Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
200/22.2GACBC.G1
Relator: CRUZ BUCHO
Descritores: FORTES INDÍCIOS
PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL
DESPACHO DE SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
FACTOS CONCLUSIVOS
AUTO DE NOTÍCIA
DECLARAÇÕES DA OFENDIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Quer a doutrina quer a jurisprudência mais autorizadas têm salientado que a suspensão provisória do processo pela prática de idêntico ilícito deve ser valorada, na determinação da medida da pena, enquanto “conduta do agente anterior ao facto”
II- Por maioria de razão o despacho de suspensão provisória de processo pode e deve ser valorado, desde logo como elemento para aferir da credibilidade da versão da ofendida e do arguido - que, sublinha-se, declarou nunca ter agredido fisicamente a sua esposa – e como elemento para aferir o perigo de continuação da actividade criminosa.
III- O auto de notícia (violência domésticas) e as informações policiais constituem documentos que são livremente valorados pelo tribunal.
IV- O tribunal não está impedido de considerar indiciados os factos apenas com base no depoimento de uma única testemunha, mesmo que essa testemunha seja o ofendido.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:
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I- Relatório

Nos autos de Inquérito n.º 200/22.... a Juiz de Instrução Criminal ..., na sequência do primeiro interrogatório de arguido detido e por despacho de 7-12-2022, determinou que o arguido AA, com os demais sinais dos autos, por se encontrar fortemente indiciado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal “aguarde os ulteriores termos do processo sujeito, cumulativamente:

1. Às obrigações decorrentes do Termo de Identidade e Residência, já prestado nos autos a fls. 84;
2. Proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), directo ou por interposta pessoa, com a ofendida BB ou dela se aproximar num raio de 300 metros, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada;
3. Proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência da ofendida, sita na Rua ..., ... ..., e de aí permanecer, sendo esta proibição eletronicamente fiscalizada; e,
4. Proibição de adquirir, usar ou deter qualquer arma ou outros objetos e utensílios que possam facilitar a prática de crime.
Tudo ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, n.º 1, 194.º, n.º 1, 196.º, 200.º, n.º 1 alíneas a), d), e e), e 204.º alínea c), todos do Código de Processo Penal, artigo 35.º da Lei n.º 112/2009 de 16/09 e artigo 31.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro”.
Inconformado com tal decisão, o arguido dela interpôs recurso alegando, em síntese, que o despacho é nulo e que os elementos de prova reunidos nos autos não permitem dar como fortemente indiciada a factualidade que consta da decisão nem permitem a aplicação das aludidas medidas de coação.
O Ministério Público, em ambas as instâncias, pronunciou-se pela improcedência do recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se à realização da conferência
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II- Fundamentação

1. É do seguinte teor o despacho recorrido
«Depois de realizado o interrogatório do arguido e analisada toda a prova produzida até este momento, afigura-se-nos poder ser afirmado que indiciam fortemente os autos a seguinte factualidade alegada pelo Ministério Público:
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1. Factos indiciados.

