Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4407/18.9T8PRG.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: COMPENSAÇÃO
RECIPROCIDADE DE CRÉDITOS
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Verificando-se que a quantia entregue pelos AA a título de sinal não se consolidou na esfera jurídica dos 1.º a 3.º RR - promitentes vendedores - o que decorre do reconhecimento judicial da titularidade do direito sobre tal quantia aos AA - promitentes-compradores -, como consequência da declarada extinção do contrato e com o fim de colocar as partes na situação em que estariam se ele não tivesse sido concluído, ficaram tais questões definitivamente resolvidas no confronto com todos os intervenientes que compõem a relação contratual que constituiu o fundamento da entrega monetária em causa, já que nenhuma das partes impugnou a decisão recorrida nessa vertente.
II - Por conseguinte, o único direito que foi reconhecido relativamente à quantia de €13.000,00 - correspondente ao sinal prestado - radica-se na esfera jurídica dos AA, os quais, como é pacífico, são alheios à relação atinente ao contrato de mediação estabelecido entre os 1.º a 3.º RR (enquanto “clientes” proprietários) e a 4.ª ré (na qualidade de empresa de mediação imobiliária).
III - Não se encontrando o direito de crédito invocado pela 4.ª ré - única parte que recorreu da sentença - ainda reconhecido judicial ou extrajudicialmente, nem tendo sido invocada a compensação por via de reconvenção - o que, aliás, nunca seria viável na presente ação já que os AA não são os pretensos devedores do montante atinente ao crédito resultante do direito à remuneração alegadamente devida pelos 1.º a 3.º RR à 4.ª ré no âmbito do contrato de mediação imobiliária -, resulta evidente a impossibilidade de fazer operar a compensação de créditos pretendida pela apelante no âmbito da presente ação.
IV - Daí que não assista à apelante – 4.ª ré – o direito a descontar, no valor a entregar aos apelados/AA, o montante que alega corresponder à sua remuneração no âmbito do contrato de mediação celebrado com os 1.º a 3.º RR.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

J. C. e M. P. intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra 1. A. G.; 2. O. M.; 3. I. R.; 4. «X, Lda.,» pedindo a condenação dos 1.º, 2.º e 3.º RR. a pagar aos AA em dobro, a quantia entregue a titulo de sinal, no montante global de €26.000,00; ou quando assim não se entender; ser a 4.ª ré condenada a entregar aos AA, a quantia entregue a título de sinal no montante de € 13.000,00; serem os RR. condenados a pagar aos AA. a quantia de € 535,60 por estes suportada a título de despesas bancárias com dossier de crédito e avaliação do imóvel.
Para o efeito alegaram que em 13-11-2017 celebraram um acordo escrito com os 1.º, 2.º e 3.º RR, por via do qual, estes prometeram vender e os AA prometeram compra-lhes o prédio urbano destinado a habitação, composto de casa de rés-do-chão e andar, com duas garagens e logradouro, sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... da referida freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ....
Sustentam que entregaram a quantia de €13.000,00, a título de sinal, não tendo o contrato de compra e venda sido celebrado, segundo referem por culpa dos RR, razão pela qual pretendem a devolução do montante entregue em dobro e o reembolso da despesas bancárias por eles havidas.
Mais alegam, e já no atinente ao pedido subsidiário, que entregaram aqueles €13.000,00 à 4.ª ré (que mediava o negócio) que deles ficou depositária, peticionado, assim, que seja a 4.ª ré condenada a devolver-lhes esses €13.000,00.
Os RR. A. G. e O. M. contestaram pugnando pela total improcedência da ação; defendem que jamais receberam qualquer quantia dos AA a título de sinal, sustentando que se o contrato não se realizou apenas à 4.ª ré se deve, uma vez que não os informou do pagamento de qualquer quantia pelos AA, nem da marcação de nova data para escritura, após aquela que esteve marcada para 14-12-2017, e que segundo a 4.ª ré, não se realizou em virtude dos AA não terem conseguido voo para comparecer. Mais referem que jamais nada lhe foi dito/comunicado, tendo ficado convencidos que o contrato tinha ficado sem efeito, precisando, que, sempre agiram com a concordância da sua mãe a ré I. R..
A ré I. R. contestou, alegando a sua ilegitimidade, porquanto, refere não ter assinado o contrato que fundamenta a causa de pedir, apesar do seu nome ali estar mencionado como promitente vendedora.
Também a 4.ª ré contestou, invocando a sua ilegitimidade, uma vez que não é parte no contrato que fundamenta a causa de pedir; impugna os factos alegados, admitindo celebração de contrato de mediação imobiliária com a ré O. M., com vista à venda do imóvel objeto do contrato firmado entre AA e RR, e ter recebido dos AA a quantia de €13.000,00 a título de sinal pela compra do imóvel. Mais refere que os RR não a autorizaram a devolver aquele montante aos AA., e mesmo que o fizessem, sempre teria direito a descontar dessa quantia a sua comissão, uma vez que é devida com a celebração do contrato promessa.
Em sede de resposta pugnaram os AA pela improcedência das exceções deduzidas, requerendo intervenção da seguradora da 4.ª ré Companhia de Seguros Y SA.
Admitida a intervenção, foi citada a Companhia de Seguros Y SA, admitindo que por contrato se seguro titulado pela apólice 11052844, se mostra para si transferida a responsabilidade civil da 4.ª ré, impugnando no mais toda a alegação efetuada.
Proferido despacho saneador e fixado o valor da causa, foram admitidos os meios de prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva:
« (…)
Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em conformidade:
- declaro extinto o contrato promessa celebrado entre AA e RR, por vontade das partes, com a consequente obrigação de restituição do montante entregue a título de sinal pelos AA;
- condeno a 4ª Ré X LDª. – enquanto entidade que tem o sinal na sua posse - à entrega imediata aos AA a quantia de 13.000,00€;
- absolvo os RR do mais peticionado.
Custas por AA. e 4ª R na proporção dos respectivos decaimentos..».

