Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
992/08.1TBPTL.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
CUMULAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES
REPARAÇÃO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) Sendo possível e não excessivamente onerosa para o lesante, a reparação de um ciclomotor, de um lesado interveniente em acidente de viação, deverá este suportar o pagamento da reparação do mesmo, independentemente de o lesado ter vendido os salvados, antes do recebimento da quantia devida;

2) Constitui entendimento uniforme e reiterado o de que as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto;

3) A responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respetiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado;

4) O pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação;

5) Embora a fixação ao lesado, no âmbito laboral, de um montante de capital ou de uma pensão vitalícia vise ressarcir a sua incapacidade permanente para o desempenho de funções laborais, não pode a seguradora do acidente de viação escusar-se ao pagamento da indemnização que lhe cabe com o fundamento na cumulação de indemnizações, laboral e por acidente de viação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) A, veio intentar ação com processo comum, na forma ordinária, contra C., onde conclui pedindo a condenação desta a pagar ao autor:

1) A indemnização global de €97.911,23, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação, até efetivo pagamento;

2) A indemnização que, por força dos factos alegados nos artigos 229º a 246º vier a ser fixada em decisão ulterior ou vier a ser liquidada em execução.

Pela ré C, foi apresentada contestação onde conclui entendendo dever a ação ser julgada improcedente ou só parcialmente procedente, com as consequências legais e dever ser admitida a intervir nestes autos, como parte principal e associada ao autor, a S, para informar os autos de todas as quantias por si pagas, seja ao autor, seja a outras entidades que tenham intervindo no seu processo de cura, em resultado do acidente de trabalho referido nos autos.

O autor A apresentou réplica onde entende dever improceder a matéria de exceção, concluindo como na petição inicial.

Foi admitido a intervenção principal provocada da chamada Companhia de Seguros Allianz, SA (fls. 254), melhor identificada como S.

A interveniente S, veio apresentar a sua reclamação a fls. 260 e segs, onde conclui entendendo dever o pedido ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, ser a ré condenada a pagar-lhe a quantia de €10.872,44, dos quais já pagou a quantia de €3.163,99, sendo, portanto sobre a diferença de €7.708,45, acrescida de juros que se vencerem desde a data da sua interpelação até efetivo e integral pagamento.

A ré C apresentou contestação onde conclui entendendo dever o pedido ser julgado improcedente ou só parcialmente procedente.

A ré C veio requerer a intervenção principal provocada da Caixa Geral de Aposentações (CGA) a fim de apresentar o seu pedido de reembolso pelas quantias pagas na vertente laboral do sinistro.

O autor veio pronunciar-se entendendo dever ser indeferida a intervenção principal provocada da CGA.

A intervenção da CGA foi admitida por despacho de fls. 316.


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Foi elaborado despacho saneador, organizados os factos assentes e a base instrutória.

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Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que decidiu julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência,

1. Condenar a ré C, a pagar ao autor A:

a) a quantia de €11.147,07 (onze mil, cento e quarenta e sete euros e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento;

b) a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora a contar da data desta sentença até integral pagamento;

2. Absolver a ré do restante pedido.

3. Condenar a ré C, a pagar à interveniente S, a quantia de €7.708,45 (sete mil, setecentos e oito euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a notificação da ré do pedido de reembolso e até integral pagamento.


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B) Inconformada com a sentença proferida, veio a ré, C, interpor recurso (fls. 871 vº e segs.) e o autor A, interpor recurso subordinado (fls. 901 vº e segs), os quais foram admitidos como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 910).

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Nas alegações de recurso da apelante C, são formuladas as seguintes conclusões:

I. Alegou a ré no artigo 3º da sua contestação que o acidente em apreço ocorreu no trajeto entre o local de trabalho do demandante e a sua residência, facto que não foi integrado na douta seleção da matéria de facto elaborada na presente ação;

II. Apresentada pela ré, no dia 06/02/2010, reclamação relativa à seleção da matéria de facto, no sentido da inclusão na base instrutória dessa factualidade, veio a mesma a ser indeferida por douto despacho proferido datado de 14/05/2010, com a Ref Citius 1445437,

III. Aquela factualidade era relevante para a boa decisão da causa, na medida em que permitiria a qualificação do acidente como um sinistro simultaneamente de viação e de serviço, abrindo a porta a uma das soluções plausíveis de direito, que passaria pelo abatimento à indemnização a atribuir ao demandante na presente ação das quantias já recebidas no âmbito da reparação por acidente de serviço, na parte em que incidissem sobre os mesmos danos.

IV. Como tal, a ré impugna a douta decisão que indeferiu a reclamação que apresentou relativamente à douta seleção da matéria de facto no sentido da inclusão nesta do facto alegado no artigo 3º da contestação (despacho proferido a 14/05/2010, com a Ref Citius 1445437), o que faz nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 511º nº 3 do CPC em vigor à data da prolação dessa douta decisão.

V. Devendo, em sua substituição, e a menos que se entenda que o facto do artigo 3º se encontra já contido nos demais factos dados como provados, ser agora proferido douto despacho que declare que tal matéria constitui tema da prova, anulando-se a douta sentença e ordenando-se a repetição do julgamento para produção se prova sobre esse facto, com ulterior prolação de douta sentença que o subsuma, juntamente com os demais apurados, ao direito.

VI. A menos que se considere que o facto alegado no artigo 3º da contestação da ré já está incluído na factualidade dada como provada, sempre se imporia, nos termos do disposto no artigo 662º nº 2 alínea c) (última parte) do CPC a anulação da decisão proferida na 1ª instância quanto à matéria de facto ordenando-se a ampliação desta de forma a que o Tribunal, após produção de prova, se pronuncie sobre o facto alegado pela Ré no artigo 3º da contestação, o que se requer.

VII. A entender-se que, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, constituía tema de prova a totalidade dos factos alegados pelas partes nos seus articulados, é manifesto que o Tribunal deixou de se pronunciar sobre matéria alegada pela ré no artigo 3º da sua contestação e que era relevante para a boa decisão da causa.

VIII. Pelo que, neste caso – e a menos que se entenda que o facto do artigo 3º da contestação da ré já está contido na factualidade dada como provada na ação – verifica-se uma omissão de pronúncia (com a inerente falta de fundamentação da decisão nessa parte) quanto a tal facto na douta sentença, o que acarreta a nulidade da douta sentença, vício esse que se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea c) e d) do Código de Processo Civil.

IX. A ré considera incorretamente julgado e por isso, impugna a decisão proferida quanto ao seguinte facto dado como provado na douta sentença:

54. Desde a data do embate, e por via das lesões e sequelas sofridas e da mobilidade dolorosa do ombro direito e do tornozelo direito que o autor também apresenta sem relação com o acidente dos autos, o mesmo deixou de realizar tais trabalhos de “biscates” (resposta explicativa ao item 40 da base instrutória e aos factos alegados nos artigos 203º a 211º, da petição inicial).

X. O facto em questão está em contradição com o que foi dado como provado no ponto 51 do elenco da factualidade considerada demonstrada na douta sentença;

XI. Não pode, por um lado, dar-se como provado que uma determinada sequela não é impeditiva do exercício de uma atividade profissional e, por outro que por via dessa mesma sequela o respetivo portador deixou poder desempenhar a sua atividade profissional.

XII. Pelo que, manifestamente, verifica-se, desde logo, uma flagrante contradição e ambiguidade entre os fundamentos de facto da decisão (pontos 51 e 54), a ponto de se tornar ininteligível a sentença, o que geram a sua nulidade, de harmonia com o que estabelece o artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC.

XIII. Do mesmo passo, na medida em que se tenha atribuído ao autor uma indemnização pela cessação da atividade profissional em regime de “biscate”, a decisão em mérito contraria os seus fundamentos, mais precisamente o facto provado no ponto 51 dos factos dados como provados, o que gera nova nulidade da sentença, por aplicação da mesma disposição legal.

XIV. Os factos dados como provados no ponto 54 do elenco de factualidade considerada demonstrada na douta sentença são de cariz eminentemente técnico, sendo insuscetíveis de confirmação através de prova testemunhal;

XV. Do teor do relatório pericial de fls 549 e seguintes, associado aos esclarecimentos prestados pelos peritos no decurso da audiência de julgamento, registados no sistema H@bilus no dia 11/09/2015 entre as 14h35m34s e as 14h55m07s, mas precisamente aos minutos 1m52s e seguintes e 11m e 26s e seguintes, resulta que o autor ficou portador de uma única sequela valorizável em termos médico-legais (joelho doloroso), a qual não o impede de exercer a profissão habitual, exigindo apenas esforços acrescidos;

XVI. Os Srs peritos afastaram por completo a possibilidade de se considerar que essa sequela impede o autor de exercer a sua profissão de pedreiro, seja por conta própria, seja por conta de terceiro, implicando apenas esforços acrescidos.

XVII. Assim, não poderia o Tribunal ter concluído que, afinal, as sequelas decorrentes do acidente provocaram uma impossibilidade de desempenho pelo autor da sua profissão habitual, ou o levaram, como consequência direta, a abandonar a execução dos “biscates” que realizava.

XVIII. O depoimento das testemunhas que são mencionadas na motivação da decisão da matéria de facto como tendo contribuído para que fosse dada como provada a Ma téria do ponto 54 não foi, nem poderia ser, esclarecedor quanto a tal factualidade.

XIX. Além de se tratarem de pedreiros e não de médicos, nenhum deles pode atestar, sequer, que o demandante deixou de executar biscates depois do acidente e, muito menos, a causa dessa alegada cessação;

XX. Assim, a testemunha AA, no seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 08/09/2015, entre as 11h28m48s e as 12h12m13s declarou, no essencial, aos minutos 34m18s e seguintes e 38m20s e seguintes do seu depoimento, no essencial, que tudo o que sabe sobre tal matéria lhe foi referido pelo autor, não tendo mencionado a causa da alegada cessação da atividade de “biscateiro”, facto sobre o qual, de resto, dificilmente lhe poderia ser reconhecida autoridade para depor;

XXI. A testemunha M, por seu turno, no respetivo depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 08/09/2015, entre as 12h17m58s e as 12h50m06s declarou, mais precisamente aos minutos 2m50s e seguintes, 08m39s e seguintes, 10m35s e seguintes e 26m31s e seguintes, limitou-se a referir que, mais uma vez com base, no essencial, no que o autor lhe disse, que este executava biscates antes do acidente, sem que tenha, sequer, afirmado que os deixou de executar depois dele;

XXII. Esta testemunha não abordou a causa da cessação da prestação de trabalho em regime de biscate (facto que não referiu), nem, muito menos, a sua causa, descrevendo, aliás, dificuldades do autor no exercício da sua profissão, mas não impedimento;

XXIII. Assim, entende a ré que o relatório pericial de fls 549 e seguintes destes autos, associado aos esclarecimentos prestados pelos peritos na audiência de julgamento, registados no sistema H@bilus no dia 11/09/2015 entre as 14h35m34s e as 14h55m07s, mas precisamente aos minutos 1m52s e seguintes e 11m e 26s e seguintes, nas passagens transcritas no corpo destas alegações, que aqui se dão por reproduzidas e integradas, o depoimento da testemunha AA, gravado no sistema H@bilus no dia 08/09/2015, entre as 11h28m48s e as 12h12m13s, mais precisamente aos minutos 34m18s e seguintes, aos minutos 38m20s e seguintes e aos minutos 40m21s e seguintes, nas passagens transcritas no corpo destas alegações, que aqui se dão por reproduzidas e integradas, e da testemunha M, gravado no sistema H@bilus no dia 08/09/2015, entre as 12h17m58s e as 12h50m06s, aos minutos 2m50s e seguintes, 4m45s e seguintes, 8m35s e seguintes, 10m35s e seguintes e 26m31s e seguintes, nas passagens transcritas no corpo destas alegações, que aqui se dão por reproduzidas e integradas, impunha-se que, quanto à matéria do ponto 54 dos factos dados como provados, tivesse sido dado como demonstrado, apenas, que:

54. Desde a data do embate, o mesmo deixou de realizar tais trabalhos de “biscates” (resposta explicativa ao item 40 da base instrutória e aos factos alegados nos artigos 203º a 211º, da petição inicial).

