Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
112509/15.0YIPRT.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA PENAL
EXCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I-Quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, ou se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida, a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade-cfr. art. 812.º, n.º 1 e 2 do C.Civil.
II-Nos termos do artigo 19.º, al. c) do Dec.-Lei n.º 446/85 de 25.10. alterado pelos Dec.-Leis n.ºs 220/95 de 31.10 e 249/99 de 07.07 são relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, inseridas nos designados contratos de adesão.
III-A cláusula penal inserta previamente no conteúdo do contrato de locação, com duração de cinco anos, que não foi objecto de negociação, imposta ao aderente, prevendo uma indemnização, para a hipótese de cessação do contrato, correspondente ao pagamento das mensalidades estipuladas até ao respectivo termo, faz incidir sobre o aderente uma vinculação manifestamente não coincidente com os seus interesses de utilização dos bens alugados contra o pagamento de um preço, libertando a locadora, predisponente, de qualquer risco de incumprimento, ficando ainda com a possibilidade de vender ou novamente alugar os bens que o aderente foi obrigado a devolver.
IV-A desproporção que se verifica neste tipo de cláusula, face ao quadro negocial padronizado, por impôr ao aderente consequências patrimoniais gravosas, deve ser considerada relativamente proibida à luz do citado normativo legal.
Decisão Texto Integral:
Sumário
I-Quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, ou se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida, a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade-cfr. art. 812.º, n.º 1 e 2 do C.Civil.
II-Nos termos do artigo 19.º, al. c) do Dec.-Lei n.º 446/85 de 25.10. alterado pelos Dec.-Leis n.ºs 220/95 de 31.10 e 249/99 de 07.07 são relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, inseridas nos designados contratos de adesão.
III-A cláusula penal inserta previamente no conteúdo do contrato de locação, com duração de cinco anos, que não foi objecto de negociação, imposta ao aderente, prevendo uma indemnização, para a hipótese de cessação do contrato, correspondente ao pagamento das mensalidades estipuladas até ao respectivo termo, faz incidir sobre o aderente uma vinculação manifestamente não coincidente com os seus interesses de utilização dos bens alugados contra o pagamento de um preço, libertando a locadora, predisponente, de qualquer risco de incumprimento, ficando ainda com a possibilidade de vender ou novamente alugar os bens que o aderente foi obrigado a devolver.
III-A desproporção que se verifica neste tipo de cláusula, face ao quadro negocial padronizado, por impôr ao aderente consequências patrimoniais gravosas, deve ser considerada relativamente proibida à luz do citado normativo legal.
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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I—RELATÓRIO
“G” intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra “S”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 5.982,37 de capital, acrescido de juros, outras quantias e taxa de justiça.
Alega, para o efeito, ter alugado à Ré os bens que identifica, mediante o pagamento de uma renda, tendo esta deixado de fazer o pagamento da renda, o que levou à resolução do contrato pela Autora.
Citada a Ré, contestou, nos termos constantes da oposição junta aos autos.
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Proferiu-se sentença que julgou a presente acção totalmente procedente e, consequentemente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 5.982,37 €, acrescida do montante de 89,28€, a título de juros de mora vencidos à data da apresentação do requerimento de injunção, mais juros de mora contados desde 11 de Agosto de 2015, até integral pagamento, às taxas convencionadas de 15,05%, sobre a quantia de 5.842,76 € e de 12% sobre a quantia de 139,61 €.
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Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES
I.A Requerente, G, deu entrada de requerimento de injunção peticionando o pagamento de quantias emergentes de contrato de locação que terá celebrado com a Requerida/Recorrente (o mesmo teria por objecto o aluguer de 4 fotocopiadoras/impressoras multifunções), que veio a resultar nos presentes autos de processo.
II. Em sede de oposição, a requerida declarou, em síntese, nunca ter celebrado qualquer contrato com a Requerente, nem nunca pretendeu celebrar qualquer contrato de locação com aquela, directa ou por interposta pessoa;
III. Ainda, declarou que todos os contratos das fotocopiadoras/impressoras foram celebrados com Q, na modalidade pagamento à cópia, relativos a a sociedade.
IV. Foi realizada audiência de julgamento e produzida prova documental e testemunhal por ambas as partes.
V. O tribunal "a quo" decidiu julgar totalmente procedente a acção, por provada, e, consequentemente, condenar a Requerida a pagar à Requerente a quantia de 5982,37€, acrescida do montante de 89,28€, a título de juros de mora vencidos à data da apresentação do requerimento de injunção, mais juros de mora contados desde 11 de Agosto de 2015, até integral pagamento, às taxas convencionadas de 15,05%, sobre a quantia de 5842,76 € e de 12% sobre a quantia de 139,61€.
VI. Fundamentou a sua decisão no seguinte sentido:
"O tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida em julgamento.
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos que, apesar da versão da Requerida, que afirma na oposição que não conhece, nunca negociou e desconhece o ramo da actividade da Requerente, demonstram que a Requerida celebrou com a Requerente o contrato de locação dos bens móveis constantes da lista anexa ao contrato. O contrato encontra-se assinado pela Requerente, enquanto locadora, e pela Requerida, enquanto locatária, surgindo a sociedade Quatronica enquanto vendedora/fornecedora. A assinatura da legal representante da Requerida não foi impugnada.
