Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5062/20.1T8VNF-A.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
JUSTIFICAÇÃO DO TERMO
INÍCIO DE ATIVIDADE DA EMPRESA
VALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCAL
Sumário:
A fundamentação do termo num contrato de trabalho, ao abrigo da al. a) do n.º 4 do artigo 140.º do CT, basta-se com uma indicação simples, bastando mesmo a mera transcrição do texto da norma, que tem um sentido corrente e percetível. É suficiente a referência a que a empresa se encontra no início do segundo ano de atividade, sem prejuízo da necessidade de demonstração da realidade da invocação.
O que releva é a indicação de factos justificativos e não da norma em que se funda a estipulação, como resulta do artigo 141.º, n.º 3 do CT, que alude a “menção expressa dos factos que o integram”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

V. S., residente na Rua …, Vila Nova de Famalicão, instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra X – Medical ..., Lda., pessoa coletiva n.º ………, com sede no Edifício …, Edifício …, piso …, freguesia de …, Oeiras, pedindo:

a) a declaração como sem termo do contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré em 02 de março de 2020;
b) a declaração de ilicitude do despedimento do autor;
c) a condenação da ré a pagar-lhe:
a. 11.898,70€, acrescida de juros de mora contados desde a data de entrada da ação até integral pagamento;
b. as retribuições mensais que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida.

Alega, em síntese, que foi contratado pela ré em 02/03/2020 para sob a autoridade e direção desta exercer as funções de comercial, mediante o pagamento da retribuição mensal de 1.528,57€ (mil, quinhentos e vinte e oito euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescida de 9,00€ (nove euros) diários de subsídio de alimentação, contrato esse celebrado pelo prazo de seis meses. Alega que o contrato não contém a mínima justificação para a sua celebração a termo, motivo pelo qual deve ser considerado sem termo, o que torna ilícita a comunicação de caducidade que a ré lhe dirigiu em 27/07/2020 e através da qual pôs termo ao contrato.
Pede a condenação da ré no pagamento de uma indemnização em substituição da reintegração e das retribuições vencidas desde os trinta dias anteriores à entrada da ação, para além de 5.000,00€ de indemnização por danos não patrimoniais. Mais alega não ter recebido da ré os proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal a que teria direito.
A ré contestou a fls. 24 e ss. Admite a existência do contrato de trabalho, mas diz que este contém todos os elementos necessários para justificar o termo aposto. Entende, por isso, que a comunicação de caducidade é legal e não existe qualquer despedimento ilícito. Mais alega ter pago ao autor todas as quantias a que tinha direito. Afirma que o autor vem a juízo alegar contra a verdade dos factos e pede a sua condenação como litigante de má fé, em multa e numa indemnização.

O tribunal, considerando-se habilitado a decidir proferiu a seguinte sentença:

a) declaro que o contrato de trabalho celebrado em 02 de março de 2020 entre o autor V. S. e a ré X – Medical ..., Lda. é um contrato por tempo indeterminado;
b) declaro ilícito o despedimento do autor V. S., levado a cabo pela ré X – Medical ..., Lda. em 31 de agosto de 2020;
c) condeno a ré X – Medical ..., Lda. a pagar ao autor V. S. as seguintes quantias:
i. 4.585,71€ (quatro mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de indemnização em substituição da reintegração;
ii. as retribuições devidas entre 01/09/2020 e a data de trânsito em julgado da presente sentença, à razão mensal de 1.901,57€ (mil, novecentos e um euros e cinquenta e sete cêntimos);
sendo todas estas quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos até integral pagamento, sobre as referidas quantias, sendo a de i. desde a data de entrada da ação (data do pedido formulado) e as de ii. desde as respetivas datas de vencimento de cada retribuição.

Inconformada a ré interpôs recurso colocando as seguintes questões:
- A motivação invocada no contrato de trabalho cumprem a lei. Fundamentou-se tanto na al. f) do nº 2 do artigo 140, como no seu nº 4.
- Deviam ter sido dados como provados os factos constantes dos documentos juntos, não impugnados, de que resulta que a comprovação do inicio de atividade.
- A não se considerarem provados deveria ter-se seguido para julgamento.
Sem contra-alegações.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Factualidade dada como assente em primeira instância:

A) No dia 02 de março de 2020, por acordo escrito (junto a fls. 8 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzido) e pelo período de seis meses, a ré admitiu o autor para exercer as funções de comercial sob as suas ordens, direção e fiscalização;
B) O local de trabalho do autor seria no norte de Portugal, sem prejuízo das demais deslocações necessárias para o exercício das funções, tendo-lhe sido atribuído para uso profissional e pessoal veículo automóvel da ré;
C) E mediante o pagamento da remuneração mensal ilíquida de 1.528,57€, acrescida de 9,00€ de subsídio de alimentação por cada dia efetivo de trabalho e do pagamento dos subsídios de férias e de natal em duodécimos, além de isenção de horário de trabalho no valor mensal de 175,00€;
D) A cláusula quinta do acordo referido em A) tem o seguinte teor:
“1. O presente contrato é celebrado a termo certo pelo período de seis meses e terá início no dia 2 de março de 2020 e caducará a 01 de setembro de 2020, desde que o empregador ou o trabalhador comuniquem à contraparte, por escrito, com uma antecedência mínima de 30 e 15 dias, respetivamente, a vontade de o fazer cessar.
2. A fundamentação legal do presente contrato encontra-se na alínea f) do n.º 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, justificando-se pelo facto de em face do acréscimo excecional de trabalho a Primeira Outorgante que se encontra no início do 2.º ano de atividade e pretende com esta iniciativa procurar novos clientes pelo que dependendo do sucesso desta iniciativa, no termo do presente contrato, caso venha a justificar-se, será revista a motivação do contrato e o vínculo da Segunda Outorgante”;
E) Por carta registada com aviso de receção, datada de 27/07/2020, a ré comunicou ao autor o seu propósito de não renovar o aludido acordo, com efeitos a partir de 31 de agosto de 2020 (documento junto a fls. 12, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Aditado:
“ Por apresentação de 4/1/2019 foi registada a constituição da sociedade ré”
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões levantadas:
- A motivação invocada no contrato de trabalho cumpre a lei.
- Matéria de facto:

Deviam ter sido dados como provados os factos constantes dos documentos juntos, não impugnados, de que resulta que a comprovação do início de atividade.
- Prosseguimento dos autos.
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Quanto à motivação do contrato:
Consta de decisão recorrida, “Ora, da simples leitura do documento junto a fls. 8 e ss. não pode ser outra conclusão senão a de que não se mostra minimamente cumprido o ónus de justificação imposto pela lei. Para além da mera reprodução da letra da lei (“acréscimo excecional de trabalho”), o contrato contém apenas a seguinte fundamentação: “a Primeira Outorgante que se encontra no início do 2.º ano de atividade e pretende com esta iniciativa procurar novos clientes”.
Salvo sempre o devido respeito, esta justificação é manifestamente insuficiente para justificar a necessidade de recurso à contratação do autor e, mais ainda, à necessidade de tal contratação a termo”

Refere o normativo em causa (140º):
Admissibilidade de contrato de trabalho a termo resolutivo
1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.
2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:

f) Acréscimo excecional de atividade da empresa;

4 – Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para:
a) Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 250 trabalhadores, nos dois anos posteriores a qualquer um desses factos;
b) Contratação de trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração.
5 - Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.
6 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto em qualquer dos n.os 1 a 4.

A justificação não apenas deve ser real, como deve constar do contrato – formalidade ad substantiam –. Veja-se o disposto no artigo 141:
Forma e conteúdo de contrato de trabalho a termo
1 - O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter:

e) Indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo;

3 - Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.

E no artigo 147:
Contrato de trabalho sem termo
1 - Considera-se sem termo o contrato de trabalho:
a) Em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo;
b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.os 1, 3 ou 4 do artigo 140.º;
c) Em que falte a redução a escrito, a identificação ou a assinatura das partes, ou, simultaneamente, as datas de celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo;

