S.A., como resulta do relatório e-informa de fls. 114 a 118, foi aumentando as vendas que mais do que duplicaram entre 2012 e 2014, resultando também desse documento que eram sócios/acionistas todos os réus singulares demandados.
- A certidão permanente de fls. 102 a 107 que mostra as diversas alterações ao contrato de sociedade da Empresa Y, S.A., bem como a ata de fls. 108 a 113.
- As faturas de fls. 119 a 123, já mencionadas supra, das quais resulta que a última é já uma fatura da Empresa Y, S.A., enquanto as outras são da FF, sendo evidente que apresentam a mesma imagem, os mesmos números de telefone e fax e o mesmo contacto de e-mail. - Os documentos e respetiva tradução, de fls. 166 a 170, relativos à pensão que o autor recebe da instituição suíça, dos quais resulta que, tal como foi referido pelo autor e pela sua esposa, se trata de um seguro, cujo valor o autor sempre teria direito a receber, independentemente da invalidez.
- As informações da Segurança Social, juntas a fls. 206 a 209, sobre o número de trabalhadores de cada uma das empresas Empresa Y, S.A. e Empresa X, Lda. (antes FF, Lda.), das quais resulta que praticamente todos os trabalhadores desta última passaram a ser empregados da Empresa Y, a partir do momento em que a Empresa X cessou a atividade.
- As certidões do registo automóvel, de fls. 220 a 222, já mencionadas supra, das quais resulta que, pelo menos, os três veículos a que dizem respeito estiveram registados em nome da FF, Lda. e passaram a estar registadas em nome da Empresa Y, S.A., a partir de 2013.
- O despacho proferido na execução que corre por apenso ao processo de acidente de trabalho, do qual resulta que não foi possível ao autor ver penhorados quaisquer bens da executada, junto a fls. 226.
- As certidões de fls. 241 a 323, relativas a outros processos relacionados com o acidente em causa nos autos.

No que diz respeito aos factos não provados, não existem documentos com força probatória suficiente para os provarem, nem foram prestados pelas testemunhas ouvidas, depoimentos que demonstrassem terem conhecimento concreto sobre os mesmos”.

Como acima já se deixou dito e agora tornamos a reafirmar, procedemos à audição integral de todos os depoimentos prestados em audiência final, quer pelo Autor, quer pelo Réu Jorge e acionista e administrador da 3ª Ré, quer por todas as testemunhas que depuseram em audiência final e verificamos que o tribunal a quo não incorreu em nenhuma infidelidade aos depoimentos aí prestados e que sintetizou na fundamentação acima transcrita e para a qual se remete.

Enuncie-se que é certo que conforme bem dizem as apelantes não foram juntos aos autos quaisquer cheques, contratos de trabalho ou quaisquer outros documentos subscritos pelos Réus Jorge e/ou Hugo, nem sequer tal era esperável que acontecesse, pelo menos, por parte desta Relação, uma vez que se trata de documentos internos das sociedades Rés, pelo que apenas estas ou os Réus pessoas singulares, seus sócios ou acionistas, gerentes ou administradores de direito ou de facto têm acesso a esses documentos e, consequentemente, os podiam ter junto aos autos.
Precise-se que igualmente é certo que o Autor, sequer nenhuma das testemunhas que depuserem em audiência final afirmaram terem visto os Réus Jorge e/ou Hugo a emitir/assinar cheques, contratos de trabalho, ou outros documentos, posto que as mesmas se limitaram a descrever aquilo que viam nas múltiplas e variadas deslocações que fizeram ao armazém da “BM Empresa Y” ao longo dos anos.
Também é certo que o depoimento de parte prestado pelo Autor em audiência final recaiu quase exclusivamente sobre a questão da pensão recebida pelo mesmo da Suíça.

No entanto, impõe-se realçar que contrariamente ao mencionado pelas apelantes, o Autor, em sede de declarações de parte, foi expresso em referir que nas instalações onde exerceu a sua atividade profissional, o que fez durante cerca de “uma semana e pouco” (sic) existiam duas empresas: a FF, sua entidade empregadora, que geria o armazém de produtos da construção civil, e uma outra empresa, cujo nome disse desconhecer, que fazia transportes internacionais, sendo que daquilo que lhe era dado ver, “o dono das duas empresas” era o 2º Réu Manuel.
Note-se que a existência de duas sociedades nas mesmas instalações é corroborada igualmente pela testemunha M. C., empresário, que se dedica à venda de veículos da marca “Citroen”, e que afirmou ter conhecido o Autor em 2011, altura em que este lhe comprou um veículo, que relatou conhecer a Empresa Y, há mais de 10 anos, bem como o 2º Réu Manuel, a mulher deste, Maria, e o filho do casal, Hugo, que são as pessoas que vê e sempre viu naquelas instalações. Ainda há 6/10 anos, o depoente fez obras no seu stand da Citroen e quase diariamente se deslocava às instalações da Empresa Y, e quem lá encontrava era o Manuel, a mulher deste e o filho do casal, o Hugo. A última vez que o depoente esteve naquelas instalações foi na semana passada e as pessoas que viu naquelas instalações eram as mesmas, isto é, Manuel, a mulher e o filho do casal, o Hugo. O Hugo é a pessoa que está, e sempre esteve, no escritório e com quem o depoente negoceia, e sempre negociou, os preços da compra dos artigos de construção civil que pretende adquirir. Quando pretende negociar um preço, dizem-lhe: “vá falar com o Hugo, ele é que sabe”; a mulher de Manuel, ou seja, a Ré Maria é quem lhe entrega a requisição dos artigos comprados, para ele os levantar no armazém, onde estão os funcionários, que carregam o material comprado; depois de carregado esse material no armazém, o depoente dirige-se ao escritório para pagar, sendo o Hugo que recebe o pagamento. Este procedimento foi o que também foi seguido há 6/10 anos atrás. O que existia há 6/10 anos atrás é o que existia há uma semana atrás quando lá se dirigiu, ou seja, as pessoas que lá se encontram são as mesmas; os artigos de construção civil que são comercializados naquele armazém são os mesmos; o modus operandi no trato com os clientes é o mesmo; as instalações são as mesmas, estando, no entanto, ampliadas; os funcionários, veículos, horário de funcionamento é o mesmo; o painel publicitário que lá existe dizendo “BM” é o mesmo; os logotipos que se encontram apostos nas faturas e nos veículos são os mesmos. No entanto, sabe que, naquelas instalações, funciona uma outra empresa, porque “chegaram a fazer transportes internacionais (a Citroen) e contrataram esses transportes internacionais com essa outra empresa, cuja denominação social, no entanto, já não tem presente.
Como bem dizem as apelantes, é certo que o depoimento prestado por A. T., mulher do Autor, incidiu sobretudo sobre a pensão que este recebe da Suíça e que aquela referiu nunca se ter deslocado às instalações da empresa onde o marido trabalhou e sofreu o acidente, desconhecendo tudo o quanto aí se passava antes, no momento contemporâneo ao acidente de trabalho e, posteriormente.
Também se confirma que A. T. referiu que o Autor, seu marido, foi pedir trabalho e falou com o “Senhor F.” (o 2º Réu), mas não com a certeza perentória que as apelantes querem emprestar ao seu depoimento, uma vez que A. T. referiu, após aquela afirmação que “julga que o seu marido falou com o Senhor F.”, esclarecendo que não sabe se, na altura em que o marido foi pedir trabalho, falou ou não com o Hugo.
Por sua vez, A. E., conforme referem as apelantes, referiu que, efetivamente, é cunhado do Autor, e relatou que realmente, à data em que depôs em audiência final já não se deslocava às instalações onde o Autor sofreu o acidente “há pouco mais de um ano”.

No entanto, já contrariamente ao que pretendem as apelantes, A. E. referiu dedicar-se à execução de biscates e gastar materiais da construção civil da “FF”, onde se desloca frequentes vezes, não sendo manifestamente por aquele ter efetivamente afirmado que a última deslocação que fizera a essas instalações à data da audiência final, datava de “um pouco mais de meio ano atrás” que se pode concluir que o mesmo aí não se deslocasse, frequentes vezes, no passado e que, consequentemente, quando afirmou que aí se deslocava frequentes vezes, tenha faltado à verdade.

Aliás, à semelhança do que afirmou a testemunha M. C., A. E. afirmou que nessas suas deslocações frequentes ao armazém, quem estava naquela era o 2º Réu, Manuel, a mulher deste, cujo nome desconhece, e o Hugo. O Hugo está no escritório e era a pessoa que faz, e sempre fez, os preços da mercadoria aos clientes. Desde sempre é o Hugo a pessoa que está no escritório e faz os preços. A mulher do Hugo, a Tânia, estava na caixa, mas já não a vê há cerca de 4 anos; o 2º Réu está também no armazém e é “quem está à frente da empresa”; a mulher do 2º Réu também está na empresa. O outro filho do casal, o Jorge, trabalha num escritório por cima do escritório onde trabalha o Hugo. O depoente nunca se relacionou ou contactou com o Jorge, mas este também está na empresa. O que o depoente viu no passado é o que sempre viu, incluindo há cerca de “pouco mais de meio ano atrás”, isto é, a empresa funciona no mesmo armazém; as pessoas que lá estavam são as que sempre estiveram; o procedimento com os clientes são os mesmos que sempre foram aí adotados; a mercadoria aí comercializada é a mesma; o escritório onde está o Hugo é o mesmo; os empregados que lá estavam são os mesmos, como é o caso do Alfredo e do Mário, sem prejuízo de terem saído ao longo do tempo funcionários e terem entrado novos; as máquinas que existiam naquele armazém são as mesmas; os camiões são os mesmos; esses camiões tinham cores definidas – azul e vermelha – e as cores com que se encontram pintados atualmente são as mesmas; o reclamo luminoso que lá estava é o mesmo, corroborando que as faturas juntas aos autos a fls. 112 a 122, lhe foram emitidas quando aquele foi comprar mercadorias, o mesmo sucedendo com a fatura de fls. 123, com a testemunha M. C., que também confirmou que esta concreta fatura lhe foi emitida quando, em 2015, comprou mercadorias naquele concreto armazém onde o Autor sofreu o acidente, sendo ambos perentórios em afirmar que conhecem aquele armazém, e sempre o conheceram, sendo assim que o mesmo é conhecido em Chaves, por “BM” e menos correntemente por “BM Empresa Y”, não conhecendo nenhum deles esse armazém por “Empresa X” ou “por “Empresa Y”, nomes estes que nada lhes dizem.
É um facto que a testemunha C. F. é vizinha dos Autores, conforme, de resto, referiu sem rebuço em audiência final.
Mais uma vez não é certo que, contrariamente ao pretendido pelas apelantes, aquela se desloque ocasionalmente ao armazém onde o Autor sofreu o acidente.
Na verdade, C. F. foi perentória em afirmar deslocar-se muitas vezes àquele armazém de há 10/12 anos para cá, fazendo-o naturalmente, mais frequentemente, quando andou a construir a sua casa e precisava de materiais de construção civil para aquela, continuando, contudo, a deslocar-se a esse armazém, frequentes vezes, sempre que precisa de materiais da construção civil. De resto, C. F. referiu em audiência final que ainda nesse ano se tinha deslocado ao referido armazém a fim de comprar uma clarabóia para a sua casa, o que fez, e que o funcionário que lhe transportou essa clarabóia a casa foi o mesmo que há cerca de dez anos atrás lhe trouxera a telha para a mesma, quando esta ainda se encontrava em construção.

Concordantemente com os depoimentos prestados pelas testemunhas A. E. e M. C., também C. F. limitou-se a relatar aquilo que presenciou no armazém nas várias deslocações que aí fez, relatando, também ela, que as pessoas que se encontram nesse armazém, há 10/12 anos atrás são as mesmas que sempre lá estiveram, designadamente, quando foi lá comprar a clarabóia. Nesse armazém está o 2º Réu, Manuel, a mulher deste, a Ré Maria, e o filho do casal – o Hugo – e o filho mais velho do casal – o Jorge -, pessoa que apenas viu duas vezes. Uma dessas vezes o Jorge ia a subir umas escadas e o Hugo disse-lhe que aquela pessoa era o seu irmão. Quando a depoente se desloca àquele armazém é sempre atendida pelo Hugo ou pelo pai (o 2º Réu), mas com quem regateia os preços é sempre com o Hugo. O Hugo faz-lhe o preço e nunca chamou o pai para saber se podia ou não baixar o preço da mercadoria que aquela pretende comprar. O que via no armazém há 10/12 anos atrás, quando lá começou a deslocar-se é ainda o que atualmente vê, designadamente, quando ali se deslocou para comprar a dita clarabóia. É “ tudo o mesmo”, isto é, as instalações são as mesmas; o escritório onde está o Hugo é o mesmo; no armazém está o pai, a mãe e o Hugo; quando aí se desloca é atendida pelo Hugo ou pelo pai; é com o Hugo que regateia os preços; os produtos de construção civil aí comercializados são os mesmos; o reclamo publicitário que aí existe é o mesmo; os empregados que lá estão são basicamente os mesmos, concretizando que o empregado que há cerca de dez anos lhe veio entregar a telha para a sua casa, então em construção, foi o mesmo que lhe trouxe a clarabóia e, finalmente, que Empresa X ou Empresa Y também não lhe diz nada.
Note-se que C. F. disse efetivamente que nada sabe de documentos, designadamente se a empresa mudou ou não de nome (firma social) e desconhecer quem seja o gerente dessa empresa, posto que, como afirmou, apenas sabe dizer aquilo que viu quando se deslocou a esse armazém.
Note-se que esta atitude de C. F. para além de se mostrar conforme com as regras das experiência comum – uma vez que não é credível que os clientes andem a indagar sobre se o armazém a que se deslocam é explorado a título pessoal, por determinada pessoa ou pessoas, ou através de uma pessoa coletiva, natureza dessa pessoa coletiva, quem são os respetivos sócios ou acionistas ou os respetivos gerentes ou administradores -, mas também das testemunhas A. E. e M. C., que adotaram igual postura em audiência final, relatando exclusivamente em audiência final aquilo que lhes foi dado ver nas múltiplas deslocações que fizeram a esse armazém, o que apenas abona a favor da isenção, objetividade e credibilidade dos respetivos depoimentos.