Resulta também da correspondência trocada entre a Requerente e a Requerida, nomeadamente da resolução do contrato realizada pela Requerida, que esta reconheceu o contrato celebrado com aquela.
Tais documentos comprovam ainda, e foi aceite pela legal representante da Requerida, quando ouvida em declarações de parte, que os pagamentos eram realizados por débito directo pela Requerida à Requerente, que enviava os respectivos recibos.
Da correspondência junta aos autos, decorre que a vendedora/fornecedora (Quatronica) falhou no serviço que se comprometeu a prestar à Requerida, o que levou a que esta deixasse de pagar o valor contratado com a Requerente e, posteriormente, resolvesse o contrato celebrado com as duas sociedades.
No entanto, o contrato de locação é autónomo do contrato de prestação de serviços que a Requerida celebrou com a sociedade que nem sequer é parte nos presentes autos, sociedade que foi escolhida pela Requerida e, quando deixou de satisfazer, a requerida poderia ter trocado enquanto fornecedora de serviços, como lhe foi sugerido em 23 de Fevereiro de 2016 pela Requerente (cfr. email de fls. 63).
Isto para concluir que a Requerida não tinha fundamentos contratuais ou legais para resolver, com justa causa o contrato de locação que celebrou com a Requerente.
Tendo deixado de pagar o preço contratualmente fixado pelo aluguer dos bens móveis, apesar dos avisos da Requerente, levou à resolução do contrato pela Requerente, em 15/07/2015.
Os depoimentos das testemunhas acabaram por confirmar o que já resultava dos documentos, não tendo a testemunha da Requerida nem a sua representante legal logrado convencer o Tribunal que a Requerida agiu em erro quando celebrou o contrato com a Requerente, desconhecendo que estava a contratar com ela.
Assim, a testemunha M, funcionário da Requerente, explicou que esta não escolhe os vendedores e fornecedores dos equipamentos, que são antes escolha do locatário. No caso em apreço, foi a requerida que escolheu a Quatronica, sendo a relação da Requerente com esta empresa apenas de compradora. A Requerente comprou os equipamentos à Q e alugou-os à Requerida, sendo um aluguer de 60 meses, prazo escolhido pela Requerida. A Q entregou o contrato à Requerida para assinar, depois o contrato foi devolvido à Requerente, que também assinou e, posteriormente, foi enviado um exemplar ao locatário, devidamente assinado. Explicou que as rendas foram pagas até Maio de 2015, tendo sido enviadas cartas pela Requerente à Requerida por causa da interrupção do pagamento. Disse ainda que a Requerente nunca fornece consumíveis nem faz a manutenção dos equipamentos, só alugando os mesmos.
A testemunha A, administrativa da R., identificou a Q como a empresa que presta serviços à Requerida e que começou a prestar maus serviços, tendo configurado esses serviços como um contrato de manutenção das impressoras. Disse que a requerida devolveu as impressoras, desconhecendo a quem, mas que foi para a morada que foi indicada. Confirmou que os pagamentos eram feitos por débito directo à Requerente, dizendo que pensava que era a empresa que tratava das cobranças da Q. Acabou por admitir que não leu os contratos nem participou nas negociações.
M, legal representante da requerida, descreveu o contrato celebrado com o fornecedor dos equipamentos, com os consumíveis a cargo deste; confirmou os pagamentos por débito directo e as facturas enviadas pela Requerente; a devolução dos equipamentos à G porque "são da G e não da Requerida".
Tudo conjugado, provou-se a versão dos factos trazida pela Requerente, não tendo resultado minimamente provado que a Requerida contratou em erro, não sabendo que contratava com a G e que estava a alugar os equipamentos comprados por esta à Q, empresa que além de ter vendido os equipamentos também assegurou a manutenção dos mesmos. Também não resultou provado qualquer facto que fundamentasse a resolução do contrato de locação, por iniciativa da Requerida. Pelo contrário, provou-se que a requerida deixou de pagar à Requerente o preço estipulado pela locação dos equipamentos, o que levou à resolução do contrato por iniciativa da Requerente".
VII.Salvo o devido respeito, incorre o Tribunal em erro de apreciação da prova, por tudo quanto infra se exporá.
VIII. Na verdade deveriam ter sido considerados como não provados os factos 1 (celebrou, sim, contrato com a Q); 3 (não escolheu qualquer equipamento); 4; 5; 6 (após " .. .ficando em dívida" até final); 7 (após " ... As interpelações" até final); 8; 9; 10; 13; 15 dos dados como provados e como provados os factos 2 e 3 dos dados como não provados.