Ou que

54. Desde a data do embate e por via da mobilidade dolorosa do ombro direito e do tornozelo direito que o autor também apresenta sem relação com o acidente dos autos o mesmo deixou de realizar tais trabalhos de “biscates” (resposta explicativa ao item 40 da base instrutória e aos factos alegados nos artigos 203º a 211º, da petição inicial).

XXIV. A reparação do ciclomotor, ou a reconstituição natural, não era excessivamente onerosa, na medida em que se provou que custaria €857,28, valendo o veículo €1.000,00 e os seus salvados €50;

XXV. Em face da venda dos salvados do ciclomotor por parte do autor sem o reparar, tornou-se impossível a reconstituição natural - a que estava obrigada a ré - por facto imputável ao demandante, o que extingue a obrigação de indemnizar a cargo da ré (cfr artigo 790º n.º 1 do CC), devendo esta ser absolvida, nessa parte, do pedido;

XXVI. O pedido que o autor deduziu nesta ação a propósito dos danos sofridos pelo ciclomotor era o de condenação da ré no pagamento do custo da reparação, o qual fundamentou em factos que integravam como causa de pedir a viabilidade da reparação e não a sua perda total;

XXVII. O Tribunal, limitado pelo pedido e pela causa de pedir, não poderia ter atribuído ao autor uma indemnização que o mesmo não pediu, nem era a que resultava da factualidade que alegou.

XXVIII. Se o autor não reparou - nem irá reparar- o ciclomotor, então, obviamente, não pode ser atendida a sua pretensão de que lhe seja pago o respetivo custo;

XXIX. Tendo o autor vendido os salvados em 2006, poderia e deveria ter prevenido na sua petição inicial (que entrou em juízo em 27/10/2008) a possibilidade de se concluir que não tinha direito a receber o custo da reparação de um veículo há muito alienado.

XXX. E, como tal, deveria o autor ter alegado factos e deduzido um pedido compatível com essa realidade factual por si bem conhecida.

XXXI. Não tendo o autor descrito o concreto dano decorrente do acidente (que não foi, como se disse, o pagamento do custo da reparação) ou deduzido um pedido compatível com não realização dessa reparação, nada lhe pode ser devido.

XXXII. De todo o modo, ainda que assim não se entendesse nunca seria devida ao autor quantia superior à correspondente ao efetivo dano sofrido, isto é, o custo da reparação, aliás por si peticionada no primeiro articulado.

XXXIII. Apesar das reservas suscitadas pela recorrente quanto à circunstância de se ter provado que o acidente em mérito foi, simultaneamente, um acidente de viação e de serviço (cfr pontos I e II destas alegações, cujo teor se dá aqui por reproduzido), o certo é que o Tribunal terá proferido a decisão no pressuposto de que assim ocorreu.

XXXIV. Não sofre disputa que o autor recebeu, na sequência deste acidente e para indemnização dos mesmos danos decorrentes da sua incapacidade permanente, a quantia de 11.307,25€, que lhe foi paga pela CGA no âmbito do processo de reparação peça vertente laboral do sinistro;

XXXV. As indemnizações por acidente de viação e de trabalho (ou serviço) não são cumuláveis.

XXXVI. O regime jurídico delineado pelo nosso legislador para assegurar a reparação dos danos que sejam simultaneamente de viação e de trabalho baseia-se na complementaridade das respetivas indemnizações, como resulta do disposto nos artigos (18º n.º 1 do DL 522/85, 26º n.º 1 do DL 291/2007 e 9º da portaria 377/2008).

XXXVII. O que, no fundo, se pretende é, apenas, garantir ao lesado a possibilidade de ver reparado na sua totalidade o dano que sofreu, concedendo-lhe o direito a reclamar a indemnização quer do responsável pela vertente viária, quer pelo que garante a vertente laboral, mas não a duplicar indemnizações;

XXXVIII. Acontece, que, salvo melhor opinião, a solução encontrada pelo Tribunal não promove o afastamento dessa duplicação, antes a fomenta.

XXXIX. O facto de a CGA não ter atempadamente apresentado na presente ação o seu pedido de reembolso pelas verbas que suportou não permite que o autor cumule a indemnização já recebida com a que lhe seria de atribuir na presente ação;

XL. Nem é certo que o sinistrado esteja obrigado a restituir a quantia recebida da CGA, tanto mais que não é ao caso aplicável o disposto no artigo 31º n.º 2 da LAT (já que, por um lado, tratamos de um acidente de serviço, com regime jurídico distinto – Decreto-Lei nº 503/99 – onde tal obrigação não vem prevista e, por outro, a indemnização arbitrada nestes autos é inferior à já paga na vertente laboral), o que significa, no essencial, que o lesado receberá duas vezes a mesma indemnização.

XLI. O que é o mesmo que dizer que, aceitar a solução a que se chegou na sentença conduz, no caso, a uma lesão de interesses públicos (na medida em que a CGA é uma instituição integrada na administração pública) em benefício de um particular, tanto mais que não é minimamente certo que o autor venha a reembolsar àquela instituição o que recebeu a mais.

XLII. Não podendo ser essa a solução pretendida pelo legislador, temos de encontrar no ordenamento jurídico resposta para a questão em apreço;

XLIII. Apesar de o nº 1 do artigo 46º do DL 503/99 se referir a um direito de regresso da entidade que tenha suportado a indemnização pela vertente laboral do sinistro contra o responsável civil, está hoje plenamente estabilizado na nossa jurisprudência que as entidades obrigadas a reparar as consequências de acidente de serviço (ou de trabalho) não dispõem verdadeiramente de direito de regresso, podendo antes exercer o mesmo direito que teria o próprio lesado, no qual passam a estar sub-rogadas por via do pagamento.

XLIV. No caso dos autos e por força do pagamento que efetuou em 17 de março de 2010, por via do pagamento que fez, a CGA ficou sub-rogada, até ao limite de €11.307,25, nos direitos do autor contra terceiros.

XLV. Desse pagamento e consequente sub-rogação da CGA nos direitos do autor resultaram duas consequências: por um lado o autor deixou de estar lesado no seu património no que diz respeito aos danos decorrentes da incapacidade permanente que o passou a afetar, porque devidamente indemnizado e, por outro, esse mesmo direito transferiu-se para um terceiro, deixando de poder ser exercido pelo demandante.

XLVI. Assim, estava vedado ao Tribunal reconhecer ao autor o direito a indemnização pela incapacidade parcial permanente que o afeta, não só por inexistência de prejuízo (cfr artigo 566º do CC), como também por inexistência do direito de indemnização na esfera patrimonial do autor, porque transferido para terceiro.

XLVII. Consequentemente, estando demonstrado que em março de 2010 o autor deixou de ser titular do direito de indemnização em causa e deixou de estar lesado, nenhuma outra solução seria possível senão a de rejeitar o reconhecimento ao autor do direito a indemnização por perda de capacidade aquisitiva, com a consequente absolvição da ré do pedido nessa parte.

XLVIII. E, em última instância, sempre se imporia o não reconhecimento desse direito, seja por constituir um manifesto abuso de direito (excedendo-se desta forma, o fim do direito exercido, que é, tão só, o de obter o ressarcimento do dano – único – sofrido e afrontando-se ainda a mais elementares regras de boa-fé), seja por acarretar um enriquecimento ilegítimo do autor.

XLIX. Seja como for, o Tribunal não poderia deixar de condicionar a obrigação de pagamento desta indemnização ao lesado por parte da ré à opção que o autor venha a tomar quanto à vertente pela qual pretende ser indemnizado (cfr Ac do STJ de 07/04/2005, proferido no processo 05B592 e relatado pelo Sr Juiz Conselheiro Custódio Montes)

L. E, optando o autor pela indemnização devida pela vertente viária, terá direito a recebê-la, mas deverá restituir à CGA tudo o que recebeu a esse título.

LI. Em contrapartida, optando o autor pela indemnização que lhe foi paga pela vertente laboral, deveria ter-se consignado na decisão que a ré ficaria, nesse caso, desonerada da obrigação de pagar os €9.000,00 fixados a esse título na douta sentença.

LII. Assim, deve, um último caso, ser revogada a douta sentença e proferida decisão que condicione o pagamento da indemnização de €9.000,00 (ou outra que, porventura, se venha a ser considerada devida, como adiante se tratará) fixada nestes autos a título de reparação dos danos decorrentes da incapacidade permanente à opção que o autor venha a tomar quanto à vertente pela qual pretende ser indemnizado, de forma a que:

- optando o autor pela indemnização arbitrada nestes autos, se consigne que ficará obrigado a restituir à CGA o que dela recebeu;

- optando o autor pela indemnização já paga na vertente laboral do sinistro, deverá a ré ser absolvida, nessa parte do pedido, ou, pelo menos, deverá fazer-se constar da douta decisão a proferir que, nesse caso, não será devida ao demandante a indemnização de €9.000,00 (ou outra que vier a ser fixada nestes autos) a título de reparação pela incapacidade permanente de que ficou portador;

LIII. O facto de na douta sentença sob censura não se ter condicionado o reconhecimento do direito do autor à indemnização arbitrada por danos patrimoniais futuros à opção que vier a tomar quanto à vertente pela qual pretende ser indemnizado constitui uma omissão de pronúncia, pelo que, desde já, se argui a nulidade da douta decisão, nos termos do disposto no artigo 615º, alínea do CPC).

LIV. Ainda que se entenda ser devida ao autor indemnização pela perda de capacidade de ganho e que à mesma não deve ser abatida (neste caso extinguindo a primeira) a já recebida na vertente laboral, sempre seria excessiva a verba fixada;

LV. Atendendo a uma retribuição líquida de €7.373,67, à incapacidade permanente de 3 pontos, à esperança de vida ativa do autor de 27 anos, a uma taxa de juro de 3% e a uma taxa de crescimento salarial de 1%, a indemnização por dano patrimonial futuro não deveria ser superior a €3981,78 (€7.373,67 x 3% = €221,21 x 27 anos = €5972,67, os quais, capitalizados a uma taxa de juro de 3% e considerado um crescimento anual do salário de 1%, ascendem a €3.981,78).