Deste modo, C. F., M. C. e A. E. evidentemente que apenas puderam relatar, e relataram, em audiência final, aquilo que lhes foi dado ver ao longo do tempo nas múltiplas e variadas vezes que se deslocaram ao dito armazém.
E tendo estas concretas testemunhas relatado apenas e exclusivamente, em audiência final, aquilo que lhes foi dado ver ao longo dos anos, das múltiplas vezes que se deslocaram ao armazém onde o Autor sofreu o acidente, verifica-se que as mesmas são unânimes em referir os seguintes factos: trata-se de um armazém onde, desde sempre e atualmente, são comercializados essencialmente produtos da construção civil; esse armazém é conhecido, desde sempre, por “BM” ou “BM Empresa Y”; esse armazém não é conhecido por “Empresa X”, sequer por “Empresa Y”, designações essas que nada lhes dizem e de que nunca ouviram falar; nesse armazém está, e sempre esteve, o 2º Réu (o pai), a mãe (a Ré Maria) e o filho Hugo – o Réu Hugo”, trabalhando o outro filho, o Réu Jorge, num escritório que se situa por cima do escritório onde trabalha o Hugo; o Réu Jorge está ocasionalmente nesse armazém; o Réu Hugo é a pessoa com quem os clientes regateiam os preços da mercadoria que pretendem comprar; o Réu Hugo faz, e sempre fez, os preços dessa mercadoria aos clientes, sem chamar o pai e/ou a mãe ou quem quer que seja para indagar se estes o autorizam a fazer determinado desconto; é também o Réu Hugo que recebe, e sempre recebeu, o preço dos clientes respeitante à mercadoria vendida; esse armazém é tido por todos como sendo do 2º Réu, Manuel, o pai, que é “a pessoa que está à frente do negócio”, com a mulher e os filhos; esse armazém sempre se situou, e continua a situar-se, nas mesmas instalações (que entretanto foram ampliadas); essas instalações têm o mesmo reclamo publicitário que sempre lá existiu; os produtos que são comercializados nesse armazém são os mesmos que sempre aí foram comercializados; nesse armazém, sem prejuízo da saída de funcionários e da entrada de novos funcionários, os funcionários que lá trabalham são essencialmente os mesmos que sempre aí trabalharam; sem prejuízo do abate de máquinas e de veículos e da aquisição de novas máquinas e veículos, as máquinas e veículos que são utilizados nesse armazém são os mesmos que sempre nele foram utilizados; os veículos e as faturas que são, respetivamente, utilizadas e emitidas nesse armazém têm as mesmas cores, logotipos, nºs de telemóvel, telefone e mail que sempre tiveram; os horários de funcionamento desse armazém são sempre os mesmos; esse armazém nunca esteve encerrado, sequer nele foi percecionada qualquer diminuição de mercadoria para venda aos clientes; ou seja, e em síntese, conforme decorre do depoimento unânime daquelas testemunhas, a realidade que se verifica naquele armazém, é a mesma que se verificava à data em que o Autor sofreu o acidente de trabalho em 10/01/2006, (vide doc. de fls. 12 a 23) e é aquela que nele sempre se verificou.

Contrariamente ao pretendido pelas apelantes, os depoimentos destas testemunhas, não se revela tendencioso, comprometido, ou eivado de qualquer mácula suscetível de o colocar em crise, até porque os mesmos, para além de gozarem dos índices de veracidade que acima já se explanaram, mostram-se concordantes entre si, são corroborados pelo teor das faturas juntas aos autos a fls.119 a 123, e com a demais prova documental junta aos autos, tudo diversamente do que aconteceu com as declarações de parte prestadas pelo Réu Jorge, as quais não resistem minimamente às regras da experiência comum e à prova objetiva, que é a documental, junta aos autos.

Vejamos.
Conforme resulta do teor da sentença junta aos autos a fls. 12 a 23, o Autor sofreu um acidente de trabalho em 10/01/2006, quando exercia a sua atividade profissional de fiel de armazém, sob ordens, direção e fiscalização da 1ª Ré, então com a denominação social de “FF, Lda.” (vide pontos 2º e 5º da matéria aí dada como provada);
O contrato de sociedade da 1ª Ré foi inscrito no registo em 04/05/1998, com a firma de “FF, Lda.”, com sede no lugar da …, Vila Real; com o objeto social de “comércio de produtos hortícolas, batatas de consumo e semente” e com o capital social de 9.975,97 euros, dividido em três quotas, sendo uma de 5.486,78 euros, detida pelo 2º Réu, Manuel, casado com a Ré Maria; outra de 3.491,59 euros, detida pela identificada Maria; e uma terceira, de 997,60 euros, detida pelo filho do casal, o Réu Jorge, tendo esta sociedade como gerente único o 2º Réu Manuel, que também era seu sócio maioritário, sendo os restantes sócios, a mulher e o filho mais velho do casal (cfr. certidão de fls. 92 a 95, ap. 04/19980504).
Uma primeira conclusão se impõe extrair: o Réu Jorge é filho do Réu Manuel e da Ré Maria e é sócio fundador da 1ª Ré “FF, Lda.”, juntamente com os pais, estando-se manifestamente perante uma empresa familiar.
Em 08/10/2014, os Réus Manuel, Maria e Jorge, reúnem em assembleia geral da 1ª Ré “FF, Lda.” e deliberam alterar o nome da 1ª Ré para “Empresa X, Lda.”; a sede desta para a Avenida …, Lisboa; e a Ré Maria declara ceder a sua quota ao 2º Réu Manuel, seu marido, o mesmo acontecendo com o 3º Réu Jorge, filho do casal (cfr. doc. de fls. 96 a 97).
Em 15/10/2014 é inscrita no registo a cedência da quota feita pelo Réu Jorge e pela Ré Maria para o 2º Réu Manuel (cfr. certidão de fls. 92 a 95 e Dep. 914 e 915 de 2014-10-15.
Em 20/10/2014, é inscrita no registo a alteração da denominação da 1ª Ré de “FF, Lda.” para “Empresa X, Lda.”, e a alteração da sua sede social de Chaves para a Avenida …, Lisboa (cfr. certidão de fls. 92 a 95, ap. 2/20141020).
Uma segunda conclusão se impõe extrair: em outubro de 2014, a 1ª Ré “FF, Lda.” viu a sua denominação social alterada para “Empresa X, Lda.” e a sua sede social alterada de Chaves para o Parque das Nações, em Lisboa, e os seus dois sócios, Maria e Jorge, cederam a quota de que eram titulares ao Réu Manuel, respetivamente, marido e pai daqueles, e gerente de direito dessa sociedade, passando esta a ter como único sócio o 2º Réu Manuel, pessoa que, relembra-se, era o patriarca da família e que, anteriormente, era já o seu sócio maioritário e único gerente de direito, e isto não obstante naquele armazém, sito em Chaves, onde essa sociedade explorava a sua atividade comercial, essa atividade comercial continuar a ser exercida nos mesmos moldes que até aí sempre fora exercida, mas agora, através da 3ª Ré, e pese embora, para além de aí trabalharem e darem ordens os Réus Manuel, Maria e Jorge (este esporadicamente), também aí exercer funções e dar ordens o outro filho do casal, o Réu Hugo, ao ponto de ser a pessoa que fazia os descontos aos clientes, como bem entendia, e de ser a pessoa que recebia o dinheiro dos clientes da mercadoria vendida.
Em 2014, a 1ª Ré “FF, Lda.”, não apresentou vendas e a sua atividade foi suspensa e não tinha empregados (pontos 10º e 12º da matéria dada como provada na sentença recorrida, não impugnada), e isto apesar de:

- no ano de 2012, aquela 1ª Ré ter apresentado um volume de vendas na ordem de 1.167.209,29 euros, e no ano de 2013, ter apresentado um volume de vendas de 1.435.004,36 euros (ponto 11º da matéria dada como provada na sentença recorrida, não impugnada);
- nos anos de 2012 e 2013 ter pelo menos 10 empregados (ponto 12º da matéria dada como provada na sentença recorrida, não impugnada); e
- ser bem referenciada e ser conhecida na região essencialmente por comercializar materiais para a construção civil (ponto 13º da matéria dada como provada na sentença recorrida, não impugnada).
Consequentemente, uma terceira conclusão se impõe extrair: apesar da 1ª Ré ter sido constituída em 1998, tendo como objeto social o comércio de produtos hortícolas, batatas de consumo e sementes, e ter como sócios fundadores, o 2º Réu Manuel, a mulher deste, a Ré Maria, e o filho mais velho do casal, o Réu Jorge, e de ter a sua sede em …, e de ter como gerente de direito aquele 2º Réu, o certo é que a mesma se dedicava essencialmente à comercialização de materiais para a construção civil.

Acresce que apesar de em 2012 ter um volume de vendas de mais de um milhão de euros e de em 2013, ter visto esse volume de vendas aumentado para quase um milhão e meio de euros e de ter, pelo menos, dez empregados e, consequentemente, se ter mostrado imune à crise da construção civil que há anos já grassava, em 2014 aquela mudou a sua denominação social para “Empresa X, Lda.”, a sua sede social de Chaves para o Parque das Nações, em Lisboa, e os seus sócios fundadores, Maria e Jorge, respetivamente, mulher e filho do 2º Réu Manuel, este sócio e gerente de direito exclusivo desta sociedade desde a sua fundação, cedem as suas quotas ao último, que permanece como gerente de direito da mesma e agora seu único e exclusivo sócio. Apesar disso, em 2014, aquela 1ª Ré vê “suspensa” a sua atividade, deixando de apresentar quaisquer vendas ou empregados e isto, não obstante, no terreno, isto é, no armazém onde aquela sempre exerceu a sua atividade comercial, nenhuma alteração ser percetível, ou seja, essa atividade comercial continuou aí a ser exercida como sempre o fora, embora, conforme se vem a verificar, agora através da 3ª Ré, o que tudo, quando submetido às regras da experiência comum, apenas é explicável, pela necessidade de esconder o património da 1ª Ré, transferindo-o para a 3ª Ré.

Aliás, esse intuito é manifesto quando se atenta que se alterou a denominação social da 1ª Ré para “Empresa X, Lda.” e a sede social desta de Chaves para Lisboa.

No entanto é manifesto que não se quis perder a boa posição e reputação que a 1ª Ré gozava no mercado, ao ponto de se ter anteriormente alterado a firma social da 3ª Ré para uma firma social semelhante ao da 1ª Ré – vide “FF, Lda.”/“EMPRESA Y, S.A.” (sublinhado nosso); se manter nas faturas o mesmo logótipo, nºs de telemóvel, telefone e mails que anteriormente eram utilizados pela 1ª Ré (cfr. teor das faturas de fls. 119 a 123); as mesmas cores padronizadas nos camiões que a 1ª Ré utilizava no exercício da sua atividade comercial; o mesmo reclamo publicitário que existia naquele armazém ao tempo em que a atividade aí era exercida pela 1ª Ré e de se manter todo o modus operandi para os clientes que nele sempre se adotou, designadamente, os mesmos produtos, as mesmas regras de atendimento dos clientes, as mesmas pessoas que estavam à frente do negócio – os Réus Manuel e mulher, Maria, o filho do casal, o Réu Hugo e, ocasionalmente, também o Réu Jorge -, os mesmos veículos e máquinas, os mesmos trabalhadores, etc., ou seja, em síntese, “tudo igual”, num intuito manifesto de confundir o mercado, levando-o a acreditar que “FF, Lda.” era a mesma coisa que “Empresa Y, Lda.”, posteriormente transmutada em “S.A”..

Prosseguindo. Conforme se vê da certidão junta aos autos a fls. 102 a 107, a 3ª Ré “EMPRESA Y, SA” foi constituída em 2006, com a denominação social de “TT, Unipessoal, Lda.”, com sede na Rua …, Chaves, ou seja, naquela que era a morada do 2º Réu Manuel e dos Réus Maria e Jorge à data em que os mesmos constituíram a 1ª Ré (cfr. fls. 92), tendo como objeto social o transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, aluguer de veículos ligeiros e pesados de mercadorias sem condutor e a comercialização de materiais de construção civil, sendo o seu capital social constituído por uma quota de 50.000,00 euros, detida pelo Réu Jorge, que também era o seu único gerente de direito (cfr. certidão de fls. 102 a 107, ap. 1 de 20/06/2006).

Em 09/08/2011, o Réu Jorge delibera alterar a denominação, a sede e o objeto desta sociedade, o aumento de capital da mesma e a transformação desta em sociedade por quotas, e a nomeação de gerentes e consequente alteração na forma de obrigar, passando esta 3ª Ré a denominar-se “EMPRESA Y, Lda.”, com sede no Lugar …, Chaves, tendo como objeto social o transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, o aluguer de veículos ligeiros e pesados de mercadorias sem condutor e a comercialização de matérias de construção civil, produtos agrícolas, sementes adubos e exportações e aumentou o capital social em mais 75.000,00 euros, ficando esta sociedade a ter duas quotas: uma quota de 50.000,00 euros, correspondente ao capital social do Réu Jorge, e outra quota de 75.000,00 euros, que passou a ser detida pelo 2º Réu, seu pai, Manuel, passando ambos a ser os gerentes de direito da 3ª Ré, bastado a assinatura de um deles para obrigar a sociedade (cfr. certidão de fls. 102 a 107, ap. 9/20110810 e ata de fls.108 a 113).