Inconformada, apenas a 4.ª ré - «X Lda.,» - veio recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. A R. entende que o tribunal a quo deveria ter decidido de forma diversa relativamente a alguns concretos pontos de facto, que resultariam duma convicção diversa pelo tribunal a quo.
2. Deveria a Mm.ª Juiz à quo dar uma resposta diferente da que foi proferida aos factos provados, designadamente, artigo 9), que deveria ser considerado não provado.
3. Já que, tal facto dado como provado encontra-se em contradição com a prova produzida em audiência de julgamento, e que aqui se transcreveu, e, consequentemente, impõe uma decisão diversa da proferida nos autos.
4. O tribunal a quo não valorou devidamente a prova testemunhal produzida.
5. Cujos depoimentos que se transcreveram foram realizados de forma consentânea e com conhecimento de facto sobre a causa.
6. No que concerne aos factos julgados não provados, impunha-se uma resposta diferente da que foi proferida no facto - que a R. O. M. tenha dado instruções à 4ª R para não devolver aos AA os 13.000,00€; o qual deve ser considerado provado.
7. Apelando-se novamente à prova testemunhal colhida em sede de julgamento.
8. Sobre a matéria de direito, a Recorrente entende que a douta sentença não traduz igualmente uma opção justa em sede de interpretação e aplicação da lei e do direito, ocorrendo a violação o disposto nos artigos 1185.º e ss, do Código Civil e o artigo 19.º da Lei nº 15/2013.
8. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que declare o direito à 4ª RR da remuneração, no valor de € 7.995,00, reduzindo-se a quantia a ser devolvida aos AA a título de sinal para € 5.005,00».
Os AA apresentaram contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido.
Também os 1.º, 2.º e 3.º RR apresentaram contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi então admitido pelo Tribunal a quo como apelação, subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