1.º- 1. O arguido CC casou com a ofendida BB, no dia 14.08.1993, fixando residência na Rua ..., em ....
2.º- Principalmente, desde Janeiro de 2001, que o arguido passou a consumir diariamente álcool em excesso sendo que, desde então, e nesse contexto, sempre que chegava a casa insultava a ofendida, dirigindo-lhe diversos impropérios, chegando mesmo a agredi- la fisicamente, o que levou a que a vítima apresentasse queixas em Tribunal, dando origem a inquéritos, tendo o último dos quais, com o n.º 264/20...., sido suspenso provisoriamente e, por decisão de 29/06/2022, determinado o seu arquivamento (cfr. Certidão de fls. 37 a 53).
3.º- No dia 29.08.2022, cerca das 22h2, no interior da residência do casal e quando a ofendida BB já se encontrava no seu quarto a preparar-se para dormir, ali chegou o arguido e iniciou uma discussão, tendo em voz alta e tom sério, ao mesmo tempo que gesticulava, tentando-a agredir e proferido as seguintes expressões, que lhe dirigiu: “Minha puta. Minha vaca do caralho. Sua puta”.
4.º- Nessa sequência, e após inúmeras tentativas mal sucedidas, o arguido logrou atingir a ofendida, desferindo-lhe vários murros, na zona da cabeça, tenho, de seguida, a agarrado pela cabeça, na zona das orelhas e puxou-a para cima da cama, pressionando a cabeça da ofendida contra o colchão, começando a sufocá-la, impedindo-a de respirar.
5.º- Em virtude de o arguido se mostrar bastante alcoolizado, a ofendida conseguiu libertar-se dele e coloca-lo fora do quarto, tendo, no imediato, trancado a porta, por dentro, com medo e para evitar ser novamente importunada. 6.º- Das agressões supra descritas em 4., a ofendida sentiu dor, provocando-lhe sangramento a nível da região retroauricular esquerda, escoriação superficial de cerca de 2mm na região auricular esquerda, lesões que determinaram 3 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho.
7.º- No período compreendido entre o dia 08.11.2022 e o dia 09.11.2022, diariamente o arguido chega à residência alcoolizado, e, nessas ocasiões, dirige os seguintes impropérios à vítima: “És uma grande puta. Minha Vaca. Puta”, fazendo com que esta. Com medo, se tranque no quarto, de imediato.
8.º- Nomeadamente, desde dia não apurado do mês de Março de 2022, e durante cerca de uma semana, o arguido, também com uma frequência diária, quando via a porta do quarto da BB trancada, começava a bater nela com o auxílio de uma bengala com o pé em ferro, fazendo com que a porta daquela divisão ficasse “esburacada” em várias zonas.
9.º- Ao atuar como descrito, ao longo do período referenciado, de forma reiterada, o arguido quis maltratar psicológica e fisicamente a ofendida e atingir a sua honra, consideração e dignidade pessoal, o que conseguiu.
10.º- Quis igualmente o arguido com tais comportamentos/condutas, intimidar a ofendida e perturbar o seu sentimento de segurança e de liberdade pessoal, causando-lhe inquietação e fazendo-a temer pela sua própria vida e, bem assim, compeli-la a determinados comportamentos e atos, contra a vontade da mesma, o que logrou fazer.
11.º- Mais sabia que, ao atuar da forma como o fez, ampliava o sentimento de receio da ofendida.
12.º O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que toda a sua conduta era proibida e punida por lei penal..
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2. Motivação.

A matéria de facto tida por fortemente indiciada e ora descrita fundamenta-se nos seguintes meios de prova:
Pericial:
- Relatório de perícia Avaliação do Dano, fls. 20, 21, 95 e 96.
Documental:
- Auto de Notícia de fls. 4 e 5;
- Informação de fls. 22 e 23;
- Certidão de fls. 37 a 54;
- Certidão de nascimento de fls. 34;
- Certificado de Registo Criminal de fls. 32;
- Elementos clínicos de fls. 68;
- Informação do NAE da P.S.P. de fls. 55.
Testemunhal:
- BB, ofendida, melhor id. a fls. 59;
- Declarações do arguido prestadas na presente diligência.
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Explicitando.

Da conjugação dos meios de prova supra referidos, nomeadamente da análise do depoimento da ofendida, que se mostra suficientemente credível atenta a sua pormenorização, resulta fortemente indiciada a prática dos factos que são imputados ao arguido.
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3. Subsunção jurídica.

A matéria de facto supra descrita permite afirmar que o arguido incorreu na prática, em autoria material e sob a forma consumada, de:
- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do Código Penal, a que acrescem as penas acessória dos n.ºs 4 a 5 do mesmo artigo.
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4. Das necessidades cautelares e medidas de coacção.

