Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
374/20.7T8PTB-B.G1
Relator: ANIZABEL SOUDA PEREIRA
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO A RELAÇÃO DE BENS
NOTIFICAÇÕES
ADMISSÃO DE FACTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- As partes são notificadas dos atos praticados em juízo (artºs 3º e 219º, nº 2, CPC), em regra na pessoa do respetivo mandatário (artº 247º, nº 1, CPC), pelo que, no caso da reclamação à relação de bens e para os efeitos do art. 1105º,nº1 do CPC, considera-se devidamente notificado o cabeça de casal, com advogado constituído, quando a notificação teve lugar na pessoa do mandatário.
2- No atual sistema de notificações eletrónicas, não há que fazer qualquer distinção entre notificações da secretaria e notificações entre os mandatários, nos processos em que há advogado constituído, pois todos os atos processuais escritos das partes devem ser notificados entre os advogados por via eletrónica.
3- Não tendo sido apresentada resposta pelo cabeça de casal à reclamação contra a relação de bens, têm-se por admitidos os factos da reclamação nos termos gerais ( art. 549º e 574º CPC), com a consequente obrigação de relacionar os bens objeto da reclamação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I - Relatório:

O Cabeça-de-Casal nos autos de Inventário que correm termos no Juízo do Tribunal Judicial de Ponte da Barca - Proc. nº º 374/20.7T8PTB-B.G1-; por não se conformar com a decisão proferida no âmbito da reclamação deduzida à relação de bens e que pôs termo a este incidente, do mesmo vem agora interpor o competente recurso de apelação, alegando e concluindo que:

A) O douto despacho em crise, assim tido, constitui decisão de saneamento processual, é suscetível de afetar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados, atento a sua aplicabilidade quanto aos bens a partilhar, donde a impugnação imediata e autónoma nos termos do disposto 1123.º, n.º 1, e 2.º b).do CPC.
B) O cabeça de casal apresentou a relação de bens a 23/06/2021, sendo que a comunicou ao mandatário da reclamante15 porque foi ato escrito após as primeiras participações processuais.
C) O Tribunal ordenou a citação da requerente do inventário nos termos do disposto no artigo 1104.º do CPC, tendo a secretaria notificado quer o seu mandatário, quer a própria requerente.
D) A interessada apresentou reclamação contra a relação de bens comunicando à contraparte o ato praticado, tal como acontecera com a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal.
E) Ao contrário, o tribunal considerou o cabeça-de-casal notificado nos termos do disposto no artigo 221.º e 255.º do CPC.
F) No despacho agora em crise, o Exmo Juiz a quo, em resposta à arguição de nulidade, fundamenta o entendimento com base na interpretação de que “cremos que a notificação prevista no artigo 1105.º, n.º 1, do CPC, refere-se aos interessados que, naturalmente, não se encontrem representados por advogado, sendo que, quanto aos que o estiverem, a notificação terá que ser efectuada nos termos do disposto nos artigos 221.º, n.º 1, e 255.º, do CPC.
G) Se assim fosse, atento que as partes estão representadas e já praticaram atos em juízo, não deveria ter sido notificado a reclamante nos termos do disposto no artigo 1104.º do CPC, como foi.
H) Neste entendimento, agora expresso verifica-se uma violação do princípio da igualdade entre as partes, bem assim da justa tramitação processual nos termos do disposto no artigo 4.º do CPC, e assim violou-se o princípio da igualdade de armas que determina e constitui nulidade.
I) O Exmo Juiz a quo proferiu despacho com a referência 47878649, considerando que o cabeça-de-casal não havia respondido perante a notificação nos termos do 255.º do CPC, e relegando a fixação dos efeitos para após a junção de elementos que ordenou.
J) A 05/01/2022, o cabeça-de-casal arguiu, perante o Tribunal, a nulidade por omissão de ato devido pela secretaria, decidindo-se este pelo indeferimento incorreu em erro na apreciação do direito, donde o presente recurso.
K) O disposto no n.º 1 do artigo 1105.º do CPC dispõe que “Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada”. E ainda o seu n.º 2 “As provas são indicadas com os requerimentos e respostas.”
L) O n.º 2 do artigo 220.º do CPC dispõe, sob a epigrafe Notificações Oficiosas: “Cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação”.
M) Perante aquela reclamação de bens, o cabeça-de-casal podia responder, apresentar prova, em prazo previamente definido e, por força de disposição legal (precisamente o artigo 1105.º, n.º 1 e 2).
N) O acto oficioso resulta da solenidade do ato a praticar – que importa efeitos cominatórios e direito de resposta e prazo pré-estabelecido.
O) O que difere entre interessados com mandatário, como o recorrente, e aqueles sem mandatário é que os primeiros são notificados nos termos do disposto no 247. n.º 1 CPC; e as demais nos termos do disposto no artigo 249.º do CPC.
P) A interpretação do Ex.mo Juiz que a secretaria não notifica oficiosamente porque o interessado tem mandatário e que este teve conhecimento nos termos do 221.º do CPC - está em contradição com a interpretação precedente aquando da notificação da relação de bens - não se adequa ao prescrito na lei.
Q) A letra da lei não referiria são notificados os interessados, bastava-se com a indicação do direito de resposta como em tantas outras normas processuais, posto que existe norma geral de comunicação do ato quando estejam estes representados (247.ºCPC) ou não por mandatário (249.ºCPC).
R) Ao aplicar desta forma o direito, pela improcedência da nulidade, incorreu o tribunal em erro de julgamento quanto à aplicação do direito.
S) Por outro lado, se entende que iniciou um incidente, como parece ser o entendimento perfilhado pelo Tribunal, então a reclamação equivaleria a uma petição inicial, e a sua resposta a uma contestação, sendo apenas de considerar aplicável o 221.º só operaria a partir da resposta à reclamação contra a relação de bens.
T) A reclamação está sujeita ao critério de oportunidade, à tributação e aptidão em primeira linha pela secretaria, com reclamação para o Juiz, sob pena se admitir a prática prévia de atos inúteis pelas partes.
U) A resposta à reclamação deve ocorrer sob a cominação, conteúdo e advertências previstas no 1105.º, n. º1 e 2.º do CPC: efeito que só resulta da notificação oficiosa ou em cumprimento de despachos judiciais e não são prerrogativas das partes.
V) Não se podiam dar aqueles factos como confessados, devendo anular-se nesta parte o despacho em crise.
W) É jurisprudência unânime de primeira instância a notificação oficiosa e quando não é assim, a missão é corrigida pelo Magistrado, como operou nos exemplos jurisprudenciais supra-referidos.
X) A secretaria garante assim a oportunidade e correção formal e tributária do ato apresentado e que todos interessados do procedimento sejam notificados para os efeitos consequentes com a expressa advertência prevista no artigo em causa; e ainda após esse controlo procedimental garanta ainda uma tramitação processual uniforme concertada e concentrada e, naturalmente, economia processual.
Y) Dessa forma garante que formalmente o processo chega, quando há lugar a respostas e requerimentos probatórios com cominações processuais, pronto formalmente para o saneamento ao Juiz.
Z) Tal despacho viola, ao absorver a omissão de ato legalmente devido, o disposto nos artigos 1105, n. º1 e 220, n.º 2 do CPC, e constitui excesso de pronúncia nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC, que desde já se invoca.
AA) Quer se entenda como uma omissão, quer se entenda que lhe incumbe receber primeiramente a reclamação contra a relação de bens.
BB) Ao decidir considerar o cabeça-de-casal notificado nos termos do artigo 255.º do CPC, o Meritíssimo Juiz a quo incorreu em erro de julgamento, aplicando, erradamente o direito, designadamente quanto ao trâmite legal.
CC) Refere-se no douto despacho, que não se concede, que a falta de impugnação do cabeçade- casal, tem efeito cominatório por aplicação dos artigos 549.º, n.º 1 e 574.º do CPC.
DD) Na verdade, por aplicação supletiva das regras gerais, a falta de oposição determina a aplicação do efeito cominatório semipleno, nos termos das normas conjugadas dos artigos 549.°, n.° 1, e 574.º, do PC (veja-se ainda o disposto no artigo 293.º, n.º 3, ex vi do artigo 1091.°, n.° l, ambos do CPC).”…como regra geral e sem embargo das exclusões legais (v.g. prova documental necessária), ocorre a admissão dos factos que não tenham sido impugnados por qualquer dos requeridos diretamente interessados na sua resposta, ou antecipadamente.
EE) A relação de bens possui declarações quer quanto aos bens a partilhar, a conferir, quer quanto ao crédito compensatório reclamado, bem assim requerimentos probatórios atenta as proveniências do bem, além de que elencou elementos probatórios do processo referidos e produção de prova requerida, que não foram tidos no despacho em crise.
FF) Identificou em particular quais os bens que lhe advieram dos pais e antes do casamento, juntou prova documental e testemunhal, que não foi considerada, referindo-o especificadamente quanto á verba 15-; verba 18.º; 19.º; 23.º e 24.º, 25.º, 26.ºe 27.º, 28, 30, 31.º32. reclamando a proveniência por direito próprio.
GG) O cabeça-de-casal pronunciou-se ainda quanto ao seu direito de compensação resultante quer do fruto do seu trabalho desde 2205 (itens 47 e 48 da relação de bens), quer aquele resultante dos valores doados pelos seus progenitores (itens 49 a 52), quantificou-os, indicou prova documental e presente nos apensos e testemunhal, quer ainda quanto aos bens que refere terem sido doados pelos progenitores, indicando a respetiva prova.
HH) A reclamação contra a relação de bens teve natureza impugnatória, pelo que nunca poderiam ser considerados assentes aquela matéria sem a necessária produção de prova e ainda a consideração e pronúncia sobre a prova documental aí apresentada (com força probatória plena já que assente nos referidos apensos) que aí se consigna, com excepção do vertido no ponto 2 da reclamação para relacionar o referido veículo.
II) Ao não assim considerar incorreu-se no douto despacho em erro de julgamento que desde já se reclama.
JJ) Mesmo se diga quanto ao vertido no pedido ponto 8 da reclamação contra a relação de bens, uma vez que da certidão predial do imóvel não se retira o momento aquisitivo, apenas a data do registo, necessitando da necessária instrução.
KK) Dispõe o artigo 1105.º, n.º 3 CPC que a questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz.
LL) O pedido na reclamação contra a relação de bens está em frontal contradição com o referido quer no processo de divórcio, quer no processo cautelar de arrolamento e aí assente, e mesmo contra a relação de bens, e até na própria reclamação.
MM) No arrolamento, cujo o auto serve de descrição de bens ao inventário nos termos do 408, n.º 2 do CPC, a reclamante referiu que os Requerente e Requerido foram amealhando e investindo valores monetários, que se encontram depositados/aplicados em instituições bancárias que arrolou.
NN) A transacção, homologada, daquele arrolamento dispõe que a reclamante recebe ½ das rendas das verbas 9, 10, 11, 12, 13, 14 diretamente de gestora H. M. Arrendamentos, Lda,
OO) Estão juntos aos autos que a reclamante recebe ½ da renda da verba 16, entregues pela entidade gestora Agencia ..., sediada na Ponte da Barca.
PP) Do próprio teor da reclamação que a reclamante apresenta (ponto 67) resulta que recebia directamente duas rendas.
QQ) Na reclamação esta impugna todos os meios de receita do ex-casal, e ainda imputa-lhe o rendas em seu proveito, que de resto é juízo conclusivo e que não pode ser tido como assente.
RR) Contradições que foram carreadas para o processo no requerimento com referência registada no citius (3432303), a 11/01/2022, ainda em tempo de instrução processo.
SS) O Juiz a quo face às contradições e imprecisões que resultam do processo como seu todo e até da própria reclamação, deve usar o poder-dever e realizar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
TT) Como fosse a notificação do Banco …, da Caixa …, e Banco … S.A, através dos Serviços Centrais, para juntarem aos autos documentos comprovativos dos montantes existentes no final de cada ano desde 2005 até ao presente momento, dada que tal requisição tem de ser realizada aos serviços centrais e para que o seja em tempo útil.
UU) E ainda para o esclarecimento da verdade face à contradição dos autos, a colaboração do Tribunal para que se oficie junto da mesma H. M., Arrendamentos, Lda, para juntar os recibos dos quais possa dispor anterior a 2015, bem como para quanto ao ativo informe e documente a entrega dos valores da gestão daquele património desde 2005, entidade que se encontrava ao momento a enfrentar restrições da Pandemia como aí referido.
VV) Ou notificadas as partes para juntarem e para esclarecerem de que forma é que o cabeçade- casal teria ficado com tal vasto pecúlio, atento que o arrolamento versou sobre todo o património mobiliário e o imobiliário e da junção dos IRS de 2005 até 2020 se vê que o património do ex-casal é o que consta do arrolamento.
WW) Ao arrolar no ativo as rendas desde 2005, sem qualquer explicação ou imputação, estáse a duplicar verbas, designadamente com as que constam dos depósitos bancários, que não foram sequer esclarecidas pela reclamante.
XX) Não tendo exercido tal poder incorreu-se em erro de julgamento e injustiça.
YY) O douto despacho violou, entre outros, nos termos supra referidos, o disposto nos artigos n.º 1 e 2 do artigo 1105.º, 195.º, o n.º 2 do 220, 221.º, 247.º, 249.º 255,º 615º, n.º 1, al. d), in fine, e no artigo 3.º, 4.º do CPC,