Consequentemente, uma quarta conclusão se impõe extrair: a 1ª Ré foi fundada pelo Réu Jorge, então solteiro, e tenda a sua sede naquela que era a sua morada e a dos seus pais, o 2º Réu Manuel e a mulher deste, e com quem aquele Réu Jorge era sócio fundador na 1ª Ré, até à alteração da denominação da firma social desta, em outubro de 2014, e ambos terem cedido as suas quotas ao 2º Réu.
Em 09/08/2011, o Réu Jorge transformou aquela sociedade unipessoal em sociedade por quotas e alterou a sede desta sociedade de que até então era único sócio fundador e seu único gerente de direito, para aquela que era a sede da 1ª Ré.
O Réu Jorge também ampliou o objeto social desta sociedade, que passou a englobar, além do objeto social que até aí detinha, o objeto social da 1ª Ré – comércio de produtos hortícolas, batatas de consumo e semente – e aquela que era a sua essencial atividade efetiva – a comercialização de materiais para construção civil.
Mais. O Réu Jorge aumentou o capital social dessa sociedade, dividindo-o em duas quotas, permanecendo aquele com o capital social de 50.000,00 euros, que nela já detinha, mas a outra quota, no montante de 75.000,00 euros, passou a ser detida pelo 2º Réu, Manuel, que também passou a ser gerente de direito, juntamente com o Réu Jorge, da 3ª Ré, bastando a assinatura de um deles para a obrigar.
O que se acaba de referir, com aquilo que se passou ao nível da 1ª Ré e submetendo tudo às regras da experiência comum, força a que se conclua que o 2º Réu Manuel era o efetivo patriarca da família, sendo aquele que realmente tinha a última palavra a dizer sobre os destinos da 1ª Ré, mas também da 3ª Ré, já que não se antolha outra explicação possível para o Réu Jorge ter concordado em ceder a sua quota na 1ª Ré ao seu pai e, bem assim para ter operado a transformação da 3ª Ré em sociedade por quotas, aceitando que o seu pai ficasse sócio maioritário desta, e também, juntamente com aquele, seu gerente de direito.
A 1ª Ré e a 3ª Ré são empresas familiares, mais concretamente de Manuel, mulher e filhos, tanto assim que à frente da 1ª Ré estavam Manuel, a mulher deste, Maria, e os dois filhos homens do casal, os Réus Jorge e Hugo e a atividade desta foi desmobilizada em 2014, para passar a ser exercida através da 3ª Ré, de que passaram a ser sócios os Réus Manuel, Maria, Jorge, Hugo e Fátima, após Manuel ter fraccionado a sua quota em quatro quotas, transmitindo uma à mulher e as restantes duas aos filhos Hugo e Fátima.
Apesar de Manuel ser o patriarca da família e, consequentemente, a pessoa que tinha a última palavra a dizer sobre os destinos das sociedades 1ª e 3ª Rés, o seu filho mais velho era “o seu braço direito”, tanto assim que foi em nome deste que foi constituída a sociedade 3ª Ré e inicialmente, aquando da transformação desta em sociedade por quotas, ficaram ambos a ser os únicos gerentes de direito desta, sendo, no entanto, Manuel o sócio maioritário.

Para além do Réu Jorge, também o Réu Hugo, era o “braço direito” do Réu Manuel e, consequentemente, gerente de facto de ambas as sociedades, tanto assim que aquele, aquando da exploração do armazém pela 1ª Ré, fazia os descontos aos clientes que bem entendia, e continuou a fazer esses descontos nos mesmos moldes quando esse armazém passou a ser explorado pela 3ª Ré e, aquando da transformação da 3ª Ré em sociedade anónima, foi nomeado seu administrador, juntamente com o pai e o irmão Jorge, tendo, no entanto, claramente uma posição de menor destaque em relação ao último – veja-se que o Réu Hugo tem uma participação social inferior à do Réu Jorge no capital social da 3ª Ré e, contrariamente ao que acontecia com o Réu Jorge, o filho mais velho do casal, não detinha a qualidade de sócio na 1ª Ré.
A desmobilização da atividade da 1ª Ré e a ocultação do seu património foi delineada e projetada pelo menos em 2011, aquando da transformação da 3ª Ré em sociedade por quotas, nos termos acabados de enunciar.

Na verdade, conforme evidencia a certidão de fls. 102 a 107, em 2013, o 2º Réu Manuel, dividiu a sua quota de 75.000,00 euros, em quatro quotas, a saber:

- uma quota de 37.500,00 euros, que cedeu ao Ré Hugo, seu filho (certidão de fls. 102 a 107, dep. 113 de 2013/05/21;
- uma quota de 6.500,00 euros, que cedeu à Ré Maria, sua mulher (certidão de fls. 102 a 107, dep. 112 de 2013/05/21;
- uma terceira quota de 25.000,00 euros, que cedeu à Ré Fátima, sua filha (certidão de fls. 102 a 107, dep. 111 de 2013/05/21; e
- uma quarta quota, de 6.000,00 euros, que reteve para si, continuando a ser gerente de direito, mais o Réu Jorge, seu filho, da sociedade 3ª Ré, bastando uma assinatura para a obrigar (certidão de fls. 102 a 107, ap. 1 de 20110811;

Em 28/05/2013, todos aqueles sócios da 3ª Ré, agora “ Empresa Y, Lda., isto é, os Réus Manuel e mulher, Maria, e os filhos destes, os Réus Jorge, Hugo e Fátima, deliberam transformar esta 3ª Ré de sociedade por quotas em sociedade anónima, com um capital social de 125.000,00 euros (o mesmo da anterior sociedade por quotas), mas disperso por 125.000 ações de valor nominal de 1,00 euro, nominativas ou ao portador, reciprocamente convertíveis, mantendo a sede e o objeto social, passando esta sociedade a obrigar-se com a assinatura de dois administradores, ou com a intervenção de um procurador, a quem hajam sido conferidos poderes para a prática de ato certo e determinado, sendo bastante a assinatura de um administrador para atos de mero expediente, e sendo nomeados para o conselho de administração os Réus Manuel, Jorge e Hugo (cfr. certidão de fls. 102 a 107 e ap. 2/20130605).

A estes factos acrescem os seguintes, que se deram como provados na sentença recorrida e que não foram impugnados pelas apelantes e daí que se tenham como definitivamente provados:

- em 2012, a 3º Ré teve um volume de vendas de 1.226.687,21 euros, com 2 empregados (ponto 18º);
- em 2013, a 3ª Ré teve um volume de vendas de 2.145.198,22 euros, passando a ter 21 empregados (ponto 19º);
- em 2014, a 3ª Ré mais que duplicou o seu volume de vendas em relação a 2012, passando para 2.513.014,77 euros, e a ter 28 empregados (ponto 20º);
- os empegados da 1ª Ré foram transferidos para a 3ª Ré (ponto 22º);
- a 3ª Ré ocupou a sede, as instalações e o estabelecimento da 1ª Ré (ponto 24º);
- a 3ª Ré utiliza nas faturas e internet a imagem, as cores, correio eletrónico e os telemóveis, telefone e fax da 1ª Ré (ponto 27º);
- o objeto da 1ª Ré e da 3ª Ré são coincidentes e o CAE é sobreposto, quanto a uma parte da atividade (ponto 30º).

Aqui chegados e submetendo todos os factos que se acabam de enunciar, confirma-se integralmente a perceção tida pelas testemunhas A. E., M. C. e C. F., em face daquilo que lhes era dado ver, quando referem que nas instalações onde se situa o armazém onde o Autor sofreu o acidente de trabalho em 10/01/2006, existiam duas sociedades a funcionar, posto que desde 2006 existiam realmente duas sociedades a funcionar aí, a saber: a) a 1ª Ré, então denominada “FF, Lda.” e a 3ª Ré, constituída em 2006, pelo Réu Jorge como sociedade unipessoal, então com a denominação social de “TT, Unipessoal, Lda.”, já que não se antolha como razoável aceitar-se à luz das regras da experiência comum, que uma sociedade comercial, como é o caso da 3ª Ré, fosse ter a sua sede social naquela que é a sede que consta do seu registo, e que é a morada particular do Réu Jorge e de seus pais Manuel, isto é, a Rua …, Chaves.

Aliás, pondo a situação às claras, em 09/08/2011, é alterada a denominação, a sede e o objeto social desta 3ª Ré, passando a sua a sede a ser aquela que era a sede da 1ª Ré até esta ter sido mudada, em 2014, para o Parque das Nações, Lisboa (veja-se que a inscrição no registo desta mudança tem lugar em 20/10/2014).
Também se confirma a perceção tida por aquelas testemunhas quando referem que as duas sociedades, para além de funcionarem nas mesmas instalações, tinham com gerente de facto – o verdadeiro gerente -, o 2º Réu Manuel -, o patriarca da família, sem prejuízo de também terem os filhos homens do casal, o 4º Ré João e o 5º Réu Hugo, como gerentes de facto de ambas as sociedades nos termos já referidos, embora ambos subordinados em última instância ao pai – o patriarca da família.

De resto, o 2º Réu Manuel põe a nu a natureza familiar de ambas as sociedades, 1ª e 3ª Ré, quando fracionou a sua quota e tornou sócios da 3ª Ré a sua mulher, Maria, e os restante dois filhos do casal – os Réus Hugo e Fátima.
Já aquando da transformação da 3ª Ré ficou a nu quem eram os braços direitos do Réu Manuel, ou seja, os gerentes de facto da 1ª e 3ª Rés, ao serem nomeados como administradores da 3ª Ré, além do Réu Manuel, os filhos homens do casal, Jorge e Hugo.

Note-se que o que se acaba de concluir em nada contende com a matéria que se encontra assente no ponto 50º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, uma vez que do ponto de vista do direito, a 3ª Ré, assim como os Réus Hugo e Fátima nunca foram efetivamente sócios da 1ª Ré, o que não é o mesmo de não serem (de facto) sócios daquela e, bem assim da 3ª Ré, conforme o eram, atentos os fundamentos já explanados, onde se destaca a estrutura claramente familiar das sociedades em causa, a circunstância de Manuel ter cedido a ambos esses seus filhos uma quota na 3ª Ré após desmobilização da atividade da 1ª Ré, com os fitos já enunciados, pondo a nu, reafirma-se, a estrutura familiar destas sociedades.

No entanto, a Ré Fátima nunca exerceu manifestamente as funções de gerente da 1ª ou da 3ª Ré, tanto assim que nenhuma das testemunhas que depôs em audiência final referiu tê-la visto nas múltiplas deslocações que fizeram ao armazém comercial, de quem aquelas testemunhas, sequer, falaram, instalações essas onde até 2014 a 1ª Ré exercia a sua atividade comercial e onde, a partir de 2014, essa atividade foi prosseguida através da 3ª Ré.

De resto, Fátima, contrariamente ao que aconteceu com os seus irmãos, filhos homens do casal dos Réus Manuel e Maria, não foi nomeada administradora da 3ª Ré, aquando da transformação desta em sociedade anónima.
Resulta do que se vem dizendo que dúvidas não podem subsistir, que Fátima não exerceu funções de gerente de facto da 1ª ou da 2ª Ré.
Já essa certeza não pode ser alcançada em relação à Ré Maria, dado que esta é a matriarca da família e encontrava-se, e encontra-se, no armazém onde é exercida aquela atividade comercial, até 2014, pela 1ª Ré, e que a partir daí foi prosseguida, e que é prosseguida, através da 3ª Ré.
Resulta do que se vem dizendo que a nossa convicção autónoma, em face dos elementos probatórios que se vem elencando e analisando e submetendo tudo às regras da experiência comum corresponde, em absoluto, àquela que foi a convicção do tribunal a quo.

Aqui chegados, incumbe referir que nenhuma crítica nos merece as respostas dadas como provadas pelo tribunal a quo aos pontos 33º e 34º na sentença recorrida e, bem assim quando nela se conclui pela não prova da matéria vertida nos pontos 2º, 3º e 11º dos factos nela julgados como não provados, uma vez que a matéria assim julgada como provada e não provada mostra-se conforme à prova produzida e às regras da experiência comum, as quais não se compadecem com outro julgamento que não seja o que a propósito desse concreta matéria foi feito por aquele tribunal.

Já no que respeita à matéria dada como provada no ponto 9º é indiscutível que a 1ª Ré era uma empresa comercial criada no seio da família F., onde além do gerente Manuel, se distinguiam e exerciam cargos de gestão, representando a empresa, os Réus Jorge e Hugo, também seus gerentes de facto.
Não obstante isso, os Réus Jorge e Hugo não eram gerentes de direito da 1ª Ré, tendo esta como único gerente de direito o 2º Réu, Manuel.
Não foi produzida qualquer prova em como o Réu Manuel tivesse outorgado procuração a esses seus filhos Jorge e/ou Hugo para assinarem cheques ou contratos de trabalho em representação da 1ª Ré, sem o que aqueles manifestamente não podiam assinar esses documentos, porquanto não eram gerentes de direito desta concreta sociedade.
Nenhuma testemunha que depôs em audiência final confirmou ter visto o Réu Jorge e/ou Hugo a assinarem cheque e/ou contratos de trabalho em representação da 1ª Ré.
De igual modo nenhuma testemunha relatou que o Réu Jorge exercesse especificamente as funções de diretor geral e financeira da 1ª Ré e que o Réu Hugo exercesse as funções de diretor comercial desta 1ª Ré.