II. Delimitação do objeto do recurso

Em face das conclusões das alegações do recurso, as quais delimitam o seu âmbito, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) Reapreciação jurídica da decisão recorrida: se deve ser reduzido para € 5.005,00 o valor que a 4.ª ré, ora apelante, deve entregar aos autores - em vez dos €13.000,00 em que foi condenada -, na qualidade de entidade detentora do sinal entregue pelos autores aos 1.º a 3.º RR, possibilitando-lhe assim que desconte naquele valor o montante que alega corresponder à sua remuneração no âmbito do contrato de mediação celebrado com os 1.º a 3.º RR.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
1. No dia 6.12.2016 a R. O. M., com anuência dos RR. I. R. e A. G. (sua mãe e irmão), celebrou com a 4ª ré o contrato de mediação imobiliária que consta de fls. 76.
2. Por via do qual, aquela 4ª ré se obrigou a promover a venda prédio urbano destinado a habitação, composto de casa de rés-do-chão e andar, com duas garagens e logradouro, sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... da referida freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o nº....
3. Na sequência da actividade desenvolvida pela 4ª ré foi celebrado a 13.11.2017, o acordo escrito de fls. 8 a 10, aqui dado por inteiramente reproduzido, por via do qual declararam os AA prometer comprar aos 1º., 2º. e 3º. RR. e estes prometeram vender o prédio urbano destinado a habitação, composto de casa de rés-do-chão e andar, com duas garagens e logradouro, sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... da referida freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o nº....
4. Acordaram as partes que o preço seria de 130.000,00€.
5. E que como sinal e princípio de pagamento – ver cláusula 4.2, os AA entregariam na data de assinatura do contrato promessa o valor de 13.000,00€, através de transferência para o IBAN PT 50............92, da imobiliária X, a 4ª R, sendo o remanescente pago na data da escritura de compra e venda.
6. Estipularam as partes que a escritura seria realizada no prazo máximo de 30 dias a contar da data de assinatura do contrato promessa.
7. Do aludido contrato não consta a assinatura da ré I. R..
8. A ré I. R. autorizou os RR O. M. e A. G. a realizar o contrato aludido em 3 e ss, tendo conhecimento do mesmo.
9. Os AA entregaram à 4ª ré os 13.000,00€ aludidos em 5.
10. Que mantem tal valor na sua posse.
11. Os AA recorreram à obtenção de um empréstimo bancário junto de uma instituição de crédito, para realizarem o pagamento do restante preço.
12. Tendo despendido 535,60€ em custos bancários os decorrentes da avaliação do imóvel e abertura de dossier (ver fls. 16 e 16v).
13. No seguimento da aprovação do crédito, a escritura pública de compra e venda foi agendada pela instituição de crédito, para 14/12/2017.
14. A escritura não se realizou no dia 14.12.2017.
14 A) Nesse dia a ré O. M. remete e-mail à CD – ver fls. 52v – onde mostra desagrado pela marcação da escritura em cima da hora e com pouco tempo de pré-aviso - e pela subsequente desmarcação da escritura quando já havia tratado com os demais RR, da deslocação de Lisboa, com alteração de compromissos incluindo faltas ao trabalho, solicitando que as informações de interesse dos vendedores lhes sejam comunicadas telefonicamente.
15. Nos termos previstos no contrato celebrado, a marcação da escritura incumbia aos AA, promitentes vendedores – ver cláusula 6ª.
16. Em 29 de março de 2018, os AA remetam aos 1º, 2º e 3.ºs RR as missivas que constam de fls. 10v e ss, onde solicitam a marcação da escritura por banda daqueles RR em 30 dias.
17. A essa missiva respondeu a ré O. M. pelo modo constante de fls. 12 e 13, onde refere que a escritura de 14.12.2017, não se realizou, segundo o que a 4ª ré lhe disse, em virtude dos AA não terem tido voo, mais esclarecendo que não lhe havia sido entregue qualquer quantia a título sinal.
18. A ré O. M. fez reclamação ao IMPIC relativa à 4ª R.
19. Respondeu a 4ª ré do modo constante de fls. 55 e 55v, onde refere além do mais, que procedeu à devolução do sinal aos clientes compradores.
20. Em 03/04/2018, os AA interpelaram a aqui 4ª. ré, para procederem à devolução do sinal – ver fls. 12v.
21. A ré O. M. até ao momento não pagou qualquer quantia à 4ª ré decorrente da celebração do contrato aludido em 1.
22. Tendo a 6.1.2018 posto termo ao contrato de mediação celebrado com a 4ª ré por carta que consta de fls. 53.
23. Por contrato se seguro titulado pela apólice 11052844, a 4ª ré transferiu para Companhia de Seguros Y SA a sua responsabilidade civil de mediação imobiliária, limitada às indemnizações que legalmente possam ser exigidas ao segurado, como reparação de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais involuntariamente causados a terceiros em consequência de factos acidentalmente ocorridos durante o exercício da sua actividade e directamente com ela relacionados – ver fls. 91.
1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
a) - que a escritura não se realizou a 14.12.2017, por questões relacionadas com a a divergência entre a descrição do prédio na Conservatória e autoridade tributária;
b) - que a escritura não se realizou a 14.12.2017, em virtude dos AA não terem arranjado bilhete de avião para comparecer;
c) - que a escritura não se realizou a 14.12.2017 porque os vendedores desistiram do negócio;
d) - que a ré O. M. tenha dado instruções à 4ª ré para não devolver aos AA os 13.000,00€.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A 4.ª ré/apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, nos seguintes termos:
i) «Deveria a Mm.ª Juiz à quo dar uma resposta diferente da que foi proferida aos factos provados, designadamente, artigo 9), que deveria ser considerado não provado» - conclusão 2.ª das alegações;
ii) «No que concerne aos factos julgados não provados, impunha-se uma resposta diferente da que foi proferida no facto - que a R. O. M. tenha dado instruções à 4ª R para não devolver aos AA os 13.000,00€; o qual deve ser considerado provado» - conclusão 6.ª das alegações.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.