Nestes termos, menos pelo alegado do que pelo que os VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES doctiloquamente suprirão, como é de Vosso mister e apanágio, dirimindo as questões ut supra com a temperança desejada e a sabença reconhecida, deverá ser concedido integral provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se o douto despacho e ordenada a notificação do cabeça-de-casal para se pronunciar quanto à reclamação contra a relação de bens, ou ainda revogar o douto despacho em crise substituindo por um que ordene a produção de prova nos termos supra referidos e não dê como assente a matéria peticionada no pontos 4 a 10 da reclamação.
Com o que V. Ex.ªs criteriosa e judiciosamente exercerão a avezadamente mais filigrânica, vítrea, lídima, sublimada e sã JUSTIÇA.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após ter sido recebido o recurso neste tribunal, foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se a notificação feita nos termos do artigo 221º do CPC pela reclamante não pode operar nos termos e para os efeitos do artigo 1105º, nº 1, do mesmo diploma legal, efeito que só resulta da notificação oficiosa ou em cumprimento de despachos judiciais;
• Saber se não se podiam dar aqueles factos constantes da reclamação à relação de bens como admitidos, por apenas faltar a resposta à reclamação por parte do cabeça de casal, devendo anular-se o despacho em crise.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos a atender com relevo para a decisão:
- Nos presentes autos de inventário, para partilha dos bens do casal dissolvido, requerido por M. G., no qual foi nomeado cabeça-de-casal o requerido M. E., apresentada a relação de bens nos presentes autos e notificada da apresentação da mesma veio a requerida reclamar da mesma por requerimento eletrónico que deu entrada na secretaria do Tribunal em 29/10/2021, no qual consta a declaração electrónica de que foi cumprido o artigo 221º do CPC, designadamente ao mandatário da contraparte;
- A decisão da reclamação foi proferida após o decurso do prazo do contraditório, sem qualquer resposta do cabeça de casal.
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IV. Fundamentação de direito.