Deste modo, assiste razão às apelantes quando concluem que não foi produzida prova que permitisse ao tribunal a quo dar como provado que os Réus Jorge e/ou Hugo passassem cheques e assinassem contratos de pessoal, em representação da 1ª Ré, sequer que o Réu Jorge fosse diretor geral e financeiro desta ou o Réu Hugo fosse seu diretor comercial.
Termos em que, sem maiores delongas, na procedência parcial dos fundamentos recursórios aduzidos pelas apelantes quanto à matéria julgada como provada no ponto 9º da sentença recorrida, altera-se aquele ponto, que passa a constar dos seguintes factos que se julgam como provados:

“A 1ª Ré era uma empresa criada no seio da família F., onde além do gerente Manuel, habitualmente se distinguem e exerciam cargos de gestão, representando a empresa, os Réus JORGE e o Réu HUGO”.
No mais, julga-se improcedem os restantes fundamentos de recurso aduzidos pelas apelantes quanto à matéria dada como provada nos pontos 33º e 34º da sentença recorrida e, bem assim nos pontos 2º, 3º e 11º dos factos nela julgados como não provados, cujas respostas, assim, se mantêm inalteradas.

B.1.3- Da impugnação da matéria de facto dos pontos 21º, 23º e 26º.

Sustentam os apelantes que o Autor não logrou fazer prova da matéria julgada como provada no ponto 21º, onde se julgou como provado que: “A 3ª Ré passou a comprar aos fornecedores habituais da 1ª Ré”, sequer da matéria do ponto 23º, onde se julgou aprovado que: “A clientela da 1ª Ré foi direcionada para a 3ª Ré”, sequer, ainda, no ponto 26º, onde se julgou como provado que: “A 3ª Ré ficou com todos os materiais de construção objeto de vendas e stocks, como telhas, tijolos, loiças, mosaicos e outros que pertenciam à 1ª Ré”.

Afirmam as apelantes que as testemunhas inquirida não podiam ter conhecimento de quais os fornecedores das apelantes, sequer dos stocks existentes e que a 1ª Ré transmitiu à 2ª Ré, questionando-se, inclusivamente, sobre que concretos materiais eram esses, em que quantidades, etc.
A este propósito incumbe referir às apelantes que apenas elas, e exclusivamente elas, e os seus gerentes/administradores de direito e de facto poderiam discriminar que concretos materiais a 1ª Ré, de forma fraudulenta transmitiu à 3ª Ré, respetivas qualidades, quantidades e preços.
Da mesma maneira apenas aquelas Rés e os respetivos gerentes/administradores de direito e de facto poderiam esclarecer quem foram os fornecedores desses materiais e qual o destino que a 3ª Ré deu aos valores obtidos com a venda desses materiais que existiam necessariamente no armazém da 1ª Ré quando, em 2014, foi suspensa a atividade desta e essa atividade foi continuada pela 3ª Ré nos termos já acima demonstrados.

É certo que nenhuma das testemunhas que depôs em audiência final referiu efetivamente o nome dos fornecedores da 1ª Ré, sequer da 3ª Ré, facto esse de que efetivamente aquelas não têm, sequer podiam ter, conhecimento, dado que esse facto é da vida interna daquelas 1ª e 2ª Rés, e dos respetivos sócios/acionistas e gerentes/administradores de direito e de facto.

O que as testemunhas referiram é que das múltiplas vezes que se deslocaram ao armazém, nunca detetaram nenhuma alteração, quer em termos de recheio do armazém, trabalhadores que lá exerciam funções, Réus que lá se encontravam, trato para com os clientes, etc., ou seja, a situação que se verifica no presente ao nível daquela armazém é aquela que sempre existiu. Em síntese, conforme referiram: “é tudo igual”.

Esta afirmação, como dito e acima se demonstrou, tem plena corroboração na prova documental já acima enunciada e analisada, de modo que os factos que se deram como provados tem pleno cabimento nessa mesma prova.
Termos em que, sem maiores delongas, na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelas apelantes, mantém-se inalteradas as respostas dadas aos pontos 21º, 23º e 26º dos factos julgados como provados.

B.1.4- Da impugnação da matéria de facto do ponto 25º.

No ponto 25º o tribunal a quo deu como provado que: “A 3ª Ré passou a utilizar os computadores, secretárias, equipamentos, empilhadores e outros utensílios da 1ª Ré”.
Sustentam as apelantes que a prova produzida não comporta semelhante resposta pois que, na ausência de prova documental, apenas nos poderemos socorrer da prova testemunhal, a qual, a propósito desta matéria, pouco adiantou, posto que o depoimento do Autor e da mulher não incidiram sobre essa matéria; a testemunha C. F. referiu pouco ou nada sobre a mesma; a testemunha M. C., referiu que vê lá empilhadores, mas que não sabe se os mesmos são da 1ª Ré, ou outros; e a testemunha A. E. referiu que era tudo igual.
Concluem as apelantes que os depoimentos daquelas testemunhas são confusos, vagos, nada precisos, precisão essa que era fundamental para se dar como provado tal facto, questionando-se sobre que concretos empilhadores eram esses, respetivas marcas, qualidades, características, etc., sustentado que a resposta positiva a esta matéria não se compadece com a resposta das testemunhas de que era “tudo igual”, questionando-se as apelantes: “Mas afinal o que está igual? O que estava, em concreto antes, que também está agora?”.
A este propósito, incumbe referir às apelantes que a perceção tida pelas testemunhas é de que “é tudo igual”, isto é, o antes – quando no armazém laborava a 1ª Ré - e o depois – quando em 2014, a 3ª Ré prosseguiu naquela armazém a atividade comercial que até aí era nele desenvolvida pela 1ª Ré com sucesso.
O depoimento unânime das testemunhas é corroborado, reafirma-se, pela prova documental junta aos autos e acima identificada e analisada.
Aliás, se não “é tudo igual”, seria esperável que as apelantes tivessem concretizado que concreta mercadoria, veículos automóveis, empilhadores, estavam no armazém da 1ª Ré quando em 2014, foi suspensa a sua atividade comercial (por ela desenvolvida naquele armazém com sucesso) e a mesma foi prosseguida (também com sucesso) pela 3ª Ré, e explicassem o que foi feito a essa mercadoria, veículos e máquinas, em vez de se remeterem à posição conveniente de virem perguntar sobre “o que é tudo igual”.
Não que o ónus da prova pertencesse às apelantes, mas porque é assim que atuam aqueles que nada têm a esconder – é isto que demonstram as regras da experiência comum acontecer.
Ora, as apelantes nada disto fizeram e, como se disse e reafirma-se, a versão dos factos apresentada pelas testemunhas têm cabal cabimento na prova documental (logo objetiva) já supra identificada e analisada.
Destarte, sem mais considerações, conclui-se pela improcedência dos fundamentos recursórios aduzidos pelas apelantes e, consequentemente, mantém-se inalterada a resposta dada ao ponto 25º dos factos julgados como provados.

B.1.5- Da impugnação da matéria de facto do ponto 28º

As apelantes impugnam a matéria de facto julgada como provada no ponto 28º da sentença recorrida, que consta do seguinte teor: “A 1ª Ré transmitiu parte da frota de camiões para a 3ª Ré, nomeadamente, os veículos com as matrículas ZO, ZS e GO”, sustentando que as testemunhas nada souberam a esse respeito e argumentando com o depoimento de parte prestado pelo Réu Jorge, referindo que este juntou aos autos faturas e comprovativos do pagamento daqueles veículos, que corroboram o seu depoimento e que aqueles veículos foram compradas a uma empresa espanhola.
Mais argumentam que o tribunal a quo desvalorizou, por completo, esses documentos e, bem assim o depoimento do Réu Jorge, não tendo, sequer, feito qualquer referência aos mesmos na sentença recorrida, nomeadamente o porquê de não lhes ter sido atribuída qualquer relevância.

Por último, invocam o caráter meramente consensual do contrato de compra e venda de veículos automóveis.
A este propósito incumbe referir que é um facto que o Réu Jorge, em sede de depoimento de parte, pretendeu que a 3ª Ré comprou aqueles camiões a uma empresa espanhola, a quem a 1ª Ré os teria vendido.

Acontece que esta versão dos factos não merece, sequer pode merecer, qualquer credibilidade a qualquer pessoa de médio entendimento, uma vez que não é credível que a 1ª Ré, uma empresa de sucesso, que em 2012, teve um volume de vendas de mais de um milhão de euros, que em 2013 teve um volume de vendas de quase um milhão e meio de euros, que gozava de boas referencias e que era conhecida na região essencialmente por comercializar materiais para construção civil e que, consequentemente, necessitava desses veículos para o exercício da sua atividade comercial, os fosse vender.
Aliás, relembra-se às apelantes que apesar da atividade comercial da 1ª Ré ter sido suspensa em 2014, que de facto essa atividade nunca ficou suspensa uma vez que foi continuada em nome da 3ª Ré, a qual também necessitava desses camiões e que, consequentemente, não os iria vender, sequer consentir que a 1ª Ré os fosse vender.
Relembra-se às apelantes que o 2º Réu Manuel, era o gerente de direito da 1ª Ré, o Réu Jorge e o seu irmão Hugo, reafirma-se, eram seus gerentes de facto – vide fundamentos supra.
Mais se relembra àquelas que o Réu Jorge e o seu pai, o 2º Réu, Manuel, desde 09/08/2011, eram gerentes de direito da 3ª Ré, sendo Réu Jorge, seu irmão, o Réu Hugo, e o pai de ambos, o 2º Réu, Manuel, a partir de 05/06/2013, membros do conselho da administração da 3ª Ré.
Relembra-se também às apelantes que as faturas que juntou aos autos e as transferências de fls. 328 a 330, datam de 05/11/2013, 12/12/2013 e que, consequentemente, a aceitar-se esses documentos como titulando verdadeiras compras efetuadas pela 3ª Ré à empresa espanhola, e não mais um dos vários e múltiplos expedientes a que o Réu Jorge, o seu pai, o Réu Manuel, e o irmão do primeiro, também filho do último, o Réu Hugo, lançaram mão para fazer desaparecer o património da 1ª Ré em benefício da 3ª Ré, como manifesta e inequivocamente é o caso, então teríamos que aceitar que aqueles foram vender os veículos de que necessitavam para a atividade comercial a que se dedicavam, até 2014, através da 1ª Ré, e a partir daí, através da 3ª Ré, para logo os irem comprar a quem os venderam – o absurdo é manifesto.
Mais. Conforme se vê das certidões juntas aos autos a fls. 220 a 222, aqueles veículos estiveram inscritos no registo até 16/01/2013 em nome da 1ª Ré, e em 16/01/2013, isto é, cerca de quatro meses antes do 2º Réu ter fracionado a quota de 75.000,00 euros que detinha na 3ª Ré, em quatro quotas, uma das quais reservou para si, outra para a mulher e as restantes duas, uma para a sua filha Fátima, e a outra para o filho Hugo, foram inscritos no registo em nome da 3ª Ré.
Ora, não se antolha como razoável admitir que a empresa espanhola fosse aceitar emitir a pretensa declaração de venda das enunciadas viaturas à 3ª Ré e que esta as inscrevesse no registo em seu nome, sem antes as ter faturado à 3ª Ré e sem esta lhe ter pago o respetivo preço.
Termos em que se maiores delongas, se conclui pela improcedência dos fundamentos de recurso apresentados pelas apelantes e, consequentemente, mantém-se inalterada a resposta dada ao ponto 28º dos factos julgados como provados.

B.1.6- Da impugnação da matéria de facto dos pontos 29º e 39º.

No ponto 29º o tribunal a quo deu como provado que: “A 1ª Ré não foi devidamente compensada por parte dos gerentes e sócios da 3ª Ré” (pela venda das viaturas) e no ponto 39º que “A movimentação dos sócios através da cessão de quotas nas sociedades era feita sem transferência de capitais e sem comprovativos de suporte”.
Sustentam as apelantes que essa matéria deve impreterivelmente ser dada como não provada, uma vez que nenhuma testemunha foi inquirida sobre esta matéria, além de que a mesma apenas pode ser provada através de prova documental.
Mais sustentam que, de acordo com as regras da experiência comum, os clientes não são conhecedores dos atos constitutivos das sociedades e, muito menos, da forma como se transmitem as quotas ou o património, qual o valor liquidado por tais pagamentos, pois trata-se de atos a que são alheios.
Mais sustentam que segundo as regras da experiência da vida, nas sociedades, a regra é a onerosidade dos atos e dos negócios jurídicos e a exceção é a gratuidade.
A propósito das regras da experiência comum que são avocadas pelas apelantes incumbe referir que concordamos e subscrevemos integralmente os considerandos que a propósito delas vêm invocadas pelas apelantes.
No entanto, incumbe relembrar às apelantes que as regras da experiência comum também ditam que não se suspende a atividade de uma empresa comercial, lucrativa, com considerável volume de negócios, implantada no mercado, onde é bem referenciada, como era o caso da 1ª Ré, a não ser por um motivo muito forte.
Essas mesmas regras da experiência comum também ditam que não se suspende a atividade comercial de uma sociedade com tais características, para essa mesma atividade passar a ser continuada por outra sociedade, no mesmo local e nos mesmos moldes que até aí vinha sendo exercida pela 1ª Ré, como é indiscutivelmente o caso da 3ª Ré, a não ser que se pretenda ocultar o património da primeira sociedade (a 1ª Ré).
Essas regras da experiência comum ditam, ainda, que não têm lugar semelhantes comportamentos, quando essas sociedades têm os mesmos sócios de direito e/ou de facto, a não ser que estes prossigam a fraude para com terceiros.
Finalmente, as regras da experiência comum ditam que quando tal acontece, evidentemente que não há pagamentos da 3ª Ré à 1ª Ré, ou do quer que seja.

Por último, contrariamente ao propugnado pelas apelantes, a matéria em causa não reclama prova documental, até porque o não pagamento dos veículos automóveis e da cessão de quotas, não deixa, em regra, rasto documental, até porque normalmente se está perante operações fraudulentas, que têm como objetivo eximir esse património a credores.
Termos em que sem maiores delongas, concluímos pela improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelas apelantes e, por conseguinte, mantém-se inalteradas as respostas dadas aos pontos 29º e 39º dos factos julgados provados na sentença recorrida.