O artigo 640.º do CPC prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

«Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere Abrantes Geraldes (1), que «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto».
Efetivamente, a impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação (2).
No que respeita aos pontos da impugnação enunciados em i) e ii) supra observa-se que a apelante indica expressamente nas conclusões das respetivas alegações quais os factos que considera incorretamente julgados.
Mais se verifica que a recorrente especifica suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da impugnação da matéria de facto, tal como também decorre do anteriormente enunciado.
Por último, relativamente à impugnação na vertente de facto a recorrente também especifica os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, indicando os elementos que permitem minimamente a sua identificação, incluindo as concretas passagens da gravação em que baseia a discordância no que concerne aos meios de prova gravados, referenciando as passagens da gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência final que considera pertinentes, isto apesar das referências que ali também são enunciadas pela recorrente a propósito do sentido com que no seu entender as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, o que consubstancia a invocação de erro na determinação da norma jurídica aplicável e não impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Passando então à impugnação vertida na alínea i) supra, defende a apelante que deverá ser considerado como não provado o ponto 9 dos “Factos provados” - «Os AA entregaram à 4ª R. os 13.000,00€ aludidos em 5».
Uma vez que o ponto da matéria de facto agora impugnado remete expressamente para o n.º 5 dos “Factos provados”, importa ainda considerar que tal ponto da matéria de facto, ainda que não impugnado na presente apelação, tem a seguinte redação: «E que como sinal e princípio de pagamento – ver cláusula 4.2, os AA entregariam na data de assinatura do contrato promessa o valor de 13.000,00€, através de transferência para o IBAN PT 50............92, da imobiliária X, a 4ª R, sendo o remanescente pago na data da escritura de compra e venda».
Para fundamentar a sua discordância quanto à impugnação atinente ao ponto 9 da matéria de facto provada reporta-se a recorrente à valoração dos depoimentos das testemunhas R. P. e M. M., com indicação das respetivas passagens da gravação e transcrição de alguns segmentos dos respetivos depoimentos.

Relativamente a esta matéria, decorre da motivação da sentença recorrida que a decisão relativa à indicada matéria de facto se baseou, no essencial, no seguinte:
«Ora, quanto ao mais, designadamente à entrega dos 13.000,00€ pelos AA à 4ª R., a mesmo foi expressamente admitido por aquela R. na contestação, sendo inequívoco que aquela quantia continua na posse da 4ª R, isto apesar de em missiva dirigida ao IMPIC, a 4ª R tenha referido que havido procedido à entrega da quantia aos AA.»
O impugnado ponto da matéria de facto corresponde, no essencial, à matéria que os autores alegaram nos artigos 4.º e 6.º da petição inicial.
Analisado atentamente o articulado de contestação oportunamente apresentado pela ora recorrente no âmbito da tramitação específica da ação em referência verifica-se que a ali 4.ª ré, para além de aceitar expressamente, além do mais, o vertido nos aludidos pontos 4.º e 6.º da petição inicial (cf. o artigo 16.º da contestação), veio confessar expressamente que «[a] título de sinal e princípio de pagamento os AA. entregaram a quantia de €13.000,00 através de transferência bancária para uma conta titulada pela 4ª R.» - cf. o ponto 25.º da contestação apresentada pela 4.ª ré, ora apelante.
Em face do exposto, é evidente que a matéria de facto agora impugnada pela recorrente, a qual entendemos estar compreendida no âmbito do que os autores alegaram nos artigos 4.º e 6.º da petição inicial, deve ter-se por provada porquanto foi expressamente admitida pela ora apelante na contestação, tal como entendeu a decisão recorrida, o que equivale à confissão do facto nela enunciado.
Neste enquadramento cumpre ainda constatar que a recorrente não impugna na presente apelação parte essencial da matéria de facto alegada em conjunto com o ponto da matéria de facto agora impugnado e que veio a ser vertida no ponto 10 da matéria de facto provada, do qual consta: «[q]ue mantém tal valor na sua posse».
Ora, a falta de impugnação desta matéria pelos ora recorrentes delimita necessariamente o poder de cognição do tribunal ad quem, tal como decorre do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC, o que torna manifestamente inconcludente a alteração preconizada pelo apelante circunscrita apenas ao ponto 9 da matéria de facto provada.
Deste modo, trata-se de matéria definitivamente adquirida como provada no processo razão pela qual não há lugar a qualquer averiguação autónoma em sede instrutória, tal como prescreve o artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC.
Daí que se conclua que o teor da matéria de facto que foi enunciada pelo tribunal a quo no ponto agora impugnado pela apelante deve fazer parte do elenco dos factos provados, assim improcedendo, nesta parte, a impugnação apresentada pela apelante quanto ao ponto 9 da matéria de facto provada, mostrando-se desnecessária a reapreciação dos meios de prova que foram indicados pela recorrente a propósito desta matéria.
Por conseguinte, improcedem nesta parte as conclusões do recurso, mantendo-se a decisão recorrida quanto ao ponto 9 dos “Factos provados”.
Por último, defende a apelante que se impunha uma resposta diferente da que foi proferida quanto ao facto - «que a R. O. M. tenha dado instruções à 4ª R para não devolver aos AA os 13.000,00€» - que consta dos “Factos não provados”, o qual, segundo sustenta, deve ser considerado provado.