IX. Na verdade, resulta de toda a documentação junta e, especialmente, da prova testemunhal, a veracidade da posição da Recorrente:
A Q comprometia-se a colocar equipamentos na sociedade Requerida, a fornecer "tonners" e outros consumíveis e a prestar toda e qualquer assistência que os equipamentos necessitassem;
Entre a Recorrente e a sociedade Q foi acertado o preço a pagar pelo aluguer dos equipamentos colocados e assistência a prestar;
Pela Q, na pessoa do seu representante, foram apresentados os todos os contratos a assinar e qual o modo de pagamento;
A Recorrente assinou os documentos que lhe foram apresentados, na exacta convicção que os mesmos reflectiam o acordado nas negociações;
Ao longo de todo o processo negocial nunca foi mencionado o nome da 2.a R. G;
Nunca foi referida a expressão "locação financeira" ou explicada a sua implicação ao nível obrigacional;
A Recorrente não conhecia a sociedade G; Nunca negociou qualquer contrato com esta;
Nunca pretendeu celebrar qualquer contrato com a G;
Os representantes ou funcionários da G não conhecem a sociedade Recorrente, os seus representantes ou funcionários;
Nunca nenhum representante da Recorrida negociou com a Recorrente ou participou nas negociações;
A relação comercial desenvolveu-se com normalidade, nunca tendo a primeira deixado de liquidar as quantias acordadas no modo de pagamento estabelecido pela Q;
Até que a sociedade Q deixou de prestar os serviços e fornecer o material nos termos acordados;
Somente, em momento muito posterior, se deu conta que a sua vontade real não foi reflectida nos contratos celebrados, nunca foi sua intenção celebrar qualquer contrato de crédito (locação financeira);
Tal não lhe é/era economicamente vantajoso;
Sempre pretendeu e expressou tal vontade que o que pretendia era um "aluguer de equipamentos com pagamento à cópia".
X. Todos estes factos deveriam ter sido dados como provados.
XI. Desde logo atente-se aos primeiros contratos junto pela Recorrente sob "Doc. 2". Este estipula que a Recorrente liquide à sociedade Q o valor de 131,95€ correspondente à locação e prestação de serviços contratada para quatro equipamentos (1 Kyocera 1135, 1 Kyocera 1035, 1 Ricoh e 1 Kyocera 1118), incluindo-se 14350 cópias/impressões a preto e 450 cópias/impressões a cores - ficando a manutenção e consumíveis a cargo da locadora Q.
XII. Ora, tal valor corresponde, ao cêntimo, ao constante nos contratos junto aos autos pela Recorrida, como de locação financeira.
XIII. A recorrente sempre pretendeu celebrar um contrato de aluguer (locação) com a Quatronica, nunca um contrato de locação financeira com qualquer entidade.
XIV. Foi a acção dolosa da entidade Q que induziu em erro a recorrente que só estaria a assinar um único contrato - sempre com a Q.
XV. Esta, apresentando todos os "papéis" em conjunto e solicitando a sua assinatura simultânea, levou a Recorrente a assinar um contrato que não consentiu, acordou ou pretendia - contrário aos seus melhores interesses.
XVI. O facto de estar a liquidar mensalmente somente o valor acordado, o facto de terem sido colocados os equipamentos nas suas instalações (ainda antes de celebrado qualquer contrato) e o facto de estarem, efectivamente, a Q, a prestar os serviços acordados fez com que mantivesse o logro.
XVII. Sucede, porém, que os serviços deixaram de ser prestados e a Recorrente viu-se obrigada a quebrar a relação comercial com a Q sob pena de parar, em absoluto, a sua actividade comercial.
XVIII. Na missiva enviada à Q, junta sob "Doc. 4" pela Recorrida, é resolvido o contrato de locação e prestação de serviços e solicitado o levantamento dos equipamentos;
XIX. Ainda, sob "Doc. 4", consta a comunicação enviada à G/Recorrida da cessação dos pagamentos e dos motivos de tal acto.
XX. Sempre, a Recorrida, mantendo a sua convicção que celebrou um contrato com a Q e a "G" não mais era que uma entidade para receber o pagamento acordado - como se depreende pelo conteúdo das missivas supra citadas e da carta enviada, posteriormente, junta aos autos sob "Doc. 5".
XXI. Foi, só então, que surgiu, pela primeira vez, o contacto directo entre a Recorrida e a Recorrente. Primeiro, solicitando a manutenção dos pagamentos e, depois, com a revelação dos contornos da celebração dos contratos, na óptica da Grenke.
XXII. A Recorrida nunca se escudou aos contactos desta e procurou esclarecer a sua posição junto da Recorrida - sem sucesso - tendo, esta, chegado a sugerir que contratasse outra sociedade para prestar o serviço de assistência e manutenção;
XXIII. Ora, como é "bom de ver", tal é irrazoável, conduziria a que a Recorrente tivesse de pagar o dobro pelo serviço que contratou.
XXIV. Nenhum gestor, minimamente consciente, iria quer pagar - ou subscreveria um contrato - que o obrigasse a pagar o dobro por um qualquer serviço.
XXV.Foi contratado um prestador de serviços, que coloca os equipamentos e, mediante um preço, à cópia, presta assistência - como existem dezenas no mercado e a cujos serviços a Recorrente sempre recorreu.
XXVI.Na medida em que a recorrente somente liquidou a quantia acordada inicialmente com a Q - e não mais um cêntimo - pela G é dado a entender que a Quatronica trabalhou meses a fio de graça, prestando assistência, disponibilizando um técnico, colocando peças nas máquinas que têm o seu preço, etc.