B.1.7- Da impugnação da matéria julgada prova nos pontos 32º, 36º, 38º, 40º, 42º e 43º.

As apelantes impugnam a matéria dada como provada nos enunciados pontos 32º, 36º, 37º, 38º, 40º, 42º e 43º, onde o tribunal a quo julgou como provados os seguintes factos:

“32- O 2º Réu foi gerente de ambas as sociedades num período alargado de tempo que lhe permitiu gerenciar todo o desmantelar da 1ª Ré com o propósito de prejudicar o Autor.
36- Os Réus, em conjugação de esforços, desativaram a sociedade 1ª Ré que estava bem implantada e referenciada no mercado da região, para beneficiar uma outra sociedade, a aqui 3ª Ré.
37- Todos os Réus são conhecedores do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, em janeiro de 2006, do seu direito ao ressarcimento e da ausência de um seguro válido por parte da 1ª Ré
38- Deste modo, e durante o período em que se discutia o apuramento dos danos e da responsabilidade nos tribunais, os Réus procederam a decisões das atividades das sociedades com manobras e aprovações sempre em unanimidade, colaborando assim no desmantelamento da 1ª Ré com o mesmo propósito de prejudicar o Autor.
40- As mudanças de denominação, sedes, sócios, gerentes, sociedades tinha o propósito de confundir o Autor de modo a não conseguir o seu ressarcimento.
42- Os Réus esvaziaram todo o conteúdo societário da 1ª Ré, nomeadamente os seus ativos, pelo qual o Autor poderia satisfazer o ressarcimento dos danos sofridos no acidente de trabalho.
43- Ao realizar os atos descritos, os Réus pretenderam unicamente evitar que a 1ª Ré fosse detentora de património e ativos, bens ou rendimentos que pudessem satisfazer o montante da dívida que esta tem para com o Autor”.
Sustentam as apelantes que nenhuma prova foi produzida que permita dar estes factos como provados, sustentando que correu termos pelo extinto 1º Juízo do Tribunal de Chaves, ação ordinária com o n.º 1017/08.2TBCHV, em que o Autor demandou a Companhia de Seguros W a indemnizá-la pelos prejuízos sofridos em consequência do acidente.

Nesses autos foi proferida sentença, em 26/04/2011, que condenou aquela seguradora a pagar ao Autor a quantia de 393.477,40 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devendo descontar dessa quantia ao equivalente em euros a 366.416,00 Francos Suíços.
Nenhum dos Réus foi parte dessa ação.
Essa sentença foi revogada pelo Tribunal da Relação do Porto em 26/04/2014, que absolveu a Ré seguradora de todos os pedidos contra si formulados pelo Autor, essencialmente por considerar que o acidente sofrido pelo último, nas instalações da 1ª Ré, se deveu à intervenção do veículo de matrícula ZO.
Concluem que só com aquele acórdão, proferido em 26/04/2014, é que a 1ª Ré se viu confrontada com a possibilidade de vir a ser responsável pelo pagamento dos danos e pela incapacidade de que o Autor padeceu.
Mais sustentam que a 1ª Ré sempre esteve convicta do contrato de seguro e que só em 17/05/2011, é que aquela e o seu gerente, o Réu Manuel, se viram, pela primeira vez, confrontados com o facto da seguradora declinar a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho sofrido pelo Autor.
Mais concluem não fazer sentido à luz das regras da experiência comum que estando a 1ª Ré e o 2º Réu convictos da validade do contrato de seguro de acidente de trabalho, se desse como provada a matéria ora em análise, além de que não foi feita prova de que todos os Réus sejam conhecedores do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, em janeiro de 2006, do seu direito de ressarcimento e da ausência de um seguro válido por parte da 1ª Ré, até porque a Ré Fátima nem sequer era sócia de facto de nenhuma das Rés sociedades, conforme se encontra dado como provado na sentença recorrida.

Vejamos se assiste razão às apelantes.
Conforme se verifica dos documentos de fls. 12 a 85 - certidão da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho em 20/09/2013 e do acórdão que a confirmou -, o contrato de seguro que a 1ª Ré tinha celebrado com a Companhia de Seguros W, S.A., mediante o qual transferiu a sua responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores, é um contrato de seguro de acidente de trabalho na modalidade de prémio fixo – vide ponto 14º dos factos aí julgados como provados.
Um contrato de seguro desta natureza apenas abrange os concretos trabalhadores que se encontram discriminados na apólice do contrato de seguro, contrariamente ao que acontece nos denominados contratos de seguro de prémio variável, em que os trabalhadores seguros são determinados em função das folhas de férias que mensalmente a entidade empregadora envia à seguradora.
Tudo isto não desconhecia a 1ª Ré e respetivos gerentes de direito e de facto, até porque é algo que é do conhecimento comum das empresas que têm trabalhadores a seu cargo.
Precise-se que a corroborar esse conhecimento, conforme se quedou como provado nos pontos 5º e 17º a 19º daquela sentença, o Autor sofreu o acidente no dia 10/01/2006, pelas 14h30m; a 1ª Ré pediu a inclusão no contrato de seguro do Autor após o acidente acontecer, mas participou o acidente como tendo ocorrido pelas 16h30m., o que é bem demonstrativo que a 1ª Ré, através do seu gerente de direito, o 2º Réu, e de facto, pelo menos, os Réus Jorge e Hugo, se procuraram eximir às suas responsabilidades, fazendo incluir o Autor na apólice de seguro já após o eclodir do acidente e declarando que este aconteceu a uma hora posterior à inclusão deste nessa apólice.
Não obstante se desconheça a data concreta em que foi participado o acidente de trabalho ao Tribunal do Trabalho, o certo é que essa participação ocorreu em 2010, conforme demonstra o nº do processo respetivo.
Como não desconhecem as apelantes, o processo especial de acidente de trabalho comporta duas fases, uma necessária (a fase conciliatória) e outra eventual (a contenciosa ou judicial).
A fase conciliatória é presidida pelo Ministério Público e nela tem lugar necessariamente um exame médico e uma tentativa de conciliação, que caso obtenha êxito, leva à extinção do processo mediante a homologação do acordo alcançado entre trabalhador e seguradora e/ou a entidade patronal daquele (esta, no caso de inexistir contrato de seguro ou o seguro não cobrir toda a responsabilidade infortunística) – arts. 99º, 105º, 108º, 109º e 114º do CPT.
No caso de não existir acordo, se o motivo do desacordo for exclusivamente o grau de incapacidade atribuído pelo exame médico realizado na fase conciliatória do processo, inicia-se a fase contenciosa, mediante a apresentação de requerimento solicitando junta médica - arts. 117º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPT.
No entanto, se o motivo do desacordo for aquele e/ou outros motivos quaisquer, designadamente a alegada inexistência de contrato de seguro, a fase contenciosa inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de petição inicial – arts. 117º, n.º 1, al. a) e 119º, n.º 1 do CPT.
Significa isto que, no caso, o mais tardar, a 1ª Ré e o respetivo gerente de direito, o 2º Réu (pessoa convocada para a tentativa de conciliação), ficaram bem cientes de que existia o risco sério da 1ª Ré ser responsabilizada pelas consequências do acidente de trabalho sofrido pelo Autor e de que o seu expediente fraudulento, para se furtar à responsabilidade infortunística – requerendo a inclusão do Autor na apólice do seguro já após o acidente ter eclodido e participando o acidente como tendo ocorrido a hora posterior à hora em que este efetivamente aconteceu (vide fundamentos supra) – poderia não surtir efeito, o mais tardar aquando da realização da tentativa de conciliação realizada no âmbito dos autos de acidente de trabalho, altura em que a Seguradora recusou conciliar-se e teve de indicar os concretos fundamentos dessa sua recusa.
Desconhece-se quando teve lugar a tentativa de conciliação no âmbito do processo de acidente de trabalho uma vez que a certidão dessa diligência não se encontra junta aos autos.
No entanto, são as próprias apelantes que informam que essa diligência teve lugar em 17/05/2011.
Ora, logo em 09/08/2011, a 3ª Ré é transformada de sociedade unipessoal em sociedade por quotas, nos termos já acima referidos e prepara-se manifesta e indiscutivelmente o caminho para subtrair os bens da 1ª Ré em benefício da 3ª Ré (cfr. certidão de fls. 102 a 107 e fundamentos supra).
É certo que a 1ª Ré e os seus gerentes de direito e de facto, tinham a esperança que a ação por acidente de viação intentada pelo Autor em 2008 contra a Companhia de Seguros W, S.A., que correu termos como autos de ação ordinária sob o n.º 1017/08.2TBCHV (cfr. doc. de fls. 255 a 286) ainda a livrasse daquela responsabilidade, até porque, por sentença proferida em 26/04/2011, essa ação tinha sido julgada parcialmente procedente e a ali Ré seguradora foi condenada a pagar ao Autor a quantia de 393.477,70 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, devendo descontar-se a esta quantia o equivalente em euros a 336.416,00 Francos Suíços (cfr. fls. 286).

No entanto, essas esperanças esfumaram-se quando essa sentença veio a ser revogada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto em 26/04/2012, que absolveu a ali Ré “W” integralmente desses pedidos (note-se que este acórdão não se encontram junto aos autos, mas são as próprias apelantes que confirmam a data e o resultado deste acórdão a fls. 379).

A situação da 1ª Ré e dos respetivos sócios e gerentes de direito e de facto, tornou-se desesperada quando em 2013, a CSC instaurou contra a 1ª Ré e o seu gerente de direito, o 2º Réu, Manuel, ação ordinária que correu termos pelo Extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves sob o n.º 328/13.0 TBCH, exercendo o pedido de sub-rogação das quantias que já tinha pago ao Autor por via do acidente e, bem assim das prestações futuras que lhe viesse a pagar (cfr. doc. de fls. 241 a 254), o que sem margem para dúvidas explica a “suspensão” da atividade da 1ª Ré ocorrida em 2014, não obstante a atividade lucrativa que vinha até desenvolvendo, com um volume de vendas superior a um milhão de euros no ano de 2012 e de quase um milhão e meio de euros no ano de 2013, e o prestígio que gozava no mercado em que se inseria, sendo essa atividade comercial continuada através da 3ª Ré – vide fundamentos supra.
E explica as manobras levadas a cabo por Manuel em 2013, fracionando a quota de 75.000,00 euros que detinha na 3ª Ré e distribuindo uma pela sua mulher Maria, outra pelo seu filho Hugo, uma outra pela sua filha Fátima, e retendo uma para si, assim como explica a transformação desta 3ª Ré em sociedade anónima (cfr. docs. de fls. 102 a 107) e fundamentos supra.

É certo que a 1ª e 2º Réus vieram a ser absolvidos da instância nesta ação que lhes foi movida pela CSC, por saneador-sentença proferido em 10/02/2014 (cfr. doc. de fls. 314 a 323), mas logo em 15/09/2014, é proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a sentença condenatória proferida pelo Tribunal do Trabalho (cfr. fls. 12 a 85), pondo-se em destaque que, logo, em 08/10/2014, segue-se a assembleia geral da 1ª Ré em que os Réus Manuel, Maria e Jorge, deliberam alterar o nome desta para “Empresa X, Lda.”, mudar a sua sede social de Chaves para o Parque das Nações, em Lisboa, e os identificados Maria e Jorge cedem as suas quotas na 1ª Ré ao Réu Manuel, que fica sócio único e exclusivo desta, de quem já era único gerente de direito (doc. de fls. 96 a 97).

Tudo o quanto se acaba de referir é bem ilustrativo dos fitos que foram prosseguidos pelos Réus – a ocultação do património da 1ª Ré para se furtar às responsabilidades indemnizatórias perante o Autor.
Sustentam as apelantes que assim não é uma vez que, com exceção da 1ª Ré e do Réu Manuel, os restantes Réus não tiveram conhecimento do acidente de trabalho sofrido pelo Autor em janeiro de 2006, do direito deste ao ressarcimento e da ausência de seguro válido por parte da 1ª Ré, e que a Ré Fátima nem sequer era gerente de facto de nenhuma das Rés sociedades, conforme se encontra dado como provado na sentença recorrida.

Acontece que esta alegação das apelantes manifestamente olvida a estrutura familiar das 1ª e 2ª Rés, as funções dirigentes que nelas eram desempenhadas pelos Réus Manuel, Jorge e Hugo, e que aqueles continuam agora a desempenhar para a 3ª Ré; que a atividade comercial desenvolvida pela 1ª Ré até 2014, e que a 3ª Ré continuou a partir desta data, se processava, e continua a processar, num armazém onde se encontram diariamente os Réus Manuel, Maria e Hugo a exercer as suas funções, mas também o Réu Hugo, que exerce a sua atividade num escritório, situado por cima daquele onde o Réu Hugo exerce a sua, a gravidade do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, que não passou manifestamente despercebido a nenhum dos trabalhadores, sequer a nenhum dos filhos de Manuel e Maria, incluindo à Fátima e, bem assim as graves consequências que o mesmo teve na estrutura empresarial da família F., levando-a a procurar estratagemas aptos a ocultar o património da 1ª Ré para se furtar das suas responsabilidades perante o Autor, no que o casal e todos os seus filhos participaram, incluindo a Fátima, que, inclusivamente, recebeu de seu pai uma quota no capital social da 3ª Ré, após desmobilização da atividade da 1ª Ré.
Termos em que na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelas apelantes, mantém-se inalteradas as respostas dadas aos pontos 32º, 32º, 36º, 37º, 38º, 40º, 42º e 43º na sentença recorrida.

B.1.8- Da impugnação da matéria de facto julgada como não provada no ponto 1º.