Relativamente a esta matéria, decorre da motivação da sentença recorrida que a decisão relativa à indicada matéria de facto se baseou, no essencial, no seguinte:

«Note-se que estas testemunhas (da 4ª R) explicaram que nenhuma instrução foi dada pela R. O. M. para devolução ou não da quantia aos AA, que a solicitaram (está documentado, como vimos) sempre esclarecendo as testemunhas que a R. não pode devolver a quantia na íntegra, uma vez, que a R. O. M. não pagou a comissão acordada, pretendendo a 4ª R, pagar-se com parte daquela quantia.»
Quanto à discordância manifestada pela apelante relativamente a este concreto ponto da matéria de facto verifica-se que a recorrente remete para alguns segmentos dos depoimentos das testemunhas R. P. - consultor imobiliário, que há cerca de 4 anos presta serviços para a ré -, e M. M. - diretor de agência, funcionário da 4.ª ré há 3 anos -, com transcrição dos correspondentes segmentos e indicação das respetivas passagens da gravação. As referidas testemunhas depuseram na sessão da audiência final que teve lugar a 7 de fevereiro de 2020.
Ainda que se constate através da audição integral do registo de gravação dos depoimentos das testemunhas R. P. e M. M. que o âmbito material dos depoimentos prestados compreende, no essencial, as concretas passagens vertidas nas transcrições que foram reproduzidas pela apelante como sendo relevantes para a pretendida alteração, certo é que dos referidos depoimentos não resulta qualquer constatação ou elemento relevante que permita sustentar uma adequada confirmação das questões de facto enunciadas no âmbito do ponto da matéria de facto em referência. Antes se observa que ambas as testemunhas simplesmente referiram que nenhuma indicação ou instrução foi dada à mediadora pela ré O. M., ou por qualquer um dos clientes vendedores, no sentido de que se podia devolver aos promitentes-compradores o valor do sinal recebido, ou dando autorização para o efeito, o que é bem diferente da prova de que a ré O. M. (ou algum dos 1.º a 3.º RR) deu instruções à 4.ª ré para não devolver aos AA os €13.000,00.
Tal circunstância afasta, por si só, a modificação da decisão de facto preconizada pela apelante.
Pelo exposto, entendemos que não existe erro de julgamento no que respeita ao último facto enunciado nos “Factos não provados”.
Em consequência, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, mantendo-se a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre os factos vertidos em 1.1. e 1.2. supra.

2.2. Reapreciação de Direito.

Atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob o ponto 1.1., supra.
Pela presente ação pretendem os autores obter o reconhecimento do direito à resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado com os 1.º a 3.º RR a 13-11-2017, invocando aqueles, na qualidade de promitentes-compradores, o incumprimento do contrato imputável aos referidos réus/promitentes-vendedores e, consequentemente, o direito a receberem daqueles réus a indemnização correspondente ao dobro do sinal prestado. A título subsidiário, pediram a condenação da 4.º ré - mediadora - a restituir aos autores a quantia de €13.000,00 que lhe foi entregue em depósito como sinal e início de pagamento do imóvel objeto do contrato promessa em referência.
Neste domínio, o tribunal a quo analisou a matéria de facto que resultou provada, tendo qualificado a relação jurídica subjacente ao acordo celebrado entre AA e 1.º a 3.ºs RR como um contrato-promessa de compra e venda bilateral.
Na sentença recorrida considerou-se ainda que nenhuma das partes pretendeu realizar o negócio visado, tendo ambos desistido do mesmo, mostrando com os seus atos, designadamente com as posições processuais que assumiram, que não querem comprar nem vender, não se podendo imputar mais culpa a um contraente em relação a outro.
Mais entendeu a 1.ª instância não haver incumprimento definitivo de qualquer uma das partes, antes uma vontade comum de não contratar, concluindo não ser devida qualquer indemnização pelo incumprimento mas que se impunha a aplicação das regras da resolução e invalidade do contrato, com a inerente obrigação de restituir as prestações efetuadas em singelo, sem qualquer indemnização.
Com base em tal fundamentação, entendeu-se ser de reconhecer aos autores o direito à restituição do sinal em singelo como decorrência da extinção do contrato e com o objetivo de colocar as partes na situação em que estariam se ele não tivesse sido concluído.
Em consequência, ponderou-se que o montante correspondente ao sinal a restituir não está, nem nunca esteve, na disponibilidade dos 1.º a 3.º RR, antes continuando depositado em conta da 4.ª ré/mediadora, que dele ficou depositária, entendendo o tribunal a quo que assistia aos AA o direito de receber diretamente da 4.ª ré a quantia de €13.000,00 que lhe foi entregue a título de sinal destinado aos demais RR, por estar ainda na posse daquela ré, ora apelante, e atento o direito que assiste aos AA sobre tal quantia.
Como se viu, são as conclusões das alegações do recurso que delimitam o seu âmbito, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusões do recurso, verificamos que no mesmo não vem questionada a qualificação efetuada pelo tribunal a quo a propósito da relação jurídica subjacente ao acordo celebrado entre AA e 1.º a 3.º RR, o mesmo sucedendo com as demais consequências jurídicas extraídas na decisão recorrida em função das obrigações e das condutas assumidas pelas partes no âmbito do contrato-promessa em referência.
Daí que a única questão a apreciar e decidir na presente apelação respeite a saber se deve ser reduzido para € 5.005,00 o valor que a 4.ª ré, ora apelante, aceita ter de entregar aos autores - em vez dos €13.000,00 em que foi condenada -, na qualidade de entidade depositária do sinal entregue pelos autores aos 1.º a 3.º RR, possibilitando-lhe assim que desconte naquele valor o montante que alega corresponder à sua remuneração no âmbito do contrato de mediação celebrado com os 1.º a 3.º RR (€7.995,00).
Em suma, tudo se resume à questão de saber se no contexto dos autos pode operar a compensação invocada pela ré apelante.
A questão da compensação, em referência, acabou por ser também abordada na sentença recorrida, ainda que não tenha sido relevantemente suscitada nos autos pela 4.ª ré, como adiante veremos.