XXVII.Tal não passaria pela cabeça de um homem razoável, como não ocorreu à Recorrente que o contrato que assinou era mais que aquilo que acordou e celebrou verbalmente.
XXVIII.Diga-se, em abono da verdade, a Recorrida nunca contactou a Recorrente, nunca se assegurou da veracidade/autenticidade da documentação que lhe é entregue, procurando, sim, obter o lucro e celebrar o maior número possível de negócios - ainda que por interposta pessoa/sociedade.
XXIX.Vem, agora, sindicar o cumprimento de um contrato que, efectivamente, não celebrou com a Recorrida mas com outrem - a Q - sem mais!
XXX. Não se pode ignorar que o contrato junto aos autos pela Recorrida foi assinado pela Recorrente;
XXXI. Porém, não foi assinado do decurso de negociações DIRECTAS entre Recorrente e Recorrida nos termos acordados de comum acordo.
XXXII. Por outro lado, resulta do depoimento da testemunha da Recorrente, Sr. M, que a G vê (via?) a Quatronica como sua representante/ parceira.
XXXIII. Ora, se por um lado é inegável, de toda a prova produzida, que a G, directamente, nunca negociou com a Recorrente, não se podem apagar as declarações prestadas em sede de audiência e julgamento pela testemunha.
XXXIV. Se a Q é representante/parceira para a celebração de negócios e obtenção de lucros, não pode a G eximir-se à responsabilidade decorrente de condutas lesivas por parte daquela.
XXXV. Mais, ainda do depoimento do Sr. M, a Q tinha acesso exclusivo a uma plataforma informática criada pela G e, também, acesso exclusivo aos contratos por esta criados.
XXXVI. Também, resulta da globalidade do seu depoimento, que não conhecia a Recorrente antes deste processo, que a G não esteve presente aquando das negociações e celebrações do contrato e que ignora que parte contraente escolheu qual.
XXVII. Finalmente, do depoimento desta testemunha, ficamos a saber que a G não mais vê a Q como sua representante ou parceira.
XXVIII. Não sendo virgem ou desconhecidas da Recorrida as condutas da Quatronica com o intuito de celebrar contratos lucrativos em seu nome.
XXXIX. O depoimento da testemunha da Recorrida, A, foi explicado, detalhadamente, o funcionamento prático do contrato celebrado com a Q, de facto, possuía nas suas instalações as máquinas lá colocadas por esta e sempre que era necessária a substituição de um consumível, uma qualquer peça ou simplesmente proceder à manutenção das máquinas contactavam a Q que encaminhava um técnico e realizava o serviço.
XL. Mais declarou ter conhecimento directo do contrato celebrado pois todos os passos lhe foram comunicados pela sua entidade patronal e, bem assim, qual o modo de proceder e quem contactar em caso de avarias das máquinas;
XLI. Acrescentou que as máquinas foram colocadas nas instalações da S no mês de Janeiro, muito antes da assinatura de qualquer contrato e que as mesmas foram escolhidas pela Q pois a S não possuiu qualquer conhecimento nessa área.
XLII. Atestou, também, ter estado presente no dia que o Sr. A trouxe os documentos para serem assinados, declarando que somente este reunido breves momentos com a Dra. J, entrando e saído à pressa das instalações - como era seu costume. Não sendo crível que tenha sido possível, em tão curto espaço de tempo, tenha sido possível ler os contratos.
XLIII. Ainda, do seu conhecimento, atestou que, mensalmente, a Recorrente procedia ao pagamento dos montantes acordados e que eram realizados para uma entidade que desconhecia em absoluto - e desconhece - a G.
XLIV. Assumindo, da sua experiência, que a mesma seria a responsável pela contabilidade e gestão de activos e clientes da Q.
XLV. Sempre assumindo que, a existir qualquer relação contratual, a mesma sempre seria entre a Q e a G e nunca entre a Recorrente e a G.
XLVI. Em sede de audiência e discussão de julgamento, prestou declarações de parte a sócio-gerente da Recorrente que explicou, exaustivamente o procedimento negocial, as partes envolvidas, os moldes do negócio, o seu funcionamento, a data de colocação dos equipamentos, que não procedeu à escolha dos mesmos por não perceber e, em especial, o modo de assinatura dos contratos.
XLVII. Os mesmos foram-lhe apresentados pelo Sr. A, meses depois do contrato verbal ter sido celebrado, à pressa no seu gabinete, tendo-lhe somente solicitado as assinaturas e rubricas - nos locais por ele indicados - e indicado o NIB para que pudessem proceder ao débito directo. Ainda, declarou que o mesmo não deixou cópia dos contratos.
XLVIII. Na verdade não verificou o texto ínsito nos contratos, tanto mais que os mesmos apresentavam letra extremamente reduzida, obstaculizando a fácil percepção do seu conteúdo e, cumulativamente, retirando interesse na sua leitura.