As apelantes insurgem-se contra a circunstância do tribunal a quo ter concluído pela não prova da seguinte matéria fáctica vertida no ponto 1º dos factos julgados como não provados: “Os danos ressarcidos pela indemnização fixada no processo de acidente de trabalho e os que fundamentam a pensão que o autor recebe da Suíça são sobrepostos, existindo uma relação de identidade entre eles”, pugnando no sentido de que seja julgada provada.
As apelantes fundam esta sua pretensão no depoimento prestado pelo Autor, sustentando que este confirmou receber uma pensão de invalidez da Suíça, desde janeiro de 2010, a qual era inicialmente no valor de 10.000,00 euros mensais e que, atualmente, recebe cerca de 1.200,00 euros mensais.

Mais sustentam que o Autor não soube dizer quanto é que recebeu atá à data da CSC, mas adiantou que, ao todo, irá receber 200.000,00 euros. Segundo o Autor essa pensão diz respeito a seguro, a um complemento de reforma que só seria acionado quando atingisse a idade da reforma, mas que atendendo à sua incapacidade resultante do acidente, acionou mais cedo, pelo que ficará esgotado mais cedo.

Invocam ainda a certidão da sentença proferida nos autos de ação ordinária n.º 328/13.0TBCH, junta aos autos a fls. 241 a 254, sustentando que em face dos factos aí julgados como provados e, bem assim a Convenção de Segurança Social celebrada entre Portugal e a Suíça, aprovada pelo Decreto n.º 30/76, de 16/01, o art. 93º do Regulamento (CEE)n.º 1408/71, do Conselho, de 1971, bem como a Lei Suíça, nomeadamente a LAVS, LAI e ainda a LAA, se impõe concluir pela prova da enunciada matéria julgada como não provada.

A este propósito confirma-se que, em sede de depoimento de parte, o Autor corroborou estar a receber uma pensão da Suíça, desde 01/01/2010, a qual, inicialmente, ascendia a mil euros mensais (não dez mil) e que, atualmente, ascende a 1.200,00 euros, tendo-lhe sido pagos retroativos cujo montante não soube precisar.

O Autor referiu que essa pensão lhe é atribuída por uma seguradora privada, e que se trata de um complemento da reforma, com um teto máximo, atingido o qual, se extingue esse complemento.

Mais referiu que caso não tivesse sofrido o acidente, esse complemento apenas lhe seria atribuído aos 65 anos de idade, isto é, quando fosse reformado. Assim, como sofreu o acidente, acionou esse complemento, que, no entanto, se irá esgotar mais cedo.

No mesmo sentido se pronunciou a testemunha A. T., mulher do Autor, que concretizou tratar-se de um seguro privado, para o qual todos os trabalhadores têm de descontar na Suíça, seguro este que funciona como “se fosse a Segurança Social”. Caso o marido não tivesse sofrido o acidente, a quantia que lhe foi atribuída funcionaria como complemento de reforma.

Precise-se que a fls. 165 a 170 se encontra junto aos autos documento emitido pela Assurance Invalidité Federal, onde se vê que o Autor está a receber aquela pensão desde 01/01/2017, altura em que lhe foram pagos retroativos de 30.240,00 Francos Suíços de 01/01/2007 a 31/12/2008 e de 16.900,00 Francos Suíços de 01/01/2009 a 31/10/2010.

Por sua vez, a fls. 241 a 254, encontra-se junta aos autos a petição inicial dos autos de ação ordinária que correu termos pelo Extinto Tribunal Judicial de Chaves, 1º Juízo, n.º 328/13.0TBCH, intentada pela CSC, contra as 1ª e 2º Réus e a W – Companhia de Seguros, S.A., em que a primeira visa exercer o direito de sub-rogação legal referente às quantias pagas ao Autor, onde alega que entre 01/01/2007 e 01/01/2013, pagou ao último a quantia de 94.426,00 Francos Suíços, ou seja, 77.206,58 euros, e que lhe irá pagar 256.650,00 Francos Suíços, ou 209.851,13 euros, a título de prestações futuras.

Acontece que analisada a Convenção de Segurança Social celebrada entre Portugal e a Suíça, aprovada pelo Decreto n.º 30/76, de 16/01, e o art. 93º do Regulamento(CEE) n.º 1408/71, de Conselho de 14/06/1971, que reconhece o direito de sub-rogação legal relativamente às prestações pagas pelas Instituições de Previdência Social aos seus beneficiários, verifica-se que as prestações pagas ao Autor têm natureza de prestações de previdência social.

De resto, é a própria CSC que na ação que instaurou contra a 1ª e 2º Réus e a W se identifica como “instituição de previdência de direito suíço”.

Ora, aqui chegados, impera concluir que as prestações a que a 1ª Ré foi condenada no âmbito dos autos de acidente de trabalho não são prestações sociais, mas antes a liquidação da sua responsabilidade infortunística decorrente do Autor ter sofrido um acidente de trabalho quando exercia a sua atividade profissional, sob ordens, direção e fiscalização desta.

Já as prestações de previdência social são prestações atribuídas pela previdência social aos seus beneficiários em caso de doença, invalidez, morte, idade avançada, maternidade e desemprego.

É certo que em caso de acidente, designadamente, acidente de trabalho, essas instituições de previdência social beneficiam do direito de sub-rogação legal em relação às quantias que tenham pago a esses seus beneficiários em consequência do acidente, derivando essa sub-rogação legal, no caso, do disposto no art. 93º do Regulamento(CEE) n.º 1408/71, de Conselho de 14/06/1971.

No entanto, daqui não decorre que as prestações de previdência social e as pagas pelos responsáveis pelo acidente, nomeadamente, de acidente de trabalho, sejam da mesma natureza ou que entre elas exista uma qualquer relação de identidade, que manifestamente inexiste, mas apenas que tendo as instituições de previdência social satisfeito a prestação social que lhes é imposta em caso de doença, incapacidade permanente ou morte do respetivo beneficiário, caso essa situação seja consequência de facto imputável a terceiro, designadamente, decorrente de acidente de trabalho, a lei reconhece-lhes o direito de se sub-rogarem nos direitos dos seus beneficiários em relação a esses terceiros, responsáveis pelo acidente, na medida em que dela receberam as quantias de previdência social, para reaver as quantias assim pagas.

Significa isto que nenhuma censura nos merece a sentença recorrida quando nela se conclui pela não prova da matéria vertida no ponto 1º dos factos julgados como não provados na sentença recorrida, que assim se mantém inalterada.
Introduzidas as alterações supra à matéria do ponto 9º dos factos julgados como provados resta verificar se a sentença recorrida padece dos erros de direito que as apelantes lhe assacam ao julgar procedente o pedido subsidiário deduzido pelo Autor.

B.2- Do direito.
B.2.1- Da impugnação pauliana.

O tribunal a quo julgou procedente o pedido subsidiário formulado pelo Autor e declarou e decretou a ineficácia em relação ao último dos atos que possibilitaram a entrega dos bens e direitos referidos em 21º a 28º dos factos provados, ficando este autorizado a pagar-se à custa desses bens e direitos.

Como é sabido, o instituto da impugnação pauliana encontra explanação legal nos artigos 610º a 618º do Código Civil e insere-se nos meios de conservação e garantia patrimonial que a lei coloca ao dispor do credor, dando-lhe a possibilidade de reagir contra atos praticados pelo devedor que inconvenientemente diminuam o seu ativo ou aumentem o seu passivo patrimonial (11).

Contrariamente a outros institutos, como é o caso da simulação (art. 240º, n.º 2 CC), a impugnação pauliana não tem como efeito a declaração da nulidade do negócio impugnado, sequer a declaração da sua anulabilidade, mas apenas torná-lo ineficaz relativamente ao impugnante, que fica com a possibilidade legal de executar o bem ou bens objeto do negócio impugnado na esfera jurídica do terceiro adquirente, na estrita medida em que tal se torne necessário para a satisfação do crédito que detém sobre o devedor, transmitente desse bem ou bens, mantendo-se, por isso, o negócio jurídico impugnado incólume.

Concretizando o que se acaba de referir, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 616º do Código Civil, “julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei” e conforme decorre do seu n.º 4 “os efeitos da impugnação pauliana aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido”.

Resulta do exposto que sendo a impugnação pauliana uma ação vincadamente pessoal, os seus efeitos medem-se pelo interesse do credor que a promove pelo que, em caso de procedência, o ato impugnado não é globalmente anulado, mantendo antes a sua validade jurídica e tratando-se de negócio cujo objeto seja divisível ou de coisas determináveis por conta, peso ou medida, os efeitos da impugnação apenas recaem sobre o “quantum” necessário à satisfação dos interesses do credor.

Por outro lado, só o credor que tenha requerido a impugnação pauliana beneficiará daquela, o que significa que quanto aos demais credores, tudo se passa como se o ato impugnado se mantivesse intocado, não lhes aproveitando a impugnação julgada procedente.

Acresce que o objeto do negócio impugnado pode ser executado “no património do obrigado a restituir”, o que significa que aquele não sai do património do adquirente por via do negócio impugnado, permanecendo nele, onde aí pode ser penhorado pelo impugnante para cobrança coerciva do seu crédito e apenas na medida em que tal seja necessário à satisfação do mesmo.

Em síntese, conforme escreve lapidarmente Antunes Varela, a impugnação pauliana traduz-se no instituto que permite a “intromissão de terceiros (o credor) num ato realizado pelo devedor” (12), perseguindo o bem ou bens cuja propriedade foi transmitida da esfera jurídica do devedor para a de terceiro por via do negócio impugnado, podendo-o(s) penhorar e executar no património deste, na medida em que tal se mostre necessário à satisfação do seu crédito perante o devedor, compreendendo-se, assim, que a lei subordine a sua concessão à verificação de requisitos apertados.

Avançando um pouco mais, são requisitos gerais de procedência da ação de impugnação pauliana: a) a existência de um ato de natureza não pessoal que envolva a diminuição da garantia patrimonial do crédito do impugnante; b) ser esse crédito anterior ao apontado ato impugnado, ou sendo posterior, ter o ato impugnado sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (fraude preordenada); e c) resultar do ato impugnado a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade (art. 610º, do CC).

No que respeita às regras de repartição do ónus da prova, rege o art. 611º do Cód. Civil, em função do qual incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do ato impugnado a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

Da conjugação dos referidos artigos 610º e 611º decorre que incumbe ao credor, no caso ao Autor, o ónus da alegação e da prova dos seguintes pressupostos legais cumulativos: 1º - o montante do crédito que detém contra o devedor; e 2º - a anterioridade desse seu crédito em relação ao ato impugnado.

Por sua vez, ao devedor e/ou ao terceiro adquirente interessado na manutenção do ato impugnado, ou seja, aos Réus, incumbe o ónus da alegação e da prova da existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior ao montante do crédito do Autor sobre a 1ª Ré na titularidade desta (13).

Em termos práticos tal significa “que provado pelo impugnante a existência do direito de crédito e a sua anterioridade em relação ao ato impugnado, se presume a impossibilidade de realização do direito de crédito em causa ou o seu agravamento” (14).

Para além dos enunciados requisitos gerais, para que o impugnante possa reagir com êxito contra atos oneroso posteriores à constituição do seu crédito (uma vez que, relembra-se, quanto aos anteriores é necessário que aquele prove que o ato impugnado foi realizado pelo devedor e pelo terceiro dolosamente com o fim de impedir a satisfação do seu futuro crédito), exige-se, ainda, a alegação e prova de que devedor e o terceiro agiram de “má fé”, entendendo-se esta como consciência do prejuízo que o ato impugnado causa ao credor (art. 612º, n.º 1 e 2 CC).

Note-se, que a lei limita-se a exigir que o devedor e o terceiro, aquando da celebração do ato impugnado, tenham consciência de que este causa prejuízo ao credor, mas não que tenham agido com o intuito ou a finalidade de o prejudicar. Consequentemente, o que é essencial e determinante para estar preenchido o requisito da “má fé” é que o devedor e o terceiro tenham a consciência do prejuízo que a operação causa ao credor, sendo bastante a mera representação da possibilidade da produção do resultado danoso em consequência da conduta daqueles (15).

Revertendo ao caso sobre que versam os autos, decorre da matéria apurada sob o ponto 2º dos factos provados que o Autor é titular de um crédito emergente de acidente de trabalho sobre a 1ª Ré, sua entidade empregadora, que se traduz na obrigação desta lhe pagar a pensão anual e vitalícia de 4.969,44 euros, devida a partir de 28/11/2009, pagar-lhe subsídio de elevada incapacidade, no valor de 4.630,80 euros, bem como a quantia de 28.388,36 euros, a título de indemnização pelo período de ITA que o afetou em consequência desse acidente, além de prestação suplementar correspondente à retribuição mínima garantida, para assistência permanente de 3ª pessoa e, bem assim a quantia de 10.458,36 euros, a título de despesas suportadas com a adaptação do veículo para permitir a mobilidade do Autor, a que acresce a quantia de 214,46 euros, a título de despesas com bens adquiridos e deslocações e 4.630,80 euros, a título de obras com a sua habitação para a adaptar às suas atuais limitações de mobilidade.

Precise-se que os referidos créditos indemnizatórios devidos ao Autor pela 1ª Ré, sua entidade empregadora, foram-lhe arbitrados por sentença proferida em 20/09/2013, pelo Tribunal do Trabalho de Vila Real, Secção Única, nos autos de ação especial emergente de acidente de trabalho que correu termos sob o n.º 441/10.5TTVRL, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/09/2014, transitado em julgado (cfr. docs. de fls. 12 a 85).