Feita a qualificação jurídica dos factos indiciados, a justificação e fundamentação dessa mesma indiciação e as explicações tidas por pertinentes, cumpre agora determinar se ao arguido deve ou não ser aplicada alguma medida de coacção, para além do simples termo de identidade e residência já prestado, e, em caso afirmativo, qual.
A este propósito importa começar por referir, naturalmente, que o decretamento de uma qualquer medida de coacção, com excepção do termo de identidade e residência, está sujeito aos requisitos enunciados no artigo 204.º do Código de Processo Penal, os quais se devem verificar em concreto, ainda que não sejam cumulativos. Ou seja, basta a ocorrência de um destes pressupostos para justificar a restrição cautelar das liberdades fundamentais de um cidadão.
Assim, e de acordo com o previsto na citada disposição normativa, para que possa ser aplicada medida de coacção mais gravosa que o simples termo de identidade e residência exige-se a verificação em concreto de pelo menos um dos seguintes requisitos:
- Fuga ou perigo de fuga;
- Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou,
- Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
De forma genérica diremos, desde já, que é bastante elevada a gravidade objectiva dos factos imputados, consubstanciadores, conforme aludimos atrás, da prática de um crime atentador do bem jurídico supremo, que é a vida.
A esta gravidade objectiva acresce aquela outra de índole subjectiva, consubstanciada no efeito que tais condutas têm nos familiares mais próximos das vítimas e até na própria sociedade em geral.
Ainda que se reconheça que a sujeição do arguido a uma qualquer medida de coacção não pode ser entendida como antecipação do cumprimento de uma pena futura, também não deixa de ser verdade, cremos, que as necessidades de prevenção, até por força do efeito que tais factos causam na sociedade, sublinha-se, se devem fazer sentir desde logo em sede de primeiro interrogatório judicial.
Posto isto, vejamos se nos autos se encontra preenchido algum dos referidos requisitos supra referidos.
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Quanto ao perigo de fuga – alínea a) do artigo 204.º do Código de Processo Penal.
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/11/2011, proferido no processo n.º 828/10.3JAPRT-D.P1, consultável no sítio da internet www.dgsi.pt, «o perigo de fuga há-se ser conclusão, a par de todos os restantes requisitos, a extrair de factos concretos, evidenciados no processo.
A propósito deste requisito geral da aplicação da prisão preventiva, devemos dizer – o que nunca é demais, pela frequência inusitada e injustificada, como é convocado – o seguinte: não existe qualquer presunção de perigo de fuga e, designadamente por alguém ter conhecimento de ser arguido num processo, de poder vir a ser, por via disso, condenado em pena de prisão ou de – o que de todo se não evidencia nos autos - ter meios económicos superiores ao cidadão comum ou, ainda, ter possibilidade de num qualquer outro ponto do país ou no estrangeiro recomeçar a vida profissional.
Aquela conclusão há-de estar relacionada, ainda, para além, naturalmente da gravidade dos factos e correspondente moldura penal abstracta, com a real situação pessoal, familiar, social e económica do arguido, e com factos que indiciem uma preparação para a concretização de tal intento.
Não foge quem quer; não foge, necessariamente, quem pode, como da mesma forma não foge, automaticamente, quem tem problemas com a justiça (…).».
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Quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova – alínea b) do artigo 204.º, do Código de Processo Penal.
Trata-se de uma exigência cautelar para salvaguarda do desenrolar da investigação, com particular acuidade no potencial probatório, incluindo a sua genuinidade.
Este perigo de perturbação diz respeito às fontes probatórias que já se encontram nos autos ou que possam vir a ser obtidas e consiste no risco, sério e actual, de ocultação ou alteração das mesmas por parte do arguido.
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Quanto ao perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas – alínea c) do artigo 204.º, do Código de Processo Penal.
Esta condição, que deve igualmente ser concretizada, tem em vista a salvaguarda futura da paz social, que foi afectada com a conduta criminosa revelada pelo arguido e que tem potencialidades, objectivas (natureza e circunstâncias) ou subjectivas (personalidade), para continuar a alarmar ou mesmo para manter essa actividade delituosa.
Para o efeito torna-se necessário efectuar um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, atendendo às circunstâncias anteriores ou contemporâneas à sua indiciada actividade delituosa.
Diga-se que tal juízo de perigosidade social deverá estar sempre conexionado com a existência dessa conduta ilícita e não com quaisquer preocupações genéricas de defesa social, que sejam jurídico-penalmente neutras.
Nem tão pouco, deverá ter que ver com meras situações de «alarme social», despidas de qualquer ilicitude.
Por outro lado, e conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01/07/2009, proferido no âmbito do processo 451/09...., este pressuposto da perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas, ainda que despido do «cunho estritamente objectivo» que decorria da anterior redacção deste segmento normativo, deve ser insuflado ou estar relacionado com o direito à liberdade e à segurança, instituído pelo artigo 5.º da C.E.DH. E isto não apenas na perspectiva do arguido, mas também dos cidadãos que possam ser potenciais vítimas da conduta criminosa praticada por aquele e que se encontra indiciada.
Daí que este pressuposto se revele na função preventiva do processo penal face à perigosidade social revelada pelo arguido, seja mediante um controlo cautelar e pré-punitivo (medidas de coacção), seja de contenção do conflito social provocado pela correspondente conduta delituosa.
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Vertendo para o caso em apreço.
O tribunal entende que estão indiciados os factos que constam da acusação, pese embora os mesmos se basearem apenas nas declarações da ofendida e do relatório médico legal, o certo é que, esta mesma perícia conclui a fls. 96 que as lesões que foram constatadas na ofendida BB, são compatíveis com a informação pela mesma prestada, isto é, de que terá sido vitima de agressão.
Veja-se que, apesar de o arguido ter negado alguma vez ter batido na ofendida, o certo é que dos autos resulta informação diametralmente oposta a que foi por si foi declarada, pois, pelo menos em duas situações tal se terá verificado, atendendo a que já lhe foi aplicada uma suspensão provisória do processo pela prática de factos semelhantes, no processo 264/20...., e dos quais resulta precisamente uma agressão física perpetrada pelo arguido no corpo da ofendida, o que quanto a nós, reforça as declarações que a mesma prestou, nestes autos.
Ademais, arguido e ofendida continuam a coabitar, facto admitido pelo arguido, sendo que a ofendida relata vários episódios em que é agredida verbalmente pelo arguido, facto que o próprio admitiu.
Assim sendo, entendemos que há um grave perigo da continuação da atividade criminosa, já que é consabido o problema de alcoolismo de que padece o arguido, sendo que o mesmo admitiu que não se encontra, no presente momento, totalmente abstinente.
Acresce ainda que o fluxograma constante de fls. 113 e ss situa o nível de risco em elevado para situações de violência doméstica.
Pelo exposto, consideramos necessárias, justas e adequadas as medidas de coação propostas pelo Ministério Público.
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5. Decisão.