Resulta do regime uma dupla natureza de motivos invocáveis, de um lado os constantes do nº 2 do artigo 140º, relativamente aos quais as exigências de fundamentação são mais severas, devendo indicar-se as circunstâncias concretas que justificam a contratação e o termo, de forma tal que possa estabelecer-se o necessário nexo entre essas causas e o termo estipulado. Não bastam referência genéricas, designadamente “aumento de procura” ou outros similares.
A enumeração das situações em que é admitido o contrato a termo visa garantir o direito à segurança no emprego e o princípio da indeterminação da duração do trabalho. A indicação do motivo deve permitir ao trabalhador e ao tribunal avaliar da efetiva verificação do motivo, permitir a compreensão e fiscalização do cumprimento dos pressupostos legais quanto à motivação e estabelecer o nexo de causalidade entre o motivo invocado e o termo estipulado.
Tal exigência não demanda um detalhe total, uma explicação ao nível de um documento técnico elaborado, mas tão só uma explanação de modo a que se ache suficientemente explicitada e percetível a situação de facto concreta que fundamenta a celebração do contrato de trabalho a termo, e de tal modo que permita a um qualquer declaratário colocado na posição do trabalhador, a compreensão do motivo, e ao tribunal proceder à respetiva fiscalização.
De outro lado temos os motivos referenciados no nº 4 do normativo que obedece a outras exigências, já que assentam em circunstâncias singelas, uma relativa à empresa e outra ao trabalhador. Veja-se a conjunção alternativa “ou”, expressão constando artigo 147, 1, b).
Relativamente a estes fundamentos basta a simples indicação, funcionam por si, sendo que a referência legal (o termo legal) constitui também um termo comum usado para designar a realidade, o facto a que se reporta. Relativamente a estas motivações basta a referência, basta constar do contrato que se trata de início de atividade da empresa, por exemplo, ou outra qualquer referência similar que se já compreensível.
Já vimos que as exigências relativas à motivação e o regime, visam garantir o direito à segurança no emprego.
A norma remete-nos para a exigência de que na fundamentação constem factos, os factos que fundamentam o recurso ao termo. Os contraentes podem nem indicar as normas legais, ponto é que os factos indicados constituam nos termos das normas, motivo justificativo para a aposição do termo. Os termos do contrato devem ser interpretados de acordo com o disposto nos artigos 236º ss do CC. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Tratando-se de um negócio formal não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

Consta da cláusula contratual:
“ A fundamentação legal do presente contrato encontra-se na alínea f) d n.º 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, justificando-se pelo facto de em face do acréscimo excecional de trabalho a Primeira Outorgante que se encontra no início do 2.º ano de atividade e pretende com esta iniciativa procurar novos clientes pelo que dependendo do sucesso desta iniciativa, no termo do presente contrato, caso venha a justificar-se, será revista a motivação do contrato e o vínculo da Segunda Outorgante”.
Trata-se de uma justificação que expressamente remete para a al. f) do nº 2 do artigo 140º do CT, remete para o acréscimo de trabalho. Essa referência em si é genérica. Contudo as partes concretizam desta forma essa referência: “a Primeira Outorgante que se encontra no início do 2.º ano de atividade e pretende com esta iniciativa procurar novos clientes pelo que dependendo do sucesso desta iniciativa, no termo do presente contrato”.
Interpretando a declaração, dada a sua clareza, não pode deixar de se considerar que o motivo da contratação indicado é, verdadeiramente (note-se a expressão “pretende com esta iniciativa”), a pretensão de procurar novos clientes. E tal pretensão da ré assenta no facto, referenciado, de que se encontra no segundo ano de atividade.
Assim, não obstante a remissão para uma alínea do nº 2 do artigo 140, o trabalhador, contratado como comercial, não pode deixar de perceber que o intento da contratação é a angariação de clientela, objetivo da ré, determinado pelo intento, em início de atividade (início do segundo ano de atividade), em aumentar o número de clientes.
A fundamentação da estipulação do termo consiste na indicação de factos, não sendo necessária a referência a qualquer norma, como já referido. A referência efetuada a uma norma, não retira nem dá legitimidade ao real motivo invocado. Imagine-se que se descrevia a factualidade fundante baseada em “execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”, devidamente circunstanciada, e se refere por exemplo a al. b) do nº 2 do artigo 140º.
Consequentemente a motivação enquadra-se – também -, na al. a) do nº 4 do artigo 140º do CT - Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 250 trabalhadores, nos dois anos posteriores a qualquer um desses factos -. O termo “início de atividade”, para efeitos legais, é de dois anos, durante tal período a empresa considera-se em fase de início de laboração.

Refere a recorrente que da prova junta resulta demonstrado o início de atividade. Mas não é assim. O documento a que alude, documento público, faz prova plena quanto ao registo em si, não quanto ao efetivo início de atividade. Está plenamente provado que por apresentação de 4/1/2019 foi registada a constituição da sociedade ré. Esta pode ter existência anterior, quiçá como sociedade irregular.

Assim é de considerar provado apenas que:
“Por apresentação de 4/1/2019 foi registada a constituição da sociedade ré”.
Consequentemente a ação deve prosseguir para demonstração do facto relativo ao início de atividade.
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DECISÃO:

Acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão, devendo os autos prosseguir.
Custas pelo vencido a final
3/02/2022

Antero Veiga
Alda Martins
Vera Sottomayor