XLIX. Na verdade a ser procedente a sentença ora em crise resultaria que a S é, ainda, devedora, para com a Q, de valores mensais de 131,95€ desde a data da assinatura dos contratos, pelo menos até à rescisão do mesmo;
L. Pois, se atendermos que ambos foram assinados pela Recorrente, ambos são igualmente válidos.
LI. Diga-se, seria "somar o insulto ao prejuízo".
LII. Em conclusão, as declarações vertidas no contrato de locação financeira apresentado pela Recorrida, não corresponde à real e efectiva vontade da recorrida;
LIlI. A recorrida sabia e conhecia a vontade real da recorrente - ou ignorava dolosamente - o intuito da celebração do negócio, que era notória e explicita;
LIV.Aproveitaram-se da boa fé e confiança da Recorrida, foram-lhe apresentados contratos danosos para o património desta e levaram a que esta os assinasse.
LV.Pugnando-se pelo reconhecimento da anulabilidade dos contratos celebrados por não estarem conformes à sua vontade nos termos dos artigos 251.° e 247.° do Código Civil.
Sem prescindir,
LVI. O tribunal "a quo" decidiu, ainda, indeferir o pedido da Recorrente que fosse reconhecida como excessiva e exorbitante a cláusula 1.6 constante do contrato de locação (da G), considerando que a mesma não é manifestamente excessiva e que, tendo em vista as finalidades da cláusula penal referida, não vê que haja uma desproporção sensível entre os danos e a indemnização exigida.
LVII. No caso dos autos, verifica-se que, para além das rendas já recebidas, da propriedade das máquinas - que, somente com dois anos de uso com manutenção por especialista, terão, certamente, valor de mercado dada a sua qualidade e o facto de serem máquinas profissionais (bastando para tal lançar mão de um qualquer site de vendas online);
LVIII. Resultando, tal nunca clara desproporção conduzindo a que a G ganhasse mais que o conseguiria com um eventual cumprimento do contrato.
LIX. Na verdade nem sempre a solução mais fácil para um dado problema é a mais justa, não se podendo rejeitar as evidências pela simplicidade da resolução.
LX. Pelo que, considerando que o Tribunal "a quo" fez uma errada interpretação da Lei e que a sentença, ora viola o disposto dos artigos 251.° e 247.° do Código Civil e o artigo 19.°, alínea c) do Decreto Lei 446/85 de 25 de Outubro, na sua versão mais recente, não sendo a mais conforme ao Direito e à Justiça, deve a mesma ser revogada e substituída por outra que determine a procedência da oposição apresentada.
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A Autora contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
1.a) A douta sentença em crise não merece qualquer censura ou reparo, nomeadamente no que respeita à matéria de facto dada como provada e como não provada.
2.a) Do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 607.° do CPC, resulta que "o juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto". E foi isso que, de facto, sucedeu no caso concreto, muito embora a Recorrente possa não concordar com a livre apreciação feita pelo Mmo. Juiz a quo.
3.a) Pretender-se que seja feito um novo julgamento dos factos significaria um afastamento do princípio da livre apreciação da prova.
4.a) Sendo que, tendo em consideração os diversos elementos de prova carreados aos autos e conforme resulta da motivação da mesma constante, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura.
5.a) O Tribunal a quo andou bem ao julgar como julgou, a decidir como decidiu.
6.a) O contrato sub judice é um contrato típico de locação de bens móveis ou aluguer, com o respectivo regime jurídico previsto no Código Civil, não sendo susceptível de ser qualificado juridicamente como qualquer outro tipo de contrato, nomeadamente como contrato de locação financeira.
7.a) Em abstracto ou em concreto, a cláusula penal convencionada na cláusula 16.a, n.º 1, das Condições Gerais de Locação não é excessiva, nem arbitrária, nem desproporcionada, sendo adequada à fixação das obrigações assumidas, à quantificação da indemnização pelos danos, por incumprimento das obrigações previstas na cláusula 1.a, n.º 2, das Condições Gerais de Locação, correspondendo à vontade livre e esclarecida das partes contratantes.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II—Delimitação do Objecto do Recurso
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes :
--Da modificabilidade da matéria de facto;
--Da eventual desproporção da cláusula penal inserta no contrato de locação de bens móveis.
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Da modificabilidade da decisão de facto
Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. (negrito nosso)
Assim, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal(1) e ainda de outros que se mostrarem pertinentes, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
A Recorrente manifestou a sua discordância em relação à decisão proferida sobre os factos constantes dos pontos 1, 3 a 10, 13 e 15, por entender que não ficaram provados e sobre a matéria dada como não provada (factos 2 e 3) por considerar que, ao invés, devem ser dados como demonstrados, baseando-se, para tanto, na prova documental e testemunhal que indicou.
Em resumo, pretende que seja dada como provada a tese por si defendida no sentido de que apenas contratou o aluguer das máquinas fotocopiadoras/impressoras com a fornecedora Q e não com a Recorrida e que esta mais não era que uma entidade para receber o pagamento acordado.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a Recorrente uma vez que, como se refere acertadamente na decisão recorrida, a documentação junta aos autos demonstra precisamente o oposto.