Assim, ponderou-se na sentença recorrida, além do mais, o seguinte:
«[e] não diga a 4ª R. que não entrega a quantia porque não recebeu a comissão prevista no contrato de mediação celebrado com a R. O. M., neste ponto, é para nós claro que não pode a 4ª R recusar aquela entrega aos AA – seus legítimos proprietários, face ao ora decidido - com base num alegado crédito sobre a R. O. M., os AA nada devem à 4ª R, são sendo licito a esta opor-lhes o não pagamento de uma alegada divida de terceiro como fundamento para a não devolução da quantia respeitante ao sinal prestado, direito que nesta decisão foi expressamente reconhecido.
Ademais, sempre esclarecemos que o alegado crédito da 4ª R sobre a A., nem sequer se mostra titulado por uma factura – nada foi junto aos autos a este respeito -, nem sequer há noticia de interpelação formal para a R. O. M. pagar esta quantia ( que desconhecemos), ou seja, não negamos que a 4ª R possa ter um crédito sobre a R. O. M., atinente com os serviços prestados no âmbito do contrato de mediação entre elas estabelecido, no entanto, é matéria para uma ulterior acção entre essas partes, sendo os AA – repito os legítimos proprietários da quantia de 13.000,00€, correspondente ao sinal prestado - alheios a essa relação, não podendo ficar prejudicados, no sentido, de não lhes ser devolvida pela entidade a quem entregaram a quantia de 13.000,00€, respeitantes ao sinal, e que confessadamente a mantem na sua posse, com fundamento num pretenso crédito que essa entidade detém sobre pessoa distinta dos AA».
Desde já se adianta não merecer qualquer censura a solução encontrada.

O artigo 847.º, n.º 1, do Código Civil (CC), inserido no Capítulo VIII, atinente às causas de extinção das obrigações além do cumprimento, prevê que quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os requisitos enunciados nas suas alíneas:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