LVI. E mesmo que se atendesse à retribuição bruta de €8166,88, tendo em atenção a incapacidade permanente de 3 pontos, à esperança de vida ativa do autor de 27 anos, a uma taxa de juro de 3% e a uma taxa de crescimento salarial de 1%, a indemnização não deveria exorbitar €4410,12, (€8166,88 x 3% = €245,01 x 27 anos = €6.615,17, os quais, capitalizados a uma taxa de juro de 3% e considerado um crescimento anual de salário de 1%, ascendem a €4410,12.

LVII. Ainda que se viesse a considerar no âmbito da indemnização os eventuais proventos decorrentes da execução de “biscates”, justificar-se-ia, em equidade, o incremento das quantias indemnizatórias acima sugeridas para, respetivamente, €5.000,00 e €5.500,00.

LVIII. A compensação arbitrada por danos não patrimoniais é excessiva, devendo fixar-se, em equidade e atendendo aos danos sofridos e critérios jurisprudenciais dominantes, em não mais de €5.000,00.

LIX. Caso se venha a entender que não ficou demonstrado que o acidente em mérito se revestiu, simultaneamente, das naturezas de sinistro viário e de serviço, não pode ser reconhecido, por falta de fundamento legal, o direito de reembolso da interveniente Allianz, devendo a ré ser, nessa parte, absolvida do pedido.

LX. A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 496º, 566º do Código Civil, 18º do DL 522/85 e 31º da Lei 100/97.

Termina entendendo dever ser dado provimento ao recurso, revogando-se ou anulando-se a douta sentença sob censura e a douta decisão com a mesma impugnada, e decidindo-se antes nos moldes apontados no corpo e conclusões destas alegações.


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Nas alegações de recurso subordinado do apelante A, são formuladas as seguintes conclusões:

1ª Não se questiona, no presente recurso, a parte da douta sentença recorrida, em que a mesma se pronuncia sobre a culpa na produção do sinistro, em relação o condutor do veículo automóvel segurado da recorrida C;

2ª Já que, de acordo com a prova produzida e com os factos provados, essa culpa é exclusivamente imputável ao condutor do veículo automóvel segurado da recorrida C;

3ª Discorda, porém, o recorrente em relação ao montante indemnizatório/compensatório que lhe foi atribuído, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial;

4ª O valor de €10.000,00, fixado pela douta sentença recorrida, é insuficiente para ressarcir/compensar os danos a este título sofridos pelo recorrente, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes;

5ª Pelo que adequada e justa se reputa a quantia de €20.000,00 e que, como se fez na petição inicial, ora se reclama;

6ª O valor €9.000,00, fixado a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho de 3,00 pontos (3%) é, também ela, insuficiente, para ressarcir o recorrente dos danos, a este título, sofridos;

7ª O autor/recorrente contava, à data do sinistro dos presentes autos, 42 anos de idade, ficou a padecer de uma IPP de 03,00 pontos (3%), com rebate profissional (esforços suplementares) e a expectativa de vida ativa, para os homens, cifra-se, para os homens, nos 77,00 anos de idade;

9ª O montante de €9.000,00, fixado a este título, é, assim, insuficiente;

10ª Justo e equitativo é o valor reclamado nas presentes alegações de recurso, de €30.000,00, que se peticiona;

11ª A recorrida C foi devidamente condenada;

12ª A sentença recorrida apenas merece a censura que lhe é apontada nas presentes alegações de recurso;

13ª O autor/recorrente nada tem a reembolsar à CGA;

14ª Já que a referida CGA não deduziu pedido de reembolso;

15ª E eventual direito sempre estará, como este, absolutamente prescrito;

16ª Prescrição que, por cautela de patrocínio, se argui, para todos os efeitos legais;

17ª Decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496º nº 1, 562º e 564º nºs 1 e 2, do Código Civil.

18ª Quanto ao restante que não posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância – Instância Central, Secção Cível, J3, de Viana do Castelo.

Termina entendendo dever ser negado provimento ao recurso interposto pela C e, pelo contrário, deve ser concedido provimento ao presente recurso subordinado, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, Douto Acórdão, que esteja em conformidade com as conclusões supra formuladas.


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C) Foram colhidos os vistos legais.

D) As questões a decidir nos recursos são as de saber:

I. Recurso da ré C

1) Se deverá ser alterada decisão que indeferiu a reclamação relativa à seleção da matéria de facto apresentada;

2) Se a sentença é nula;

3) Se deverá ser alterada a decisão relativa à matéria de facto;

4) Se deverão ser alterados os montantes indemnizatórios atribuídos ao autor.

II. Recurso subordinado do autor A

1) Se deve ser alterado o montante da indemnização fixada, relativa aos danos futuros;

2) Se deve ser alterado o montante relativo à indemnização por danos não patrimoniais.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

Resultou apurada a seguinte matéria de facto:

I - Factos provados

1. No dia 18 de julho de 2006, pelas 17h08 horas, na Rua Cónego Manuel Barbosa Correia, sita em Ponte de Lima, ocorreu um embate entre o ciclomotor de matrícula PTL e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula PN (al. A) dos Factos Assentes).

2. O ciclomotor de matrícula PTL, da marca “Macal”, de 49 cm3 de cilindrada, pertencente ao autor, era conduzido por este (al. B) dos Factos Assentes).

3. O veículo de matrícula PN pertencia, à data do embate, a M e era então conduzido por J (al. C) dos Factos Assentes).

4. A Rua Cónego Manuel Barbosa Correia, no local do embate, configura um traçado curvilíneo, descrito para a esquerda, tendo em conta o sentido Sul-Norte e está marginada por passeios destinados ao trânsito pedonal de peões (al. D) dos Factos Assentes).

5. A faixa de rodagem da referida via tem uma largura de 8,40 metros, sendo o seu piso pavimentado a asfalto (al. E) dos Factos Assentes).

6. Na altura do embate o tempo estava seco e o piso encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação (al. F) dos Factos Assentes).

7. Entre os passeios e a faixa de rodagem da Rua Cónego Manuel Barbosa Correia, existe, em cada um dos lados, uma zona de estacionamento para automóveis, que ali podem estacionar em posição perpendicular em relação ao eixo divisório da referida via (ou seja, com as suas partes frontais apontadas aos passeios e com as retaguardas apontadas ao eixo divisório da faixa de rodagem (al. G) dos Factos Assentes).

8. Do local do embate avista-se a faixa de rodagem da Rua Cónego Manuel Barbosa Correia, em qualquer dos seus dois sentidos de marcha ao longo de uma distância superior a cinquenta metros (al. H) dos Factos Assentes).

9. A Rua Cónego Manuel Barbosa Correia situa-se em pleno núcleo urbano, habitacional e comercial, da vila de Ponte de Lima (al. I) dos Factos Assentes).

10. Na altura do embate, o ciclomotor tripulado pelo autor circulava no sentido Sul-Norte, pela metade direita da faixa de rodagem da Rua Cónego Manuel Barbosa Correia, com os seus rodados a uma distância não superior a 0,50 metros da linha da berma direita, atento o sentido referido, e animado de uma velocidade não superior a vinte quilómetros, por hora (al. J) dos Factos Assentes).

11. Nas referidas circunstâncias temporais, o veículo de matrícula PN transitava pela Rua Cónego Manuel Barbosa Correia, no sentido Norte-Sul, pela metade direita da faixa de rodagem (al. K) dos Factos Assentes).

12. O condutor do veículo de matrícula PN decidiu estacionar o referido automóvel num dos lugares destinados ao efeito, que se encontrava vago, na margem esquerda da via, atento o sentido Norte-Sul (al. L) dos Factos Assentes).

13. Na altura, o condutor do veículo de matrícula PN não se apercebeu da presença e da aproximação, em sentido inverso ao por ele seguido, do ciclomotor de matrícula PTL (al. M) dos Factos Assentes).

14. O condutor do veículo PN imprimia à dita viatura uma velocidade superior a cinquenta quilómetros por hora (al. N) dos Factos Assentes).

15. O J não olhou para a sua retaguarda, nem para a sua frente, ao longo da faixa de rodagem da via por onde seguia, não acionou a buzina do automóvel, não pôs em funcionamento o sinal luminoso (pisca) do lado esquerdo, não aproximou, de forma gradual, o veículo de matrícula PN do eixo divisório da via, nem iniciou, nem desenvolveu, a sua manobra de forma a descrever uma trajetória perpendicular em relação ao eixo divisório da faixa de rodagem, tendo alterado a trajetória que vinha descrevendo e, sem reduzir a velocidade, passou a descrever uma trajetória obliqua, em relação ao sentido de onde provinha e em relação ao eixo divisório da faixa (als. O) a T) dos Factos Assentes).

16. Numa altura em que o ciclomotor de matrícula PTL se encontrava a uma distância não superior a cinco metros, o condutor do PN transpôs com o veículo que tripulava, o eixo divisório da faixa de rodagem e, sem reduzir a velocidade, invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem que estava reservada à circulação do ciclomotor (al. U) dos Factos Assentes).

17. O autor ainda travou, a fundo, o ciclomotor que conduzia e guinou, para o seu lado direito, o referido veículo com o propósito de evitar o embate (al. V) dos Factos Assentes).

18. O veículo de matrícula PN foi embater contra o ciclomotor de matrícula PTL na metade direita da faixa de rodagem da Rua Cónego Manuel Barbosa Correia, tendo em conta o sentido Sul-Norte, a uma distância não superior a vinte centímetros do limite que delimita a berma direita (al. W) dos Factos Assentes).

19. Essa colisão verificou-se entre a parte frontal – roda da frente – do ciclomotor e a parte frontal direita, ao nível do canto direito do para-choques e do farol, do mesmo lado, do veículo de matrícula PN (al. X dos Factos Assentes).

20. Em consequência do embate, o ciclomotor de matrícula PTL sofreu danos que importavam a substituição das seguintes peças: 1 carenagem frontal, 1 carenagem lateral, 1 forqueta completa, 1 ótica da frente, 1 guarda-lamas da frente, 1 baú do capacete, 2 farolins “piscas”, 1 cabo do acelerador e 1 suporte do farolim “pisca” do lado esquerdo (resposta ao item 1 da base instrutória).

21. A reparação do ciclomotor, com a substituição das ditas peças e a realização dos trabalhos de chapeiro e pintura, custaria €857,28, IVA incluído (resposta restritiva ao item 2 da base instrutória e ao facto alegado no art.º 66º, da petição inicial).

22. O autor comprou o referido ciclomotor, em primeira mão, no dia 21 de agosto de 2002, por cerca de €1.500,00 (resposta ao item 3 da base instrutória).

23. À data do embate o dito ciclomotor tinha 17041 Km percorridos (resposta ao item 4 da base instrutória).

24. E valia cerca de €1.000,00, ascendo os salvados ao valor de €50,00 (resposta ao item 5 da base instrutória e ao facto alegado no artigo 19 da contestação).