O contrato de locação, junto a fls. 35 e segs, encontra-se assinado pela Recorrida, na qualidade de loacadora, e pela legal representante da Recorente, na qualidade de locatária, não tendo sido tal assinatura impugnada. Consta desse documento que a vendedora do equipamento é a sociedade Q.
No documento n.º 2 (fls. 40) a legal representante da Recorrente assinou por baixo da declaração de confirmação de aceitação do equipamento e da informação de que a locadora, G, irá pagar o preço de aquisição do bem locado ao fornecedor, Q, após essa assinatura.
A Recorrente recebeu da Recorrida uma missiva (doc. n.º 4-fls. 42) informando-a sobre o valor do débito directo, de acordo com as instruções daquela.
Além do mais, é a própria Recorrente a reconhecer que a Recorrida era a entidade que recebia o dinheiro referente às mensalidades estipuladas no contrato de locação do mencionado equipamento.
Também resulta da correspondência trocada entre as partes e das declarações de parte da sua legal representante, como se referiu na decisão, que a Recorrente reconheceu o contrato celebrado com a Recorrida, a quem eram feitos os pagamentos por débito directo. E se a legal representante, como afirmou, não verificou o texto ínsito nos documentos, deveria tê-lo feito.
Os meios de prova produzidos, nomeadamente aqueles que a Recorrente indicou não são susceptíveis de demonstrar minimamente a tese por si defendida na oposição e agora em sede de recurso.
Concluindo, não se impõe qualquer alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.
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III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
1. A Requerente G, celebrou, em 01/03/2013, com a Requerida “S”, o Contrato de Locação n.º …, do qual fazem parte integrante as Condições Gerais de Locação e os Termos e Condições Gerais Relativas ao Seguro de Propriedade da Grenke, e que aqui se dá integralmente por reproduzido.
2.O Contrato de Locação teve por objectos alugados 4 fotocopiadoras/impressoras multifunções, sendo 3 de marca Kyocera e 1 de marca Ricoh, com os modelos e números de série todos melhor identificados na Factura n." …, emitida em 27/02/2013, pela fornecedora Q, à Requerente.
3. Os referidos equipamentos alugados e a fornecedora foram escolhidos pela Requerida e adquiridos pela Requerente, no interesse da Requerida, por compra, pelo preço de 7.916,99 €, com o objectivo exclusivo de os alugar à ora Requerida.
4. O contrato de locação tinha a duração inicial de 60 meses, a contar do 1.º dia do trimestre seguinte à data da recepção dos bens (que ocorreu em 01/03/2013), ou seja, com início do prazo em 01/04/2013 e termo em 31/03/2018, sendo renovável por iguais e sucessivos períodos de seis meses.
5. O aluguer mensal ajustado foi de 131,95 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor, a pagar trimestralmente por débito directo. O valor do aluguer teve em consideração o preço de aquisição pago pela Requerente e a obrigação da Requerida pagar no mínimo 60 alugueres, caso o contrato não se renovasse.
6. A Requerida pagou os alugueres vencidos até Março de 2015, ficando em dívida os alugueres de Abril a Setembro de 2015, os custos de aviso e despesas de devolução de entradas de débito directo, e os juros de mora, tendo as entradas de débito directo sido devolvidas, com a informação de "Débito Rejeitado".
7. A Requerida foi interpelada, além de outras, por cartas de 10/04/2015, 20/04/2015, 11/05/2015, 11/06/2015 e 22/06/2015. As interpelações implicaram despesas no montante de 2 x 12,30 € e de 110,70 €, e as devoluções de entradas de débito directo implicaram despesas no montante de 4,31 €, que a Requerente imputou à Requerida nas diversas cartas de interpelação.
8. Como os alugueres de Abril a Setembro de 2015 não foram pagos, nas datas dos respectivos vencimentos, a Requerente enviou por correio registado com aviso de recepção, em 10/07/2015, a comunicação de resolução do contrato de locação, tendo reclamado o pagamento das facturas vencidas, bem como as despesas, juros de mora às taxas convencionadas e os alugueres vincendos de 01/10/2015 a 31/03/2018, devidos pelo incumprimento contratual e vencidos antecipadamente com a resolução do contrato, e solicitado a restituição dos bens alugados.
9. A Requerida ao celebrar o Contrato de Locação obrigou-se a amortizar integralmente o custo de aquisição dos equipamentos que escolheu, bem como a suportar as despesas de execução do contrato através do pagamento mínimo dos 60 alugueres a que se obrigou, bem como a restituir os bens alugados findo o contrato.
10. A ora Requerida não procedeu a qualquer pagamento por conta da dívida após a resolução do contrato.
13. O montante de 5.982,37 € corresponde à soma das seguintes quantias:
a) 486,90 € (Factura n.º FT 2015/0000030166, relativa aos alugueres de Abril a Junho de 2015, vencida em 01/04/2015);
b) 12,30 € (Factura n.º FT 2015/0000046363, relativa a custos de AVISO, vencida em 10/04/2015);
c) 12,30 € (Factura n.º FT 2015/0000069818, relativa a custos de AVISO, vencida em 11/06/2015);
d) 486,90 € (Factura n.º FT 2015/0000075348, relativa aos alugueres de Julho a Setembro de 2015, vencida em 01/07/2015);
e) 4.868,96 € (IVA incluído, referente aos alugueres de 01/10/2015 a 31/03/2018, vencidos antecipadamente com a resolução do contrato, devidos pelo incumprimento);
f) 110,70 € (custos de avisos da Locadora e gestão de cobrança); e
g) 4,31 € (custos de retomo de entradas de débito directo).