Mais prescreve o n.º 2 do citado preceito que se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente, sendo que a iliquidez da dívida não impede a compensação (n.º3).
No enquadramento legal enunciado resulta manifesto que a compensação constitui uma causa de extinção das obrigações que se traduz fundamentalmente na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor na outra, e o credor desta última devedor na primeira. Representa um encontro de contas, que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos (3).
Neste domínio, observa-se desde logo que a lei estabelece como um dos requisitos da compensação a reciprocidade dos créditos, sendo essencial que o devedor seja, por outro lado, credor do seu credor, o que aliás decorre de forma desenvolvida do artigo 851.º do CC (4) o qual prescreve, por um lado, que a compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, afastando-se assim do âmbito da compensação as dívidas de terceiro ao declaratário e, por outro lado, diz-se no n.º 2 do artigo 851.º que o devedor só pode livrar-se da obrigação utilizando créditos seus, e não de terceiro (5).
Tanto basta, em nosso entender, para excluir liminarmente a possibilidade de ser reconhecida na presente ação a pretendida compensação do invocado crédito da 4.ª ré sobre os 1.º a 3.º RR, tendo por base o alegado direito à remuneração contratada com estes réus no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado com a 4.ª ré, porquanto, tal como salientou - e bem - a decisão recorrida, «os AA nada devem à 4ª R, são sendo licito a esta opor-lhes o não pagamento de uma alegada divida de terceiro como fundamento para a não devolução da quantia respeitante ao sinal prestado, direito que nesta decisão foi expressamente reconhecido».
Sustenta a apelante que, tendo sido prestado sinal a favor dos réus e sendo o sinal juridicamente propriedade dos réus, o seu depósito foi feito por estes e não pelos autores, defendendo assim a possibilidade de descontar, no valor do sinal a restituir aos AA, o valor alegadamente devido pelos restantes réus a título de comissão.
Liminarmente se dirá que também neste aspeto não assiste qualquer razão à apelante, porquanto o fundamento assim invocado é afastado desde logo pela circunstância de todos os intervenientes no contrato-promessa serem partes na presente ação, concretamente os promitentes-compradores (AA) e os promitentes-vendedores (1.º a 3.º RR), para além de se tratar de argumento que surge em contradição com a posição revelada pela recorrente no presente recurso, ao aceitar ter de entregar aos AA o sinal que lhe foi entregue na qualidade de depositária.
Assim, uma vez verificado que a quantia entregue a título de sinal não se consolidou na esfera jurídica dos 1.º a 3.º RR - promitentes vendedores - o que decorre do reconhecimento judicial da titularidade do direito sobre tal quantia aos AA - promitentes-compradores -, como consequência da declarada extinção do contrato e com o fim de colocar as partes na situação em que estariam se ele não tivesse sido concluído, ficaram tais questões definitivamente resolvidas no confronto com todos os intervenientes que compõem a relação contratual que constituiu o fundamento da entrega monetária em causa, assim legitimando a conclusão vertida na decisão recorrida no sentido de serem os AA os legítimos proprietários da quantia de €13.000,00, respeitante ao sinal que foi prestado.
Por conseguinte, o único direito que foi reconhecido na decisão recorrida relativamente à quantia de €13.000,00 - correspondente ao sinal prestado - radica-se na esfera jurídica dos AA, os quais, como é pacífico, são alheios à relação atinente ao contrato de mediação estabelecido entre os 1.º a 3.º RR (enquanto “clientes” proprietários) e a 4.ª ré (na qualidade de empresa de mediação imobiliária).
No caso, somente a ora apelante/4.ª ré veio recorrer da sentença proferida e, como se viu, não vem impugnar os fundamentos que estiveram na base da decisão que a condenou a entregar aos AA o sinal que está na sua posse enquanto fiel depositária e cujo montante foi transferido para a sua conta no âmbito do contrato-promessa em referência.
Efetivamente, a apelante não questiona no presente recurso a qualificação efetuada pelo tribunal a quo a propósito da relação jurídica subjacente ao acordo celebrado entre AA e 1.º a 3.º RR, o mesmo sucedendo com as demais consequências jurídicas extraídas na decisão recorrida em função das obrigações e das condutas assumidas pelas partes no âmbito do contrato-promessa em referência, entre os quais figura como indiscutível que a quantia de €13.000,00 - correspondente ao sinal prestado - pertence aos AA.
Aliás, só esta constatação pode legitimar a condenação da ora apelante a entregar imediatamente aos AA a quantia em referência, obrigação que a apelante não contesta.
Nestes termos, só nos resta sufragar o entendimento adotado na decisão recorrida e a consequente decisão no sentido da procedência do pedido subsidiário formulado, assistindo aos AA o direito de receber da 4ª ré a quantia de 13.000,00€ entregue pelos AA aos 1.º a 3.º RR a título de sinal mas que esteve e está até ao momento na posse daquela ré.
De qualquer modo, para além de não se verificarem os requisitos substantivos da pretendida compensação, conforme enunciado supra, sempre se dirá que a compensação nunca poderia ser reconhecida no âmbito dos presentes autos, tal como aliás acabou por ser declarado na decisão recorrida.
Com efeito, para operar a compensação não basta a exigibilidade judicial do crédito, tal como imposta pelo citado artigo 847.º, n.º1, al. a), do CC, porquanto tal requisito nada tem a ver com a necessidade do prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial do crédito (6). Assim, tal como esclarece a propósito o Ac. do STJ de 2-07-2015 (7) «[r]ealidade distinta da exigibilidade judicial do crédito, imposta pelo art. 847.º, n.º 1, al. a), do CC, é o respectivo reconhecimento judicial, não obstante só possa operar a compensação caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem».
Ora, conforme decorre do atual artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor, sendo a reconvenção admissível, entre outros casos, «quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor».
À luz do preceito legal antes enunciado, e tal como tem vindo a ser amplamente entendido na doutrina e na jurisprudência (8), entendemos inequívoco que o legislador consagrou a conceção teórica da compensação-reconvenção, do que decorre que atualmente a compensação de créditos só é configurável por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis e quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.
Em consequência, seja menor, igual ou superior ao pedido do autor, o réu tem de deduzir reconvenção para obter o reconhecimento do seu crédito e fazer operar a compensação, na parte em que o montante dos créditos coincide (9).
Ora, o direito de crédito invocado pela 4.ª ré na presente apelação não se encontra ainda reconhecido judicial ou extrajudicialmente, nem foi invocada a compensação por via de reconvenção - o que, aliás, nunca seria viável na presente ação já que os AA não são os pretensos devedores do montante atinente ao crédito resultante do direito à remuneração alegadamente devida pelos 1.º a 3.º RR à 4.ª ré no âmbito do contrato de mediação imobiliária -, pelo que resulta evidente a impossibilidade de fazer operar a compensação de créditos pretendida pela apelante no âmbito da presente ação, ainda que não fique impedida de fazer valer o seu pretenso crédito através da propositura de uma ação autónoma para esse efeito, como de resto salientou o tribunal a quo na decisão recorrida.
Pelo exposto, resta concluir que não assiste à apelante o direito a descontar, no valor a entregar aos apelados/AA, o montante que alega corresponder à sua remuneração no âmbito do contrato de mediação celebrado com os 1.º a 3.º RR.
Daí que improcedam integralmente as conclusões da apelação.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento.