Atenta a data da respetiva instauração (03.11.2020), ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente da Lei 117/2019, de 13.09.
Por outro lado, saliente-se que foi deduzida reclamação à relação de bens, pelo que deverá ser convocado o atual artigo 1105º do CPC.

Nos termos do nº1 do art. 1105 do CPC:
1 - Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada.
2 - As provas são indicadas com os requerimentos e respostas.
3 - A questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º
4 - A alegação de sonegação de bens, nos termos da lei civil, é apreciada conjuntamente com a acusação da falta de bens relacionados, aplicando-se, quando julgada provada, a sanção estabelecida no artigo 2096.º do Código Civil.
5 - Se estiver em causa reclamação deduzida contra a relação de bens ou pretensão deduzida por terceiro que se arrogue titular dos bens relacionados e se os interessados tiverem sido remetidos para os meios comuns, o processo prossegue os seus termos quanto aos demais bens.
6 - Se o crédito relacionado pelo cabeça de casal e negado pelo pretenso devedor for mantido na relação, reputa-se litigioso.
7 - Se o crédito previsto no número anterior for eliminado, entende-se que fica ressalvado aos interessados o direito de exigir o pagamento pelos meios adequados.”.
Desde logo, importa ter presente que a reclamação à relação de bens não obstante seguir uma tramitação de cariz incidental ( art. 1105º e 1106º do CPC), não é qualificada como incidente, estando envolvida no direito de defesa, nos termos gerais. (1)
Abandonada a experiência subsequente de atribuição aos cartórios notariais da competência exclusiva para a tramitação dos inventários, tendo em conta os frustrantes resultados, a nova regulamentação foi orientada pelo objetivo de modernizar tal processo especial contribuir para a resolução célere e justa de partilhas litigiosas. Para tal, considerou-se, desde logo, impor ao requerente (seja ou não cabeça de casal) o ónus de alegar e demonstrar os factos mais relevantes, de modo que, citados, os demais interessados, possam exercer o seu direito de defesa em toda a amplitude, mas com efeitos preclusivos, tornando mais eficiente a tramitação, mediante a concentração dos atos em cada uma das diversas fases processuais. Não se compreendo, aliás, a persistência no campo do processo civil de um “enclave” no qual as regras processuais pudessem ser manipuladas em função das conveniências de ordem meramente particular; ao invés, o facto de no inventário se conjugarem diversos interesses exige a fixação de regras que, embora sem uma absoluta rigidez formal, contribuam para a resolução oportuna das diversas questões e, a final, para a concretização de partilhas justas e equilibradas, num prazo razoável.
Neste novo cenário, o requerimento inicial assemelha-se a uma verdadeira petição inicial…

Também Lopes do Rego, in Julgar on line, Dezembro de 2019, refere “ Este novo modelo procedimental parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, envolvendo apelo decisivo a um princípio de concentração, propiciador de que determinado tipo de questões deva ser necessariamente suscitado em certa fase procedimental (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte; e assim, o modelo procedimental instituído para o inventário na Lei n.º 117/19 comporta:

I) Uma fase de articulados – abrangendo a fase inicial e a fase das oposições e verificação do passivo;
II) Uma fase de saneamento, em que o juiz, após realização das diligências necessárias, e com a possibilidade de realizar uma audiência/conferência prévia, deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar, proferindo também, nesse momento processual – e após contraditório das partes – despacho contendo a forma à partilha (antes de convocar a conferência de interessados);
III) Um procedimento específico para a verificação e redução de eventuais inoficiosidades, através de um incidente com a estrutura de uma ação enxertada no inventário;
IV) A fase da partilha, consubstanciada, desde logo, nas diligências e atos que integram a conferência de interessados…;

Só depois de encerradas estas diligências se passa à elaboração do mapa da partilha, concretizando, na sequência do resultado dessas várias diligências anteriores, os bens que integram o quinhão hereditário de cada interessado – e encerrando-se naturalmente o processo com a prolação de sentença homologatória
Concluiu aquele mesmo autor “ com este regime de antecipação/concentração na suscitação de questões prévias à partilha ou de meios de defesa, associado ao estabelecimento de cominações e preclusões, pretende evitar-se que a colocação tardia de questões – que podiam perfeitamente ter sido suscitadas em anterior momento ou fase processual – ponha em causa o regular e célere andamento do processo, acabando por inquinar irremediavelmente o resultado de atos e diligências já aparentemente sedimentados, tendentes nomeadamente à concretização da partilha, obrigando o processo a recuar várias casas, com os consequentes prejuízos ao nível da celeridade e eficácia na realização do seu fim último.”
Fechado este parêntesis, vejamos as questões concretas que se colocam no presente recurso: - se a notificação eletrónica efetuada nos termos do art. 221º do requerimento da reclamação à relação de bens é válida ou é necessário, conforme é sustentado pelo recorrente, que tivesse sido efetuada uma notificação oficiosa pela secretaria, tudo para os efeitos do disposto no art. 1105º, nº1 do CPC, o que, assim a entender-se, invalida o despacho ora recorrido e baseado numa notificação válida.
O despacho recorrido considerou ter ocorrido a notificação do cabeça-de-casal, e daí tirou as consequências no sentido de entender ter ocorrido o efeito cominatório semipleno da falta de resposta pelo cabeça de casal e considerou admitidos os factos alegados pela reclamante ( art. 549º e 574º do CPC).
Vejamos a primeira questão acerca das notificações.
Em regra, as partes são notificadas dos atos praticados em juízo (arts.3 e 219 nº2 CPC), na pessoa do respetivo mandatário ( art.247 nº1 CPC ).

O Art. 221º do CPC prevê sobre a “notificação entre mandatários das partes” e tem agora a seguinte redação após alteração do DL. 97/19, de 27-07:

1 - Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos previstos no artigo 255.º
2 - Sem prejuízo da informação sobre a alteração do patrocínio constante do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, o mandatário judicial que assuma o patrocínio na pendência do processo comunica o seu domicílio profissional e endereço de correio eletrónico ao mandatário judicial da contraparte.”
Ainda assim, e apesar da alteração à redação, vejamos o historial das notificações entre mandatários e que tem a sua origem no art. 229º-A do CPC.
Com a entrada em vigor do DL nº 183/2000 de 10/8, após a fase da contestação, as notificações dos articulados e requerimentos autónomos são realizadas pelos mandatários judiciais entre si, no respetivo domicílio profissional (art.229-A nº1 CPC).
Estas notificações efetuam-se por todos os meios legalmente admissíveis para a prática dos atos processuais, nomeadamente por via eletrónica, como meio legalmente preferível (art.260-A nº1, 150 nº1 e 2 CPC, redação do DL nº303/2007 de 24/8).
Os termos a que devem obedecer as notificações entre mandatários realizadas por transmissão eletrónica, estão definidos por Portaria do Ministério da Justiça (art. 26º da portaria 280/13, de 26-08).