Nestes termos, tendo em atenção tudo quanto deixei dito supra e sem necessidade de ulteriores considerações, decido que o arguido AA aguarde os ulteriores termos do processo sujeito, cumulativamente:
1. Às obrigações decorrentes do Termo de Identidade e Residência, já prestado nos autos a fls. 84;
2. Proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), directo ou por interposta pessoa, com a ofendida BB ou dela se aproximar num raio de 300 metros, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada;
3. Proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência da ofendida, sita na Rua ..., ... ..., e de aí permanecer, sendo esta proibição eletronicamente fiscalizada; e,
4. Proibição de adquirir, usar ou deter qualquer arma ou outros objetos e utensílios que possam facilitar a prática de crime.
Tudo ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, n.º 1, 194.º, n.º 1, 196.º, 200.º, n.º 1 alíneas a), d), e e) , e 204.º alínea c), todos do Código de Processo Penal, artigo 35.º da Lei n.º 112/2009 de 16/09 e artigo 31.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
(…)».
***
2. Conforme é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402.º, 403.º e 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98).

Neste recurso são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

· Nulidade do despacho recorrido (artigo 97.º, n.4 do CPP);
· Ausência de fortes indícios
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3. Erro de escrita

Como bem assinala a Exm.ª PGA no seu esclarecido parecer, no n.º7 dos factos indiciados quando se contextualiza no tempo a actuação do arguido ocorre um lapso ao mencionar-se “No período compreendido entre 8/11/2022 e 9/11/2022…
Com efeito, conforme resulta das declarações da ofendida prestadas perante o OPC e em que se alicerçou aquele facto, a actuação do arguido iniciou-se em 8-11-2020 e não em 8-11-2022.
Diga-se, aliás, que a menção àquele dia 8-11-2022 não se encontra em consonância com o adverbio diariamente utilizado na referia frase (“No período compreendido entre o dia 08.11.2022 e o dia 09.11.2022, diariamente o arguido chega à residência alcoolizado, e, nessas ocasiões, dirige os seguintes impropérios à vítima: “És uma grande puta. Minha Vaca. Puta”, fazendo com que esta, com medo, se tranque no quarto, de imediato”), nem com o teor do facto seguinte n.º8 (“ Nomeadamente, desde dia não apurado do mês de Março de 2022, e durante cerca de uma semana, o arguido, também com uma frequência diária, quando via a porta do quarto da BB trancada, começava a bater nela com o auxílio de uma bengala com o pé em ferro, fazendo com que a porta daquela divisão ficasse “esburacada” em várias zonas).
Estamos, pois, perante um erro de escrita patente, notório em face do texto do despacho recorrido e que, por não envolver qualquer modificação essencial, é rectificável nos termos do artigo 380.º, n.º1, alínea b) e n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.
Assim, onde no número 7º dos factos indiciados se lê “No período compreendido entre 8/11/2022 e 9/11/2022…” deve passar a constar “No período compreendido entre 8/11/2020 e 9/11/2022…”
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4. Nulidade do despacho recorrido (artigo 97.º, n.º4 do CPP).