14. A Q comprometia-se a colocar equipamentos na sociedade Requerida, a fornecer "tonners" e outros consumíveis, papel e a prestar toda e qualquer assistência que os equipamentos necessitassem.
15. Entre as partes foi acertado o preço a pagar pelos equipamentos colocados e pela Q foram apresentados os contratos a assinar.
16. Em todos os documentos constava o nome da sociedade Q.
17. A sociedade Q deixou de prestar os serviços e fornecer o material nos termos acordados, tendo sido apresentadas inúmeras reclamações ao Sr. A e ao Sr. AU - este tido como funcionário da Q.
18. Os termos acordados inicialmente não se encontravam a ser cumpridos pela Q e a Requerida, através de carta registada com aviso de recepção, deu por terminada a relação comercial e cessou os pagamentos.
Factos não provados:
1. A Requerida não restituiu os bens locados.
2. Nunca foi mencionado à Requerida qualquer contrato de locação financeira ou o nome da sociedade G - aqui Requerente.
3. Somente com o contacto da Requerente se deu conta que a sua vontade real não foi reflectida nos contratos celebrados, nunca foi sua intenção celebrar qualquer contrato de crédito (locação financeira).
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IV—DIREITO
A questão essencial de direito suscitada no recurso reside em saber se a cláusula penal consignada no contrato de locação de bens móveis (fotocopiadoras/impressoras) se revela excessiva ou desproporcionada.
A Recorrente sustenta que a exigência da cláusula penal (4.868,96€) resulta numa clara desproporção, conduzindo a que a Recorrida ganhe mais do que conseguiria com um eventual cumprimento do contrato.
Argumenta que a Recorrida recebeu prestações mensais, por parte da Recorrente, durante 24 dos 60 meses que constam do contrato, em montante largamente superior a três mil euros, e ainda ficou na posse dos equipamentos, que custaram 7916,99€, antes da sua devolução.
Por seu turno, a Recorrida defende, em resumo, que o valor líquido destinado à locadora é inferior ao preço que pagou pelos bens em causa, nunca aceitaria celebrar o contrato se a locatária não procedesse ao pagamento dos alugueres ou a menos do que aqueles que ficaram estipulados, não havendo procura de aluguer de bens usados, destituídos de valor comercial. Conclui que a cláusula não é excessiva nem desproporcionada, já que a soma líquida dos alugueres a que a locatária se obrigou de 60 x 131,95 € = 7.917,00 € é apenas 0,01 € superior ao preço pago pela locadora (7.916,99 €), para que os bens escolhidos fossem entregues à locatária.
No âmbito da liberdade contratual (cfr. art. 405.º C.Civil), as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, estabelecendo nomeadamente uma cláusula penal.
Nesta conformidade, segundo o art. 810.º, n.º 1do C.Civil, isso significa que podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível.
Mas o credor não pode exigir cumulativamente, salvo se tiver sido estabelecido para o atraso na prestação, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal.
Quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, ou se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida, a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade-cfr. art. 812.º, n.º 1 e 2 do C.Civil.
Sobre esta matéria, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/09/2011(2), que iremos transcrever, explanou detalhadamente, sustentado na doutrina, que a cláusula penal pode revestir três modalidades:
-cláusula com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor;
-cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dito, em que a sua estipulação substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhum deles;
-cláusula penal de natureza compulsória, em que há uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, sendo a finalidade das partes, nesta última hipótese, a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização.
Independentemente do enquadramento concreto que se fizer em qualquer daquelas modalidades no que respeita à cláusula penal inserida no contrato celebrado entre as partes, interessa apenas apurar, em sede do presente recurso, se a mesma deve ser considerada excessiva ou desproporcionada.
Para tanto, recorde-se que a Recorrente celebrou com a Recorrida um contrato de locação que teve por objecto quatro fotocopiadoras/impressoras multifunções.
Os referidos equipamentos e a fornecedora foram escolhidos pela Recorrente e adquiridos pela Recorrida, no interesse daquela, por compra, pelo preço de 7.916,99 €, com o objectivo exclusivo de os alugar.
O contrato de locação tinha a duração inicial de 60 meses, a contar do 1.º dia do trimestre seguinte à data da recepção dos bens (que ocorreu em 01/03/2013), ou seja, com início do prazo em 01/04/2013 e termo em 31/03/2018, sendo renovável por iguais e sucessivos períodos de seis meses.
O aluguer mensal ajustado foi de 131,95 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor, a pagar trimestralmente por débito directo.
A Recorrente pagou os alugueres vencidos até Março de 2015, ou seja, durante dois anos.