Dispõe então o citado art. 26º da Portaria 280/13 o seguinte:
1 - O sistema informático de suporte à atividade dos tribunais assegura, mediante indicação do mandatário notificante, a notificação por transmissão eletrónica de dados automaticamente apôs a apresentação de qualquer peça processual ou documentos através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
2 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o mandatário notificante fica dispensado do envio de qualquer cópia ou duplicado à contraparte da peça processual ou documento entregue através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais e de juntar aos autos documento comprovativo da data de notificação à contraparte.
3 - Quando o ato processual a notificar contenha documentos entregues em suporte físico, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 6.º ou do n.º 4 do artigo 10.º, deve ser disponibilizada cópia dos mesmos à contraparte, no prazo máximo de cinco dias, por um dos meios previstos no n.º 7 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, aplicável com as necessárias adaptações.
4 - A declaração feita pelo mandatário, nos formulários, da data em que procedeu ou vai proceder ao envio dos documentos referidos no número anterior dispensa o envio de documento comprovativo desse envio, sem prejuízo de o juiz poder determinar a sua apresentação, caso a data declarada seja contestada ou exista outro motivo que o justifique.
5 - Nos casos em que o mandatário declare, nos formulários, que vai proceder ao envio da notificação à contraparte, esse envio deve ser feito no prazo máximo de um dia útil.”
O art. 255º do CPC sob a epígrafe “notificações entre mandatários” contem uma presunção de recebimento, uma vez que o sistema informático assegura a certificação da data da elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao do seu envio ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil.
“A presunção do recebimento destina-se a favorecer o notificado, não relevando para o efeito de início do prazo o facto de a notificação ter chegado ao conhecimento do mandatário em data anterior ou estar disponível na plataforma eletrónica” (2).
Cremos, salvo o devido respeito e ao contrário do sustentado pelo recorrente, que no sistema de notificações eletrónicas, não há que fazer qualquer distinção entre notificações da secretaria e notificações entre os mandatários.
Desde logo, pelo argumento gramatical e sistemático, na medida em que o art.25º da citada portaria, reporta-se às “Notificações eletrónicas”, tanto às realizadas pela secretaria (nº2 e 3), como às notificações entre mandatários judiciais (nº1), sendo que a norma do nº1 abrange ambos os tipos de notificações.
O art.26º (“Notificações eletrónicas entre mandatários”) da Portaria não afasta ou exceciona as regras das “notificações eletrónicas “, plasmadas no art.25º, enquanto disposições gerais, e, por isso mesmo, aplicáveis a todas as notificações eletrónicas, designadamente as realizadas entre mandatários judiciais.
Por outro lado, o argumento teleológico assim o exige, não fazendo sentido a interpretação restritiva defendida pelo recorrente e distinção entre notificações eletrónicas da secretaria (ou entre mandatários), já que a razão de ser da presunção supra referida e prevista também do art. 26º da Portaria é a mesma, para ambas as notificações, e não tem a ver com a elaboração do documento, mas com os problemas que possam surgir na transmissão, favorecendo-se o notificado (cfr. art. 255º).
Resta dizer que a jurisprudência e a doutrina já assim entendia em face da redação do art. 229ºA do CPC “O art. 229.°-A, teleologicamente orientado, pois, no sentido de «desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes», tem aplicação, além do mais, relativamente a todos os «requerimentos autónomos», ou seja, àqueles cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do juiz. O aludido artigo vem, por conseguinte, a abranger na sua teleologia - até - as alegações e contra-alegações de recurso. E a expressão «requerimentos autónomos», numa acepção do conceito em termos amplos (tal como supra explicitados), representa um mínimo de correspondência verbal, quiçá imperfeitamente expresso, no qual pode ancorar-se a interpretação teleológica do art. 229.°-A (Ac. STJ, de 5.5.2005: Proc. 04B419.dgsi.Net).
Em suma, a alteração introduzida pelo DL 303/2007 visou perfilhar a interpretação mais ampla que ao preceito vinha, embora com hesitações, sendo dada: todos os actos processuais escritos das partes são por ele abrangidos (Lebre e Freitas, CPC Anotado, volume 1º, 2ª edição, p. 404).” (3)
Em síntese: no atual sistema de notificações eletrónicas, não há que fazer qualquer distinção entre notificações da secretaria e notificações entre os mandatários, nos processos em que há advogado constituído, pois todos os atos processuais escritos das partes devem ser notificados entre os advogados por via eletrónica (salvo justo impedimento ( art. 144º,nº8).
Conclui-se, portanto, que tendo sido notificado o mandatário, considera-se validamente notificado o cabeça de casal.
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O recorrente sustenta ainda que deveria ter sido notificado pessoalmente o cabeça de casal sob pena de violação do princípio da igualdade de armas e justa tramitação processual nos termos do art. 4º, uma vez que a reclamante foi notificada pessoalmente nos termos do art. 1104º do CPC bem como assim o seu mandatário, pelo que também deveria ter ocorrido no caso da reclamação deveria ter sido notificada ao mandatário e ao cabeça de casal
Salvo o devido respeito, cremos não ter razão.
Com efeito, como supra já se ventilou acerca do regime do inventário judicial atualmente em vigor, onde se assinalaram as alterações estruturais que levaram à consagração de uma verdadeira fase de articulados que parte do requerimento inicial (art. 1097), sujeito a apreciação liminar (1100º) e prossegue com a citação dos interessados, a partir do que se estabelece um verdadeiro contraditório, pelo que desde logo a diferença está na intervenção dos interessados após a citação que tem lugar e aludida naquele 1104 e a notificação aludida no art. 1105º do CPC (já após a citação dos interessados).
Assim sendo, são situações diversas a citação e a notificação, com tratamentos distintos, sendo certo que a citação terá de ser pessoal e a notificação a ter lugar à parte quando exista mandatário constituído será sempre na pessoa deste (art. 247º do CPC).
Diga-se ainda, que a referência na lei ao facto de o requerente do inventário e o cabeça-de-casal serem notificados do despacho que ordena a citação dos demais interessados, seguirá a forma como devem ser realizadas as notificações: importa fazer a distinção entre as partes que constituem mandatário e as que o não fazem. Assim, se a parte estiver representada por mandatário, as notificações são feitas na pessoa deste, como já referimos. Ao invés, se a parte não for representada por mandatário, as notificações são feitas por carta registada para a sua residência, sede ou domicílio escolhido para o efeito, presumindo-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando não o seja.
Com a lei atual, em ambos os casos, a notificação considera-se ainda efetuada, em qualquer circunstância, quando o notificando proceda à consulta eletrónica do processo, nos termos previstos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º (cfr. artt. 247º, nº7 e 249º, nº6, ambos do CPC).
Por tudo o exposto, não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade e justa composição processual.
Mais se consigna que a decisão recorrida, assim sendo, não padece de qualquer nulidade, nomeadamente a que o recorrente alegou nos termos da al. d) do nº1 do art. 615, por excesso de pronúncia.
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O recorrente ainda sustenta que faltou na notificação a cominação expressa do efeito cominatório, nem a mesma foi corrigida pelo juiz, pelo que não poderia ser considerada.