Adiante-se que as referidas decisões judiciais condenatórias da 1ª Ré, a satisfazer os enunciados créditos indemnizatórios ao Autor, por força das lesões e sequelas, consequência direta e necessária do acidente de trabalho que sofreu em 10/01/2006, pelas 14h30m (cfr. docs. de fls. 12 a 85) não são constitutivas do direito indemnizatório do Autor, mas apenas meramente declarativas desse direito indemnizatório que assiste ao Autor sobre a 1ª Ré e condenatório desta a satisfazê-lo àquele.

O crédito indemnizatório que assiste ao Autor receber sobre a 1ª Ré, como bem se pondera na sentença recorrida, emerge do acidente de trabalho que o Autor sofreu no dia 10/01/2006, isto é, foi aquele concreto acidente de trabalho que constituiu na esfera jurídico-patrimonial do Autor o enunciado crédito indemnizatório sobre a 1ª Ré, sua entidade empregadora. Logo, os créditos que assistem ao Autor receber da 1ª Ré constituíram-se em 10/01/2006, data do acidente de trabalho.

Avançando. Decorre dos factos provados sob os pontos 9º a 10º, 36º e 21º a 28º, que a atividade da 1ª Ré foi suspensa em 2014 pelos Réus, em conjugação de esforços, para beneficiar a 3ª Ré, que passou a ocupar a sede daquela, as instalações e o estabelecimento desta, passou a utilizar os computadores, secretárias, equipamentos e outros utensílios da 1ª Ré, ficou com todos os materiais de construção objeto de vendas e stocks, como telhas, tijolos, loiças, mosaicos e outros que pertenciam à última, tendo esta 1ª Ré ainda transmitido à 3ª Ré parte da sua frota de camiões, nomeadamente os veículos com as matrículas ZO, ZS e GO. Os empregados da 1ª Ré foram transferidos para a 3ª Ré, a clientela da primeira foi direcionada para a última, a 3ª Ré passou a comprar aos fornecedores habituais da 1ª Ré e passou a utilizar, nas faturas e internet, a imagem, as cores, correio eletrónico e os telemóveis, telefone e fax da 1ª Ré.
Em síntese, conforme decorre da factualidade que se acaba de referir, os Réus, em conjugação de esforços, em 2014, desativaram a 1ª Ré e transferiram o seu estabelecimento comercial, com todos os elementos corpóreos e incorpóreos que o constituíam para a 3ª Ré.

O ato assim praticado por todos os Réus em conjugação de esforços, em 2014, não tem indiscutivelmente natureza pessoal e dele resultou, inequívoca e indiscutivelmente, prejuízo para o Autor, na medida em que este ficou privado da garantia do crédito indemnizatório que lhe assiste sobre a 1ª Ré, sua entidade empregadora.
Esse crédito indemnizatório do Autor sobre a 1ª Ré, como referido, constituiu-se na esfera jurídico-patrimonial do primeiro em 10/01/2006, sendo, por conseguinte, anterior àqueles atos perpetrados por todos os Réus, em conjugação de esforços, em 2014.

Como dito, provado pelo Autor a existência do seu crédito e a sua anterioridade em relação ao ato impugnado, ónus este que aquele cumpriu, presume-se a impossibilidade de realização do direito de crédito em causa ou o seu agravamento, uma vez que incumbe ao devedor (a 1ª Ré) e/ou ao terceiro adquirente (a 3ª Ré) interessada na manutenção do ato impugnando o ónus da alegação e da prova da existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior ao montante do crédito do Autor sobre a 1ª Ré na titularidade desta.

Ora, no caso, as Rés não cumpriram com esse ónus, antes pelo contrário, provou-se que a 1ª Ré nada pagou ao Autor e que instaurada execução para cobrança coerciva daquele crédito, o Autor deparou-se com a inexistência de bens (pontos 41º, 3º e 4º dos factos apurados), pelo que é manifesto que apesar de sobre o Autor não impender esse ónus probatório com vista a obter êxito na presente ação, nela, inclusivamente, ficou provado que em consequência dos atos que por ele ora são impugnados, praticados pelos Réus, em conjugação de esforços, em 2014, resultou a impossibilidade do Autor de obter da 1ª Ré a satisfação do seu crédito indemnizatório.
Os referidos atos impugnados são gratuitos (ponto 29º da matéria apurada), pelo que se encontram preenchidos todos os pressupostos de que depende a procedência do pedido subsidiário deduzido nos autos pelo Autor, já que, em face da gratuitidade desses atos que impugna, o mesmo apenas se encontrava obrigado a provar: a) a existência do seu crédito indemnizatório sobre a 1ª Ré e respetivo montante; b) a prática por esta de um ato que não seja de natureza pessoal de disposição do seu património; c) a anterioridade desse seu crédito em relação a esse ato praticado pela 1ª Ré; e c) a gratuitidade desse ato praticado pela última.

No entanto, ainda que aqueles atos praticados pelos Réus, em conjugação de esforços, fossem onerosos, que não são, o requisito da má fé encontra-se sobejamente preenchido atenta a factualidade que se provou sob os pontos 6º a 10º, 14º a 17º, 21º a 29º e 31º a 43º dos factos provados, os quais demonstram que, inclusivamente, todos os Réus agiram dolosamente, na vertente de dolo direto, com vista a esvaziar todo o conteúdo societário da 1ª Ré, nomeadamente os seus ativos, pelo qual o Autor poderia satisfazer o ressarcimento dos danos sofridos no acidente de trabalho, o que tudo concretizaram.

B.2.2- Do enriquecimento sem causa.

As apelantes deduziram a exceção perentória do enriquecimento sem causa, exceção esta que veio a ser julgada improcedente na sentença recorrida e com a qual aquelas não se conformam, centrando, de resto, o erro de direito que imputam à sentença recorrida essencialmente nesta decisão, argumentando que o Autor/apelado se encontra a receber, desde 01/01/2007, uma pensão mensal, por parte da CSC, instituição de previdência de direito Suíço de que aquele apelado é beneficiário e que essa pensão lhe foi arbitrada em consequência direta e necessária das lesões que sofreu por via do acidente de trabalho de que emergiu o crédito indemnizatório que lhe foi arbitrado por decisão transitada em julgado pelo Tribunal do Trabalho.

Concluem as apelantes, que o apelado nunca pode cumular duas pensões sob a forma de um duplo recebimento pelo mesmo dano, que é o que aquele pretende com a instauração da presente demanda, o que se traduz num enriquecimento ilícito daquele em detrimento das apelantes.

Criticam a sentença recorrida sustentando não fazer sentido o entendimento nela sufragado de que a pensão que o apelado recebe da Suíça consubstancia um seguro, cujo valor aquele sempre teria direito a receber, independentemente da validez, alegando que aquele tem efetivamente direito a receber a pensão de invalidez que está a receber e terá direito a recebê-la quando atingir a idade necessária a auferir a pensão de velhice e que, quando muito, a pensão de invalidez, uma vez atingida a idade legal de reforma, transforma-se em pensão de velhice, pois é isso que resulta dos documentos juntos aos autos.

Criticam aquela sentença, sustentando não perfilharem do entendimento nela sufragado quando nela se diz que se trata de questão a decidir na execução que corre por apenso ao acidente de trabalho, posto que este entendimento encerra uma evidente contradição com o facto de naquela sentença se encontrar provado que, nessa execução, o apelado deparou-se com a inexistência de bens, pelo que evidentemente que a questão em apreço jamais poderia ser suscitada nesse processo executivo, além de que esse entendimento permite o duplo recebimento e um duplo enriquecimento do apelante e leva que a apelante 1ª Ré pague duas vezes: uma ao apelado e outra à CSC, a qual tem direito de regresso contra os responsáveis em caso de acidente.

Mais criticam o entendimento sufragado naquela sentença quando nela se postula que “nunca a Ré condenada a pagar a indemnização ao Autor poderia ficar livre de o fazer, devendo a situação ser resolvida nas relações entre as várias entidades obrigadas ao pagamento e não em relação ao credor”, sufragando que esse entendimento viola as mais elementares regras do direito de regresso sobre o responsável pelo acidente, neste caso, a apelante 1ª Ré.

Vejamos se assiste razão às apelantes nos considerandos que assim aduzem, adiantando-se, desde já, que se lhes assiste razão na crítica que fazem à sentença recorrida quando nela se postula que a questão do alegado duplo ressarcimento do apelado terá de ser decidida na execução que corre por apenso ao processo de acidente de trabalho, embora não pelos fundamentos que aduzem, mas porque as quantias que o Autor recebe da Suíça e a quantia indemnizatória que lhe foi arbitrada pelo Tribunal do Trabalho, têm natureza diversa, assim como prosseguem finalidades diversas, no mais, é manifesta a ausência de razão daquelas.
De resto, assiste-se manifestamente, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a uma confusão das apelantes sobre o instituto do enriquecimento sem causa, o instituto da sub-rogação legal e o instituto do direito de regresso.

Vejamos.
O instituto do enriquecimento sem causa que as apelantes invocam em sede de contestação, a título de exceção, encontra-se regulado nos arts. 473º a 482º do CC. e traduz-se num instituto subsidiário a que, consequentemente, o empobrecido apenas pode recorrer quando a lei não lhe faculte outros meios de reação (art. 474º do CC), destinado a solucionar situações de “enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia” (16).

Assim é que o art. 473º, n.º 1 do CC. estatui que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, concretizando o n.º 2, que a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

Como é entendimento pacífico, são requisitos cumulativos deste instituto: a) que haja um enriquecimento patrimonial de alguém; b) que esse enriquecimento careça de causa justificativa; e c) que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição (17).

Quanto ao primeiro requisito, o enriquecimento patrimonial consiste na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, podendo essa vantagem traduzir-se num aumento do ativo patrimonial do enriquecido, numa diminuição do seu passivo, no uso ou consumo pelo mesmo de coisa alheia ou no exercício do direito alheio ou, ainda, na poupança de despesas (18).

Já no que respeita ao segundo requisito, exige-se que o enriquecimento criado esteja em desarmonia “com a ordenação dos bens aceites pelo sistema” jurídico, isto é, se o enriquecimento está de acordo com o sistema jurídico, então a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, “por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”, ou dito por outras palavras, haverá uma situação de enriquecimento sem causa quando, à luz dos princípios aceites no sistema jurídico, não exista uma relação ou um facto que legitime esse enriquecimento, quer porque essa relação ou facto que legitima o enriquecimento (a causa) nunca existiu, ou porque, entretanto, desapareceu (19).

Quanto ao último requisito exige-se que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição, isto é, que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa, isto é, a expensas da pessoa que exige a restituição, sem que exista de permeio, entre o ato gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro ato jurídico (20), ou seja, tem de se afirmar um nexo causal entre o enriquecimento do enriquecido e o empobrecimento da pessoa que exige a restituição.

Já o instituto da sub-rogação encontra-se regulado nos arts. 589º a 594º do CC.

Nos termos destes normativos, ocorre sub-rogação quando um terceiro cumpre uma dívida de outrem ou empresta dinheiro ou outra coisa fungível ao devedor para esse cumprimento, adquirindo os direitos do credor originário em relação ao devedor (21), tratando-se, consequentemente, como que a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento (22).

O instituto da sub-rogação consiste, assim, numa forma de transmissão ou de transferência de créditos: o credor transfere parte ou a totalidade do seu crédito para um terceiro, mediante a satisfação desse seu crédito por parte desse terceiro, ficando, por sua vez, o terceiro investido na posição do credor perante o devedor, na medida em que lhe satisfez o crédito, podendo esse terceiro exigir do devedor a satisfação do crédito que assegurou ao credor.

Assim é que a sub-rogação coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo, residindo nesta característica o distintivo em relação ao direito de regresso, já que este é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu, no todo ou em parte, a relação creditória anterior ou daquela à custa de quem a relação foi considerada extinta (23).

Sintetizando, na sub-rogação, mediante o cumprimento, total ou parcial, do crédito ao credor, o terceiro que satisfaz a obrigação fica investido no mesmo direito de crédito, na medida do cumprimento, perante o devedor. Ele tem o mesmo direito sobre o devedor (na medida em que cumpriu) que detinha o credor originário. Já no direito de regresso, o terceiro cumpre perante o credor, total ou parcialmente, o crédito que este detinha sobre o devedor, com que nasce um direito novo na esfera jurídica desse terceiro, na medida do cumprimento, contra o devedor originário.

A sub-rogação pode ser convencional ou legal. É convencional quando resulta de um acordo entre o terceiro que cumpriu e o credor a quem o cumprimento foi feito, ou entre o terceiro e o devedor (art. 589º e 590º do CC). É legal quando resulta da lei e, nos termos do art. 592º, n.º 1 do CC.

Um dos casos de sub-rogação legal encontra-se previsto no art. 36º da Convenção Sobre Segurança Social celebrado entre Portugal e a Suíça, aprovada pelo Decreto n.º 30/76, de 16/01, por referência ao art. 93º, n.º 1 do Regulamento (CEE) n.º 1480/71, do Conselho de 14/06/1971, onde se dispõe que, se por força da legislação de um Estado-membro uma pessoa beneficiar de prestações em resultado de dano sofrido por factos ocorridos no território de outro Estado-membro, os eventuais direitos da instituição devedora contra o terceiro responsável pela reparação do dano serão regulados do seguinte modo: quando a instituição devedora estiver sub-rogada, por força da legislação por ela aplicada, nos direitos que o beneficiário detém contra o terceiro, essa sub-rogação é reconhecida a cada um dos Estados-membro.

Com efeito, prevê-se neste normativo que quando de acordo com a legislação nacional, as instituições de previdência social gozem do direito de sub-rogação legal relativamente às prestações que paguem aos respetivos beneficiários por factos de que sejam responsáveis terceiros, essa sub-rogação legal é igualmente reconhecida às instituições de previdência dos restantes Estados-Membros da então CEE, atual UE, e por força daquela Convenção, no caso, às instituições de previdência da Suíça.
Em síntese, as instituições de previdência Suíças gozam do mesmo direito de sub-rogação legal que é reconhecido pela legislação nacional à Segurança Social nacional em relação a terceiros.