Sustenta o recorrente que:
«A Meritíssima Juiz considerou que o arguido agrediu a ofendida (uma única vez) e insultou-a em duas ocasiões, apenas com base no que esta disse, considerando que a mesma relatou tais factos de forma pormenorizada. Todavia, não explicou a Meritíssima Juíza que pormenores foram esses, nem explicou através de um raciocínio lógico, por que razão os considerou credíveis e coerentes.
Ou seja, a Meritíssima Juiz não fundamentou suficientemente, por que motivo deu credibilidade ao depoimento da ofendida.
Por conseguinte, o despacho ora recorrido, nesta parte, padece de nulidade – artigo 97 nº 5 C.P.C».
Não tem, manifestamente, razão.
As causas de nulidade do despacho que determina uma medida de coacção encontram-se enunciadas no artigo 194.º do CPP.
Conforme decorre do despacho recorrido acima transcrito, dele consta a descrição dos factos concretamente indiciados, dos elementos do processo que indiciam aqueles factos, qualifica juridicamente os factos e referencia os factos que preenchem os pressupostos da aplicação da medida de coacção imposta ao arguido.
Consequentemente não ocorre qualquer nulidade.
O recorrente parece antes invocar a irregularidade do despacho por insuficiente fundamentação
Mas essa irregularidade deveria ter sido arguida logo após a prolação do despacho antes de a diligência ter sido encerrada (artigo 123.º, n.º1 do CPP), pelo que a ter existido há muito se encontra sanada.
Ex abundante sempre se dirá que nenhuma irregularidade se verifica, porquanto do despacho recorrido resulta claramente quais as razões que levaram a M.ª juiz conferir credibilidade às declarações da ofendida, tendo salientado nomeadamente que as lesões invocadas foram confirmadas medico-legalmente e que já anteriormente fora aplicada ao arguido a suspensão provisória do processo pela prática de factos semelhantes, no processo 264/20...., e dos quais resulta precisamente uma agressão física perpetrada pelo arguido no corpo da ofendida.
Nesta parte improcede o recurso.
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4. Ausência de fortes indícios