Nos termos da cláusula 1.6, pré-impressa, inserida no contrato de locação junto aos autos sob a epígrafe “Consequências da cessação prematura extraordinária consta:
1. Tendo em consideração que o locador adquiriu o bem locado para benefício do locatário e tendo em conta a necessidade de compensar os danos emergentes, nomeadamente com o investimento patrimonial perdido pelo locador como resultado da perda de valor do equipamento, custos financeiros com o investimento em equipamento novo objecto da locação e custos administrativos com a celebração e manutenção deste contrato entre outros, caso o locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o locatário cesse o contrato de acordo com a secção 12 o locador poderá exigir a título de cláusula penal um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato (…).” (negrito e itálico nossos)
Na sentença concluiu-se que esta cláusula não é excessiva tendo em conta as finalidades aí mencionadas, ou seja, que se destina a compensar o investimento patrimonial perdido pelo locador como resultado da perda de valor do equipamento, custos financeiros com o investimento em equipamento novo objecto da locação e custos administrativos com a celebração e manutenção deste contrato entre outros.
No entanto, o contrato de locação em apreciação enquadra-se nos designados contratos de adesão por conter claúsulas elaboradas sem prévia negociação individual, destinadas a uma pluralidade indeterminada de contraentes, o que corresponde à orientação dominante da doutrina e da jurisprudência sobre a matéria-cfr. art. 1.º do Dec.-Lei n.º 446/85 de 25.10. alterado pelos Dec.-Leis n.ºs 220/95 de 31.10 e 249/99 de 07.07.
Nos termos do artigo 19.º, al. c) do citado diploma legal são relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, o que é de conhecimento oficioso.
O quadro negocial padronizado, segundo o Acórdão do STJ de 12/06/2007(3), não diz respeito ao contrato singular mas sim ao tipo de negócio e aos elementos que normativamente o caracterizam.
Por seu turno, Ana Prata(4) sublinha que a desproporção não tem de ser qualificada, isto é, não tem de ser sensível, excessiva, manifesta, grave; acrescentando, com pertinência para o caso sub judice, que a desproporção não é uma simples não coincidência entre a cláusula penal e o valor dos danos.
No caso concreto, afigura-se-nos que a desproporção é ostensiva face à economia do contrato de locação dos referidos bens móveis e interesses envolvidos, dispensando-se, inclusivamente, a quantificação dos danos que a locadora sofreu com a resolução, por incumprimento.
Na verdade, a orientação do Supremo Tribunal de Justiça, em casos similares, destacando-se o recente aresto proferido em 05/05/2016(5), é no sentido de que, nestes casos, se verifica uma evidente desproporção entre a “pena” e os danos a ressarcir ao credor.
O raciocínio expendido no mencionado aresto parece reconhecer que, em princípio, deverá ser considerada desproporcionada a cláusula penal que coincida com o valor integral das prestações, ou seja, com o dano contratual positivo.
Sem aprofundarmos, por desnecessidade, a querela relativamente à questão de saber se a desproporção deve ser avaliada, em abstracto ou em concreto, ex ante na celebração do contrato ou a posteriori quando se verifica o incumprimento, podemos facilmente intuir que a exigência de um montante equivalente a todos os alugueres devidos até ao termo do contrato, quando apenas foram pagas 24 mensalidades das 60 previstas no contrato, revela um desequilíbrio acentuado entre os interesses de ambas as partes.
A cláusula penal inserta previamente no conteúdo do contrato de locação, com duração de cinco anos, que não foi objecto de negociação, imposta ao aderente, prevendo uma indemnização, para a hipótese de cessação do contrato, correspondente ao pagamento das mensalidades estipuladas até ao respectivo termo, faz incidir sobre o aderente uma vinculação manifestamente não coincidente com os seus interesses de utilização dos bens alugados contra o pagamento de um preço, libertando a locadora predisponente de qualquer risco de incumprimento, ficando ainda com a possibilidade de vender ou novamente alugar os bens que o aderente foi obrigado a devolver.
Neste sentido, declarou-se no Acórdão da Relação do Porto de 19/04/2016(6) que uma cláusula deste tipo impõe consequências patrimoniais gravosas ao aderente, devendo, como tal, ser considerada uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir.
A desproporção que se verifica neste tipo de cláusula, face ao quadro negocial padronizado, justamente por impôr ao aderente consequências patrimoniais gravosas, deve ser considerada relativamente proibida à luz do citado normativo legal.
Estamos, pois, perante uma cláusula relativamente proibida, razão pela qual deverá ser considerada nula, na medida em que não poderá vincular a Recorrente, e consequentemente, o recurso merece parcial provimento.
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V—DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, e em consequência, alteram a sentença, absolvendo a Ré do pagamento da quantia de €4.868,96 correspondente à cláusula penal, que se declara nula.
Custas pela apelada.
Notifique e registe.
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Guimarães, 09 de Março de 2017

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(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)



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(Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira)



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(Fernando Fernandes Freitas)








1 - Cfr. Geraldes, António Santos Abrantes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., pág. 256.
2 - Disponível em www.dgsi.pt
3 - Disponível em www.dgsi.pt
4 - In Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pág. 420.
5 - Relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Salazar Casanova e disponível em www.dgsi.pt.
6 - Disponível em www.dgsi.pt.