25. O autor não procedeu à reparação do ciclomotor, tendo vendido os respetivos salvados em data não concretamente apurada do final do ano de 2006 (resposta explicativa ao item 7 da base instrutória).

26. Em 28 de agosto de 2006, a ré pôs à disposição do autor a quantia de €550,00 para compensação dos estragos no seu veículo, a qual não foi aceite pelo autor (resposta ao item 7-A da base instrutória e aos factos alegados no artigo 27 da contestação).

27. O autor exerce a profissão de pedreiro, por conta da Câmara Municipal de Ponte de Lima, auferindo, aquando do embate, o vencimento mensal base de €515,07, acrescido de subsídio de refeição no valor de €86,90 (resposta ao item 8 da base instrutória e aos factos alegados nos artigos 182 a 184 da petição inicial).

28. À data do embate, trabalhava a uma distância de oito quilómetros da sua residência, sita no lugar de Armada, freguesia de Arcozelo, Ponte de Lima (resposta explicativa ao item 9 da base instrutória).

29. O autor utilizava essencialmente o ciclomotor de matrícula PTL para se deslocar, de manhã, do e para o seu local de trabalho (resposta ao item 10 da base instrutória).

30. Em substituição do ciclomotor, o autor passou a usar outros veículos próprios, os quais lhe garantiram iguais condições de comodidade e de custo (resposta explicativa ao item 12 e ao facto alegado no artigo 30 da contestação).

31. O autor ficou desgostoso ao ver o seu ciclomotor amolgado (resposta restritiva ao item 13 da base instrutória).

32. Como consequência direta e necessária do embate, ficaram inutilizados os seguintes objetos do autor: um par de calças e uma camisa, em valor não inferior a €50,00 (resposta ao item 14 da base instrutória).

33. Em resultado do embate, o autor sofreu traumatismo dos dois ombros, da perna e do joelho direito, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo (resposta restritiva ao item 15 da base instrutória).

34. Após o embate, o autor foi transportado, de ambulância, para o Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de Ponte de Lima, onde lhe foram prestados os primeiros socorros (resposta positiva ao item 16 da base instrutória).

35. O autor teve alta e regressou a sua casa no próprio dia do acidente (resposta ao item 17 da base instrutória).

36. Onde se manteve retido no leito durante duas semanas (resposta ao item 18 da base instrutória).

37. Em virtude do embate, o autor foi quatro vezes à consulta externa do Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de Ponte de Lima, nos dias 26.07.2006, 6.08.2006, 23.08.2006 e 05.09.2006 (resposta ao item 19 da base instrutória).

38. E fez 141 sessões de tratamento de fisioterapia, na Clínica de Reabilitação do Vale do Lima, Lda, sita em Ponte de Lima (resposta aos itens 20 e 22 da base instrutória).

39. Em virtude do embate, o autor dirigiu-se 36 vezes aos Serviços Clínicos da S, no Hospital de Santa Maria, sito no Porto, para fazer exames de diagnóstico e tratamento (resposta ao item 21 da base instrutória).

40. O autor obteve alta médica no dia 5 de março de 2007 (resposta ao item 23 da base instrutória).

41. No dia 6 de junho de 2007, o autor teve uma recaída, passando a frequentar, novamente, os Serviços Clínicos da S, no Hospital de Santa Maria, no Porto (resposta ao item 24 da base instrutória).

42. Onde lhe foi diagnosticada uma hidartrose e lesão meniscal, que foi corrigida através de uma intervenção cirúrgica (resposta ao item 25 da base instrutória).

43. Após o que passou a andar de canadianas durante um mês (resposta ao item 26 da base instrutória).

44. A data da consolidação das sequelas sofridas pelo autor ocorreu em 7 de maio de 2008 (resposta restritiva ao item 27 da base instrutória).

45. No momento do embate e nos instantes que o precederam, o autor sofreu um enorme susto, que o fez recear pela própria vida (resposta ao item 28 da base instrutória).

46. Em virtude do embate, o autor apresenta queixas de dores localizadas à face externa do joelho direito e ficou com cicatriz na face lateral do joelho direito com cerca de 10 cm sem derrame articular, sem atrofias musculares e mobilidade preservada (resposta restritiva e explicativa ao item 29 da base instrutória).

47. À data do embate o autor era um homem ágil, forte e robusto (resposta restritiva ao item 30 da base instrutória).

48. As lesões sofridas pelo autor e as sequelas delas resultantes determinaram um período de défice funcional temporário total (anteriormente designado por incapacidade temporária geral total) situado entre 18.07.2006 e 6.06.2007 e entre 6.06.20007 e 8.06.2007, correspondente a 8 dias; a um período de défice funcional temporário parcial (anteriormente designado por incapacidade temporária geral parcial) situado entre 23.07.2006 e 5.06.2007, entre 7.07.2007 e 7.05.2008, correspondente a 624 dias; a um período de repercussão temporária na atividade profissional total (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional total) situado entre 19.07.2006 e 23.10.2006, entre 6.06.2007 e 9.07.2007, e entre 9.10.2007 e 28.04.2008, correspondendo a 334 dias; e a um período de repercussão temporária na atividade profissional parcial (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional parcial) situado entre 24.10.2006 e 8.10.2007, e entre 29.04.2008 e 7.05.2008, correspondente a 359 dias (resposta explicativa aos itens 32 a 36 da base instrutória).

49. Ainda em consequência do embate, das lesões e sequelas, o autor sofreu um “quantum doloris” no grau 4, numa escala de 1/7 (resposta ao facto alegado no art.º 173º, da petição inicial).

50. E um dano estético no grau 1, numa escala de 1/7 (resposta ao facto alegado no art.º 175º, da petição inicial).

51. E ficou a padecer de uma IPG de 3 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares (resposta restritiva e explicativa ao item 37 da base instrutória e aos factos alegados nos artigos 212 a 215 da petição inicial).

52. Antes do embate, o autor, por vezes, ao sábado e nas horas livres da semana, desempenhava a sua profissão de pedreiro, no regime de “biscates”, para outras pessoas, para além da Câmara Municipal de Ponte de Lima, que, para o efeito, o contratavam (resposta restritiva ao item 38 da base instrutória e aos factos alegados nos artigos 188º a 191º, da petição inicial).

53. Auferia, em contrapartida desses seus trabalhos de “biscates” como pedreiro, a quantia de cerca de €6/hora (resposta restritiva ao item 39 da base instrutória).

54. (A matéria que figurava neste passou a integrar os factos não provados - Ponto 76).

55. O autor gastou em consultas médicas, medicamentos e taxas moderadoras para o tratamento e diagnósticos das lesões supra referidas as quantias, respetivamente, de €480,00, €130,17 e €35,10 (resposta ao item 42 da base instrutória).

56. Gastou a quantia de €1,80 no par de canadianas que teve de usar (resposta ao item 43 da base instrutória).

57. No futuro, e em virtude do embate, das lesões e sequelas sofridas, o autor terá necessidade, em caso de crise dolorosa, de tomar medicação para as dores (resposta restritiva ao item 43 da base instrutória e ao facto alegado no artigo 232º da petição inicial).

58. O autor nasceu no dia 27 de setembro de 1964 (al. Z) dos Factos Assentes).

59. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo de matrícula PN encontrava-se transferida, em 18.07.2006, para a ré, C, a qual por contrato de seguro, titulado pela apólice n.º …, declarou perante M assumir o dito risco (al. AA) dos Factos Assentes).

60. A S por contrato de seguro, titulado pela apólice n.º …, celebrado com o Município de Ponte de Lima, assumiu a responsabilidade pelos danos emergentes do trabalho dos seus funcionários (parte da al. BB) dos Factos Assentes).

61. A chamada S, tendo considerado o acidente dos autos de serviço, já pagou ao autor (enquanto funcionário do dito Município) ou a terceiros que lhe prestaram serviços, em consequência do embate e a coberto do seguro referido em 60, a quantia de €10872,44, correspondendo:

- a quantia de €3.508,08 ao pagamento da indemnização da incapacidade temporária absoluta;

- a quantia de €1.786,05 ao pagamento da fisioterapia/recuperação;

- a quantia de €831,39 ao pagamento de exames médicos;

- a quantia de €1.311,51 ao pagamento de despesas hospitalares;

- a quantia de €113,71 ao pagamento de medicamentos, e

- a quantia de €3.291,70 ao pagamento de transportes (parte da al. BB) dos Factos Assentes e resposta explicativa ao item 45 da base instrutória).

62. A ré, C, já reembolsou a chamada, S, do pagamento da quantia de €3.163,99 (al. CC) dos Factos Assentes).

63. Em virtude do embate discutido nestes autos, a CGA promoveu processo de reparação pelos danos decorrentes do acidente de serviço sofrido pelo autor (resposta ao item 46 da base instrutória).

64. Tendo-lhe atribuído uma incapacidade permanente de 15,1% (resposta ao item 47 da base instrutória).

65. E para reparação dos prejuízos resultantes da incapacidade para o trabalho de que o autor ficou afetado, a CGA pagou-lhe, em 17 de março de 2010, a quantia de €11.307,25 (resposta ao item 48 da base instrutória).

66) O acidente ocorreu no trajeto entre o local de trabalho do demandante e a sua residência.


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II. Factos não provados

Que:

67) Em virtude do acidente, e por causa da reparação, o veículo do autor irá valer menos € 250,00 (resposta ao item 6 da base instrutória);

68) O autor utilizava o ciclomotor PTL para satisfação de todas as suas necessidades de deslocação, de natureza profissional, pessoal e familiar (resposta ao item 11 da base instrutória);

69) O uso de outros veículos importou para o autor um consumo acrescido de combustível e de desgaste de pneumáticos, bem como custos acrescidos em revisões e demais assistência (resposta aos factos alegados nos art.ºs 111º a 113º, da petição inicial);

70) Ao autor custou-lhe e continua a custar-lhe recorrer a meios de transporte alternativos e ver-se privado dos seus passeios ao ar livre, de ciclomotor (resposta aos factos alegados nos artigos 123 e 124 da petição inicial);

71) Ainda é possível a reparação do ciclomotor (resposta aos factos alegados nos artigos 239 a 241 da petição inicial);

72) O autor podia adquirir no mercado de usados um veículo de idênticas características e estado de conservação do PTL pelo valor de € 450,00 (resposta ao artigo 18 da contestação);

73) O autor desempenhava sempre os trabalhos de biscates ao longo de três horas, por dia, durante a semana e ao longo de 10 horas, nos sábados e dias feriados (resposta aos factos alegados nos artigos 189 e 190º da petição inicial);

74) Os danos provados ao ciclomotor causou e causa ao autor um estado de intenso nervosismo, tristeza, angústia e excitação (resposta à parte final do item 13 da base instrutória).

75) O autor pagou pelo relatório médico junto aos autos a quantia de € 350,00 (resposta ao item 41º da base instrutória);

76) No futuro, e em virtude do acidente, o autor terá necessidade de se submeter a novas intervenções cirúrgicas, de recorrer a mais consultas médicas e de efetuar novos exames e tratamentos médicos (resposta ao item 44 da base instrutória).