O recorrente sustenta que os elementos de prova reunidos nos autos não permitem dar como fortemente indiciada a factualidade que consta da decisão nem permitem a aplicação das aludidas medidas de coação.
§1. Para o efeito o recorrente começa por enunciar as seguintes três razões de natureza processual:
«- Em primeiro lugar, como é sabido, o auto de notícia e informações policiais não podem ser considerados elementos de prova, sobretudo, como ocorre nos presentes autos, no caso em que os elementos policiais que se limitaram a redigir o auto e as informações policiais, de acordo com o que lhes foi transmitido pela ofendida, não tendo presenciado os factos.
- Em segundo lugar, o despacho de arquivamento, proferido ao abrigo do disposto no artigo 277.º, n.1 do CPP, constante da certidão extraída do inquérito nº 264/20...., jamais poderia ser considerado um elemento de prova válido, sob pena de grave violação do princípio da inocência constitucionalmente consagrado.
- Em terceiro, compulsada a factualidade enunciada, verifica-se que a mesma está eivada de meras conclusões, vedando-se assim, por essa via, ao arguido, o exercício do contraditório e do direito de defesa».
Não pode sufragar-se a argumentação do recorrente.
Em primeiro lugar nada permite afirmar que o auto de notícia e as informações de fls. 22 e 23 não são elementos de prova.
O “auto de notícia (violência doméstica)” junto a fls. 4 e 5 dos autos principais comprova que a ofendida deslocou-se à GNR ... no dia 30.08.2022, dando conta que, é vítima de violência doméstica, há cerca de 10 anos, por parte do seu marido e que no dia 29.08.2022 (dia anterior), cerca das 22.20 horas foi alvo de agressões físicas e insultos no interior da residência que lhe causaram um ferimento na zona da orelha.
Trata-se de documentos que são livremente valorados pelo tribunal.
Em segundo lugar, não foi valorado o despacho de arquivamento mas o despacho que aplicou a suspensão provisória no processo.
Nada obsta à valoração deste despacho sendo certo que a tal não se opõe o principio da presunção de inocência.
Como bem saliente a Exmª PGA no seu esclarecido parecer aquele despacho representa o passado criminal do arguido, embora não levado ao certificado de registo criminal. E tanto pode e deve ser valorada a situação em causa, que a própria lei impede o recurso a igual mecanismo em futuros processos, quando o arguido já tenha dele beneficiado conforme o disposto no art.º 281.º n.º 1 al. c) do CPP.
Aliás, como bem se salienta na resposta ao recurso a ofendida requereu até a aplicação do mecanismo da suspensão provisória do processo mediante a aplicação de uma injunção que passasse pela realização de tratamento do arguido ao problema adição alcoólica de que o arguido padece, que não veio a ser aplicado porque o arguido já beneficiou de tal mecanismo no processo 264/20.....
Note-se que quer a doutrina quer a jurisprudência mais autorizadas têm salientado que a suspensão provisória do processo pela prática de idêntico ilícito deve ser valorada, na determinação da medida da pena, enquanto “conduta do agente anterior ao facto” (cfr.,v.g., Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 253, §353, Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra, 1995, pág. 669 e nota 197, Jescheck, Tratado de Derecho Penal, trad. espanhola, 4ªed., Granada, 1993, pág. 806 e os Acs. desta Relação de Guimarães de 8-10-2012, proc.º n.º 190/11.7GCVVD.G1, rel. Fernando Monterroso e de 7-3-2022, proc.º n.º 132/21.1GBTMC.G1, rel. Anabela Varizo Martins).
Por maioria de razão aquele despacho de suspensão provisória de processo pode e deve ser valorado nestes autos, desde logo como elemento para aferir da credibilidade da versão da ofendida e do arguido - que, sublinha-se, declarou nunca ter agredido fisicamente a sua esposa – e como elemento para aferir o perigo de continuação da actividade criminosa.
Por último, e salvo o devido respeito, não tem qualquer fundamento a afirmação de que a factualidade enunciada, está eivada de meras conclusões, vedando-se assim, por essa via, ao arguido, o exercício do contraditório e do direito de defesa.
O recorrente limita-se a enunciar duas pretensas conclusões.
A primeira conclusão constaria do facto indiciado n.º 2º onde se refere que “Principalmente desde Janeiro de 2001, que o arguido passou a consumir diariamente álcool em excesso…”.
Segundo o recorrente “o que consiste beber álcool em excesso? Não sabemos. Existe pelo menos no processo algum relatório clinico ou outro elemento que permita concretizar, e com segurança, tal conclusão? A resposta é negativa”.
Salvo o devido respeito a argumentação é meramente retórica.
Dizer-se que alguém consome diariamente álcool em excesso não é matéria conclusiva. Qualquer cidadão percebe imediatamente do que se trata: alguém consome todos os dias álcool em quantidades fora do normal, do que é razoável não se exigindo qualquer explicitação adicional sobre o tipo de álcool ingerido (vinho, bebidas brancas, cerveja, etc), nem muito menos sobre as quantidades ingeridas ao nível de litros ou decilitros.
Para o efeito não é preciso qualquer relatório clínico.