Síntese conclusiva:

I - Verificando-se que a quantia entregue pelos AA a título de sinal não se consolidou na esfera jurídica dos 1.º a 3.º RR - promitentes vendedores - o que decorre do reconhecimento judicial da titularidade do direito sobre tal quantia aos AA - promitentes-compradores -, como consequência da declarada extinção do contrato e com o fim de colocar as partes na situação em que estariam se ele não tivesse sido concluído, ficaram tais questões definitivamente resolvidas no confronto com todos os intervenientes que compõem a relação contratual que constituiu o fundamento da entrega monetária em causa, já que nenhuma das partes impugnou a decisão recorrida nessa vertente.
II - Por conseguinte, o único direito que foi reconhecido relativamente à quantia de €13.000,00 - correspondente ao sinal prestado - radica-se na esfera jurídica dos AA, os quais, como é pacífico, são alheios à relação atinente ao contrato de mediação estabelecido entre os 1.º a 3.º RR (enquanto “clientes” proprietários) e a 4.ª ré (na qualidade de empresa de mediação imobiliária).
III - Não se encontrando o direito de crédito invocado pela 4.ª ré - única parte que recorreu da sentença - ainda reconhecido judicial ou extrajudicialmente, nem tendo sido invocada a compensação por via de reconvenção - o que, aliás, nunca seria viável na presente ação já que os AA não são os pretensos devedores do montante atinente ao crédito resultante do direito à remuneração alegadamente devida pelos 1.º a 3.º RR à 4.ª ré no âmbito do contrato de mediação imobiliária -, resulta evidente a impossibilidade de fazer operar a compensação de créditos pretendida pela apelante no âmbito da presente ação.
IV - Daí que não assista à apelante - 4.ª ré - o direito a descontar, no valor a entregar aos apelados/AA, o montante que alega corresponder à sua remuneração no âmbito do contrato de mediação celebrado com os 1.º a 3.º RR.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 11 de fevereiro de 2021
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Joaquim Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)




1. Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 126.
2. Cf. o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
3. Cf. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição revista e atualizada, Coimbra, Almedina, 2013, pg. 1099.
4. Artigo 851.º (Reciprocidade dos créditos) 1. A compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, ainda que aquele possa efectuar a prestação deste, salvo se o declarante estiver em risco de perder o que é seu em consequência de execução por dívida de terceiro. 2. O declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respectivo dê o seu consentimento; e só procedem para o efeito créditos seus contra o seu credor.
5. Cf., Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Vol. II, 4.ª edição, Coimbra, Livraria Almedina, 1990, pgs. 190-191.
6. Cf. o Ac. do STJ de 6-07-2006 (Relator: Sousa Peixoto), p. 06S1067, disponível em www.dgsi.pt.
7. Relator Fonseca Ramos, revista n.º 91832/12.3YIPRT-A.C1.S1, 6.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
8. Neste sentido, cf., por todos, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pg. 303; e na jurisprudência, os Acs. do TRG de 17-12-2018 (Relatora: Maria Luísa Ramos), p. 47652/18.1YIPRT-A.G1; TRG de 22-06-2017 (Relatora: Ana Cristina Duarte), p. 69039/16.0YIPRT.G1; TRG de 23-03-2017 (Relator: Alexandra Rolim Mendes), p. 37447/15.0YIPRT.G1; TRP de 08-07-2015 (Relator: Carlos Querido), p. 19412/14.6YIPRT-A.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.
9. Cf. o Ac. TRG de 31-10-2019 (Relator: Joaquim Boavida), p. 129733/18.7YIPRT-A.G1, acessível em www.dgsi.pt.