77) Desde a data do embate, e por via das lesões e sequelas sofridas e da mobilidade dolorosa do ombro direito e do tornozelo direito que o autor também apresenta sem relação com o acidente dos autos, o mesmo deixou de realizar tais trabalhos de “biscates” (resposta explicativa ao item 40 da base instrutória e aos factos alegados nos artigos 203º a 211º da petição inicial).


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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

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C) Recurso da apelante C

Antes de mais, importa proceder à correção de um lapso constante da sentença e que várias vezes é repetido e que tem a ver com a data da ocorrência do acidente, constando da matéria de facto que o mesmo ocorreu no dia 18 de julho de 2007, quando na verdade a data correta da sua ocorrência é 18 de julho de 2006, pelo que urge corrigir o lapso, determinando-se a alteração da mesma no ponto 1 dos factos provados e referências subsequentes.

A apelante, C, pretende impugnar a decisão proferida no dia 14/05/2010, com a Ref Citius 1445437 (fls. 490), na qual foi indeferida a reclamação relativa à douta seleção da matéria de facto apresentada pela ré no dia 06/02/2010, com a Ref Citius 365090 (fls. 389).

Refere a apelante, C, que alegou no artigo 3º da sua contestação que “o acidente ocorreu no trajeto entre o local de trabalho do demandante e a sua residência” e com este facto pretendia a demandante estabelecer que o acidente em mérito constitui um acidente de viação, mas, igualmente, um acidente de serviço (cfr artigo 7º nº 1 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11 e artigo 8º da Lei 100/97) e apesar da relevância deste facto, o Meritíssimo Sr Juiz que proferiu o douto despacho no qual foi elaborada a seleção da matéria de facto, não o introduziu nem no elenco dos factos assentes, nem no dos carecidos de prova, tendo sido apresentada reclamação pela ré e apelante C.

Foi proferido despacho que indeferiu a reclamação com o fundamento de ter ficado assente tratar-se o acidente dos autos um “acidente de serviço” por procedência, aliás, da reclamação feita pelo autor e que foi aceite pela ré, não sendo, pois, relevante o aditamento do artigo 3º da contestação à base instrutória”.

Entendeu, pois, o Meritíssimo Sr Juiz que já constava da seleção da matéria de facto a factualidade em causa na alínea BB) dos factos assentes.

Entende, assim, a apelante, que o que resulta provado é que a S considerou o acidente como sendo de serviço e não que seja efetivamente um acidente de serviço.

E tem razão a apelante dado que da matéria de facto provada apenas resulta que a S considerou o acidente como sendo de serviço e não que seja, efetivamente, um acidente de serviço, pelo que não havendo impugnação de tal qualificação, uma vez que a ré expressamente alega no artigo 3º da contestação (fls. 198) que “o acidente ocorreu no trajeto entre o local de trabalho do demandante e a sua residência”, o autor expressamente admite que o acidente “é de serviço e não laboral” e, por sua vez, resultou provado que a interveniente considerou o acidente como de serviço.

Isto é, todos os intervenientes estão de acordo que se trata de um acidente de serviço, embora os factos dados como provados sejam escassos para permitirem tal qualificação, isto é, para que esta pudesse efetivamente concluir nesse sentido, impor-se-ia a consideração como provados dos factos alegados pela ré no artigo 3º da contestação.

Assim sendo, face aos elementos referidos e tendo em conta o disposto no artigo 6º NCPC, entendemos que a matéria alegada pela ré deverá considerar-se como provada, uma vez que não se justificaria, de todo, que os autos fossem remetidos à 1ª Instância para que se fizesse prova sobre uma matéria cuja qualificação jurídica é aceite por todos os intervenientes processuais, traduzindo-se, assim, numa diligência impertinente ou dilatória.

Pelo exposto, determina-se que se adite aos factos assentes, o ponto 66) com a seguinte formulação o acidente ocorreu no trajeto entre o local de trabalho do demandante e a sua residência.


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Entende, por outro lado, a apelante, que a sentença é nula por omissão de pronúncia quanto a factos alegados pela ré na sua contestação, no entanto a questão mostra-se ultrapassada com a decisão anterior, sendo certo que, ainda que assim não fosse, sempre inexistiria qualquer nulidade uma vez que o tribunal se pronunciou sobre a questão suscitada, não obstante a apelante discordar de tal apreciação.

Uma coisa é a absoluta omissão de pronúncia sobre questões juridicamente relevantes e outra, diversa, a discordância da apreciação judicial sobre tal questão.


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Entende ainda a apelante, que se encontra incorretamente julgada a matéria constante do ponto 54 dos factos provados, por não estar demonstrada, estando em contradição com o ponto 51 dos factos provados, verificando-se a nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea c) NCPC.

Por uma questão de simplificação, passamos a transcrever os referidos pontos:

51. E ficou a padecer de uma IPG de 3 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares (resposta restritiva e explicativa ao item 37 da base instrutória e aos factos alegados nos artigos 212 a 215 da petição inicial).

54. Desde a data do embate, e por via das lesões e sequelas sofridas e da mobilidade dolorosa do ombro direito e do tornozelo direito que o autor também apresenta sem relação com o acidente dos autos, o mesmo deixou de realizar tais trabalhos de “biscates” (resposta explicativa ao item 40 da base instrutória e aos factos alegados nos artigos 203º a 211º da petição inicial).

Em rigor não existe a apontada contradição.

Com efeito, no ponto 51 diz-se, no que aqui interessa, que o autor ficou a padecer de uma IPG de 3 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares, enquanto que, no ponto 54 se refere que desde a data do embate, e por via das lesões e sequelas sofridas e da mobilidade dolorosa do ombro direito e do tornozelo direito que o autor também apresenta sem relação com o acidente dos autos, o mesmo deixou de realizar tais trabalhos de “biscates”, o que significa neste último ponto apenas que o autor por causa das lesões e sequelas deixou de realizar os biscates, não quer dizer que ficou impossibilitado de os fazer, possivelmente pelos esforços suplementares que implicam, ou por outras causas, pelo que não há qualquer contradição e, como tal, não existe qualquer nulidade.


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Refere, de seguida, a apelante que a matéria do ponto 54 dos factos dados como provados não foi, na realidade, demonstrada, entendendo que a prova produzida no decurso da ação afasta por completo a possibilidade de se ter como provado que o autor, em consequência do acidente, deixou de executar trabalhos em regime de biscate.

Já tivemos oportunidade de nos pronunciarmos sobre esta questão num ponto anterior, pelo que nos dispensamos de repetir argumentos.

Refere, no entanto, a apelante que não se provou que o autor tenha deixado de exercer a sua atividade profissional ou como biscateiro, pelo que, para além do já expendido, importará apurar se tal se verifica.

A sentença recorrida, para a prova da matéria relativa ao ponto 54, baseou-se no depoimento das testemunhas AA e M

No que se refere ao depoimento das testemunhas referidas, afigura-se-nos não poder sustentar a prova da matéria constante do ponto 54 dos factos provados, uma vez que nenhuma das testemunhas referidas referiu ter o autor deixado de trabalhar após a ocorrência do acidente, conforme resulta da transcrição dos referidos depoimentos constante das alegações que reproduz, praticamente na integra, os depoimentos prestados pelos mesmos em audiência.

No que se refere à testemunha AA, o mesmo referiu, nomeadamente, que o autor, seu colega de trabalho, depois do acidente, tem dificuldade em pegar em pesos, afirmando ainda que o autor lhe disse que depois do acidente já não pode trabalhar a fazer biscates sendo certo que o autor continuou a trabalhar no seu serviço normal.

Por outro lado, no que se refere ao depoimento da testemunha M, colega de trabalho do autor, o mesmo não referiu que o autor tivesse deixado de fazer biscates, após o acidente, motivo pelo qual, não se pode considerar que o ponto 54 se deva considerar como provado, antes se deverá considerar como não provado.


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No que se refere à matéria propriamente jurídica, a apelante discorda do montante indemnizatório atribuído, de €950,00, pela perda total do ciclomotor, referindo que essa compensação não foi reclamada pelo autor e de o mesmo ter fixado a extensão do seu dano em montante inferior.

De facto, na petição inicial, o autor formula o pedido de indemnização relativo à reparação do ciclomotor no montante €857,28 (artigo 80º).

Conforme resultou do ponto 21 dos factos provados, a reparação do ciclomotor, com a substituição das ditas peças e a realização dos trabalhos de chapeiro e pintura, custaria €857,28, IVA incluído.

Ora, a sentença recorrida atribuiu a indemnização de €950,00 por entender que a reconstituição natural não é possível, sendo aquele o valor do veículo deduzido do valor dos salvados, não podendo reclamar, contudo, qualquer quantia a título de desvalorização (a qual apenas poderia ser equacionada no caso de a reparação ainda ser possível.

Há que dizer que não se vê que a reparação do veículo não fosse possível, tendo em conta o que consta do ponto 21 dos factos provados, sendo certo que a impossibilidade prática da reparação do ciclomotor apenas resulta do facto de o autor ter decidido vender o mesmo.

De qualquer forma importa não esquecer que de acordo com os princípios jurídicos relativos à responsabilidade civil se impõe ao lesante a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (artigo 483º nº 1 Código Civil) e que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562º Código Civil).

Por outro lado, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artigo 564º nº 1 Código Civil) e que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (artigo 566º nº 1 Código Civil).

Assim sendo, é devida ao autor a indemnização de €857,28 que corresponde ao valor da reparação do ciclomotor, sendo certo que não se provou que o ciclomotor tenha sofrido uma desvalorização no montante de €250,00.

Mas resultou provado que o valor do ciclomotor era de €1.000,00, no entanto, o facto de o autor ter vendido o salvado por €50,00, não legitima que lhe seja atribuído o valor indemnizatório de €950,00 (€1.000,00-€50,00), uma vez que não está demonstrado que a reparação fosse impossível ou excessivamente onerosa, daí que o valor indemnizatório a atribuir deva ser o valor que era necessário à reparação, no montante de €857,28, sendo destituído de qualquer sentido dizer-se que face à venda do ciclomotor, se tornou impossível a obrigação, dado que o lesado, no caso presente não tinha a obrigação legal de proceder à sua reparação, podendo vendê-lo ou dar-lhe outro destino.

A obrigação do lesante é reparar o prejuízo, se não for possível a reconstituição natural sendo, neste caso, essa a solução.

Quanto ao destino que o lesado dá ao montante que lhe for atribuído de indemnização, depende exclusivamente dele, ainda que não tivesse vendido o ciclomotor, dependia sempre do lesado o destino a dar ao valor recebido.

A não ser atendido a atribuição de uma indemnização a esse título, para além de se estar a violar a lei, estar-se a atribuir um enriquecimento ilegítimo à lesante, o que não faria qualquer sentido.


*

No que se refere à indemnização pela incapacidade parcial permanente, refere a apelante que foi atribuída ao autor uma indemnização de €9.000,00 pela incapacidade parcial permanente de 3 pontos de que ficou portador e, para além de ser excessiva, nenhuma devia ser atribuída dado que já foi totalmente indemnizado desse dano no âmbito do processo de reparação por acidente de serviço.