Aliás, toda esta discussão é absolutamente surrealista se tivermos em conta a informação policial junta a fls. 19 destes autos (aditamento ao auto de notícia respeitante ao NUIPC 264/20....) onde se dá conta, para além do mais, de que “(…) o suspeito é sobejamente conhecido dos serviços desta Guarda de ... por andar constantemente alcoolizado na via pública, caindo várias vezes na via pública por ‘blackouts’ alcoólicos, sendo socorrido ora pela GNR ora pelo BV locais”, conjugado com a circunstância de no âmbito daquele processo 264/20.... o arguido ter assumido o seu problema de dependência alcoólica, de a suspensão provisória do processo ter sido sujeita à obrigação do arguido “cessar o consumo de bebidas alcoólicas e sujeitar-se e manter-se vinculado a um tratamento à sua dependência alcoólica, em serviço de saúde especializado (…)”, de no relatório final de execução se consignar que “o arguido tem vindo a cumprir o tratamento de alcoolismo no Centro de Respostas Integrados de ..., com recurso a medicação (…). Aliás, logo no auto de 29-8-2022 a ofendida dava conta de que o denunciado tem problemas de alcoolismo e no despacho recorrido refere-se inclusivamente que “(…) é consabido o problema de alcoolismo de que padece o arguido, sendo que o mesmo admitiu que não se encontra, no presente momento, totalmente abstinente”.
A segunda conclusão que o recorrente reputa inadmissível reporta-se ao facto indiciado sob o n.º 3 [“No dia 29.08.2022, cerca das 22h2, no interior da residência do casal e quando a ofendida BB já se encontrava no seu quarto a preparar-se para dormir, ali chegou o arguido e iniciou uma discussão, tendo em voz alta e tom sério, ao mesmo tempo que gesticulava, tentando-a agredir e proferido as seguintes expressões, que lhe dirigiu: “Minha puta. Minha vaca do caralho. Sua puta”] na parte em que refere que o arguido tentou agredir a ofendida BB.
Diz o recorrente: “Ora, uma vez mais, o que é tentar agredir? Em que atos concretos praticados pelo arguido tal se traduziu? Estamos perante um facto claramente conclusivo e vago, que não poderia constar da acusação ou dos factos provados da sentença, porquanto, tal circunstância impede qualquer direito de defesa do arguido”.
Ao contrário do que pretende o recorrente não estamos perante uma acusação nem muito menos perante uma sentença, pelo que o grau de concretização exigível naquelas peças processuais não tem aqui lugar.
Quando se refere que o arguido no circunstancialismo de tempo e espaço descrito naquele facto indiciado tentou agredir a ofendida quis-se naturalmente frisar que com os gestos que efectuava pretendia atingir fisicamente a ofendida
Aliás aquela matéria, que fora já alegada pelo Ministério Público, foi dada a conhecer ao arguido e este não teve qualquer dificuldade em se defender.
§2. Seguidamente o recorrente alega que “a Meritíssima Juiz considerou que o arguido agrediu a ofendida (uma única vez) e a insultou em duas ocasiões, apenas com base no que esta disse, considerando que a mesma relatou tais factos de forma pormenorizada”.
Já o arguido “apresentou um relato pormenorizado, assumindo as expressões injuriosas proferidas e negando em absoluto as agressões, sustentando que as lesões apresentadas pela ofendida terão sido provocadas por circunstâncias que lhe são alheias”, o qual “não mereceu qualquer apreciação critica. por parte da Meritíssima Juiz”
E conclui no sentido de que “tudo resumido, a prova dos autos, como em casos semelhantes, resume -se às declarações da ofendida, por um lado, e do arguido, por outro lado. Sucede que analisando tais depoimentos não é possível, com a necessária segurança, privilegiar a primeira em detrimento da segunda, sendo certo que, em tal situação., a decisão deverá ser sempre aquela que se apresentar mais favorável ao arguido, em obediência ao principio in dubio pro reo”.
Não pode sufragar-se esta argumentação.
Em primeiro lugar, em face da factualidade indiciada não pode concluir-se que “o arguido agrediu a ofendida (uma única vez) e a insultou em duas ocasiões”.
Recorda-se que para além dos factos ocorridos em 29-8-2022 (cfr. factos n.ºs 3 a 5), também resultaram indiciados outros factos nomeadamente os referidos sob os n.ºs 7 e 8.
Em segundo lugar, as declarações do arguido são livremente valoráveis. E, contrariamente ao afirmado pelo recorrente foram objecto de apreciação crítica. A Mª juiz não lhes conferiu credibilidade na parte em que declarou nunca ter agredido fisicamente a ofendida.
Pelo contrário, a versão apresentada pela ofendida foi considerada credível.
Ora, parafraseando o douto Ac. desta Relação de Guimarães 28-6-2004, rel. Heitor Gonçalves, o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente, pois que, cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos actos não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova.
Como justamente se sintetizou no Ac. da Rel. do Porto de 12-5-2004: “I- A convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibida, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. II - Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum deve acolher-se a opção do julgador”.
No caso em apreço, não estão em causa provas ilegais ou proibidas, ou a força probatória plena de certos meios de prova, nem a decisão afronta, de forma manifesta, as regras da experiência comum.
Julgar pressupõe optar, escolher, decidir.
No caso sub judice, o julgador optou, escolheu, decidiu-se por uma das versões.
A opção levada a cabo pelo julgador não foi feita, porém, de forma caprichosa ou arbitrária. Pelo contrário, mostra-se plenamente objectivada e com absoluta transparência.