Quid iuris?

Esse efeito cominatório tem sido afirmado pela jurisprudência, como no acórdão desta Relação de Guimarães de 13/01/2011, proc. nº 401/2005, disponível em www.dgsi.pt: “Na verdade, encontramo-nos no âmbito de processo especial de inventário, ao qual são aplicáveis, por força do disposto no artº 463º, nº 1, as disposições que lhe são próprias e as disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário”.
Daí que, constituindo a reclamação contra a relação de bens um incidente, sejam aplicáveis as regras gerais e comuns próprias dos incidentes, constantes dos artºs 302º a 304º”.
De acordo com este artº 303º, nº3, “a falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere”.
Não se prevendo nas normas próprias do inventário, em que o incidente se inscreve, qualquer efeito cominatório para a falta de contestação, há que aplicar no seu âmbito e como manda o citado artigo 463º, nº 1, as regras próprias do processo ordinário”.
Chega-se, assim, à disciplina dos arts. 484º, nº 1 e 490º, nº 2, pelo que, nada tendo dito o cabeça-de-casal quanto à acusada falta de relacionação daquele bem, tem de concluir-se que a existência do mesmo é por ele confessada, estando, por isso, obrigado a relacioná-lo”.
Também o AC da RC de 08-11-2011, reafirmou que no incidente de reclamação a falta de resposta do cabeça-de-casal tem efeito cominatório e ali referiu outros: ac. TRC 19/06/2001, CJ, tomo III, págs.30/31, ac. TRC de 03/11/2009, proc. nº 443/2003 – não publicado -, ac. TRL de 22/09/2009, proc. nº 443/2002, e ainda a posição de França Pitão, Processo de Inventário (Nova tramitação), 3ª ed., pág.137, mas o acórdão também tem o cuidado de referir a posição contrária de Lopes do Rego, no Comentário ao Código de Processo Civil, pág.714 ( antes das últimas alterações ao regime do inventário).
Também AUGUSTO LOPES CARDOSO defende que não deve ser aplicado ao caso a norma geral do artigo 567.º do CPC. Isto porque o autor defende que não existe nenhum “paralelismo” com a dita norma por não se tratar de uma real situação de revelia, pois o cabeça-de-casal “está presente e atuante, tanto que apresentou a relação de bens”.
Este autor já entendia que só se o juiz fixasse a cominação (o que no caso não aconteceu), é que se poderiam ter por confessados os factos, pois caso contrário não há efeito cominatório e os factos não se deviam ter por confessados. (4)
Os defensores da tese de que não há qualquer efeito cominatório ainda realçam o facto de “ não se vislumbrar como possa afirmar-se uma interpretação que faz tabua rasa dum ato legislativo, em que o legislador, sem ambiguidades, expressamente suprimiu um efeito cominatório ( pois na lei antiga tinha expressamente tal efeito e este foi suprimido).” (5)
Quanto a nós, entendemos que, na esteira do que supra referimos, também não se descortina qualquer razão plausível ou ponderosa que justifique, para o processo de inventário, o afastamento do efeito cominatório estabelecido no nosso Código para os processos e incidentes em geral, pelo que, por aplicação das regras supletivas, a falta de impugnação determina a aplicação do efeito cominatório semipleno, nos termos conjugados dos artigos 549º nº1 e 574º.
Ou seja, como referem A. Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires, in ob cit, p. 572, “regra geral, e sem embargo das exclusões legais (prova documental necessária), ocorre a admissão dos factos que não tenham sido impugnados por qualquer dos requeridos diretamente interessados na resposta ou antecipadamente”.
É que, se assim não se entender, quer a norma do artigo 574º e quer a norma do artigo 587.º, nº 1 2ª parte, e art. 3º, nº4, ficam esvaziadas de qualquer conteúdo e, portanto, passam a ser letra morta, coisa que, certamente, não terá estado na intenção do legislador. (6)
Volvendo ao caso sub judicio, bem andou o tribunal a quo ao julgar admitidos os factos alegados na reclamação e que não foram impugnados em qualquer requerimento posterior àquela reclamação, sendo certo que se providenciou pela junção da prova documental respetiva, restando, pois, confirmar a decisão recorrida.
Mas será que conforme parece querer sustentar o recorrente, com as declarações e consignações e elenco de prova no requerimento de relação de bens, o cabeça de casal impugnou antecipadamente os factos reclamados?
Não cremos que assim se possa entender.
Com efeito, a circunstância de o exercício de determinadas faculdades estar inserido no perímetro de certa fase ou momento processual implica igualmente que, salvo superveniência (nos apertados limites em que esta é considerada relevante, na parte geral do CPC e na regulamentação do processo comum de declaração), qualquer requerimento, pretensão ou oposição tem obrigatoriamente de ser deduzido no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão.
No caso, estamos perante uma reclamação deduzida à relação de bens, e como a lei prevê a resposta à mesma pelos interessados, inclusive pelo cabeça de casal, e que as provas sejam indicadas com os requerimentos e as respostas (nº2 art. 1105º do CPC), seguindo-se uma fase de instrução, a amplitude da fase probatória relativa a cada uma ou de todas as questões suscitadas dependerá, desde logo, da controvérsia que se tiver estabelecido.
Portanto, temos que a lei prevê uma tramitação de cariz incidental e no caso vertente, não tendo sido observada quer a junção do requerimento de resposta respetivo com a indicação da prova respetiva pelo cabeça de casal, não poderá o mesmo suprir essa falta com uma indicação que insolitamente fez na relação de bens que apresentou anteriormente, a qual deverá conter outrossim os elementos constantes do art. 1098º do CPC, não funcionando assim a relação de bens como requerimento de antecipação de impugnação de factos que poderão ser reclamados posteriormente e requerimento de apresentação antecipada de prova, sob pena de se subverter o sistema legal.
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VI. Decisão.
Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Guimarães, 02 de junho de 2022