Relativamente à Segurança Social, o art. 71º da Lei n.º 32/2002, de 30/12, que aprovou a Lei de Bases da Segurança Social, estabelece que no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o da indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite das prestações que lhes cabe conceder.

Reconhece-se neste preceito às instituições de segurança social que paguem aos seus beneficiários as prestações sociais a que se encontram obrigadas em consequência de facto que faça nascer o direito do beneficiário a essas prestações mas pelo qual seja responsável terceiro, um direito de sub-rogação legal relativamente às prestações sociais que pague a esse beneficiário em relação a esse terceiro.
Este direito de sub-rogação legal aplicável às instituições de segurança social é extensível, como se disse, às instituições de segurança social de todos os Estados-membros da UE e Suíças.
Dir-se-á que nestes casos as instituições de segurança social assumem um papel subsidiário e provisório face à obrigação de indemnização de que é sujeito passivo o ato determinante da responsabilidade civil (24).
Note-se que a existência deste direito de sub-rogação legal que é reconhecido às instituições de segurança social não significa que as prestações que paga aos seus beneficiários sejam da mesma natureza do crédito indemnizatório que assiste ao beneficiário receber do terceiro responsável civil pela satisfação desse crédito indemnizatório.

Com efeito, essa identidade de natureza entre prestações sociais e responsabilidade civil do terceiro, inexiste.

As prestações sociais pagas pelas instituições da segurança social assentam na qualidade de beneficiário do sujeito que as recebe e na circunstância de se verificarem os pressupostos previstos na legislação da segurança social que lhe concede o direito a receber as prestações sociais nela previstas, isto é, a proteção desse beneficiário em caso de doença, maternidade, paternidade e adoção, desemprego, acidente de trabalho e doença profissional, invalidez, velhice ou morte (arts. 26º e 29º, n.º 1 da Lei n.º 32/2002).
Já o crédito indemnizatório que, no caso, assiste ao apelado receber da apelante 1ª Ré radica na responsabilidade infortunística deste decorrente do acidente de trabalho sofrido pelo primeiro quando trabalhava sob ordens, direção e fiscalização desta.

Reconhece-se, no entanto, que não fora esse acidente de trabalho, que fez nascer na esfera jurídica do apelado o direito a ser indemnizado pela sua entidade empregadora pelas consequências emergentes do acidente nos termos previstos na Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT), mas que, concomitantemente, lhe determinou uma situação de doença e de invalidez definitiva, que fez nascer, na qualidade de beneficiário da segurança social, o direito a dela receber as prestações sociais por via dessa situação de doença e de invalidez, que satisfazendo a segurança social essas prestações sociais, as quais não teria pago não fora, no caso, o acidente de trabalho, deverá ser reconhecido àquela um direito de sub-rogação legal relativamente às quantias que liquidou ao seu beneficiário contra esse terceiro. Isto é, no cumprimento da sua obrigação própria, a Segurança Social paga as prestações sociais ao beneficiário que sofreu o acidente de trabalho, mas na medida em que fez esses pagamentos ao seu beneficiário, credor da indemnização perante o terceiro responsável pelo acidente de trabalho, substitui-se ao beneficiário no exercício do seu direito indemnizatório contra o terceiro na medida em que efetuou aqueles pagamentos.

Nesta medida, como dito, é que as instituições de segurança social assumem um papel subsidiário e provisório face à obrigação de indemnização de que é sujeito passivo o autor do ato determinante da responsabilidade civil/responsabilidade infortunística.

Assentes nestas premissas, revertendo ao caso em análise, como é bom de ver, na situação presente, nenhum dos requisitos legais do enriquecimento sem causa se encontram verificados posto que inexiste qualquer enriquecimento patrimonial do apelado à custa da 1ª Ré apelante.

Na verdade, o crédito indemnizatório que o apelado tem direito a receber da apelante 1ª Ré emerge da responsabilidade infortunística desta decorrente do acidente de trabalho sofrido pelo primeiro.

Já a pensão de invalidez que o apelado se encontra efetivamente a receber da instituição de previdência social Suíça radica na qualidade de beneficiário do apelado em relação a essa instituição e da circunstância de ter estado doente e ter ficado inválido e, consequentemente, de acordo com a Lei Suíça de segurança social lhe estar conferido o direito a receber aquelas prestações sociais.
Dir-se-á que a situação de doença e de invalidez que afetou, e contínua a afetar o apelado é consequência direta e necessária do acidente de trabalho de onde nasceu o direito indemnizatório que assiste sobre a apelante 1ª Ré, o que é absolutamente certo.
Dir-se-á, conforme afirmam as apelantes, que o apelado receberá duas indemnizações pelo mesmo facto: uma decorrente da Segurança Social Suíça e outra da apelante 1ª Ré por via da responsabilidade infortunística em que se encontra constituída.

Acontece que essas duas indemnizações, que efetivamente poderão acontecer, radicam em causas jurídicas distintas: a) a da Segurança Social radica na qualidade de beneficiário do apelado daquela instituição e na situação de doença e de invalidez que o afetou em consequência do acidente de trabalho, situação de doença e de invalidez essa que, segundo a legislação da segurança social, lhe confere o direito a receber essas prestações sociais, b) a da apelante 1ª Ré radica na sua responsabilidade infortunística decorrente do acidente de trabalho sofrido pelo apelado quando trabalhava sob as suas ordens, direção e fiscalização.

Essa dupla indemnização poderá efetivamente ocorrer, caso a instituição da segurança social não exija ao apelado as prestações sociais que lhe pagou ou não disponha de base legal para o fazer.
Nesse caso, o enriquecimento do apelante verificar-se-á à custa da instituição da segurança social suíça e não da apelante 1ª Ré, que ao satisfazer a indemnização que foi arbitrada ao apelado pelo Tribunal do Trabalho, se limita a satisfazer a sua responsabilidade própria.

Aliás, seguindo o raciocínio das apelantes, que pretendem que a apelante 1ª Ré seja desonerada da sua responsabilidade infortunística perante o apelado, desembocar-se-ia necessariamente numa situação de enriquecimento sem causa da apelante 1ª Ré à custa da instituição da segurança social suíça, de que nem sequer é beneficiária.

Só assim não seria e, nesse caso, existiria efetivo enriquecimento sem causa do apelado em detrimento da apelante 1ª Ré, caso a instituição de segurança social suíça tivesse exercido o seu direito de sub-rogação legal em relação às prestações sociais já pagas ao apelado em relação à apelante 1ª Ré, conforme era seu direito legal fazer, mas que não exerceu no âmbito dos presentes autos e que apesar de ter exercido no âmbito dos autos de ação ordinária n.º 328/13.0T8CHV, do extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves (cfr. fls. 241 a 254), não viu aí esse direito de sub-rogação legal reconhecido (cfr. fls. 314 a 323). É que nesses casos, a apelante 1ª Ré não podia ser condenada a pagar à instituição de segurança social Suíça as quantias que esta já liquidou ao apelado por via do direito de sub-rogação legal que assistia àquela, e ser, em simultâneo, obrigada a satisfazer a totalidade do crédito indemnizatório que assiste ao apelado receber de si (sem dedução daquela quantia que fora condenada a restituir à segurança social suíça) por via da responsabilidade infortunística em que se encontra constituída perante aquele.

Acontece que, como dito, a instituição da segurança social suíça não viu reconhecido o exercício do direito de sub-rogação legal que lhe assiste por via das prestações que pagou ao apelado pelo que, como dito, caso essa instituição não exija a restituição dessas quantias ao apelado ou, à luz da lei suíça, não tenha fundamento legal para lhe exigir essa restituição, o enriquecimento deste é obtido à custa da instituição da segurança social suíça e não da apelante 1ª Ré, que antes, reafirma-se, com a sua alegação mais não pretende que se enriquecer ela, sim, à custa da referida instituição da segurança social, ao eximir-se da sua responsabilidade infortunística perante o apelado.

Enuncie-se que o risco da apelante 1ª Ré ter de pagar duas vezes (uma ao apelado e outra à instituição da segurança social suíça) nunca se coloca.
É que liquidando a apelante 1ª Ré a indemnização que deve ao apelado por via da responsabilidade infortunística em que se encontra constituída perante aquele, cujo montante indemnizatório foi fixado pelo Tribunal do Trabalho, por decisão transitada em julgado, automaticamente se extingue o crédito indemnizatório do apelado perante aquela e, consequentemente, a instituição da segurança social já não se pode sub-rogar ao apelado perante a apelante 1ª Ré, por já não existir qualquer dívida da última perante aquele.

A questão da dupla indemnização do apelado, como bem se refere na sentença recorrida, é questão que apenas respeita ao apelado e à instituição de segurança social suíça, à qual as apelantes, designadamente, a apelante 1ª Ré, é totalmente alheia.

Naturalmente que a legislação nacional prevê mecanismos legais que, nessa relação entre instituição de segurança social versus beneficiário, permite ultrapassar essa questão, que se desconhece se existem igualmente no ordenamento jurídico suíço, mas que, para o caso presente interessa, é totalmente irrelevante.

Com efeito, no âmbito do ordenamento jurídico nacional, o art. 6º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10/05, determina que “existindo responsabilidade civil de terceiro pelo facto determinante da incapacidade que fundamenta a atribuição da pensão de invalidez, não há lugar ao pagamento das respetivas prestações até que o somatório das pensões que o beneficiário teria direito, se não houvesse tal responsabilidade, atinja o valor da indemnização por perda de capacidade de ganho”.
Significa isto que, no ordenamento jurídico nacional, satisfeita a prestação indemnizatória pela apelante 1ª Ré ao apelado, a segurança social portuguesa pode suspender a pensão de invalidez até ser atingido o montante dessa indemnização, tendo de retomar o pagamento da pensão de invalidez ao apelado logo que essa indemnização que lhe fora paga pela apelante 1ª Ré (na parte respeitante à perda da capacidade de ganho) seja esgotada.

Resulta do que se vem dizendo que nenhuma censura nos merece a sentença recorrida quando nela se conclui pela improcedência da exceção do enriquecimento sem causa invocada pelas apelantes e julgou procedente o pedido subsidiário formulado pelo apelado.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso interposto pelas apelante parcialmente procedente e, em consequência:

- alteram a resposta dada ao ponto 9º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, que passa a constar do seguinte teor:
“A 1ª Ré era uma empresa criada no seio da família F., onde além do gerente Manuel, habitualmente se distinguem e exerciam cargos de gestão, representando a empresa, os Réus JORGE e o Réu HUGO”.
- no mais confirmam aquela sentença, incluindo a respetiva parte dispositiva.
*
Custas do recurso pelas apelantes uma vez que não obstante terem obtido parcial vencimento quanto à matéria de facto impugnada em relação ao ponto 9º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, essa alteração mostrou-se totalmente inócua para o desfecho do recurso, já que a parte dispositiva da sentença recorrida vai confirmada (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 03 de maio de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha

1. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
2. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
3. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 153.
4. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
5. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
6. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
7. Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs.
8. Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
9. No ac. do STJ. de 09/07/2015, proferido no Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1, considerou-se que “tendo o apelante, nas suas conclusões de recurso (i) identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, (ii) indicado o depoimento das testemunhas, que entendeu mal valorados, (iii) fornecido a indicação da sessão no qual foram prestados e do início e termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição, (iv), bem como referido qual o resultado probatório que no seu entender deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar”. Já no Ac. STJ. de 14/09/2006, Proc. n.º 06B1998, entendeu-se que: “Deve ser rejeitado o pedido de alteração da matéria de facto formulado na apelação que se refira unicamente aos depoimentos de determinadas testemunhas, mas omita os concretos pontos gravação das declarações daquelas que impunham uma decisão diversa sobre os trechos da matéria de facto impugnada”. No Ac. do STJ. de 19/01/2016, Proc. n.º 3326/10.4TBLRA.C1.S1, ponderou-se que: “ a falta de indicação exata e precisa do segmento da gravação em que se fundamenta o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação eletrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório. E no Ac. do STJ. de 19/02/2015, Proc. 405/09.1TMCBR.C1.S1, escreve-se que: “… que a apresentação das transcrições globais dos depoimentos não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640º do Cód. Proc. Civil”.
10. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
11. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., Almedina, pág. 446.
12. Antunes Varela, ob. cit., pág. 447.
13. Neste sentido vide Ac. STJ. de 20/03/2012, Proc. 29/03.7TBVPA.PS.S1, in base de dados da DGSI.
14. Ac. STJ. de 16/12/2004, Proc. 05B1533, in base de dados da DGSI.
15. Antunes Varela, ob.cit., pág. 452. Ac. R.P. de 20/09/2010, Proc. 470/08.9TBVFR.P1, in base de dados da DGSI.
16. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, págs. 484 e 485.
17. Antunes Varela, ob. ct., vol. I, pág. 495.
18. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 454.
19. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 455 e 456. Acs. STJ. de 04/07/2007, Proc. 04/10/2007, Proc. 07B2772,in base de dados da DGSI; RC. 11/05/2004, CJ, 2004, t. 3º, pág. 8. No mesmo sentido Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, 2º, vol., 1990, AAFDL, pág. 56: “A ausência de causa emerge (…) da inexistência de normas jurídicas que, a título permissivo ou de obrigação, levem a considerar o enriquecimento como coisa estatuída, isto é, tolerada ou querida pelo Direito”.
20. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 457 e 458.
21. Ana Prata, “Dicionário Jurídico”. Vol. I, 5ª ed., Almedina, pág. 1378.
22. Antunes Varela, ob. cit., vol. II, págs. 335 e 336.
23. Antunes Varela, ob. cit., vol. II, pág. 346.
24. Ac. RG. de 07/06/2004, Proc. 780/04-2, in base de dados da DGSI.