Como se refere no Acórdão do STJ de 11/12/2012, no processo nº 40/08.1TBMMV.C1.S1, relatado pelo Exº Conselheiro Lopes do Rego (www.dgsi.pt), “constitui entendimento uniforme e reiterado o de que as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.

Por outro lado, não é controvertida a conclusão segundo a qual a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respetiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado.

Desta fisionomia essencial do concurso ou concorrência de responsabilidades (que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) pode extrair-se a conclusão que este figurino normativo preenche, no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita, já que:

- no plano das relações externas, o lesado/sinistrado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização, mas sem que lhe seja lícito somar, em termos de acumulação real, ambas as indemnizações;

- no plano das relações internas, a circunstância de haver um escalonamento de responsabilidades, sendo um dos obrigados a indemnizar o responsável definitivo pelos danos causados, conduz a que tenha de se outorgar ao responsável provisório (a entidade patronal ou respetiva seguradora) o direito ao reembolso das quantias que tiver pago, fazendo-as repercutir definitivamente, direta ou indiretamente, no património do responsável ou responsáveis civis pelo acidente.

Têm sido, todavia, acentuadas algumas particularidades ou aspetos específicos e peculiares desta relação de solidariedade imprópria. Assim:

- no que toca ao regime das relações externas, acentua-se que (ao contrário do que ocorre na normal solidariedade obrigacional – art. 523º do CC) o pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação: é que, se a indemnização paga pelo detentor ou condutor do veículo extingue efetivamente a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não será exato, na medida em que a indemnização paga por esta entidade não extinguiria a obrigação a cargo do responsável pela circulação do veiculo que causou o acidente (cfr., por exemplo, o Ac. de 19/10)10, proferido pelo STJ no P. 696/07.2TBMTS.P1.S1); e daí que se qualifique como sub-rogação legal (e não como direito de regresso) o fenómeno da sucessão da entidade patronal ou respetiva seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, referentemente à parcela da indemnização que tiver satisfeito (cfr. Acs. de 9/3/10, proferido pelo STJ no P. 2270/04.6TBVLG.P1.S1, e de 11/1/01, proferido no P. 4760/07.0TBBRG.G1.S1);

- no plano das relações internas, tem sido acentuado que o quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do disposto na lei dos acidentes de trabalho em vigor (atualmente, o art. 31º da Lei 100/97) (cfr. artigo 17º da Lei nº 28/2009, de 04/08), sendo esse direito ao reembolso do responsável laboral efetivado necessariamente por uma de três formas:

- substituindo-se ao lesado na propositura da ação indemnizatória contra os responsáveis civis, se lhe pagou a indemnização devida pelo sinistro laboral e o lesado não curou de os demandar no prazo de 1 ano a contar da data do acidente;

- intervindo como parte principal na causa em que o sinistrado exerce o seu direito ao ressarcimento no plano da responsabilidade por factos ilícitos, aí efetivando o direito de regresso ou reembolso pelas quantias já pagas;

- exercendo o direito ao reembolso contra o próprio lesado, caso este tenha recebido (em processo em que não haja tido lugar a referida intervenção principal) indemnização que represente duplicação da que lhe tinha sido outorgada em consequência do acidente laboral.

De salientar ainda que tem sido considerado o efeito a atribuir à revogação do regime que constava do art. 21º do DL 408/79 – conferindo à seguradora do responsável pelo acidente de trabalho o direito ao reembolso direto das quantias pagas contra a seguradora do responsável pelo acidente de viação – operada pelo art. 40º do DL 522/85, cujo art. 18º se limita efetivamente a mandar aplicar a este tema do concurso de responsabilidades emergentes de acidentes de viação e de trabalho a disciplina normativa constante da legislação especial de acidentes de trabalho – o que tem conduzido ao entendimento segundo o qual o direito ao reembolso tem de ser exercido contra o sinistrado que haja recebido indemnizações em duplicado pelo mesmo dano (cfr. por exemplo, os Acs de 24/1/02 in CJ I/02, pag. 54, e de 12/3/09, proferido pelo STJ no P. 25/09).

Qual o reflexo destas considerações na questão que ora nos ocupa?

A posição jurisprudencial subjacente ao acórdão fundamento – segundo a qual se deveria inferir da regra básica da não acumulação ou alternatividade de indemnizações referentemente aos mesmos danos concretos a faculdade de a seguradora, demandada pelo lesado para efetivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, lhe opor o recebimento de indemnização laboral, desde que reportada precisamente aos mesmos danos que se devam ter por compreendidos na indemnização arbitrada e recebida no âmbito do processo por acidente de trabalho – poderá invocar, em seu favor, a ideia-base segundo a qual, ao aplicar a teoria da diferença no momento mais recente que puder ser atendido, ou seja, o do encerramento da audiência final, se não deveria ressarcir um dano que, em última análise, já foi apagado pelo pagamento da indemnização arbitrada no processo de acidente de trabalho, sendo, pois, nesse preciso momento, objetivamente inexistente.

Por sua vez, a posição oposta, sustentada no acórdão recorrido, tem tido acolhimento na jurisprudência recente do STJ: vejam-se, nomeadamente os Acs, de 30/6/09, proferido no P. 1995/05.3TBVCD.S1, em que se considera que, embora a fixação ao lesado, no âmbito laboral, de um montante de capital ou de uma pensão vitalícia vise ressarcir a sua incapacidade permanente para o desempenho de funções laborais, não pode a seguradora do acidente de viação escusar-se ao pagamento da indemnização que lhe cabe com o fundamento na cumulação de indemnizações, laboral e por acidente de viação.

No mesmo sentido, podem invocar-se os Acs. de 6/7/11, proferido no P. 286/1998.L1.S1, em que se considerou que não está o julgador do tribunal comum, antes da opção exercida pelo lesado ou do pedido formulado pela seguradora do acidente de trabalho que pagou e se pretende sub-rogar no direito do trabalhador autorizado a proceder a qualquer desconto na indemnização que arbitra da quantia recebida do responsável pelo pagamento da indemnização infortunística; bem como o de 11/10/11, proferido no P. 57/09.9T2AND.S1, em que se decidiu que o dever de indemnizar os prejuízos decorrentes de um acidente recai, primeira e primordialmente, sobre o lesante que lhe deu causa, não cabendo ao responsável pela indemnização civil invocar a duplicação de indemnizações para se opor ao pagamento do que resulta da sua responsabilidade. Será antes o responsável laboral que terá legitimidade para invocar o pagamento da indemnização civil se não tiver já satisfeito a sua responsabilidade no âmbito laboral; ou o de 9/2/12, proferido no p. 1082/2001.E1.S1, em que se considerou que ao abrigo do regime de seguro de responsabilidade civil automóvel regulado no DL 522/85, o facto de o acidente de viação automóvel constituir simultaneamente acidente de trabalho não confere ao FGA a possibilidade de deduzir na indemnização a pagar ao sinistrado os quantitativos que este receba ou tenha recebido da seguradora com quem foi celebrado o contrato de seguro de acidentes de trabalho.

Em benefício desta orientação, pode, desde logo, invocar-se a letra da lei – ou seja, o regime consagrado no art. 31º da Lei 100/97, que efetivamente não contempla a faculdade de o responsável civil opor ao lesado/sinistrado, como verdadeira exceção perentória, o anterior pagamento de indemnização laboral, reportada precisamente aos mesmos danos que suportam a pretensão indemnizatória formulada na ação que visa a efetivação da responsabilidade civil extracontratual: é que, como atrás se realçou, no caso de o lesado desencadear a pertinente ação de indemnização contra o lesante, apenas são previstas duas hipóteses:

- ou a entidade patronal/seguradora deduz oportunamente incidente de intervenção principal, peticionando em via de regresso aquilo que já pagou ao sinistrado, não podendo, neste caso obviamente o tribunal condenar o responsável a pagar indemnizações sobrepostas simultaneamente ao lesado e à interveniente, repartindo-as logo pelo autor e pelo interveniente ativo conforme a medida dos seus direitos (Ac. de 6/3/07, proferido pelo STJ no P. 07A189);

- ou não foi deduzida intervenção principal pela entidade patronal ou respetiva seguradora e, neste caso – não estando legalmente previsto o desconto ou abate da indemnização pelos danos já ressarcidos no foro laboral - terá de reconhecer-se o direito do lesado ao ressarcimento da totalidade do dano sofrido, cabendo a quem satisfez a indemnização laboral a faculdade de, em nova ação movida agora contra o lesado, obter, em via de regresso, as quantias pecuniárias que hajam implicado duplo ressarcimento do mesmo dano concreto sofrido pelo lesado/sinistrado.

Importa, naturalmente, descortinar com clareza quais os interesses subjacentes a este regime legal – que efetivamente não prevê o desconto ou abate, por iniciativa do lesante demandado, das quantias já pagas ao sinistrado em consequência do acidente laboral, mesmo demonstrando a seguradora/R. que ocorreria duplo ressarcimento de certo dano concreto: no nosso entendimento, estará subjacente a este regime normativo a ideia-base segundo a qual o interesse protegido através da consagração da proibição de duplicação ou acumulação material de indemnizações é, não obviamente o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respetiva seguradora) que, em termos de responsabilidade meramente objetiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral. E, nesta perspetiva, não assistirá ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o singelo argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado – sendo, pelo contrário, indispensável a iniciativa do verdadeiro titular do interesse protegido através da consagração da regra fundamental da proibição de acumulação de indemnizações (traduzida, como se viu, ou na dedução de oportuna intervenção principal na causa, ou no exercício do direito ao reembolso contra o próprio lesado que obteve indemnização pela totalidade do dano ou na propositura de ação de regresso em substituição do lesado que, no prazo de 1 ano, não mostrou interesse no exercício do seu direito à indemnização global a que teria direito).

Parecendo perfeitamente razoável esta ideia segundo a qual, de acordo com a titularidade do interesse tutelado, não pode o lesante – responsável primacial pelas consequências do facto ilícito - desvincular-se unilateralmente da obrigação a seu cargo de suportar a integralidade da indemnização pelos danos que causou, sem que o verdadeiro titular do interesse protegido haja tomado qualquer iniciativa no sentido de garantir ou assegurar o direito ao reembolso das quantias pagas, não pode deixar, todavia, de se realçar um avultado inconveniente, no plano prático, deste regime normativo, no caso decorrente da previsão contida no nº 2 do citado art. 31º( só evitável com a oportuna dedução pela entidade patronal do incidente de intervenção principal na ação de responsabilidade civil em curso).