A este respeito sempre se dirá que as vicissitudes ocorridas após a aplicação das medidas de coação, concretamente a circunstância de a ofendida não ter prestado consentimento para instalação de equipamentos de geo-localização não tem qualquer relevância para o efeito já que, contrariamente ao que pretende o recorrente, em nada fragiliza aquele depoimento.
Por outro lado, não há que convocar a aplicação do princípio in dubio pro reo
A violação do princípio in dubio pro reo exige a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido (cfr. v.g., o Ac. do STJ de 29-4-2003, proc.º n.º 3566/03-5ª, rel. Simas Santos, in www.pgdlisboa.pt/).
Por isso também que para fundamentar essa dúvida não baste, que tenha havido versões díspares ou mesmo contraditórias (cfr., v.g. os acs. desta Rel. de Guimarães de 9-5-2005, proc.º n.º 475/05, rel. Maria Augusta, e da Rel. de Coimbra de 24-2-2010, proc.º n.º 138/06.0GBSTR.C1, rel. Gomes de Sousa, ambos in www.dgsi.pt).
No caso em apreço nem a M.ª juiz teve qualquer dúvida nem a prova produzida implicava que a tivesse.
Em terceiro lugar é evidente que o depoimento da ofendida teve um papel muito relevante na convicção da M.ª juiz.
Mas, conforme constitui jurisprudência uniforme, nomeadamente desta Relação, o velho aforismo “testis unus testis nullus”, carece de eficácia jurídica num sistema como o nosso em a prova já não é tarifada ou legal mas antes livremente apreciada pelo tribunal [sobre aquela regra unus testis, testis nullius, cujas origens remontam a Moisés, as criticas que lhe foram sendo dirigidas ao longo da história (De Arnaud, Blackstone, Bentham, Meyer, Bonnier), a sua abolição e a possibilidade de um único depoimento, nomeadamente as declarações da vítima, poderem ilidir a presunção de inocência e fundamentarem uma condenação, cfr., desenvolvidamente, Aurélia Maria Romero Coloma, Problemática de la prueba testifical en el proceso penal, Madrid, 2000, Cuadernos Civitas, págs. 69 a 91].
Como o nosso maior processualista afirmou “No seu critério de livre apreciação o tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ela tenham deposto várias testemunhas” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, reimp., Coimbra, 1981, pág. 357).
Mais recentemente, o Prof. Germano Marques da Silva salientou que “Não é possível dizer-se ou antes não constitui regra da experiência a ter em conta na valoração da prova, o número de depoimentos concordantes; a verdade não é fruto da quantidade de depoimentos nem a circunstância de o testemunho ser único é razão para o seu afastamento (Produção e Valoração da Prova em Processo Penal, in Revista do CEJ, 1º semestre 2006, n.º 4, número especial, pág. 50).
Também o STJ já afirmou que “Em regime de livre apreciação da prova, não tem cabimento a regra antiga de "testis unus testis nulus”(Ac. de 16-12-1992, proc.º n.º 42874, rel. Cons.º Sá Nogueira).
O Ac. da Rel. do Porto de 25-3-2010, proc.º n.º 17151/04.5TJPRT-A.P1, rel. Vieira e Cunha afirmou igualmente que (…) podendo um facto ser objecto de prova testemunhal, nada obsta a que o julgador forme a sua convicção apenas com base no depoimento de uma única testemunha – é obsoleta e ilegal a regra testis unus, testis nullus (escreveu-se no Ac.R.C. 15/12/87 Bol.371/482)”; cfr. no mesmo sentido, v.g., o Ac. da Rel. de Lisboa de 14-10-2020, proc.º n.º 170/18.1PLLSB.L1-3, rel. Cristina de Almeida e Sousa).
Consequentemente, o tribunal não está impedido de considerar indiciados os factos apenas com base no depoimento de uma única testemunha, mesmo que essa testemunha seja o ofendido.
Mas no caso em apreço a convicção do tribunal nem sequer se alicerçou exclusivamente no depoimento da ofendida.
Como bem se sintetiza na resposta ao recurso, “Relativamente à prova testemunhal – e o facto de os factos fortemente indiciados resultarem em particular do depoimento da ofendida BB e na sua versão dos factos – cremos que nada obsta a que a convicção do tribunal se forme apenas com base no depoimento de uma única testemunha, ainda que essa testemunha seja a ofendida, desde que o seu relato, atentas as circunstâncias e modo como é prestado, lhe mereça credibilidade tanto mais que, no caso concreto, tal depoimento surge alicerçado em prova documental e pericial”.
Pode, pois, concluir-se no sentido de que todos os indícios resultantes dos elementos mencionados no despacho recorrido, devidamente conjugados, permitem inferir com a exigida segurança, pela prática pelo arguido AA de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal.
Tais indícios não podem deixar de qualificar-se como “fortes”, no sentido que a doutrina e a jurisprudência lhe empresta, isto é, “indícios fortes são as razões que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento da prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica” (Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa, 2007, pág. 337).
Também nesta parte o recurso improcede.
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III- Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em:

a) Rectificar o erro de escrita constante do n.º7 dos factos indiciados, nos moldes supra referidos;
b) Julgar o recurso improcedente.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3UC.
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Guimarães, 17 de Abril de 2023