Assinado eletronicamente por:
Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos: Jorge dos Santos e
Margarida Gomes




1. Neste sentido A. Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires, CPC Anotado, Vol. II, p. 541
2. Neste sentido A. Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires, CPC Anotado, Vol. I, p. 307
3. AC de 14-02-2012, proc. 112/05.4TBTND-B.C1, dgsi, e AC RC de 09-11-2010, proc. 102/07.2TBSEI-A.C1, dgsi
4. in Partilhas Judiciais, Volume I, 5.ª Edição revista, adaptada e atualizada, 2006, Almedina, pág. 587.
5. Neste sentido vide AC RP de 16-10-2017, relator, Carlos Querido, dgsi.pt
6. Vide neste sentido, e a propósito do procedimento de injunção, vide AC RP de 23-02-2015; proc. 95961/13.8YIPRT.P1, em cujo sumário se lê, além do mais, “ há que conjugar o disposto no artigo 3.º, n.º 4, com os artigos 572.º al. c) e 587.º, n.º 1 do CPCivil, não tendo este último deixado de prever que “A falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu”, seja na audiência prévia, caso haja lugar a esta, seja no início da audiência final, tem o efeito previsto no artigo 574.º do mesmo diploma (admissão por acordo dos factos não impugnados), sob pena de os referidos normativos ficarem esvaziados de conteúdo. V - E, se isso é assim para o processo declarativo comum deixa de se poder utilizar o argumento decorrente do artigo 505.º do anterior CPCivil (falta de apresentação de articulado quando este é admissível ou a falta de impugnação nele dos novos factos) para os processos especiais no âmbito dos quais estejam previstos apenas também dois articulados e, em concreto, para o procedimento de injunção. VII - Razão pela qual o estatuído pelo legislador no artigo 3.º, nº 4 do CPCivil, não pode ser visto apenas como uma faculdade que a parte pode usar ou não, sem que daí decorram quaisquer efeitos cominatórios, antes tem de ser visto como sendo o momento processual que o legislador deferiu à parte para responder às excepções deduzidas com o último articulado, sob pena de se verificarem os efeitos decorrentes da falta do ónus de impugnação.”