Na verdade, o regime consagrado leva a que, acabando o lesado por poder ver reconhecido, na ação de responsabilidade civil extracontratual, o direito de indemnização pela totalidade dos danos sofridos, se irá, num segundo momento, confrontar com a provável propositura contra si de uma ação, através da qual a entidade patronal exerce o referido direito ao reembolso pelas quantias pagas adiantadamente a título de responsabilidade pelo sinistro laboral: ora, para além dos inconvenientes, em termos de economia processual, que decorrem desta duplicação de ações (só evitável com a dedução de oportuna intervenção principal, nos termos do nº 5 do art. 31º), não pode olvidar-se que, sendo normalmente o sinistrado laboral um cidadão economicamente carenciado, poderá ver afetada com a ação de reembolso a confiança que porventura havia depositado no reconhecimento judicial da procedência da pretensão indemnizatória global, acabando por ter de abrir mão de uma parcela deste quantitativo pecuniário; além de que, neste exato circunstancialismo, estará, em muitos casos, seriamente comprometida a viabilidade prática da ulterior execução da sentença que tenha julgado procedente a ação de reembolso contra o lesado, por as suas necessidades de subsistência poderem ter entretanto exaurido o montante pecuniário recebido…

Importa, porém, realçar que o reconhecimento ao lesante da faculdade de opor ao lesado a exceção perentória de recebimento da indemnização laboral - alegando na contestação e provando cabalmente que os danos peticionados abrangiam prestações decorrentes da legislação laboral, já integralmente satisfeitas pela entidade patronal ou respetiva seguradora -sempre teria de depender de uma condição fundamental: ser permitido ao titular do direito de regresso ou reembolso efetivá-lo no confronto do lesante ou respetiva seguradora. Na verdade, a não se entender assim, seríamos conduzidos a um resultado anómalo e materialmente inadmissível, traduzido em o abate da indemnização laboral no quantitativo global peticionado acabar por reverter em benefício do próprio lesante: é que, se não se conseguir encontrar fundamento legal bastante para a entidade patronal poder exercer o direito de regresso pelo que pagou no âmbito do procedimento por acidente de trabalho contra o próprio lesante - que anteriormente logrou abater, na ação em que era demandado, uma parcela da indemnização global a seu cargo sob a invocação do princípio da proibição de duplicação de indemnizações – tal desconto no valor da indemnização global acabaria por reverter a favor do autor do facto ilícito, o que parece obviamente desajustado e inadmissível.

Ora, quanto a este ponto, é manifesto que a já referida revogação do regime que constava do art. 21º do DL 408/79, ao eliminar a possibilidade, aí expressamente prevista, de a entidade patronal obter diretamente do próprio segurador do responsável pelo acidente de viação o reembolso das quantias pagas, bem como o mecanismo de intervenção principal oficiosa do responsável laboral na ação de indemnização pelo acidente de viação, veio naturalmente dificultar o entendimento segundo o qual seria possível ao responsável laboral exercer um direito de reembolso contra a seguradora do responsável pelo facto ilícito – sendo evidente que a inexistência desse direito ao reembolso contra o responsável civil extracontratual conduzirá inelutavelmente à tese segundo a qual não é lícito a este fazer reverter em benefício do seu património o desconto ou abate que tivesse logrado obter na ação.”

As questões suscitadas já se mostram apreciadas pelo douto acórdão citado, com o qual concordamos e dispensamo-nos de repetir argumentos.

A ideia geral é a de que as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.

Por outro lado, decorre igualmente do exposto que a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respetiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado.

Como muito bem se refere na sentença recorrida, relativamente às despesas suportadas pela interveniente Allianz e peticionadas pelo autor à ré e apelante, verifica-se que não existe qualquer cumulação, pelo que não há qualquer duplicação de indemnizações.

E continua a sentença, referindo que “o mesmo não ocorre com a quantia que foi paga ao autor pela CGA, sendo certo, contudo, que esta não veio atempadamente deduzir o seu pedido de reembolso contra a ré seguradora.

A CGA para reparação dos prejuízos resultantes da incapacidade permanente do autor para o trabalho pagou-lhe uma quantia, correspondente à redução na capacidade de trabalho ou ganho.

Fixada ao lesado, neste âmbito, um montante de capital a sua incapacidade permanente para o desempenho de funções laborais fica ressarcida.

Mas isto é uma coisa, outra coisa será saber-se se a seguradora do acidente de viação terá legitimidade para escusar-se ao pagamento da indemnização que lhe cabe com o fundamento da cumulação de indemnizações.

Visto que a seguradora do acidente de viação responde em 1ª linha, sempre terá que efetuar o pagamento integral dos danos do sinistrado, cabendo posteriormente à CGA efetuar o pedido de reembolso ao lesado.

Só assim não seria se a CGA tivesse deduzido atempadamente o respetivo pedido de reembolso nos presentes autos. Ver neste sentido: ac. STJ de 11.12.2012, disponível in www.dgsi.pt.

Deste modo, não pode a aqui ré invocar a duplicação de indemnizações para o efeito de se opor ao pagamento daquilo que eventualmente resultar da sua responsabilidade.”

Conforme se referiu supra, no plano das relações internas, tem sido acentuado que o quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do disposto na lei dos acidentes de trabalho (atualmente no artigo 17º da Lei nº 28/2009, de 04/08), sendo esse direito ao reembolso do responsável laboral efetivado necessariamente por uma de três formas:

1) substituindo-se ao lesado na propositura da ação indemnizatória contra os responsáveis civis, se lhe pagou a indemnização devida pelo sinistro laboral e o lesado não curou de os demandar no prazo de 1 ano a contar da data do acidente;

2) intervindo como parte principal na causa em que o sinistrado exerce o seu direito ao ressarcimento no plano da responsabilidade por factos ilícitos, aí efetivando o direito de regresso ou reembolso pelas quantias já pagas;

3) exercendo o direito ao reembolso contra o próprio lesado, caso este tenha recebido (em processo em que não haja tido lugar a referida intervenção principal) indemnização que represente duplicação da que lhe tinha sido outorgada em consequência do acidente laboral.

No caso presente, tendo o lesado deduzido pedido de indemnização relativo à incapacidade sofrida e não tendo a interveniente deduzido qualquer pedido de regresso pelas quantias por si pagas pela incapacidade sofrida pelo lesado, não pode a responsável cível escusar-se ao pagamento que lhe tenha sido pedido pelo lesado, dado que, para a eventualidade de o lesado vir a ser ressarcido duas vezes pelo mesmo dano cabe a quem satisfez a indemnização laboral a faculdade de, em nova ação movida agora contra o lesado, obter, em via de regresso, as quantias pecuniárias que hajam implicado duplo ressarcimento do mesmo dano concreto sofrido pelo lesado/sinistrado.

A não ser assim, isto é, a não satisfazer o responsável cível a indemnização devida por incapacidade, quer porque o lesado não deduzisse tal pedido contra ele, ou porque o responsável laboral não deduzisse pedido de regresso, estar-se-ia a beneficiar o responsável cível que é, conforme se referiu, o principal responsável pela indemnização direta ao lesado e indireta ao responsável laboral, que pode pedir o regresso do que haja pago, referindo-nos nós, naturalmente, aos valores relativos à incapacidade sofrida por acidente de viação que seja, simultaneamente, de serviço, como é o caso dos autos, pelo que improcede a pretensão da apelante.


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Entende a apelante que, de qualquer forma, a verba atribuída na sentença pela incapacidade se mostra exagerada.

A douta sentença recorrida, considerando que à data do acidente o autor tinha 42 anos de idade, auferia o vencimento mensal de €515,07, acrescido de subsídio de refeição de €86,90 e ainda realizava ocasionalmente biscates, auferindo a quantia de €6,00/hora, tendo em conta que ficou com uma incapacidade permanente geral de 3 pontos, que implica esforços complementares e tendo considerado que deixou de fazer biscates, atribuiu uma indemnização de €9.000,00.

Há que dizer, desde já que o valor dos biscates, não poderá ser considerado porque não se provou que tenha ficado impossibilitado de os continuar a fazer.

Vejamos.

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 01/10/2009, no processo nº 1311/05.4TAFUN.S1, “no que respeita aos danos patrimoniais a indemnização a arbitrar deve corresponder não só ao prejuízo causado, mas também aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, isto é, abrange tanto os danos emergentes como os chamados lucros cessantes onde se inclui a perda da capacidade de ganho e, nos danos não patrimoniais ou morais cabem todos aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito - art.ºs 564º e 496º do C. Civil.

A desvalorização física que afete a capacidade aquisitiva do lesado na medida em que se traduz numa redução da possibilidade de obtenção de valores patrimoniais, isto é, no não aumento do património do lesado constitui um dano (além, de não patrimonial) patrimonial - Vaz Serra, RLJ 102°, 297 - que reveste a forma de lucro cessante, que é indemnizável nos termos dos art.ºs 562º, 563º e 564º, todos do Cód. Civil, ainda que, no momento em que tal perda seja produzida, aquela capacidade não estivesse ainda a ser exercida mediante a prática de trabalho remunerado.

Dada a natureza não palpável da capacidade laboral e porque os chamados lucros cessantes futuros que resultam da redução ou afetação dessa capacidade, são sempre contingentes e aleatórios, a atribuição de uma indemnização justa e correta deve assentar em juízos de equidade, nos quais naturalmente se deve considerar como elemento auxiliar da decisão quaisquer tabelas financeiras ou fórmulas matemáticas, de forma a que a indemnização atribuída represente um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a atual durante o período de tempo provável de vida ativa do lesado.

Neste contexto, Jorge Arcanjo in "Notas Sobre a Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação", Revista do CEJ, 2º semestre de 2005, Número 3, pág. 55/57, aponta para a "determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, os seguintes tópicos:

- o período provável da vida ativa, bem como a esperança média de vida;

- a evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório;

- a taxa de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade;

- a percentagem de IPP, que pode traduzir-se em incapacidade total no ofício, sem possibilidade reconversão, ou ser possível com ou sem diminuição salarial, ou corresponder sensivelmente igual percentagem na capacidade de ganho.

A jurisprudência tem procurado estabelecer critérios de apreciação e de cálculo dos danos que, citando o Ac. do STJ de 17/06/2008 proferido na revista nº 08A1266, acessível em http://www.dgsi.pt.jstj, reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjetivismo dos magistrados, por forma a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis. Assim, citando o mesmo aresto, assentou-se de forma bastante generalizada nas seguintes ideias:

1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;

3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;

4ª) Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte;

5ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;

6ª) Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)".”

E conclui o aresto referido que “o montante indemnizatório relativo a danos futuros deve ser fixado por forma a que não seja de tal modo escasso que torne a reparação meramente simbólica, e, por outro lado, que não seja tão elevado que possa encarar-se como um autêntico enriquecimento sem causa do lesado.”

Tendo em conta os elementos apontados, com a exclusão dos referidos biscates, afigura-se-nos que o valor atribuído se mostra ajustado a indemnizar o dano sofrido, tendo em consideração os valores obtidos pelas fórmulas comummente utilizadas para o cálculo de tal valor, com a relatividade de tais aplicações financeiras, que deverão constituir não um elemento definito de apuramento do valor a atribuir, mas um precioso elemento coadjuvante da determinação de tal valor.

Quanto à questão de dever ser tido em consideração o valor do vencimento líquido, para além de não resultar da matéria de facto provada que o valor referido no ponto 27 dos factos provados, não seja o seu vencimento líquido, trata-se de questão nova, que não foi suscitada nos articulados e, como tal e conforme é pacificamente defendido nos nossos tribunais superiores, não pode ser conhecida em sede de recurso.

Pelo exposto manter-se-á o valor fixado para o ressarcimento da incapacidade do autor, a suportar pela apelante.


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Quanto aos danos não patrimoniais, a apelante discorda da indemnização atribuída ao autor, no montante de €10.000,00, referindo que do acidente resultou para o demandante, apenas, traumatismos, sem fraturas, no decurso dos tratamentos o autor não foi internado em Hospital ou Casa de Saúde, foi submetido a uma intervenção cirúrgica, sem que se tenha provado que para a sua realização o autor tenha sido internado ou submetido a anestesia geral e os demais tratamentos consistiram em consultas e fisioterapia, o quantum doloris foi avaliado em 4, numa escala de 1 a 7 e ficou a padecer de uma IPG de 3 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade profissional, implicando apenas esforços acrescidos.

Na sentença recorrida considerou-se, porém, que:

- O autor tinha, à data do acidente, 42 anos de idade;

- Como consequência direta e necessária do embate, o autor ficou desgostoso ao ver o seu ciclomotor amolgado;

- Sofreu traumatismo dos dois ombros, da perna e do joelho direito, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo;

- Após o embate, o autor foi transportado, de ambulância, para o Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de Ponte de Lima, onde lhe foram prestados os primeiros socorros; o autor teve alta e regressou a sua casa no próprio dia do acidente, onde se manteve retido no leito durante duas semanas.

Em virtude do embate, o autor foi quatro vezes à consulta externa do Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de Ponte de Lima, nos dias 26.07.2006, 6.08.2006, 23.08.2006 e 05.09.2006 e fez 141 sessões de tratamento de fisioterapia, na Clínica de Reabilitação do Vale do Lima, Ldª, sita em Ponte de Lima; dirigiu-se 36 vezes aos Serviços Clínicos da S, no Hospital de Santa Maria, sito no Porto, para fazer exames de diagnóstico e tratamento;

- Obteve alta médica no dia 5 de março de 2007, mas no dia 6 de junho de 2007, o autor teve uma recaída, passando a frequentar, novamente, os Serviços Clínicos da S, no Hospital de Santa Maria, no Porto, onde lhe foi diagnosticada uma hidartrose e lesão meniscal, que foi corrigida através de uma intervenção cirúrgica; após o que passou a andar de canadianas durante um mês;

- A data da consolidação das sequelas sofridas pelo autor ocorreu em 7 de maio de 2008;

- No momento do embate e nos instantes que o precederam, o autor sofreu um enorme susto, que o fez recear pela própria vida;

- Em virtude do embate, o autor apresenta queixas de dores localizadas à face externa do joelho direito e ficou com cicatriz na face lateral do joelho direito com cerca de 10 cm sem derrame articular, sem atrofias musculares e mobilidade preservada;

- As lesões sofridas pelo autor e as sequelas delas resultantes determinaram um período de défice funcional temporário total (anteriormente designado por incapacidade temporária geral total) situado entre 18.07.2006 e 6.06.2007 e entre 6.06.20007 e 8.06.2007, correspondente a 8 dias; a um período de défice funcional temporário parcial (anteriormente designado por incapacidade temporária geral parcial) situado entre 23.07.2006 e 5.06.2007, entre 7.07.2007 e 7.05.2008, correspondente a 624 dias; a um período de repercussão temporária na atividade profissional total (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional total) situado entre 19.07.2006 e 23.10.2006, entre 6.06.2007 e 9.07.2007, e entre 9.10.2007 e 28.04.2008, correspondendo a 334 dias; e a um período de repercussão temporária na atividade profissional parcial (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional parcial) situado entre 24.10.2006 e 8.10.2007, e entre 29.04.2008 e 7.05.2008, correspondente a 359 dias;

- Ainda em consequência do embate, das lesões e sequelas, o autor sofreu um “quantum doloris” no grau 4, numa escala de 1/7 e um dano estético no grau 1, numa escala de 1/7;

- E ficou a padecer de uma IPG de 3 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares e que tal contribuiu para o mesmo deixar de desempenhar a sua profissão de pedreiro, no regime de “biscates”;

- No futuro, e em virtude do embate, das lesões e sequelas sofridas, o autor terá necessidade, em caso de crise dolorosa, de tomar medicação para as dores.

Trata-se, como se vê, de um quadro mais completo dos danos sofridos pelo autor e que são indiscutivelmente merecedores de proteção, pela sua relevância, da tutela do direito e, como tal, indemnizáveis.

Refere o apelante que não se provou que para a sua realização o autor tenha sido internado ou submetido a anestesia geral, mas também não se provou que não tenha sido internado ou que não tenha sido submetido a anestesia geral.

A quantificação dos danos não patrimoniais, terá de ter em consideração, objetivamente, as situações atrás referidas e quantificar tais elementos de acordo com um critério equitativo, tendo em conta os valores normalmente atribuídos nas diversas situações que vão surgindo nos nossos tribunais superiores.

Daí que se nos afigure como adequada a indemnização atribuída e, como tal, se manterá a mesma.


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Por último, a apelante faz referência ao direito de reembolso da interveniente, afirmando que não se demonstrou que o acidente tenha sido um sinistro de serviço, simplesmente, face à alteração da matéria de facto e ao acima expendido, a questão já foi apreciada e terá de improceder a pretensão da apelante.

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D) Recurso subordinado do autor A

O autor entende que a indemnização por danos patrimoniais, danos futuros, com uma incapacidade de 3 pontos, no montante de €9.000,00, é manifestamente insuficiente, devendo ser fixada uma compensação no montante de €30.000,00.

Tivemos oportunidade de referir a propósito do anterior recurso que, conforme se refere no Acórdão do STJ de 01/10/2009, no processo nº 1311/05.4TAFUN.S1, “no que respeita aos danos patrimoniais a indemnização a arbitrar deve corresponder não só ao prejuízo causado, mas também aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, isto é, abrange tanto os danos emergentes como os chamados lucros cessantes onde se inclui a perda da capacidade de ganho e, nos danos não patrimoniais ou morais cabem todos aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito - art.ºs 564º e 496º do C. Civil.

A desvalorização física que afete a capacidade aquisitiva do lesado na medida em que se traduz numa redução da possibilidade de obtenção de valores patrimoniais, isto é, no não aumento do património do lesado constitui um dano (além, de não patrimonial) patrimonial - Vaz Serra, RLJ 102°, 297 - que reveste a forma de lucro cessante, que é indemnizável nos termos dos art.ºs 562º, 563º e 564º, todos do Cód. Civil, ainda que, no momento em que tal perda seja produzida, aquela capacidade não estivesse ainda a ser exercida mediante a prática de trabalho remunerado.

Dada a natureza não palpável da capacidade laboral e porque os chamados lucros cessantes futuros que resultam da redução ou afetação dessa capacidade, são sempre contingentes e aleatórios, a atribuição de uma indemnização justa e correta deve assentar em juízos de equidade, nos quais naturalmente se deve considerar como elemento auxiliar da decisão quaisquer tabelas financeiras ou fórmulas matemáticas, de forma a que a indemnização atribuída represente um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a atual durante o período de tempo provável de vida ativa do lesado.

Neste contexto, Jorge Arcanjo in "Notas Sobre a Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação", Revista do CEJ, 2º semestre de 2005, Número 3, pág. 55/57, aponta para a "determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, os seguintes tópicos:

- o período provável da vida ativa, bem como a esperança média de vida;

- a evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório;

- a taxa de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade;

- a percentagem de IPP, que pode traduzir-se em incapacidade total no ofício, sem possibilidade reconversão, ou ser possível com ou sem diminuição salarial, ou corresponder sensivelmente igual percentagem na capacidade de ganho.

A jurisprudência tem procurado estabelecer critérios de apreciação e de cálculo dos danos que, citando o Ac. do STJ de 17/06/2008 proferido na revista nº 08A1266, acessível em http://www.dgsi.pt.jstj, reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjetivismo dos magistrados, por forma a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis. Assim, citando o mesmo aresto, assentou-se de forma bastante generalizada nas seguintes ideias:

1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;

3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;

4ª) Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte;

5ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;

6ª) Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)".”

E conclui o aresto referido que “o montante indemnizatório relativo a danos futuros deve ser fixado por forma a que não seja de tal modo escasso que torne a reparação meramente simbólica, e, por outro lado, que não seja tão elevado que possa encarar-se como um autêntico enriquecimento sem causa do lesado.”

Tendo em conta os elementos apontados, com a exclusão dos referidos biscates, afigura-se-nos que o valor atribuído se mostra ajustado a indemnizar o dano sofrido, tendo em consideração os elementos indicados, bem como as formulas comummente utilizadas para o calculo de tal valor, com a relatividade de tais aplicações financeiras que deverão constituir não um elemento definito de apuramento do valor a atribuir, mas um precioso elemento coadjuvante da determinação de tal valor.

Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, resulta não se dever alterar o montante fixado na 1ª Instância.

Pelo exposto manter-se-á o valor fixado para o ressarcimento da incapacidade do autor, a suportar pela apelante.


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Entende ainda o autor que o montante de €10.000,00 fixado, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, é insuficiente, devendo fixar-se a quantia de €20.000,00.

A quantificação dos danos não patrimoniais, terá de ter em consideração, objetivamente, as situações referidas no anterior recurso que, por brevidade aqui damos por reproduzidas e quantificar tais elementos de acordo com um critério equitativo, tendo em conta os valores normalmente atribuídos nas diversas situações que vão surgindo nos nossos tribunais superiores.

Daí que se nos afigure como adequada a indemnização atribuída e, como tal, se manterá a mesma.


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Pelo exposto resulta que a apelação da ré Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, terá de ser julgada parcialmente procedente e, em consequência, fixar-se o montante indemnizatório relativo aos danos sofridos pelo ciclomotor do autor, no montante de €857,28 e, no mais, improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.

No que se refere ao recurso subordinado do autor, a apelação terá de ser julgada improcedente e, em consequência confirmada a douta sentença recorrida.


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D) Em conclusão:

1) Sendo possível e não excessivamente onerosa para o lesante, a reparação de um ciclomotor, de um lesado interveniente em acidente de viação, deverá este suportar o pagamento da reparação do mesmo, independentemente de o lesado ter vendido os salvados, antes do recebimento da quantia devida;

2) Constitui entendimento uniforme e reiterado o de que as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto;

3) A responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respetiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado;

4) O pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação;

5) Embora a fixação ao lesado, no âmbito laboral, de um montante de capital ou de uma pensão vitalícia vise ressarcir a sua incapacidade permanente para o desempenho de funções laborais, não pode a seguradora do acidente de viação escusar-se ao pagamento da indemnização que lhe cabe com o fundamento na cumulação de indemnizações, laboral e por acidente de viação.


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III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar:

1) O recurso interposto pela ré, C, parcialmente procedente e, em consequência, fixar-se o montante indemnizatório relativo aos danos sofridos pelo ciclomotor do autor, no montante de €857,28 e, no mais, improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida;

2) O recurso subordinado interposto pelo autor A, improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.

Custas por apelante e apelado, na proporção de decaimento.

Notifique.


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Guimarães, 27/04/2017



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1 - Relator: António Figueiredo de Almeida (61565041617)
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2º Adjunto: Desembargador Joaquim Espinheira Baltar